Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:750/09.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:HONORÁRIOS
INDISPENSABILIDADE DOS CUSTOS
ÓNUS DA PROVA
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS
Sumário:I - O requisito da indispensabilidade do custo tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.
II - Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
III - Não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas devidamente suportadas em documentos idóneos, contabilizadas em conformidade e estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.
IV - A moldura tributária é distinta, caso o beneficiário do rendimento seja o titular do poder de direção ou do capital da empresa.
V - Os pressupostos de facto que a AT partiu são insuficientes para partir para uma configuração dos rendimentos em causa como rendimentos de capitais, considerando, desde logo, o caráter subsidiário de tal classificação e bem assim a circunstância de falta de escrituração na conta apropriada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:l – RELATÓRIO


A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por “G…, Lda” contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Coletivas (IRC) e de Juros Compensatórios (JC), do exercício de 2004, no montante global de €54.177,90.

A Recorrente formulou as conclusões que infra se descrevem:

A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por G…, Lda., pessoa coletiva 5………., melhor identificada nos autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº 3085200804002407, apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, correspondentes à nota de cobrança nº 2007 1365733, no valor global de €54.177,90, e em consequência anulou os referidos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, na parte referente às correções dos valores de honorários pagos pela Impugnante aos seus sócios e do valor do subsídio de alimentação atribuído ao sócio-gerente Pedro Ferreira Moniz Pereira, improcedendo no que respeita ao demais.

B) Em causa nos autos está a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, correspondentes à nota de cobrança nº 2007 1365733, no valor global de €54.177,90.

C) Em sede de inspeção externa aos anos de 2003, 2004 e 2005, a coberto das Ordens de Serviço n.º OI200701929, OI200701930 e OI200701931, foram efetuadas, em sede de IRC de 2004, correções aritméticas no valor de €180.117,34 decorrentes de não comprovação da indispensabilidade dos custos registados como honorários de trabalhadores independentes, subsídios de alimentação e pensões, nos termos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC.

D) Foram os referidos custos, registados como honorários, requalificados como adiantamentos por conta dos lucros, nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do Código do IRS.

E) Ora, o art.º 23.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos tributários, estabelece, no seu n.º 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes (…)”.

F) Portanto, são dois os requisitos para que os atuais gastos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal, que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

G) O art.º 23.º do CIRC enumera de forma exemplificativa as despesas efetuadas pelas empresas que podem ser consideradas gastos, ou seja, como componentes negativas do resultado líquido do exercício, tendo como elemento preponderante a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora.

H) Não basta, portanto, que exista uma conexão entre gastos e ganhos para que os primeiros tenham relevância fiscal, é, pois, necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação dos rendimentos e ganhos.

I) O Tribunal a quo considerou indispensáveis os gastos, uma vez que a saída dos sócios F…, M… e M… implicou “a sua substituição por outras pessoas para exercerem, respetivamente, o mesmo tipo de funções”.

J) Acontece, no entanto, que a identificação das funções desempenhadas pelos referidos sócios foi feita única e exclusivamente com base em prova testemunhal, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas F…, sócio da Impugnante, e ainda A…, contabilista, funcionária da Impugnante desde 1993.

K) Considerou o Tribunal a quo que ambas as testemunhas “demonstravam ter conhecimento direto dos factos, tendo prestado depoimento de forma sincera e espontânea que ao Tribunal mostrou ser credível”.

L) Verifica-se, no entanto, que, a título de exemplo, a testemunha F… foi aos autos prestar depoimento sobre as funções que o próprio desempenhava, o que em termos de força probatória é bastante debilitante.

M) Identificar, com a especificidade feita na sentença ora em crise, as funções desempenhadas por cada um dos sócios, apenas com base em prova testemunhal, é, no mínimo, insuficiente e consubstancia claro erro de julgamento.

N) Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos – Acórdão do TRP de 04/07/2016, no âmbito do processo n.º 197/14.2TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt

O) Já a prova testemunhal terá de ser valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

P) Importava, portanto, apurar as funções desempenhadas pelos sócios da Impugnante, ora Recorrida, no âmbito da Impugnante, não apenas com base em prova testemunhal, mas com alguma base documental que pudesse corroborar os depoimentos prestadas.

Q) Aliás, num dos depoimentos, a testemunha [M…], que foi até sócia gerente da Impugnante, prestou um depoimento cheio de lacunas, imprecisões, de esquecimentos, extremamente inseguro, de forma que se torna praticamente impossível atribuir algum tipo de credibilidade ao depoimento prestado e aos factos narrados.

R) Não se recordando das pessoas com que trabalhava diretamente, se trabalhava a tempo parcial, referindo apenas que “devia ser parcial” ou se recebia uma remuneração mensal da empresa!

S) Sendo certo que o Tribunal a quo considerou pouco relevante o depoimento da testemunha, uma vez que a mesma não se lembrava dos factos, atento o lapso de tempo já decorrido, ainda assim acolheu como válido que a mesma “depois de reformada, começou a colaborar com a Impugnante como tradutora, com funções de coordenação, já que tinha feito curso de tradução e formação em línguas”.

T) E deu como provado no ponto 11) do probatório que “Pelo menos entre 2003 e 2005, M… desempenhou as funções de coordenadora do departamento de traduções da Impugnante” e no ponto 15) que “Os 4 sócios da Impugnante tinham presença regular na sociedade, duas a três vezes por semana, com horário variável e a tempo parcial, onde exerciam, respectivamente, as suas funções”.

U) Ora, o Tribunal a quo não podia ter retirado tais consequências do depoimento das testemunhas, face à clara debilidade do depoimento testemunhal de M….

V) Além disso, não considerou o Tribunal a quo o facto de que a Impugnante tinha trabalhadores dependentes e independentes a exercer as referidas funções que os sócios alegavam exercer.

W) Questionamos, portanto, e aliás, alegámos tal facto em sede de contestação, sem que tivesse sido cogitada pelo Tribunal a quo a alegação da Fazenda Pública, de quantas pessoas precisava a Impugnante para o exercício da atividade, nomeadamente, de tradução, de forma que além dos funcionários que já constavam da empresa, careciam que os sócios fizessem esse trabalho.

X) Note-se que os recibos emitidos pelo sócio F… indicam a atividade de psiquiatria, o que era aliás a sua área de atividade.

Y) O próprio sócio F…, em depoimento como testemunha, embora tenha referido que pelos serviços que prestava à Impugnante recebia uma remuneração e passava recibos, fazia-o como médico, uma vez que nem sequer estava coletado como o que afirma ter sido os serviços prestados, de agente de propriedade industrial, ou especificamente, de adjunto de agente de propriedade industrial.

Z) Pelo que, novamente, não existindo prova documental do alegado, e havendo provas, isso sim, de recibos passados na qualidade de psiquiatra, não se compreende como pôde o Tribunal a quo considerar os gastos com os sócios como indispensáveis, face às patentes dúvidas relativamente à sua efetiva prestação de serviços na Impugnante.

AA) Só devem ser aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para a obtenção do lucro de forma direta ou indireta.

BB) O requisito da indispensabilidade dos custos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica, isto é, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora da empresa.

