Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:699/19.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/21/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÓNUS DE PROVA
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DA DECISÃO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA
ERRO NA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
Sumário:I - Há lugar à avaliação indirecta da matéria colectável quando o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT e o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela (50% do valor anual).
II - A interpretação teleológica da norma consagrada no art. 89.º-A da LGT sugere um elemento de conexão, uma relação causal, entre um certo rendimento e uma determinada manifestação de fortuna.
III - Reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável nos termos do artigo 89°-A da LGT, cabe ao contribuinte fazer prova da mobilização dos concretos meios financeiros de referência – empréstimos e créditos – para empréstimos efectuados na sociedade de que é sócio, não bastando para justificar a manifestação de fortuna evidenciada a demonstração da existência da disponibilidade financeira alegada.
IV - Dito de outro modo, para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos, sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUIZES DESEMBARGADORES DE TURNO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A… e cônjuge, M…, recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente o recurso interposto, ao abrigo do disposto no art.º 89.º-A, n.ºs 7 e 8 da Lei Geral Tributária e no art.º 146.º-B do CPPT, da decisão do Exmo. Senhor Director de Finanças de Leiria de avaliação da matéria colectável por método indirecto relativamente ao rendimento da categoria G de IRS/2015.

Os Recorrentes terminam as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
A) – A douta sentença recorrida julgou improcedentes as causas de pedir sujeitas a julgamento pelos Recorrentes, nomeadamente a ilegalidade da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, relativamente ao rendimento da categoria G de IRS do ano de 2015, a ilegal quantificação do rendimento tributável – categoria G do ano de 2015 e, por último, o recurso à avaliação indireta para fixar rendimentos da categoria B e da categoria G).

B) – Consideram os Recorrentes que a douta sentença padece de erro de julgamento de facto e consequentemente erro de julgamento de direito.

C) – A douta sentença efetuou uma avaliação e valoração errada da prova produzida o que determinou que fosse considerado não provado o seguinte facto:
“A) Em junho de 2015, o recorrente marido, em nome pessoal, solicitou e recebeu da sociedade “C…, S.A.”, um empréstimo no montante de € 60.000,00.”.

D) – Em segundo lugar, porque a douta sentença não considerou provados factos cuja prova consta dos autos, e em terceiro lugar porque extraiu conclusões que estão em contradição com os factos provados.

E) - Relativamente ao facto não provado, importa ter em conta o teor documento 48 junto aos autos com a Petição Inicial (artigo 52º), que comprova que o Recorrente marido, a título pessoal, solicitou um empréstimo à sociedade C…, S.A., no valor de € 60.000,00, valor que lhe foi entregue através do cheque n.º 6249894737, do B…, datado de 23/06/2015, cheque que consta dos autos – documento 48 – junto com a P.I.

F) – Cheque foi depositado nesse mesmo dia (23/06/2015) na conta n.º 4…da C… da Batalha, conforme consta do talão de depósito, e do extrato de conta desse dia que fazem parte do documento 48.

G) – Parte deste valor (€ 40.000,00) foi transferido para a conta com o n.º 4…, também da C….

H) – O Recorrente, devolveu à Sociedade C… S.A. o referido empréstimo, devolução que ocorreu através de quatro cheques que fazem parte do documento 48 junto aos autos com a P.I.

I) – A devolução que não foi tida em conta pelo Tribunal “a quo”, que ignorou por completo tal facto, facto que permite concluir que a entrada na conta bancária do Recorrente do valor de € 60.000,00 resulta de um empréstimo e não de um pagamento respeitante a fornecimento de bens ou prestação de serviços, como teoriza a douta sentença recorrida.

J) – Para prova de tal facto basta que seja comprovada a origem da entrada do montante de 60.000,00 na conta bancária do Recorrente marido, origem que se encontra provada e documentada pelo cheque emitido pela sociedade C…, S.A.

K) – Assim, contrariamente ao doutamente considerado na sentença, deve considerar-se provado passando a constar do elenco dos factos provados o seguinte facto: “No dia 26 de junho de 2015, o recorrente marido, em nome pessoal, solicitou e recebeu da sociedade “C…, S.A.”, um empréstimo no montante de € 60.000,00, valor que lhe foi entregue através do cheque n.º 249894737, depositado na sua conta n.º 4… da C….”.

L) – Contrariamente ao defendido na douta sentença o que releva para prova do empréstimo é o movimento entrada do valor de € 60.000,00, através do cheque n.º 6249894737, bem como o movimento de saída, deste montante, através de quatro cheques emitidos à ordem da sociedade “C…, S.A., cheques que constam do documento 48 junto aos autos com a P.I.

M) – A entrada do montante de € 60.000,00, não resulta de qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços porque não foi este o motivo da sua entrada na conta bancária do Recorrente.

N) – Na verdade, o valor de € 60.000,00 deu entrada na conta bancária do Recorrente a título de empréstimo, empréstimo que foi pago, nos meses seguintes (julho e agosto de 2015), se não se tratasse de um empréstimo, qual o motivo para devolução de tal montante?

O) – O recorrente no âmbito da sua atividade profissional presta serviço de advocacia, no entanto, o valor em causa não corresponde ao pagamento de qualquer serviço que tenha sido prestado à sociedade C…, S.A.

P) – Assim, está demonstrado de forma objetiva e inequívoca a origem ou a fonte do valor de € 60.000,00, fazendo cair por terra a alegação da AT de que este dinheiro provém de rendimentos não declarados e consequentemente não tributados.
Q) – A 1ª questão apreciada na douta sentença prende-se com a ilegalidade da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos, os Recorrentes não concordam com o teor da douta sentença quando esta refere que “não foram disponibilizados à Administração Tributária os respetivos documentos e extractos bancários, razão pela qual não assiste razão aos recorrentes quando alegam que “se a AT entendeu justificados os valores emprestados à G… que provinham da conta bancária do B… em nome do recorrente, por maioria de razão se encontram também justificados todos os restantes valores que provieram das contas da C…, do Banco B…, da C… tituladas pelo recorrente, e bem assim os que provieram de contas das empresas geridas por este” (cfr. artigo 29.º da p.i.).”.

R) – Os Recorrentes em sede de procedimento inspetivo juntaram uma listagem (anexo 11 ao relatório de inspeção), onde foram identificadas a origem dos meios financeiros entregues pelo Recorrente marido à sociedade G…, Lda., entregando, também, à AT/SIT cento e vinte e seis (126) documentos onde se incluíam os extratos bancários da conta do B…, mencionados na listagem (anexo 11 do RIT), bem como vários extratos bancários das contas do E…, das duas contas da C… e ainda da C….

S) – A AT, apenas valorou e aceitou os movimentos titulados pelos extractos bancários do B…, por ter considerado ser esta a conta bancária afeta à actividade do Recorrente.

T) – Os referidos documentos/extratos foram de novo juntos aos presentes autos com a P.I., nomeadamente os documentos 1 a 126 referidos no artigo 8º da P.I., documentos que comprovam os movimentos identificados nos anexos 10 e 11 do RIT.