CC) Não deve ser interpretado de forma abstrata, mas de acordo com critérios essencialmente económico empresariais, através de uma razoabilidade que não se mede por uma maior ou menor prudência na administração do negócio, mas sim face à coerência em incorrer em determinada despesa tendo em conta o objeto social da empresa e as circunstâncias do caso concreto.

DD) A indispensabilidade não deve ser aferida por critérios de eficiência na gestão da empresa ao incorrer em determinada despesa.

EE) O Tribunal a quo considerou, portanto, que a Impugnante, ora Recorrida logrou provar a indispensabilidade dos gastos incorridos com honorários aos sócios.

FF) O Tribunal a quo não fez, contudo, qualquer esforço no sentido de avaliar se os gastos efetivamente feitos o foram com intenção de obter proveitos para a empresa e os que não tinham essa intenção, limitando-se a considerar que todos os gastos tidos pela Impugnante, ora Recorrida, pagos aos sócios a título de honorários, tinham essa intenção.

GG) Isto apesar de nos recibos não se encontrar discriminada a natureza das funções, inexistir qualquer contrato de prestação de serviços entre a Impugnante, ora Recorrida e os sócios e até num dos casos os recibos serem passados como psiquiatra [F…].

HH) Em matéria de ónus da prova refira-se que quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), atuando ao abrigo do princípio da legalidade, fundamentadamente, faz emergir a dúvida sobre relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este esclarecer a “congruência económica” da operação.

II) A ora Recorrida não pode simplesmente alegar abstrata e conclusivamente que tem ao seu serviço trabalhadores dependentes e independentes, sendo que os sócios são também trabalhadores independentes da Impugnante, uma vez que detêm conhecimentos especializados em matérias de propriedade industrial e, portanto, os custos registados na contabilidade da Impugnante, como honorários, nada têm a ver com o facto de serem sócios da Impugnante, ora Recorrida.

JJ) É necessário que a Impugnante, ora Recorrida prove que a despesa se insere no interesse societário ou na existência da relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se que invoque e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, para que, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

KK) E, não pode, por maioria de razão, o Tribunal a quo, bastar-se com a alegação da ora Recorrida para considerar verificado o requisito da indispensabilidade e desta forma aceitar os gastos ou ainda, como fez, com a prova testemunhal, sem qualquer tipo de prova documental que corroborasse o alegado nos depoimentos.

4 Veja-se a este propósito o Acórdão do STA de 27-03-2012, processo n.º 05312/12, relator Aníbal Ferraz, in www.dgsi.pt.

LL) O Tribunal a quo entendeu que relativamente à globalidade dos recibos emitidos, ao longo do ano, pelos quatro sócios da Impugnante, os montantes referidos diziam respeito a prestações de serviços pelos sócios.

MM) Relativamente à requalificação dos custos incorridos com honorários como adiantamentos por conta de lucros, preceitua o artigo 5.º, n.º 1 e 2, alínea h) do CIRS o seguinte,

“1- Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: (…)

h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”

NN) O art.º 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo os adiantamentos por conta de lucros, colocados à disposição dos respetivos associados.

OO) O art.º 6.º n.º 4 do CIRS presume que os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

PP) O adiantamento por conta de lucros é, em termos contabilísticos, tratado através de um lançamento representativo da transferência da importância em causa (a adiantar) da conta 11 ou de outra conta de meios financeiros líquidos, para a conta 268 [Acionistas/sócios – Outras operações], referente aos sócios em causa, assim se representando a distribuição de resultados, ou a colocação à disposição dos sócios dos lucros atribuídos.

QQ) O Tribunal a quo deu não inseriu na matéria de facto dada como provada o registo na contabilidade da Impugnante, ora Recorrente dos abonos e descontos registados na conta-corrente de cada um dos sócios.

RR) Ora, sem essa informação, que consta do Relatório de Inspeção Tributária, mas que não foi transposta para a sentença ora em crise, não é possível ao Tribunal a quo retirar as conclusões que retirou.

SS) Contrariamente ao referido na sentença ora em crise, a AT demonstrou a existência de lançamentos a favor dos sócios na conta-corrente dos mesmos e escriturados na sociedade Impugnante, por data, valor e montante. Veja-se nesse sentido o Relatório de Inspeção Tributária.

TT) Efetivamente, a Impugnante não lançou na conta específica de adiantamento por conta de lucros os montantes referentes aos adiantamentos por conta de lucros, como aliás, deveria ter feito.

UU) No entanto, o facto de a Impugnante não ter cumprido as obrigações contabilísticas que lhe competiam, e ter consequentemente violado os princípios contabilísticos e fiscais que regem a contabilização e a tributação, nomeadamente o princípio da verdade, segundo o qual as contas anuais deverão dar uma “imagem fiel do património, da situação financeira, assim como dos resultados da sociedade”, não pode deixar sem tributação um rendimento que, sendo cumpridos os princípios contabilísticos e fiscais, o teria sido.

VV) Pelo que, ainda que não tenha havido registo do adiantamento na conta corrente dos sócios, a presunção do art.º 6.º n.º 4 do CIRS continua a aplicar-se ao caso concreto. Senão vejamos,

WW) Segundo a Comissão de Normalização Contabilística (CNC), a conta 26 é uma conta de accionistas/sócios que, no anexo - Notas de Enquadramento ao Plano de Contas Multidimensional -Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas à Portaria n.º 189/2016 de 14-07-2016, relativamente à classe 2 - Contas a Receber e a Pagar e essencialmente a conta 26 Acionistas/sócios/associados refere “Registam-se nesta conta operações entre os acionistas/sócios e associados, incluindo a atribuição de lucros ainda não colocados à disposição (resultados atribuídos) e adiantamentos por conta de lucros efetuados aos acionistas/sócios de um determinado período que estão por atribuir. Esta conta é utilizada tanto na ótica do beneficiário dos lucros como na ótica de quem os distribuiu”.

XX) E, portanto, a presunção de que tais lançamentos são lucros ou adiantamento dos lucros constante do art.º 6.º, n.º 4 do CIRS terá de operar.

YY) Além disso, tal presunção funciona igualmente noutras circunstâncias.

ZZ) Vejamos o Acórdão do TCAS, de 01/27/2009, no âmbito do processo n.º 02476/08, disponível em www.dgsi.pt, “A conclusão ou ilação natural a alcançar parece-nos clara: este montante pago ao ora recorrente pelo referido A........foi em execução dos referidos contratos celebrados com a sociedade C....... L........Lda, de que o ora recorrente era gerente, e para pagamento das obras e materiais acordados entre ambos, constituindo pois o correspondente proveito e tinha como tal de ser inscrito na sua contabilidade nos respectivos exercícios e não podem deixar de entrar na determinação do lucro tributável da sociedade, nos termos do disposto nos art.ºs 20.º n.º1, alínea g) e 17.º do CIRC, tendo-o assim omitido nas declarações de rendimentos dos referidos exercícios de 2000 e 2001.

Pertencendo tal montante à sociedade, como proveito, como antes se explicitou, e dele se tendo apropriado o respectivo gerente – o ora recorrente – em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento, obtido em cada um destes exercícios, subsumível na alínea h) do art.º 6.º do CIRS (2) [redacção de então, correspondente ao mesmo art.º 6.º, n.ºs 1 e 2 alínea h), na redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro e com entrada em vigor em 1.1.2001], como rendimento da categoria E, como adiantamento por conta de lucros, já que também não se prova que tal montante proviesse de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargo social (art.º 7.º n.º4 do mesmo CIRS), norma que tinha a seguinte redacção:

Consideram-se rendimentos de capitais: ...