U) – Na verdade, os Recorrentes juntaram os elementos solicitados, explicando um a um os movimentos efetuados, o certo é que primeiro a AT e depois o Tribunal “a quo” não analisaram corretamente estes documentos e consequentemente não consideraram nem valoram em termos de prova de facto o conteúdo dos mesmos, de modo a considerar justificada a origem do dinheiro nas contas bancária do Recorrente.

V) – Não tendo o Tribunal “a quo” analisado corretamente tais documentos, a sua pronúncia sobre os mesmos foi limitada, considerando apenas provado que os Recorrentes eram titulares de várias contas bancárias identificadas na alínea 9) do elenco dos factos provados e que as contas bancárias tituladas pelas empresas que eram geridas pelo Recorrente marido eram movimentadas por este, factos 10), 11), 12) e 13) do elenco dos factos provados.

W) – No entanto, de tais documentos resulta mais, resulta que foram efectuados depósitos de vários cheques e numerário e efetuada transferências bancárias entre as várias contas de que o Recorrente marido era titular, bem como das contas das empresas de que este era gerente, designadamente a sociedade G…, Lda., movimentos que estão explicados na última coluna do anexo 11 e nos documentos 1 a 126 juntos aos autos.

X) – A título de exemplo, os documentos 4, 5 e 12, referem-se ao depósito de cheques na conta do E… titulada pelo Recorrente marido, cheques que foram emitidos à ordem da G…, mas que foram depositados na conta E… do Recorrente, como forma de reembolso das quantias emprestadas pelo Recorrente.

Y) – Se a douta sentença, dá como provado que o Recorrente efetuava o pagamento de impostos, o pagamento de salários e o pagamento a fornecedores, das sociedades G…, Lda., R…, Lda., J…, Lda. e M… Imobiliária, Lda., quando estas não dispunham de disponibilidades financeiras e que o fazia através de meios monetários das suas contas bancárias, e ainda que as suas contas bancárias foram várias vezes creditadas com cheques, transferências bancárias e numerários, provenientes destas empresas, não percebe o Recorrente, como pode o douto Tribunal “a quo” concluir que não se encontra justificada a origem do montante e empréstimos realizados em 2015 à G…

Z) – Estas sociedades tinham atividade e recebiam valores dos seus clientes, quando estes valores eram recebidos e havia disponibilidade financeira, as sociedades restituíam ao Recorrente a totalidade ou parte dos valores que este já lhes tinha adiantado/emprestado para fazer face às despesas acima referidas, valores que voltavam a ser creditados na conta ou da G… ou de qualquer uma das outras sociedades, caso fosse necessário.

AA) – porém, o tribunal “a quo” se satisfez com esta explicação, apesar de dar como provado a forma ou o modo como eram efetuadas as entradas e as saídas de meios monetários nas contas dos Recorrentes não.

BB) – Pretendia o tribunal “a quo” que o Recorrente explicasse como se processou, por exemplo, a venda de determinado produto da sociedade G…, qual o preço, condições e forma de pagamento acordadas, quando foi entregue a mercadoria, quando ocorreu o recebimento e desse valor qual o montante que foi creditado nas contas do Recorrente? e só com esta explicação, o Tribunal consideraria justificada a entrada, por exemplo, do valor de € 12.000,00 que foi depositado na conta do E… do Recorrente e que proveio da conta da G… (4…), valor que consta no documento 4 juntos aos autos com a P.I.

CC) – Ora, se os valores creditados nas contas do Recorrente, provém das contas das sociedades das quais o Recorrente é gerente, sociedades a quem o Recorrente empresta ou antecipa meios monetários para fazer face às despesas, têm estes valores que se considerar justificados pois provêm de contas bancárias das sociedades à semelhança dos montantes que provinham da conta bancária do B…, movimentos aceites pela AT.

DD) – Na verdade, as contas do Recorrente funcionavam como “banco” ou “conta caixa” das empresas geridas pelo Recorrente, funcionando em regime de “rotação de valores”, como considera provado a douta sentença na alínea 5) do elenco dos factos provados.

EE) – Por outro lado, não pode ser ignorado que o numerário gerado pela actividade da sociedade J… Lda., sociedade que explorava um posto de combustível era recolhido diariamente pelo Recorrente ou pela sua secretária (M… ouvida na qualidade de testemunhas nos presentes autos) e depositado nas contas pessoais do Recorrente, que depois o transferia para as outras empresas de acordo com as suas necessidades, realidade dada como provada nas alíneas 7) e 8) do elenco dos factos provados.

FF) – Ora se a douta sentença dá como provado tais factos nas alienas 7) e 8) do elenco dos factos provados, não pode deixar de considerar provada a origem destes montantes nas contas pessoais do Recorrente, não tendo entendido desta forma, incorreu a douta sentença em erro de julgamento.

GG) – Ademais, o Recorrente, quer a título pessoal, quer em representação das sociedades que geria, recorreu a vários empréstimos.

HH) – A título pessoal, pediu empréstimo à sociedade “C…, S.A.”, como supra já fizemos referência, no valor de € 60.000,00. Empréstimo que foi titulado por cheque depositado na sua conta n.º 4… da C…, valor que se encontra assim justificado pelo depósito do cheque na conta do Recorrente.

II) – Exigir outros elementos como prova da origem do dinheiro, obrigaria o Recorrente a questionar, neste caso, a sociedade C…, S.A., sobre a origem deste valor, sendo certo que esta não tem, obviamente, qualquer obrigação em dar resposta a estas questões, deste modo, encontra-se justificada sem necessidade de esclarecimentos adicionais a origem do dinheiro.

JJ) – O Recorrente marido outorgou um contrato de abertura de crédito junto do Banco B…, no montante de € 25.000,00, facto que foi considerado provado no ponto 16) do elenco dos factos provados.

KK) – Embora tenha sido considerado provado o empréstimo no montante de 25.000,00, a douta sentença, mais uma vez e de forma errada, não considerou justificada a entrada deste valor nas contas do Recorrente, incorrendo deste modo em erro de julgamento, uma vez que se encontra justificada a entrada deste montante na conta do Recorrente.

LL) – O Recorrente na qualidade de legal representante da sociedade M… Imobiliária, Lda., conjuntamente com a sua mulher na qualidade de avalistas obrigaram-se como devedores de um contrato de mútuo no montante de € 50.000,00, junto do Banco P….

MM) – O valor de € 50.000,00 foi creditado na conta bancária da recorrente mulher, que por sua vez o transferiu para a conta bancária da G…, Lda., domiciliada no Banco P… para pagamento da garantia bancária n.º 0…- 0… emitida a favor da G…, Lda., que tinha como beneficiária a sociedade S…-Companhia G… Cimento, S.A., como alegado no artigo 49º da P.I.

NN) – A douta sentença, apenas dá como provado na alínea 14) do elenco dos factos provados que: “14) No dia 27 de março de 2015, o recorrente marido, na qualidade de legal representante da sociedade M… Imobiliária, Lda., conjuntamente com a sua mulher, ambos na qualidade de avalistas em nome pessoal, obrigaram-se como devedores de um contrato de mútuo no montante de € 50.000,00cfr. documento 22 junto com a p.i., constante de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;, porém não se pronuncia quanto à transferência do montante de € 50.000,00 para a conta da G…, Lda., domiciliada no Banco P… e que serviu para liquidação da garantia bancária n.º 5…-0….

OO) – O Recorrente em 20/01/2015, foi interpelado pelo Banco P… para regularizar o valor de € 50.000,00, referente ao acionamento da garantia bancária por parte do beneficiário S…-Companhia G… e Cimento, S.A, interpelação que faz parte do documento 22 junto aos autos com a P.I., deste documento 22 faz parte a listagem de movimentos da conta n.º 0…, cujo titular é a sociedade G…, Lda. onde é possível verificar que houve liquidação da garantia bancária no dia 27/03/2015, após a transferência efetuada para a conta pela Recorrente mulher, este facto não foram considerados provados que se traduz em erro de julgamento de facto.

PP) – Assim, devem ser considerados provados e aditados à lista dos factos provados, os seguintes factos.
“O valor de € 50.000,00 foi creditado na conta bancária da recorrente mulher, que por sua vez o transferiu para a conta bancária da G…, Lda., domiciliada no Banco P…, no dia 27/03/2015 para pagamento da garantia bancária n.º 0…-0… emitida a favor da G…, Lda., sendo beneficiária da garantia a sociedade S…-Companhia G… Cimento, S.A.”
O Recorrente em 20/01/2015, foi interpelado pelo Banco P… para regularizar o valor de € 50.000,00, referente ao acionamento da garantia bancária por parte do beneficiário S…-Companhia G… Cimento, S.A., garantia bancária com o n.º 5…, que foi liquidada em 27/03/2015.”, a prova destes factos resulta inequivocamente do teor do documento 22 junto aos autos com a P.I.

QQ) – Para além do erro de julgamento acima mencionado, a douta sentença laborou em erro ao não considerar justificada a entrada deste montante na conta dos Recorrentes e consequentemente a sua transferência para a conta da G…, Lda., quando existe prova documental a comprovar tal movimento.

RR) – Da conjugação do alegado no artigo 50º da P.I. e do documento 35 junto com a P.I., resulta que foi celebrado um “Contrato de Mútuo com Aval e Hipoteca Autónoma” celebrado entre a C…, C.R.L., a sociedade M… Imobiliária, Lda., na qualidade de mutuária e ainda os Recorrentes como avalistas, que foi depositado o valor de € 600.000, na conta bancária da C… n.º 4…, titulada pela sociedade M… Imobiliária, Lda., e ainda que o valor de € 375.000,00 foi transferido Recorrente.
SS) – Face ao exposto deve ser considera provado e aditado aos factos provados que: “A sociedade M… Imobiliária, Lda., celebrou no dia 11/05/2015 um “Contrato de Mútuo com Aval e Hipoteca Autónoma” com a C… Batalha, C.R.L., constando os Recorrentes como avalistas deste empréstimo, no valor de € 600.000,00. No dia 12/05/2015, foi disponibilizado o valor de € 600.000,00 na conta bancária da C… n.º 4…, titulada pela sociedade M… Imobiliária, Lda., e que no dia 13/05/2015, foi transferido o valor de € 375.000,00 da conta C… n.º 4…, titulada pela M… Imobiliária, Lda., para a conta da C… n.º 4…, titulada pelo Recorrente.”, sob pena de erro de julgamento.

TT) – Incluídos tais factos no elenco dos factos provados, resta considerar provada a fonte/origem do valor de € 375.000,00, na conta bancária do Recorrente, caindo assim por terra a tese de que não esta justificada a entrada de tal valor.
UU) – Em suma, conclui-se que os recorrentes conseguiram, de forma categórica e objetiva, demonstrar a origem ou fonte dos seguintes valores, depositados nas suas contas, nomeadamente os valores de € 60.000,00, € 25.000.00, € 50.000,00 e € 375.000,00, fazendo cair por terra a alegação da AT de que o dinheiro em causa provinha de rendimentos não declarados e não tributados, o que totaliza € 510.000,00, que provêm de empréstimos de entidades bancária e um deles de uma sociedade (particular), empréstimos não estão sujeitos a tributação em sede de IRS, a sujeição a imposto ocorre apenas em sede de Imposto do Selo.

VV) – Assim, entendem os Recorrentes que ficou demonstrado a proveniência dos meios financeiros que permitiram ao Recorrente marido emprestar à sociedade G…, Lda. os valores mencionados a crédito na conta 2… – Dr. M…, provando-se, deste modo, a fonte da alegada “fortuna” evidenciada.

WW) – Se é certo que o Recorrente emprestou meios financeiros à G…, também, não pode ser ignorado que esta foi devolvendo ao Recorrente os valores que lhe foram emprestados, conforme é possível verificar pelo extrato da conta 2… – Dr. M…, junta ao RIT como anexo 9, o que contribuiu para um saldo final credor de € 158.699,04.

XX) – Daí que, tendo os recorrentes cumprido o ónus da prova previsto no n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, através da identificação e comprovação de qual a fonte dos rendimentos que deram origem aos empréstimos efetuados à G…. Lda., não pode aceitar-se a correção do rendimento tributável no valor de 729.011,51.

YY) – Na verdade, não estamos rendimentos omissos, mas antes valores que provém de empréstimos, não sujeitos a tributação em sede de IRS, bem como de disponibilidades financeiras (numerário) oriundas de empresas geridas pelo Recorrente, disponibilidades, estas, que quando muito estariam sujeitas a tributação como rendimentos da categoria A rendimentos em espécie ou adiantamento por conta de lucros, sujeito à taxa liberatória de 28% e não como alegada “fortuna”, exigir mais do que consta dos documentos junto aos autos, seria exigir uma probatio diabólica que, nem o legislador quis, nem a jurisprudência entende como exigível.

ZZ) – Podemos assim concluir que no ano de 2015, o saldo credor de € 158.699,04 na conta 2… da G… tenha a sua origem plenamente justificada e não contende com os rendimentos declarados pelos Recorrentes, ou seja, não se verifica a existência de uma proporção de 30% (para menos) dos rendimentos líquidos declarados pelo Recorrentes em face do rendimento padrão, não existido assim fundamento legal para o recurso a métodos indirectos nos termos do artigo 87º, n.º 1 alínea d) e artigo 89º-A ambos da LGT, pelo que deve a douta sentença ser anulada, por erro de julgamento de facto e de direito.

AAA) – No que respeita à quantificação importa reter que ao montante total dos movimentos creditados na G…, Lda, de € 729.011,51 tem, efetivamente, que ser deduzido o montante total dos movimentos debitados na mesma conta, que ascenderam a € 594.317,24.

AAB) – Descontando o montante dos movimentos a débito, resulta que no ano de 2015 o montante mutuado à G…, Lda. pelo recorrente foi de apenas € 134.694,27, pois é este o saldo que resulta no final do ano.