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros...

É irrelevante que a sociedade em causa não tenha, formalmente, deliberado discutir quaisquer lucros como invoca o recorrente na matéria das suas alíneas d. e e., já que realmente tal montante, certamente ingressou no património do mesmo recorrente, já que o mesmo lhe foi depositado em conta bancária de que era titular e nenhuma prova foi efectuada e nem o mesmo sequer invoca, que o tenha devolvido à mesma sociedade, onde não consta escriturado nas respectivas contas sociais, como consta na matéria provada do ponto 5. do probatório, não advindo no caso, tal conclusão ou inferência factual, da respectiva escrituração nesse sentido na contabilidade da sociedade (que não existe), como parece invocar o recorrente na matéria da sua g., mas sim da prova recolhida em sede de exame à escrita da mesma sociedade e não afastada por qualquer uma outra, sendo que no direito fiscal por força do “realismo” que o enforma se deve atender à substância económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária - Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 4.4.2001, recurso n.º 25469”. (sublinhado nosso)

AAA) Pelo que, ainda que não tenha havido qualquer deliberação social no sentido da distribuição de lucros ou adiantamentos por conta deles, é possível aplicar a alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS, não sendo tal facto impeditivo ou requisito imprescindível para a distribuição de lucros aos sócios.

BBB) Uma vez que, conforme já referimos, não há provas credíveis e fortes de que os montantes em causa dizem respeito a prestações de serviço dos sócios, certo é que deviam os mesmos ser tributados como adiantamento por conta de lucros, nos termos expostos.

CCC) Já relativamente ao subsídio de alimentação atribuído ao sócio-gerente P…, entendeu o Tribunal a quo que “(…) na medida em que este é de facto e de direito gerente da ora Impugnante, o subsídio enquadra-se na categoria de rendimentos de trabalho dependente, como complemento deste, não podendo deixar de ser considerado como um custo indispensável da prestação laboral - cfr. artigo 2º, nº3, alínea b), nº2 do CIRS. Assim, deve o mesmo ser considerado como um custo dedutível fiscalmente”.

DDD) E concluiu que relativamente aos montantes pagos a título de subsídio de alimentação aos sócios F… e M…, não era “possível extrair nem do ponto de vista fáctico, nem do ponto de vista legal, pressupostos para o pagamento do subsídio em causa”, uma vez que o “aludido subsídio é obrigatório no caso dos trabalhadores dependentes, como remuneração acessória, não tendo direito a tal benefício os trabalhadores independentes, natureza que, no caso dos autos assumem os sócios da Impugnante, enquanto prestadores de serviços e emitentes dos designados “recibos verdes”.

EEE) Ora, desconhece-se o motivo da distinção entre os sócios F… e M… e o sócio-gerente P…, uma vez que estavam todos nas mesmas circunstâncias.

FFF) Senão vejamos. Ainda que o Tribunal a quo tenha considerado que o sócio P… exercia funções de gestão da empresa, continua a não ser trabalhador dependente da empresa, tendo ficado comprovado, também relativamente a este sócio que não se encontrava todos os dias da semana na empresa, nem em jornada completa, mas apenas a tempo parcial.

GGG) Veja-se neste sentido o ponto 14) do probatório “P… é médico cirurgião de profissão, mas dedicava-se igualmente à gerência e gestão operacional da Impugnante, desempenhando, designadamente, funções de coordenação, delineando estratégias de angariação de clientes e fiscalizando qualidade do trabalho - cfr. depoimento de testemunhas”; (sublinhado nosso)

HHH) Parece-nos evidente que o sócio P…, considerando a sua profissão de médico cirurgião, profissão que exercia, não tinha disponibilidade para estar a tempo inteiro na empresa Impugnante, ora Recorrida, prestando atividade na mesma a tempo parcial, exatamente como os restantes sócios.

III) Pelo que não há qualquer razão para a discriminação da situação do sócio P… relativamente aos sócios F… e M… em termos de subsídio de alimentação, devendo ser aplicada àquele a mesma conclusão tecida relativamente a estes, a não demonstração da indispensabilidade do custo.

JJJ) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que os valores pagos aos sócios da Impugnante, ora Recorrida e registados pela Impugnante como custos, designadamente honorários, cumprem o requisito da indispensabilidade constante do art.º 23.º do CIRC e ainda que tenha sido dado como provado o efetivo exercício de funções pelos sócios na Impugnante, apenas e exclusivamente com base em prova testemunhal, sem qualquer tipo de suporte documental, violando o disposto no art.º 74.º da LGT e finalmente a consideração da dedutibilidade fiscal do subsídio de alimentação atribuído ao sócio-gerente P… por prova da sua indispensabilidade.

KKK) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

LLL) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


***


A Recorrida, G…, LDA, optou por não apresentar contra-alegações.

***


A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, aderindo ao parecer da 1ª instância, e às alegações de recurso.

***


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

***


II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços em assuntos de propriedade industrial, designadamente consultoria e registo nacional de marcas, patentes ou modelos de utilidade junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, bem como ao registo internacional junto de organismos estrangeiros de natureza análoga ao INPI (cfr. certidão de registo comercial a fls. 92 e seguintes e Relatório de Inspecção Tributária (RIT) a fls. 53 e seguintes, ambos do processo administrativo (PA) apenso);

2. A ora Impugnante procedeu à entrega atempada da Mod.22 de IRC para o exercício de 2004, na qual declarou uma Matéria Colectável de €5.130,02, que deu origem à Liquidação de IRC nº2005 2510112085 e ao Reembolso nº2005 1131772, no valor de €38.327,06 - cfr. fls.250 a 256 do PA apenso;

3. Por referência a 2003, eram sócios da Impugnante Maria José F…, Maria João F…, F… e P…, sendo cada um titular de uma quota de 25% do capital social, correspondente a € 1.250,00, sendo usufrutuários de 80% de todas as quotas (40% cada um) M…e Manuel G… (cfr. certidão de registo comercial a fls. 92 e seguintes do PA apenso, em especial AP. 37/2002.01.16, fls. 102);

4. P… foi designado gerente em 17.08.1998 (cfr. certidão de registo comercial a fls. 92 e seguintes do PA apenso, em especial AP. 31/980817, fls. 101);

5. Maria João F… foi designada gerente da ora Impugnante em 17.08.1998 - cfr. certidão de registo comercial a fls. 92 e seguintes do PA apenso, em especial AP. 31/980817, fls. 101;

6. Maria José F… foi designada gerente da ora Impugnante em 17.08.1998 - cfr. certidão de registo comercial a fls. 92 e seguintes do PA apenso, em especial AP. 31/980817, fls. 101;

7. F… foi designada gerente da ora Impugnante em 17.08.1998 - cfr. certidão de registo comercial a fls. 92 e seguintes do PA apenso, em especial AP. 31/980817, fls. 101;

8. A Impugnante encontrava-se sujeita ao regime geral de IRC - cfr. RIT a fls. 53 e seguintes do PA apenso;

9. No âmbito da sua atividade, a Impugnante prestava serviços relativos a patentes nacionais e internacionais, cuja documentação surgia frequentemente redigida em língua estrangeira - cfr. depoimento de testemunhas;