AAC) – O rendimento a fixar não poderia exceder € 67.347,14, ou seja 50% do valor emprestado, conforme estipula o ponto 5 do n.º 4 do art.º 89º-A.

AAD) – Caso, assim, não se entenda, importa ter em consideração que no ponto anterior ficou provado e demonstrado a origem do montante € 510.000,00, valor este que resulta dos empréstimos contraídos junto de instituições bancárias e de particulares.

AAE) Assim, deve o valor de € 510.000,00 ser deduzido ao montante de € 219.011,51, sendo o rendimento a fixar não poderia exceder € 109.505,76, conforme estipula o ponto 5 do n.º 4 do art.º 89º-A.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, anulando-se a decisão de fixação, por métodos indiretos, do rendimento da categoria G – mais valias – manifestações de fortuna, por erro de julgamento.».

A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contra-alegações, concluindo pela total improcedência do recurso jurisdicional.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que ao recurso interposto deve ser negado provimento, mantendo-se o decidido in totum.

Com dispensa dos vistos legais dada a natureza urgente do processo e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir estarem reunidos os pressupostos de que depende a decisão de avaliação da matéria colectável com recurso ao método indirecto constante do art.º 89.º-A da Lei Geral Tributária; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao sancionar a quantificação da matéria colectável fixada pela Administração tributária.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida, deixou-se factualmente consignado:
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Com interesse para a apreciação do mérito da causa, dão-se como provados os seguintes factos:

1) A…, ora recorrente, é advogado e gerente das empresas G…, Lda., R…, Lda., J…, Lda. e M… Imobiliária, Lda. – facto não controvertido e cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 678 a 706 da paginação eletrónica (processo administrativo);

2) No ano de 2015, o recorrente empenhou-se na sustentabilidade e viabilidade das empresas referidas na alínea precedente, de forma a garantir os respetivos postos de trabalho e regularizar as dívidas ao sector público – cfr. depoimentos das testemunhas P…, M…, A… e A…;

3) O recorrente teve necessidade de satisfazer dívidas a fornecedores e a credores das empresas referidas em 1) e também teve necessidade de aportar liquidez à tesouraria e/ou efetuar adiantamentos de valores às empresas que geria - cfr. depoimentos das testemunhas P…, M…, A… e A…;

4) A gestão das referidas empresas não foi efetuada de forma organizada o que levou a que o recorrente gerisse as empresas com recurso ao expediente de “rotação de valores” entre elas – cfr. depoimentos das testemunhas P…, M…, A… e A…;

5) Quando as empresas referidas em 1) tinham de pagar impostos, salários ou pagamentos a fornecedores e não tinham disponibilidades financeiras para o fazer, era o recorrente que efetuava tais pagamentos através de meios monetários oriundos das suas contas bancárias pessoais, das contas bancárias das empresas que geria e/ou numerários provenientes das empresas que geria, ao abrigo da referida “rotação de valores” - cfr. depoimentos das testemunhas P…, M…, A…, L… e A…;

6) No ano de 2015, as contas bancárias do recorrente foram várias vezes creditadas com valores (cheques, transferências bancárias e numerário) provenientes das empresas geridas pelo recorrente - cfr. depoimentos das testemunhas P…, M…, A… e A…;

7) Diariamente, o recorrente ou a sua secretária dirigiam-se ao posto de combustível detido pela J…, Lda. e recolhiam os valores em numerário – cfr. documento 134 junto com a p.i. e cfr. depoimento das testemunhas M… e L…;

8) O numerário gerado pela atividade da J…, Lda. no posto de combustível era depositado nas contas pessoais do recorrente e, posteriormente, era transferido para as contas das outras empresas ou era usado para efetuar pagamentos a fornecedores e credores destas – cfr. depoimento de M…;

9) O recorrente é titular das seguintes contas bancárias:
- Conta B…, NIB 00…
- Conta C… n.º 4…;
- Conta C… n.º 4…;
- Conta Euro B… n.º 2…
- Conta C… n.º 0…
- cfr. documentos 127, 128, 129 e 130 juntos com a p.i., constantes de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

10) Para além das contas referidas na alínea precedente, o recorrente movimentava ainda as seguintes contas das sociedades de que era gerente:
- Conta C… 4…, em nome de M… Imobiliária, Lda.;
- Conta C… 4… e 4… (cheques pré-datados), em nome de G…, Lda.;
- Conta C… 4…, em nome de J… – Construções e Obras Públicas, Lda.;
- cfr. documentos 131, 132 e 133 juntos com a p.i., constantes de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

11) Na conta C… n.º 4…, constam movimentos a débito e a crédito - cfr. documentos 3, 9, 10, 15, 17, 19, 26, 34, 36, 37, 43, 44, 45, 47, 49, 53, 60, 79, 107, 116, 121, 122, 123, 124, 125 juntos com a p.i., constantes de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

12) Na conta C… n.º 4… constam movimentos a débito e a crédito – cfr. documentos 6, 11, 30, 48, 55, 58, 75, 78, 80, 86, 87, 89, 94, 96, 98, 106, 108, 110, 113, 117, 118, 126, juntos com a p.i., constantes de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;
13) Na conta Euro B… n.º 2…, constam movimentos a débito e a crédito - documentos 4, 5, 7, 12, 30, 31, 38, 41, 50, 61, 66, 72, 76, 77, 81, 82, 83, 89, juntos com a p.i., constantes de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

14) No dia 27 de março de 2015, o recorrente marido, na qualidade de legal representante da sociedade M… Imobiliária, Lda., conjuntamente com a sua mulher, ambos na qualidade de avalistas em nome pessoal, obrigaram-se como devedores de um contrato de mútuo no montante de € 50.000,00 – cfr. documento 22 junto com a p.i., constante de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

15) No dia 23 de junho de 2015, o recorrente marido depositou um cheque emitido pela sociedade “C…, S.A.”, no montante de € 60.000,00, na sua conta pessoal da C… n.º 4… – cfr. documento 48 junto com a p.i., constante de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

16) No dia 22 de julho de 2015, o recorrente marido outorgou contrato de abertura de crédito junto do Banco B…, no montante de € 25.000,00, tendo dado como garantia a subscrição de uma livrança com autorização de preenchimento, avalizada por si e pela ora recorrente mulher – cfr. documento 76 junto com a p.i., constante de fls. 26 a 371 da paginação eletrónica;

17) O recorrente e a sua mulher M… submeteram a declaração de rendimentos modelo 3 (IRS) relativamente ao ano de 2015, declarando um rendimento líquido no montante de € 70.548,99 (€ 80.209,33 de rendimento global subtraído de deduções específicas de € 5.879,09 e de € 3.781,25 de perdas a recuperar) – facto não controvertido e cfr. informação do relatório de inspeção tributária de fls. 678 a 706 da paginação eletrónica (processo administrativo);

18) Os recorrentes foram objeto de uma ação de inspeção tributária, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI201800149, de âmbito parcial (IVA e IRS), com referência ao ano de 2015 – facto não controvertido e cfr. informação constante dos documentos de fls. 526 a 529 da paginação eletrónica (processo administrativo);