10. Maria José F… e Maria João F… encontravam-se coletadas junto da AT em “actividades de tradução e interpretação” – CAE 074300 - cfr. fls. 288 a 293 do PA apenso;

11. Entre 2003 e 2005, Maria José F… desempenhou as funções de coordenadora do departamento de traduções da Impugnante - cfr. depoimento de testemunhas;

12. Pelo menos entre 2003 e 2005, Maria João F… desempenhou funções de tradução e “compliance” na sociedade Impugnante - cfr. depoimento de testemunhas;

13. F… é médico de profissão, mas dedicava-se também à gestão da Impugnante, além de aí prestar colaboração como Adjunto de Agente Oficial de Propriedade Industrial e se ocupar do departamento de informática e logística, sendo, designadamente, responsável pela compra e instalação de equipamentos - cfr. fls. 278 e 281 do PA apenso; depoimento de testemunhas;

14. P… é médico cirurgião de profissão, mas dedicava-se igualmente à gerência e gestão operacional da Impugnante, desempenhando, designadamente, funções de coordenação, delineando estratégias de angariação de clientes e fiscalizando qualidade do trabalho - cfr. depoimento de testemunhas;

15. Os 4 sócios da Impugnante tinham presença regular na sociedade, duas a três vezes por semana, com horário variável e a tempo parcial, onde exerciam, respetivamente, as suas funções - cfr. depoimento de testemunhas;

16. No âmbito da atividade da Impugnante, e relativamente aos prestadores de serviços não avençados, era prática apor no verso dos recibos emitidos em nome da Impugnante o número de procedimento interno, nomeadamente para efeitos de controlo/ fiscalização posterior - cfr. depoimento de testemunhas;

17. Em cumprimento das Ordens de Serviço n°s OI200701929/30/31, de 08.03.2007, a Impugnante foi objeto de acção inspectiva externa, incidente sobre os exercícios de 2003, 2004 e 2005, com a finalidade de verificação do comportamento do sujeito passivo perante as obrigações fiscais, nomeadamente impostas pelos Códigos do IRC e IVA - cfr. RIT a fls. 53 e seguintes do PA apenso;

18. Na sequência da notificação do projecto de Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a Impugnante exerceu o seu direito de audição, através de requerimento escrito que se dá aqui por integralmente reproduzido, do qual se extrai designadamente o seguinte:

"(…) 11. A Exponente não questiona, todavia, correcção dos lucros distribuídos aos sócios e usufrutuários, bem como a correlativa necessidade de correcção e devido enquadramento destes rendimentos na esfera dos beneficiários - cfr. DOC. n.° 1, 2 e 3. Pelo que, e no que respeita ao ponto III-B.3.viii, impõe-se a correcção em conformidade do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária (...)" - cfr. fls. 216 a 239 do PA apenso;