19) No âmbito da referida ação inspetiva, os recorrentes foram notificados para, no prazo de 10 dias, informar se autorizavam a Administração Tributária a aceder à informação e aos documentos bancários referentes às contas de que eram titulares – facto não controvertido e cfr informação do relatório de inspeção tributária, de fls. 692 da paginação eletrónica (processo administrativo);

20) Os recorrentes não responderam à notificação referida na alínea anterior – facto não controvertido e cfr informação do relatório de inspeção tributária, de fls. 692 da paginação eletrónica (processo administrativo);

21) Através das notificações pessoais de 14/09/2018 e de 11/12/2018, o recorrente foi informado pelos Serviços de Inspeção Tributária da possibilidade de aplicação de métodos indiretos, por falta de cooperação verificada após lhe ter sido solicitada a apresentação de elementos e esclarecimentos - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 678 a 706 da paginação eletrónica (processo administrativo);

22) Através do ofício de 4 de maio de 2019, os recorrentes foram notificados do projeto de relatório da inspeção tributária e para, querendo, exercer o direito de audição – cfr. documento de fls. 535 a 670 da paginação eletrónica (processo administrativo);

23) O recorrente marido solicitou a prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária de fls. 705 da paginação eletrónica;

24) O requerimento referido na alínea precedente foi deferido por despacho do Diretor de Finanças de Leiria – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária de fls. 705 da paginação eletrónica (processo administrativo);

25) Os recorrentes não exerceram o direito de audição – cfr. informação constante do relatório de inspeção tributária de fls. 705 da paginação eletrónica (processo administrativo);

26) No dia 8 de maio de 2009, os Serviços de Inspeção Tributária concluíram o relatório final de inspeção tributária com as seguintes correções:
- correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos – IRS 2015 - € 126.178,40;
- Imposto em falta com recurso a métodos indiretos – IRS 2015 - € 218.703,45;
- Imposto em falta com recurso a métodos indiretos – IVA 2015 - € 38.694,71
- cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 681 da paginação eletrónica (processo administrativo);

27) Em sede de IRS, as correções referidas na alínea anterior basearam-se nos seguintes factos e fundamentos:
“(…)


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(…)


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(…)
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(…)





- cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 678 a 706 da paginação eletrónica (processo administrativo);

28) No dia 20 de maio de 2019, os recorrentes foram notificados do relatório de inspeção tributária referido na alínea precedente - cfr. documento 135 junto com a p.i.;

29) No dia 30 de maio de 2019, os recorrentes interpuseram o presente recurso da decisão de avaliação da matéria coletável por métodos indirectos relativamente ao rendimento da categoria G de IRS de 2015 – cfr. documento de fls. 1 da paginação eletrónica.
*
Factos não provados:
Com relevância para a decisão de mérito, não se provou que:
A) Em junho de 2015, o recorrente marido, em nome pessoal, solicitou e recebeu da sociedade “C…, S.A.”, um empréstimo no montante de € 60.000,00.

Motivação e análise crítica da prova produzida
Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes não só dos presentes autos, mas também do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade.
A documentação em questão não foi objeto de impugnação nem sequer de reparo por quaisquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, sendo, por isso, aqui aplicável o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.
O tribunal considerou ainda os depoimentos das testemunhas P… (funcionária na empresa R…, Lda. desde 2009 e posteriormente transferida para a empresa G…, Lda., na qual permaneceu até 2016/2017), M… (funcionária e secretária do recorrente marido, desde 1997/1998), L… (funcionário da J…, desde 2013 até maio de 2019, no posto de abastecimento localizado em Leiria), A… (assistente administrativa e funcionária da G… desde 2008 até meados de 2015) e A… (contabilista nas empresas R… e J…, no ano de 2015), todas arroladas pelos recorrentes.
Vejamos o que de relevante foi possível extrair de cada um dos depoimentos prestados.
A testemunha P… afirmou que, em 2009, trabalhou como funcionária administrativa na R…, Lda., tendo, posteriormente, passado a trabalhar na G…, Lda. até à sua venda, ocorrida entre 2016 e 2017.
Referiu que o recorrente marido (Dr. M…) era advogado e também sócio gerente das duas referidas empresas (R… e G…).
A testemunha afirmou que a R…, Lda. enfrentava graves dificuldades financeiras e que já não tinha crédito junto dos fornecedores. Perante este contexto adverso, o recorrente marido tentou reverter a situação, passando a assegurar diretamente os pagamentos de que a empresa precisava para continuar a laborar. Para o efeito, disponibilizava cheques pessoais assinados e também cheques de outras empresas de que ele era sócio gerente, competindo à testemunha o preenchimento dos mesmos para pagamentos aos fornecedores.
Confrontada com os documentos 27, 28 e 29 (“notas internas” e fatura emitida pela G…, Lda. à R…, Lda., no dia 16/4/2015) juntos com a p.i., a testemunha reconheceu a autoria dos documentos e referiu que os movimentos registados nas notas internas correspondiam a pagamentos de despesas da R…, efetuados pelo recorrente marido e que eram registados na conta 25 da G…, Lda. (esta conta refletia os pagamentos efetuados pessoalmente pelo recorrente à G… e à R…).
Referiu ainda que os movimentos contabilizados entre a R…e a G… correspondiam a pagamentos realizados pelo recorrente marido.
E, por fim, acrescentou que tinha conhecimento de que o recorrente marido ligava para os clientes da R… e da G…, solicitando que os pagamentos das dívidas que eles tinham relativamente a estas empresas fossem feitos diretamente para as contas pessoais do recorrente.
Todavia e com pertinência para o caso sub judice, do seu depoimento não foi possível extrair, com o rigor necessário, a origem dos empréstimos realizados pelo recorrente marido à empresa G…, Lda., durante o ano de 2015, ficando apenas evidente que o recorrente marido recorria a um circuito rotativo financeiro, movimentando dinheiro das suas contas pessoais para as empresas que geria (e vice-versa), de forma pouco organizada e mediante as necessidades de pagamentos que iam surgindo, à revelia das mais elementares regras contabilísticas e tributárias vigentes. Tal situação criou uma situação de manifesta confusão entre os capitais próprios do recorrente marido e os das empresas que geria, não tendo a testemunha logrado destrinçar e quantificar com rigor quais as quantias pertencentes às várias entidades/sujeitos envolvidos no referido circuito.
Por seu turno, do depoimento da testemunha M… foi possível extrair que é empregada de escritório ao serviço do recorrente marido desde 1997/1998, acompanhando-o em todas as empresas, sendo sua secretária.
A testemunha contextualizou a entrada do recorrente marido nas empresas G…, Lda. e R…, Lda. em períodos económicos particularmente difíceis das mesmas, deparando-se com falta de liquidez financeira e com grandes défices de tesouraria.
Referiu ainda que, para permitir a viabilidade da empresa R…, Lda., a M… Imobiliária, Lda. (empresa que também era detida e gerida pelo recorrente marido) adquiriu o imóvel daquela, através de um empréstimo de € 600.000,00. Esta transação permitiu aliviar as dificuldades sentidas pela R…, Lda. e o montante realizado foi utilizado para pagamentos de dívidas aos fornecedores e trabalhadores.
Do empréstimo obtido de € 600.000,00, foi transferido para a conta pessoal do recorrente o montante de € 375.000,00, sendo ainda uma parte deste montante creditada na conta 25 da G…, Lda.
Acrescentou que as empresas R…, Lda. e G…, Lda. não tinham liquidez e já não tinham crédito junto de fornecedores e que, para obviar as dificuldades com os pagamentos, eram usados cheques do recorrente marido e, posteriormente, era realizada uma regularização das contas.
Confrontada com os pagamentos em numerário, explicou que tais quantias vinham do posto de combustível detido pela J…, Lda. (da qual o recorrente marido é gerente). Diariamente eram recolhidos os montantes do caixa que depois eram depositados nas contas pessoais do recorrente ou utilizados no pagamento das despesas das outras empresas (R…, Lda. e G…, Lda.). Basicamente, o dinheiro em numerário gerado pela J…, Lda. era recolhido pelo recorrente e por este utilizado para os pagamentos de dívidas das outras empresas de que era gerente.
A testemunha confirmou a existência de empréstimos em nome pessoal do recorrente e de uma conta caucionada em nome pessoal do recorrente no valor de € 25.000,00.
Por outro lado, também afirmou genericamente que sabia que a empresa “C…, S.A.” tinha emprestado ao recorrente o montante de € 60.000,00, mas não concretizou como sabia deste empréstimo e nada mais referiu quanto ao contexto/contornos do mesmo.
Confrontada com os empréstimos realizados pelo recorrente à empresa G…, Lda. no montante total de cerca de € 700.000,00, a testemunha disse que conseguia saber a origem de “alguns” movimentos, se tivesse acesso aos extratos bancários.
E, por fim, questionada sobre a razão pela qual o recorrente não permitiu o acesso da Administração Tributária às suas contas bancárias, a testemunha justificou com o facto de a esposa do recorrente não ter querido assinar a respetiva autorização de acesso.
À semelhança do referido relativamente à testemunha anterior, também deste depoimento não foi possível perceber, com rigor, a origem dos empréstimos realizados pelo recorrente marido à empresa G…, Lda., no ano de 2015. O mais que se conseguiu extrair deste depoimento foi que o recorrente marido geria as suas empresas através de um circuito financeiro rotativo entre as suas contas pessoais e as contas das empresas, o que gera uma situação de confusão de valores que a testemunha inquirida não soube destrinçar.
Também não podemos deixar de realçar a relação profissional e de subordinação desta testemunha com o recorrente marido, o que fragiliza o seu depoimento no que concerne à justificação genérica apresentada para a origem dos montantes por ele emprestados à G…, Lda.
Foi também inquirida a testemunha L… que referiu terá trabalhado no posto de abastecimento detido pela J…, Lda. (empresa da qual o recorrente é gerente), de 2013 até maio de 2019.
E com relevância para o caso sub judice, apenas afirmou que o dinheiro em caixa gerado no posto de abastecimento em que trabalhou era entregue diariamente ao recorrente ou à sua secretária (M…), mas não soube concretizar o destino que lhe era dado. Afirmou que, pontualmente, fez depósitos dessas quantias que julga terem sido realizados nas contas pessoais do recorrente marido.
A testemunha A… declarou que foi assistente administrativa da G…, Lda., desde 2008 até meados de 2015, confirmou que a mesma se deparava com dificuldades financeiras e que tinha conhecimento que os pagamentos desta empresa a fornecedores e ao Estado eram feitos através de cheques pessoais do recorrente, a partir das várias contas bancárias de que este era titular.
Questionada sobre a origem do dinheiro do recorrente que era afeto a esses pagamentos e empréstimos, disse que não sabia.
Por fim, depôs ainda a testemunha A…, tendo declarado que foi contabilista certificado da R…, Lda. e da J…, Lda., no ano de 2015 (nada tendo referido sobre a empresa G… e sobre a conta 25 questionada nos presentes autos, uma vez que não era contabilista desta empresa).
Revelou ter conhecimento da existência da conta 27 associada ao recorrente relativa a movimentos correntes e pagamentos a fornecedores e referiu, de modo genérico, que os valores em numerário eram movimentados pelo recorrente e depositados nas suas contas pessoais.
A testemunha confirmou a difícil situação financeira da R…, Lda. e a necessidade de ser o recorrente a assegurar diretamente os pagamentos que fossem necessários para garantir o funcionamento da empresa.
Questionado sobre a origem dos empréstimos analisados no relatório de inspeção tributária, disse desconhecer.
Os depoimentos das testemunhas foram prestados de forma serena, coerente, circunstanciada, fluída e mereceram a credibilidade do tribunal, não só por terem incidido sobre factos concretos, mas também porque corroboraram, sem os contradizer, os documentos juntos aos autos.
Tais depoimentos permitiram ao tribunal compreender, de modo genérico, o modus operandi e o circuito financeiro rotativo (entre as contas pessoais do recorrente e as contas das empresas) que o recorrente marido adotou para proceder aos pagamentos que eram solicitados junto das empresas das quais era sócio gerente.
No entanto e com relevância para a descoberta da verdade material, dos depoimentos das testemunhas inquiridas (e dos documentos juntos ao processo) não ficou demonstrado cabalmente o fluxo financeiro e a origem dos empréstimos do recorrente marido à empresa G…, Lda., ocorridos durante o ano de 2015 e evidenciados na conta “2… – Dr. M…”, isto é, o nexo causal entre a alegada fonte e o incremento patrimonial contestado pela Administração Tributária.
Atentas as considerações acima expendidas, os depoimentos das testemunhas inquiridas apenas foram positivamente valorados na fixação dos factos 2) a 8) do elenco dos factos provados.

Quanto ao facto não provado
Da prova testemunhal e documental junta aos autos não foi possível concluir que o recorrente marido, em junho de 2015, em nome pessoal, solicitou e recebeu da sociedade “C…, S.A.”, um empréstimo no montante de € 60.000,00 (conforme é alegado no artigo 52.º da p.i.).
Os depoimentos prestados foram demasiado genéricos, não tendo sido referidos quaisquer factos concretos relativamente ao alegado empréstimo, não relevando, assim, para a prova de qualquer factualidade, mormente dos factos dados como não assentes (cfr. artigos 341.º e 396.º do Código Civil).
Por outro lado, da prova documental junta pelos recorrentes, apenas consta o depósito numa conta pessoal do recorrente marido de um cheque emitido pela empresa C…, S.A., datado de 23 de junho de 2015, no montante de € 60.000,00 (cfr. documento 48 junto com a p.i.) mas não há nenhuma evidência que permita justificar com a certeza necessária o referido fluxo financeiro, nomeadamente, se se trata do pagamento de alguma prestação de serviços/transmissão de bens ou de um empréstimo, nos termos alegados pelos recorrentes.
É certo que os recorrentes juntam quatro cheques de € 15.000,00 cada (dois deles emitidos pela M…, Lda. e outros dois emitidos a título pessoal pelo recorrente marido), mas tais fluxos financeiros, só por si, são insuficientes para se concluir que estamos perante um empréstimo concedido pela empresa C…, S.A. ao recorrente marido ou se estamos antes perante pagamentos e/ou cancelamentos e/ou devoluções de transações comerciais entre agentes económicos.
Assim, face à ausência de qualquer evidência quanto ao alegado empréstimo de € 60.000,00 concedido pela empresa C… ao recorrente marido, o tribunal não pôde concluir pela verificação de tal operação, razão pela qual se deu como não provado o facto da alínea A) da factualidade dada como não provada.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por constituir alegação de factos conclusivos, matéria de direito ou por se revelar inútil ou irrelevante para a decisão da causa».