19. Em 22.11.2007, foram elaboradas as conclusões do RIT, com 149 anexos, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO INSPECTIVA
IRC
Pelas razões expostas nos pontos seguintes, foi infringido o artigo 23º do Código do IRC, pelo que, propõe-se que sejam corrigidos os custos cuja indispensabilidade para a realização dos proveitos não foi comprovada:
2004
(…)
Lucro Fiscal declarado
5.130,02
Correcção
180.117,34
Lucro tributável
185.247,36
(…) III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
(…) B - ANÁLISE DOCUMENTAL
(...) B.3. - HONORÁRIOS
Da análise aos registos contabilísticos, verificou-se que a empresa recorre continuamente aos serviços prestados por profissionais liberais.
Conforme anteriormente referido, os recibos de modelo oficial (alínea a) do n.° 1 do art° 115° CIRS), encontram-se arquivados em pasta própria, …. Constatou-se então que o usufrutuário das quotas e os sócios, emitiram mensalmente, recibos referentes a honorários, que de acordo com o Plano Oficial de Contas, compreendem as remunerações atribuídas aos trabalhadores independentes, que são todos aqueles que trabalham para a empresa sem fazerem parte do seu quadro de pessoal:
i. M…
a) Usufrutuário de 40% das quatro quotas representativas do capital social, gerente e engenheiro de profissão.
ii. P…
a) Sócio gerente, detentor de 25% do capital social e médico cirurgião de profissão.
iii. F…
a) Sócio, detentor de 25% do capital social e médico psiquiatra de profissão.
iv. MARIA JOÃO F…
a) Sócia, detentora de 25% do capital social e tradutora de profissão.
v. MARIA JOSÉ F…
a) Sócia, detentora de 25% do capital social e tradutora de profissão.
Este procedimento não se enquadra na prática comum da relação sócio/empresa e conforme adiante se relata constitui infracção às normas legais estabelecidas nos Códigos do IRC e IRS.
i. Os valores anuais pagos pela empresa, dividem-se equitativamente por dez meses, duplicando nos meses de Julho ou Agosto e Dezembro. No ano de 2003, concretamente no mês de Dezembro, foram pagos a cada um dos quatro sócios, mais 25.000,00.
ii. Os quatro sócios detentores do capital, auferem rendimentos de trabalho dependente de outra entidade patronal.
iii. Enquanto os dois sócios homens declaram rendimentos de trabalho independente auferidos de várias entidades, as duas sócias mulheres apenas o fazem em relação a esta empresa.
iv. …
v. Pela análise das declarações modelo 10, … verifica-se que os montantes recebidos anualmente, pelos quatro sócios e pelo usufrutuário, são variáveis.
vi. É norma da empresa, constituindo um dos procedimentos de controle interno, identificar no verso de cada factura/recibo emitidas por trabalhadores independentes ou prestadores de trabalhos técnicos e específicos, o número do processo a que o custo irá ser debitado. Nos recibos emitidos pelos quatro sócios e pelo usufrutuário, não foram anotadas quaisquer indicações susceptíveis de serem debitadas a determinado processo. (anexos 51 a 92)
vii. …
viii. No ano de 2003, encontra-se arquivado na pasta de "BANCOS", um documento que se intitula de folha de férias da distribuição de lucros do exercido de 2003, gratificando cada um dos quatro sócios com 25.000,00. (anexo 94)
ix. Conforme se referiu anteriormente, os valores pagos nos últimos seis anos, quer aos sócios, quer aos usufrutuários, são variáveis:
Este procedimento é passível de se enquadrar na alínea h) do n° 2 do artigo 5° do CIRS, na medida em que os valores pagos aos titulares do capital e ao usufrutuário das quotas, configuram vantagens económicas procedentes de bens mobiliários, ou seja, rendimentos de capitais. Neste contexto e não se tendo comprovado a indispensabilidade dos custos com vista à realização dos proveitos, não são enquadráveis no artigo 23° do CIRC.
B.4. - PENSÕES
(…) Aquela Direcção verificou pela análise de listagens de IRS, que M…, auferia rendimentos da categoria “H" (pensões), pagos por duas entidades, sendo uma delas a empresa em análise.
(…) Questionado o Técnico Oficial de Contas sobre a existência de algum fundo de pensões, foi-nos respondido negativamente. De facto a usufrutuária foi sócia fundadora da empresa e desde 1995, data em que se retirou por motivos de saúde, recebe, uma pensão cujo valor é determinado pela gerência.
(…) Este procedimento é passível de se enquadrar na alínea h) do n° 2 do artigo 5° do CIRS, na medida em que os valores pagos à usufrutuária das quotas, configuram vantagens económicas procedentes de bens mobiliários, ou seja, rendimentos de capitais.
Por outro lado, é pago mensalmente a M…, viúva do sócio fundador, V…, o montante de 835,19, a título de pensão. A única justificação para este procedimento, é a vontade da gerência.
Neste contexto e não se tendo comprovado a indispensabilidade dos custos com vista a realização dos proveitos, não são enquadráveis no artigo 23° do CIRC.
B.5. - SUBSÍDIO DE ALMOÇO
Mensalmente é atribuído subsídio do almoço aos sócios e usufrutuários, suportado por documento interno assinado pelos próprios.
O subsídio de almoço é uma remuneração acessória que consiste num benefício não incluído na remuneração principal, auferida devido à prestação de trabalho dependente, conforme estipula o n° 2 da alínea b) do n° 3 do artigo 2° do CIRS.
Como não estamos perante a prestação de trabalho dependente, já que todos os sócios trabalham na dependência de outras entidades e a usufrutuária é pensionista da Caixa Nacional de Pensões, o subsídio de almoço atribuído a cada um dos sócios e à usufrutuária, configura uma vantagem económica procedente de bens mobiliários, passível de se enquadrar na alínea h) do n° 2 do artigo 5° do CIRS e consequentemente não enquadrável no artigo 23° do CIRC. (anexos 96 a 117)
(...)
B.7. - RESULTADO DAS DILIGÊNCIAS EFECTUADAS
(…) Note-se que, tanto os sócios como o usufrutuário, exercem profissões que constam da tabela de actividades a que se refere o artigo 151° do CIRS, e são tributados pelos rendimentos que auferem no exercício das mesmas.
(…) É de referir ainda que os recibos emitidos pelo sócio P…, nunca mencionam a actividade exercida, enquanto que os emitidos pelo sócio F… indicam a actividade de psiquiatria. …. Os serviços em questão não foram justificados.
Constata-se, portanto, que não foi comprovada a indispensabilidade destes custos, uma vez que não foram apresentados quaisquer trabalhos, de engenharia, cirurgia, psiquiatria ou tradução, efectuados pelo usufrutuário e pelos quatro sócios.
B.8. - PROPOSTAS DE CORRECÇÃO / NORMATIVOS LEGAIS
B.8.1 – IRC
Artigo 23º
Para que um custo seja fiscalmente aceite têm de se verificar em simultâneo dois requisitos:
-Ser indispensável para a obtenção dos proveitos/ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, e
-Ser comprovado
Considerando que não foi comprovada a indispensabilidade dos custos em causa, não podem os mesmos ser aceites fiscalmente, uma vez que não reúnem as condições exigidas pelo artigo 23° do CIRC.
Propõe-se então que sejam acrescidos ao lucro tributável declarado pelo sujeito passivo e que seja corrigido o enquadramento dos rendimentos pagos aos sócios, usufrutuária e viúva do sócio fundador, a fim de serem tributados na esfera dos respectivos beneficiários, como lucros colocados à disposição, e NÃO como trabalho independente e pensões.
Não se procede à correcção dos rendimentos pagos ao usufrutuário, na medida em que, e pelo que foi dado observar durante o período em que decorreram os actos inspectivos, exerce de facto a gerência.
(…)
VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
(…) II. Dos fundamentos das correcções propostas
III – B.3 – Honorários
Pontos 12 a 44 …os rendimentos auferidos pelos sócios e usufrutuária, resultam tão só e apenas da distribuição de lucros, acresce ainda dizer: (…) • No que respeita às regras impostas pelo artigo 23° do Código do IRC, mais uma vez se esclarece que, depois de devidamente notificado o sujeito passivo, não foi justificada a indispensabilidade dos custos com honorários, registados na contabilidade e respeitantes a recibos de modelo oficial, emitidos pelos titulares do capital; • De facto e havendo um rigoroso controle interno, que relaciona os custos adquiridos, com todos os serviços prestados, a fim de se conhecer atempadamente o resultado da actividade desenvolvida, não foram apresentados os proveitos derivados dos "custos" efectuados pelos titulares do capital; • Foi demonstrado também que, os custos efectivamente necessários à fonte produtora, foram devidamente registados, passando pelo controle interno, o qual consistiu em averbar no documento original, o processo a que foi debitado, com vista à obtenção de proveitos e consequentemente valor acrescentado/lucro; • Em relação aos pagamentos efectuados aos sócios e usufrutuária, não foi realmente documentada a essencialidade para a realização dos proveitos ou ganhos; • Note-se ainda que, também foi demonstrado, que a margem bruta de comercialização praticada no desenvolvimento da actividade e encontrada por amostragem, através do controle interno existente na empresa, é de 200%; (…) Assim, voltamos a referir que, os registos nas contas de "CUSTOS - classe 6", justificados por recibos de modelo oficial e emitidos pelos sócios, não se enquadram na redacção do n° 1 do artigo 23° do Código do IRC, pelo que não podem ser aceites como custos dos exercícios.
III – B.4 – Pensões
(…)
III – B.5 – Subsídio de Almoço
Pontos 55 a 69
Mais uma vez, não foram trazidos ao processo, novos elementos.
As decisões de gestão empresarial da sociedade, não implicam por si só, a aceitação ilimitada de custos, por parte da Administração Fiscal. Com vista à não ingerência na gestão comercial, por parte da AF, o legislador definiu não só os custos aceites fiscalmente, mas também os que, o não são de todo, independentemente de a empresa os registar na contabilidade.
(...)
Não se encontrando os sócios e a usufrutuária, numa relação de trabalho dependente para com a sociedade, a liberalidade acordada pela gerência da mesma, concorre para o apuramento do resultado líquido do exercício, mas NÃO, para o apuramento do lucro tributável. (…)” (cfr. RIT a fls. 53 e seguintes do PA apenso);

20. O Projecto de Relatório de inspeção foi notificado à ora Impugnante em 29.10.2007, através de contacto pessoal do funcionário com o TOC da firma, a coberto do ofício nº87342 de 24.10.2007 - cfr. fls. 47 a 48 do PA apenso;

21. O RIT foi notificado à Sra. Mandatária do Impugnante em 28.11.2007, com a entrega em mão do ofício nº97657 de 27.11.2007 - cfr. fls.51 a 52 do PA apenso;

22. Tendo-se dado conhecimento à ora Impugnante desse facto (referido em 20)) em 05.12.2007, através do ofício nº097657 de 27.11.2007, enviado por carta registada com aviso de receção - cfr. fls.240 a 246 do PA apenso;

23. Da ação inspetiva resultaram, em sede de IRC de 2004, correções aritméticas no valor de €180.117,34 - cfr. fls. 79 do RIT ínsito no PA apenso;

24. A Matéria Coletável para o exercício de 2004 passou a ser de €185.247,36, resultante da soma destas correções (€180.117,34), com a Matéria declarada pela contribuinte (€5.130,02) e deu origem à Nota de Cobrança nº2007 1365733 no valor de €54.177,90, correspondente à Nota de Compensação nº2007 7250380, composta:

- pela Liquidação de IRC nº2007 8310019605 no montante de €11.205,21;

- pela Liquidação de Juros Compensatórios nº2007 2043453 no valor de €1.117,45;

- pela Liquidação de Juros Compensatórios nº2007 2043453 no valor de €1.117,45;

. pela Liquidação de Juros Compensatórios por Recebimento Indevido nº2007 2043454 no valor de €3.528,18;

- pelo estorno da Liquidação anterior (nº2005 2510112085) no valor de €38.327,06 - cfr. fls.257 a 262 do PA apenso;

25. A Nota de Cobrança referida em 23) tinha como data limite de pagamento voluntário 01.02.2008, tendo sido paga nessa data, através de cheque - cfr. “print” informático a fls.263 do PA apenso;

26. Em 16.05.2008, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação objeto dos autos e juros compensatórios, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3, a qual foi autuada com o nº 3085200804002407 - cfr. fls. 2 a 27 do procedimento de reclamação graciosa (PRG) ínsito no PA apenso;

27. Foi elaborado o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, o qual foi notificado à Impugnante em 02.02.2009, através do ofício nº7572 de 30.01.2009, para efeitos de exercício de audição prévia - cfr. fls. 103 a 104 do PRG ínsito no PA apenso;

28. A Impugnante exerceu o seu direito de audição, por meio de requerimento escrito que deu entrada em 18.02.2009 - cfr. fls. 106 a 124 do PRG ínsito no PA apenso;

29. Em 03.03.2009, foi elaborada informação pela Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor:

“(…) APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO

Dispõe o art. 23° do CIRC que os custos relevam se forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos correspondentes, ou seja, um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa.

Aqui o que está em causa não é a veracidade da despesa efectuada, mas sim qual a relevância dela para efeitos fiscais.

E, se é verdade que a contabilidade regularmente organizada goza de uma presunção de veracidade, não é menos verdade que cabe ao contribuinte provar a indispensabilidade das verbas contabilizadas como custos dedutíveis para a obtenção dos proveitos, sempre que a Administração Tributária questione essa indispensabilidade.

Na verdade, a regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa e foram incorridos não para a sua prossecução, mas para outros interesses alheios.

Ora como se diz no relatório "não foram apresentados quaisquer trabalhos, de engenharia, cirurgia, psiquiatria ou tradução, efectuados pelo usufrutuário e pelos quatro sócios,", pelo que facilmente se conclui que não foi comprovada a indispensabilidade destes custos.

Quanto às pensões pagas, nada se diz sobre qual ou quais os benefícios que daí advieram para a reclamante, sendo certo que tal ónus lhe pertencia.

Relativamente ao subsídio de refeição, também vulgarmente conhecido como subsídio de alimentação, não tem natureza retributiva, e destina-se a compensar os trabalhadores (desde que estes exerçam funções a tempo completo) das despesas com a refeição principal do dia em que prestam serviço efectivo e, como é um subsídio pago pelo trabalho efectivo, não é pago quando um funcionário tira férias, ou está de baixa, nem nos dias de descanso.

Ora se considerarmos que o subsídio de refeição mais não é do que uma remuneração acessória auferida em função da prestação de trabalho dependente e que entre os sócios, a usufrutuária e a sociedade não existe uma relação de trabalho dependente, teremos, obrigatoriamente que considerar que o subsidio de almoço é uma vantagem patrimonial proveniente de bens mobiliários, enquadrável na alínea h) do n° 2 do art. 5° do CIRS.

Do exposto resulta que é no conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais (pois existem custos que são efectivamente incorridos no interesse colectivo da empresa e existem custos que podem resultar apenas do interesse individual dos sócios e que não podem, por isso, ser considerados custos fiscais).

Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou a produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa do mesmo é ou não empresarial.

Relativamente aos juros compensatórios importa referir que estes têm por base o retardamento da liquidação do imposto devido e, como fim último, a reparação de prejuízos sofridos pelo Estado com o atraso na liquidação.

Ora o imposto em causa resulta do facto de a reclamante ter deduzido custos indevidamente, falta essa que apenas à reclamante poderá ser assacada, e não à Administração tributária.

E, nos termos do n° 3 do art. 35° da LGT os juros contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração até à correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação. (…)" - cfr. fls. 145 a 154 do PRG ínsito no PA apenso;

30. Sobre a Informação que antecede recaiu despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 13.03.2009, que, convolou em definitivo o projeto de decisão e indeferiu a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante - cfr. fls. 146 do PRG ínsito no PA apenso;

31. A Impugnante foi notificada da decisão anterior por meio do ofício nº 021654, de 18.03.2009, enviado por correio registado com A/R, o qual foi assinado em 20.03.2009 - cfr. fls. 157 a 160 do PRG ínsito no PA apenso;

32. A presente impugnação judicial deu entrada a 08.04.2009 - cfr. carimbo aposto a fls.2 dos autos.


***


Consta como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


***


“A motivação da matéria de facto assentou no seguinte”:

Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise da prova documental constante dos autos, do PA, do procedimento de reclamação graciosa apensos e no depoimento das testemunhas, F…, sócio da Impugnante, A…, contabilista, funcionária da Impugnante desde 1993 e Maria José F…, sócia e funcionária da Impugnante entre 2001/2 e 2009/10, desempenhando aí funções na área da tradução de patentes, que demonstraram ter conhecimento direto dos factos, tendo prestado depoimento de forma sincera e espontânea que ao Tribunal mostrou ser credível para prova dos factos alegados.

A testemunha F… esclareceu as funções que desempenhava no seio da Impugnante, designadamente, foi Adjunto de Agente Oficial de Propriedade Industrial, prestando total colaboração ao Agente de Propriedade Industrial, participando também na gestão da empresa, em especial no departamento de informática e logística (compras de equipamentos, instalação, encomendas, etc.). Referiu que estava 2 a 3 vezes por semana na sociedade e fez referência ao erro no que diz respeito ao enquadramento da sua atividade junto das finanças (encontrava-se registado como médico, profissão que exercia, e não outro), o qual foi corrigido.

Esclareceu ainda o Tribunal quanto à atividade desempenhada pela sociedade ora Impugnante, bem como das funções exercidas pelos seus irmãos na mesma. O seu irmão P… foi gerente, ajudava na gestão, participava nos contratos com clientes e as irmãs estavam ligadas às traduções, mais afirmou que não passavam todos o mesmo período de tempo na sociedade e que não tinham todos a mesma remuneração.

A testemunha A…, assistente de contabilidade à data dos factos, demostrou ter conhecimento da estrutura e história da sociedade, esclarecendo este Tribunal sobre as funções desempenhadas pelos 4 sócios da Impugnante, confirmando a versão da testemunha F… e da testemunha Maria José F…, que, também ela foi funcionária e sócia da Impugnante à data dos factos, aí desempenhando funções na área da tradução de patentes.

A testemunha Maria José F…, não tinha presente pormenores dos factos alegados, atendendo ao tempo já decorrido, no entanto, confirmou, que depois de reformada, começou a colaborar com a Impugnante como tradutora, com funções de coordenação, já que tinha feito curso de tradução e formação em línguas.