B. DE DIREITO

Tendo sido colocada em causa pelos ora recorrentes, em grande parte da matéria vertida nas conclusões das alegações de recurso, o julgamento de facto feito pelo tribunal a quo, importa começar por apreciar tal questão a fim de se fixar o necessário probatório a que depois se possa aplicar o direito devido.

Como decorre da lei processual civil e tributária – e é consensual na jurisprudência – o probatório deve conter a matéria relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito a aplicar e que deva considerar-se provada e a não provada – artigos 123.º, n.º 2 e 146.º-B, n.º3 do CPPT e 596.º (anterior 511.º) do CPC.

No caso, pretendem os ora recorrentes:
i. Que seja considerado provado o facto dado como não provado;
ii. Que sejam aditados ao probatório como factos provados, os seguintes:
“O valor de € 50.000,00 foi creditado na conta bancária da recorrente mulher, que por sua vez o transferiu para a conta bancária da G…, Lda., domiciliada no Banco P…, no dia 27/03/2015 para pagamento da garantia bancária n.º 0… emitida a favor da G…, Lda., sendo beneficiária da garantia a sociedade S… -Companhia G… Cimento, S.A.”
“O Recorrente em 20/01/2015, foi interpelado pelo Banco P… para regularizar o valor de € 50.000,00, referente ao acionamento da garantia bancária por parte do beneficiário S…-Companhia G… Cimento, S.A., garantia bancária com o n.º 5…, que foi liquidada em 27/03/2015.”, prova que, a seu ver, resulta inequivocamente do teor do documento 22 junto aos autos com a P.I.;
“A sociedade M…, Lda., celebrou no dia 11/05/2015 um “Contrato de Mútuo com Aval e Hipoteca Autónoma” com a C… da Batalha, C.R.L., constando os Recorrentes como avalistas deste empréstimo, no valor de € 600.000,00. No dia 12/05/2015, foi disponibilizado o valor de € 600.000,00 na conta bancária da C… n.º 4…, titulada pela sociedade M… Imobiliária, Lda., e que no dia 13/05/2015, foi transferido o valor de € 375.000,00 da conta C… n.º 4…, titulada pela M… Imobiliária, Lda., para a conta da C… n.º 4…, titulada pelo Recorrente.”, prova que, a seu ver, se retira do alegado no art.º 50.º da douta P.I. e do doc. 35 que acompanha esse articulado.
iii. Que os factos dados como provados não suportam o juízo conclusivo que deles extraiu o tribunal recorrido.

Quanto ao facto julgado “não provado” no tribunal a quo, importa salientar que a circunstância de haver montantes creditados em contas bancárias pessoais do recorrente marido com origem num cheque de 60.000,00 euros emitido pela “C…, S.A.”, montante esse posteriormente devolvido pelo recorrente à sociedade credora, não permite apreender o negócio jurídico subjacente aos movimentos financeiros em causa, como de resto muito bem explica a sentença recorrida na motivação da decisão.

O juízo conclusivo que os recorrentes extraem da circunstância de a importância creditada ter sido depois devolvida pelo recorrente à sociedade credora no sentido da caracterização do negócio jurídico subjacente como necessariamente de empréstimo obtido pelo recorrentes, não tem respaldo, podendo claramente estarem em causa, no contexto da demais factualidade assente, operações de tipo diverso motivadas por pagamentos e/ ou cancelamentos e/ou devoluções de transacções comerciais entre agentes económicos.

Improcede este segmento da impugnação da matéria de facto.

Quanto à matéria factual que os recorrentes pretenderiam ver contemplada no probatório como “provada” e que identificam e desenvolvem nos pontos Q) a FF) das doutas conclusões, constata-se, lendo e analisando toda essa factualidade, que independentemente de a mesma dever ser julgada provada ou não provada, essa factualidade não reveste qualquer utilidade ou pertinência para a solução do litígio, pois os movimentos a crédito em contas bancárias pessoais dos recorrentes com origem em contas bancárias das sociedades geridas pelo recorrente marido, ou outras entidades, apenas permitiria justificar a proveniência dos meios monetários circulados entre essas contas bancárias mas não que esses recursos, cuja origem é identificada, tenham sido os efectivamente mobilizados pelo recorrente para acorrer à manifestação de fortuna evidenciada (empréstimos que fez à sociedade G…).

Assim, por desnecessária para a solução do pleito, não se adita ao probatório qualquer matéria relativa a movimentos a crédito em contas bancárias do recorrente marido que embora de origem identificada, não apresentem comprovada relação causal com a manifestação de fortuna evidenciada pelos recorrentes.

O mesmo se diga quanto à pretensão dos recorrentes de ver contemplada no probatório como matéria provada a origem ou fonte dos valores depositados nas contas bancárias pessoais do recorrente, nomeadamente, os valores de 60.000,00€, 25.000,00€, 50.000,00€ e 375.000,00€. É identificada a fonte dos movimentos creditados, mas nenhum nexo causal (relação), é estabelecido com a manifestação de fortuna evidenciada (empréstimos efectuados à G…).

Improcede in totum, pelas indicadas razões, a impugnação da matéria de facto.

É, pois, com o probatório da sentença que importa avançar na apreciação das demais questões recursivas.

Sob a epígrafe “Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados”, dispõe Artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária (no segmento pertinente):
«
1 - Há lugar a avaliação indireta da matéria coletável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
2 - Na aplicação da tabela prevista no n.º 4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;
b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo.
c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
d) A soma dos montantes transferidos de e para contas de depósito ou de títulos abertas pelo sujeito passivo em instituições financeiras residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, cuja existência e identificação não seja mencionada nos termos previstos no artigo 63.º-A, no ano em causa.
3 - Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n.º 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n.º 2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

5 - Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º:
a) Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90.º, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;
b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efectuada;
c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado;
d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
6 – (…)
».

Como se disse no Acórdão deste TCAN de 23.11.2012, no processo n.º 391/11.8BEMDL, “a avaliação indirecta dos rendimentos é a excepção no nosso ordenamento jurídico (a regra é a avaliação ser efectuada com base nas declarações dos contribuintes – artigo 59.º do CPPT, o que resulta da forma taxativa como o artigo 87.º da LGT fixa as situações em que pode ter lugar).”

Para o que nos interessa, há lugar à avaliação indirecta da matéria colectável quando o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 e o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 30%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela (50% do valor anual).

No caso dos autos, o tribunal a quo entendeu que estavam reunidos os pressupostos de determinação da matéria colectável nos termos do art.º 89.º-A da LGT, porquanto, o recorrente marido efectuou no decurso do ano de 2015 empréstimos á sociedade G…, Lda. (de que é sócio), no montante de 767.616,28 €, sendo que os rendimentos líquidos declarados pelos recorrentes nesse ano, no montante de 70.548,99€ (vd. ponto 17 da matéria assente), foram inferiores em 30% àquele rendimento padrão, tendo os serviços de inspecção tributária unicamente considerado justificado um montante de 38.604,77€, ficando por justificar a origem dos empréstimos realizados no montante de 729.011,51€.

O ajuizado pelo tribunal a quo sofreu contestação dos recorrentes, sendo que uma das questões objecto do recurso é, justamente, o erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos de aplicação do método indirecto previsto no art.º 89.º-A, n.º 4, da LGT.

Na óptica dos recorrentes encontram-se justificados, na sua totalidade, os montantes que permitiram a manifestação de fortuna evidenciada, conclusão a que não chegou o tribunal recorrido por erróneo julgamento de facto, pois, ou considerou indevidamente como «não provado» um empréstimo de 60.000,00€ contraído pelo recorrente marido, ou, omitiu do probatório, factos que evidenciariam o recebimento pelos recorrentes, no ano em causa, de créditos nos montantes de 50.000,00€, 25.000,00€ e 375.000,00€.

Quanto aos factos pretensamente omitidos ao probatório, não foram os mesmos aditados ao probatório por este tribunal de recurso por não se revelarem, no contexto da restante factualidade assente, úteis e necessários à solução do litígio.

Como já antes referimos em apreciação da impugnação da matéria de facto, a prova de que os recorrentes obtiveram no ano em causa de 2015 empréstimos/ créditos no montante de 510.000,00€, não permite que se considere justificada a manifestação de fortuna evidenciada.

A propósito do âmbito do ónus da prova decorrente do art.º 89.º-A, n.º 3, da LGT teve já oportunidade de se pronunciar o TCAN no já citado Acórdão de 23.11.2012, tirado no processo n.º 391/11.8BEMDL, de cujo discurso fundamentador se pode apreender:

«Provados os pressupostos de aplicação do n.º 1 do artigo 89º-A da LGT, passa a caber ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, nomeadamente, herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso a crédito – n.º 3 do artigo 89º-A da LGT.

A lei ao dizer que o sujeito passivo tem de provar que «é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciada» pretende o sujeito passivo indique a “fonte”, o mesmo é dizer, a origem da manifestação de fortuna, como é que ela se materializou.

Ora, não atinge tal desiderato provar fontes de rendimentos suficientes para a realização de determinada manifestação de fortuna. Porque, não se sabendo se os rendimentos foram utilizados naquela específica manifestação de fortuna, podem servir para justificar toda e qualquer manifestação de fortuna, logo, não servem para justificar nenhuma…».

A interpretação adoptada, segundo a qual para satisfazer o ónus probatório que cabe ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 89.º-A da LGT, para afastar a tributação por métodos indirectos em razão de “manifestações de fortuna” previstas na Tabela do n.º 4 daquele art.º 89.º-A, este tem de provar não apenas que dispunha dos meios financeiros necessários à realização da despesa tipificada, mas também que tais meios foram os efectivamente utilizados na realização de tais despesas, não merece censura, antes corresponde à melhor interpretação daquela disposição legal e à que vem sendo adoptada uniformemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, como expressado nos seus Acórdãos de 03/06/2014, proc.º 0189/14; de 01/29/2014, proc.º 035/14; e de 04/12/2012, proc.º 0298/12, em cujo sumário doutrinal se escreveu: «Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos consumos realizados, mas também quais os concretos meios financeiros que afectou à realização de tais consumos sendo a melhor interpretação do art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, a que exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada». [sublinhados nossos].

É também essa a interpretação adoptada, de há muito, neste TCAS, conforme expressado no Ac. de 10/03/2013, tirado no proc.º 06903/13.

Ou seja, conforme se colhe da citada jurisprudência uniforme e consolidada, aos recorrentes caberia justificar não só a totalidade dos montantes que permitiram a manifestação de fortuna evidenciada [isto é, os empréstimos efectuados à sociedade G…, no montante de 767.616,28€], (prova a que se propunham), como também e decisivamente lhes caberia fazer a prova de que aqueles concretos montantes se destinaram a efectuar os ditos empréstimos (prova que nem sequer ensaiaram).

Assim, no caso dos autos os recorrentes não lograram fazer prova da mobilização dos concretos meios financeiros (ainda que viesse a ficar provado nos autos possuírem) para a sociedade G… sob a forma de empréstimos e, nessa medida, não existem nos autos elementos de prova da utilização/mobilização dos alegados empréstimos/ créditos obtidos ou sequer de sua grande parte, para empréstimos efectuados à sociedade G…, pelo que improcede o segmento do recurso que se prende com o erro de julgamento, de facto e de direito, apontado à sentença recorrida.
Numa outra linha argumentativa, pretendem os recorrentes que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto aos pressupostos de quantificação, na medida em que no seu entendimento, “o recorrente, no decurso do ano de 2015, emprestou à empresa valores, mas também lhe foram devolvidos valores por esta”, de forma faseada, pelo que, no final do ano, o montante que ainda se encontrava por restituir ao recorrente era de apenas 158.699,04€ e, por conseguinte, apenas poderia ser este o valor a considerar para efeitos de empréstimos não justificados – valor este que deixaria de constituir fundamento legal para o recurso à avaliação indirecta, nos termos do art.º 89.º-A, n.ºs 1 e 4, ponto 5 da LGT.

Todavia, acompanhando neste ponto a sentença recorrida, tal linha de argumentação não colhe uma vez que independentemente dos montantes que foram sendo restituídos ao recorrente pela G…, Lda., ao longo do ano de 2015, e do saldo final apurado no final desse período, a verdade é que esse procedimento faseado de regularização não altera o montante total efectivamente emprestado e não justificado de 729.011,51€.

E, assim sendo, persiste uma desproporção superior a 30% (para menos) entre o rendimento líquido declarado pelos contribuintes, ora recorrentes, face ao rendimento padrão, quantificado em 50% do valor anual do montante total dos empréstimos realizados (e não justificados) pelo recorrente marido à empresa.

Em reforço do expendido, diremos apenas que os recorrentes nenhuma prova efectuaram de que, em alguma medida, a origem ou fonte dos montantes emprestados à sociedade G…, Lda., tenham sido quantias entretanto restituídas ao recorrente pela sociedade.

Improcede assim, na totalidade, a matéria das conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes de turno deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se os Recorrentes em custas.

Lisboa, 21 de Julho de 2022


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Vital Lopes



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Jorge Cortês



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Paula de Ferreirinha Loureiro