A testemunha A…, referiu que, P…, embora médico, ajudava na gestão e gerência da Impugnante, fazendo uma ponte entre o pai (gerente), de idade já avançada e os funcionários da empresa ora Impugnante, nomeadamente delineando estratégias de angariação de clientes; lidava com os funcionários; tinha algumas funções de verificação de qualidade do trabalho e de coordenação com as direções dos departamentos de marcas/patentes. Relativamente a F…, também médico, esclareceram as testemunhas, que o mesmo, estava ligado a angariação de clientes e também era o responsável pelo departamento de informática (instalação de internet, sites, compras de equipamentos, etc., havendo contratos por si assinados). A sócia M… fazia gestão/coordenação de traduções e a Maria J…, também sócia da Impugnante, tratava das patentes, numa vertente técnica.

Resultou do depoimento das testemunhas, que, todos os sócios da Impugnante eram remunerados por valores diferentes, determinados pelo pai, M…, com base nas respetivas horas de trabalho e complexidade das funções por si desempenhadas.

Foi ainda explicado a este Tribunal pelas testemunhas, com clareza e conhecimento direto, que, a empresa Impugnante, tinha como política atribuir subsídio de alimentação a todos os seus colaboradores, mesmo os independentes, inclusive os que não trabalhavam a tempo inteiro, desde que trabalhassem com a Impugnante de forma recorrente.

Confirmaram as testemunhas, que os sócios da Impugnante lhe prestaram serviços no período temporal em causa e que iam regularmente à sociedade, com funções bem definidas.

Do depoimento das testemunhas, resultou, que as atividades desempenhadas pelos sócios na Impugnante, eram essenciais ao desenvolvimento da sua atividade, tanto mais, que, porque quando saíram da sociedade, foram substituídas por outras pessoas nas mesmas funções.

A testemunha A… esclareceu ainda o Tribunal, quanto à aposição do número do processo no verso dos recibos, informando, que tal se fazia com os colaboradores externos, para que fosse possível conferir o valor do serviço, o qual dependia do volume de palavras (no caso das traduções) e sector. Disse ainda, que, os recibos verdes dos sócios tinham subjacentes vários processos e correspondiam a salários fixos.



***




***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

L) Por referência ao exercício de 2004, a sociedade denominada “G…, Lda” registou, relativamente a cada um dos sócios, as gratificações que infra se enumeram:

«Imagem no original»

(cfr. fls. 233, do PA apenso);
M) No exercício de 2004, a sociedade denominada “G…, Lda”, registou na sua contabilidade, na conta-corrente de cada um dos sócios identificados em 3) supra, os seguintes abonos e descontos:

«Imagem no original»


«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

(Cfr. fls. 194 a 198 do PA apenso);


***



III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRC e respetivos JC, referente ao exercício de 2004.

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que apenas o DRFP interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos, tendo, por isso, transitado em julgado a subsunção normativa de €44.750,00, no artigo 5.º, nº2, alínea h), do CIRC, como distribuição de lucros e bem assim a correção referente ao subsídio de alimentação pago aos sócios, presumida como adiantamento de lucros, enquadrado no artigo 6.º, nº4 do CIRS, ressalvado o valor pago ao sócio gerente P…. Encontrando-se, outrossim, consolidada a arguida falta de fundamentação dos juros compensatórios.

Mais importa ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo:

- Valorou erroneamente a prova produzida nos autos, mormente, a prova testemunhal competindo, nessa medida, aferir do preenchimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC;

- Incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, ao ter entendido que o montante pago aos sócios na parte que excede o valor de €44.750,00 se subsume normativamente no artigo 23.º do CIRC, como custo indispensável para a obtenção de proveitos.

- Computou, erroneamente, que o subsídio de refeição do sócio gerente P… era um custo fiscalmente dedutível, por indispensável.

Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.

A Recorrente, aduz, desde logo, que o Tribunal a quo ponderou, exclusivamente, para efeitos de fixação da matéria de facto atinente às funções desempenhadas pelos sócios a prova testemunhal, e que tal assunção é errónea e manifestamente insuficiente. De resto, sublinha ainda que os próprios prestaram depoimento o que é bastante debilitante, sendo que Maria José M… prestou inclusive um depoimento cheio de lacunas e imprecisões e, no entanto, foi valorado.

Para o efeito, importa, então, começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (1).

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, dimana inequívoco que a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita.

Com efeito, verifica-se que, in casu, a Recorrente não impugna a matéria de facto decorrente da prova documental, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, sendo que no atinente à produção de prova testemunhal, não procede à transcrição de qualquer depoimento ou excerto do mesmo, nem, tão-pouco, indica, com exatidão, as passagens de gravação dos depoimentos que pretende ver analisados, não requerendo, por conseguinte, qualquer aditamento por complementação ou substituição, e bem assim qualquer supressão do acervo probatório. Pelo que, não impugna a matéria de facto de acordo com os requisitos supra evidenciados.

Mais importa ter presente que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque, se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade.

Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (2).

Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar, de forma genérica, que os depoimentos das testemunhas não podem servir para fixar a factualidade em contenda, carecendo da convocação de ulterior prova documental.

Ademais, e pese embora a Recorrente não substancie, com o devido pormenor, porque motivo os depoimentos prestados não podem ser valorados e qual a factualidade que reputa ser de suprimir, alterar ou mesmo aditar, sempre importa relevar que, in casu, e conforme resulta da motivação da matéria de facto, as testemunhas arroladas apresentavam conhecimento direto da realidade em contenda, na medida em que os próprios puderam particularizar, com pormenor, as funções, efetivamente, exercidas na empresa. Não se vislumbrando -nem sendo, tão-pouco, devidamente, especificado como se impunha- porque motivo essa prova é “debilitante”.

De resto, como é consabido os depoimentos das testemunhas quando, críveis, com razões de ciência perfeitamente evidenciados e devidamente ponderados, podem e devem ser valorados na exata medida da convicção do julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

Acresce que, contrariamente ao aduzido pela Recorrente, da arrazoada motivação da matéria de facto não se retira, de todo, que a prova testemunhal tenha sido genérica, insuficiente e parcial, bem pelo contrário.

In casu, conforme resulta de forma clara e inequívoca da motivação da matéria de facto, o Tribunal a quo enunciou as razões pelas quais entendeu credibilizar os depoimentos, quais as razões de ciência atinentes ao efeito, evidenciando, outrossim, particularidades dos depoimentos reputados de relevo para a decisão, não tendo a Recorrente sindicado os mesmos com os devidos trechos que poderiam acarretar uma valoração distinta e inclusive díspar redação, nem, tão-pouco, contraditado e refutado com a devida substanciação, donde o acervo fático tem de permanecer inalterado, votando, assim, ao insucesso o aludido erro de julgamento de facto.

É certo que no atinente ao depoimento da testemunha Maria José M…, sustenta que a mesma prestou um depoimento “cheio de lacunas, imprecisões, de esquecimentos, extremamente inseguro, de forma que se torna praticamente impossível atribuir algum tipo de credibilidade ao depoimento prestado e aos factos narrados”, mas a verdade é que não se perceciona o alcance de tal alegação e isto porque da aludida motivação se retira que o Tribunal a quo, aquiesceu-o como pouco relevante, sublinhando inclusive que “não tinha presente pormenores dos factos alegados, atendendo ao tempo já decorrido, no entanto, confirmou, que depois de reformada, começou a colaborar com a Impugnante como tradutora, com funções de coordenação, já que tinha feito curso de tradução e formação em línguas.”

Acresce que da aludida motivação, e da descrição e contextualização nela materializada, os pontos 9), 11), 12) e 16) fundaram-se, essencialmente, no depoimento das testemunhas F…, e A…, carecendo, por isso, de qualquer relevância o aduzido em S) a U).

De todo o modo, sempre importa sublinhar que atentando no recorte fático dos autos, não se vislumbra que os factos fixados tendo por base a produção de prova testemunhal não pudessem fundar-se na mesma. Noutra formulação, dir-se-á que não nos encontramos no domínio da prova vinculada, decorrente da aplicação de normas imperativas de direito probatório material e sem qualquer margem de apreciação de liberdade por parte do julgador.

Aliás -contrariamente ao alegado pela Recorrente, e conforme se atesta do teor do Relatório Inspetivo- não se vislumbra, de todo, que as operações contabilísticas não tivessem o devido suporte documental. Aliás, no ponto 10) é, desde logo, convocada prova documental atinente às atividades que Maria José F… e Maria João F… se encontravam coletadas junto da AT e que, de resto, está de harmonia e em conformidade com o depoimento das testemunhas, conforme resulta claro do acervo fático dos autos.

Questão diferente, é se não foram devidamente valoradas realidades documentais e contabilísticas e mesmo atinentes à existência de outros trabalhadores a desempenharem funções similares às dos sócios, as quais a serem, devidamente, valoradas acarretariam julgamento diferente, no entanto, tal questão, a proceder, radica já em erro de julgamento e será, sendo caso disso, apreciada em sede própria.

Ademais, importa ter presente que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, ou mesmo se a densificação de uma determinada realidade cuja efetividade não é colocada em crise, tal não pode, sem mais, afastar a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC.

Até porque, a densidade de suporte documental em termos de IRC é distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.

De relevar, in fine, que não se vislumbra, de todo, qualquer contradição entre o contemplado no probatório e o decidido, não padecendo a mesma das deficiências apontadas-ainda que conclusivamente- em KKK).

E por assim ser, face a todo o expendido anteriormente, conclui-se que inexiste qualquer erro de julgamento de facto, mantendo-se a matéria de facto inalterada.


***


Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se a decisão padece dos erros de julgamento por deficiente interpretação dos pressupostos de facto e de direito que lhe são assacados pela Recorrente.

A Recorrente defende, desde logo, que deve manter-se a requalificação dos custos registados como honorários, como adiantamentos por conta dos lucros, nos termos da alínea h) do n° 2 do artigo 5° do Código do IRS, face às patentes dúvidas relativamente à efetiva prestação de serviços sindicados na Impugnante, sendo certo que, rigorosamente, o Tribunal a quo não computou e valorou a circunstância de a Impugnante ter trabalhadores dependentes e independentes a exercer as referidas funções que os sócios alegavam exercer.

Mais sublinhando que o Tribunal a quo não fez, contudo, qualquer esforço no sentido de avaliar se os gastos efetivamente feitos o foram com intenção de obter proveitos para a empresa, em clara violação do artigo 23.º do CIRC.

Aduzindo, in fine, que a AT demonstrou a existência de lançamentos a favor dos sócios na conta-corrente dos mesmos e escriturados na sociedade Impugnante, por data, valor e montante, logo ainda que não exista lançamento na conta específica de adiantamento por conta de lucros, os mesmos deveriam ser tratados face à presunção consignada no artigo 6.° n.° 4 do CIRS.

O Tribunal a quo, ajuizou, desde logo, que “[f]oi pago a cada um dos sócios, por referência a 2004, os montantes que variam entre €2.500,00 e €20.000,00 (…) a título de distribuição de lucros, o que não só é visível dos próprios elementos de suporte contabilístico da Impugnante, como foi também assumido em sede de audição prévia à decisão final da inspeção tributária”.

Materializando, assim, que “o enquadramento feito pela Administração Tributária não merece censura e, portanto, a liquidação em crise, na parte correspondente à correção de €44.750,00-não padece de qualquer ilegalidade”, salientando, no entanto, que “[a] correção efetuada em sede de IRC, respeitante a “Honorários”, não se circunscreveu a este valor, abrangendo a globalidade dos recibos emitidos, ao longo do ano, pelos 4 sócios da Impugnante”.

Logo, é precisamente sobre o valor remanescente que importa apurar o aduzido erro de julgamento, na medida em que, como vimos, o demais encontra-se transitado.

Em termos de fundamentação de direito, o Tribunal a quo esteou a procedência relevando, desde logo, que “[r]esultou provada a prestação de serviços à Impugnante, de diferente natureza, por parte de cada um dos seus sócios, os quais marcavam presença assídua na empresa, ainda que por horário variável e a tempo parcial”, e bem assim que ficou “[a]inda provada a necessidade, para a atividade da Impugnante e como tal para a realização dos proveitos, dos serviços prestados pelos sócios, porquanto a saída dos mesmos da empresa implicou a sua substituição por outras pessoas para exercerem o mesmo tipo de funções.”

Mais refutando o enquadramento na alínea h) do n° 2 do artigo 5.° do CIRS, desde logo, porque o motivo concatenado com essa requalificação constante no RIT prende-se com o facto de “[n]ão haver qualquer indicação no verso dos recibos por estes emitidos, relativamente ao processo interno ao qual o custo seria debitado”, donde não poder ser atendido face, desde logo, à factualidade contemplada no probatório, enfatizando, ainda, que tal exigência se coaduna com a necessidade de fiscalização que não seria exigível aos sócios que “[p]restavam serviço "transversal".

E, de facto, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado, tendo interpretado adequada e acertadamente o regime jurídico vigente à realidade fática dos autos, tendo, aliás, sido esta linha de entendimento seguida recentemente por este Tribunal e Coletivo, no âmbito do processo nº 548/09, datado de 28 de abril de 2022, a qual iremos, naturalmente, perfilhar.

Vejamos, então.

Atentando no Relatório de Inspeção Tributária verificamos que a AT convoca, desde logo, o artigo 23.º do CIRC, relevando, por um lado, que não se comprovou a indispensabilidade dos custos com vista à realização dos proveitos, sendo que os rendimentos auferidos pelos sócios resultam, tão-só, de distribuição de lucros, subsumindo-se, por isso, no artigo 5.º, nº2, alínea h), do CIRS.

Convoquemos, então, o quadro normativo que para os autos releva.

Importa, evidenciar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes (…)

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;”

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo ou perda apenas desenha o conceito numa vertente finalística, traduzida, tão-somente, numa certa relação de causalidade com as componentes positivas do resultado.

De todo o modo, o citado artigo 23.º do CIRC permite aferir da existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos (3) ”.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo(4).

Significa, portanto, que um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Logo, a AT apenas pode desconsiderar os custos que não se inscrevem no objeto social e no âmbito da atividade do sujeito passivo, ou seja, os que foram contraídos para a prossecução de objetivos alheios.

Está, portanto, “[a]rredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).(5)”

Ainda neste âmbito, importa ter presente o estatuído no artigo 5.º, nºs 1 e 2, alínea h), do CIRS segundo o qual:

“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:

h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º.”

E bem assim o preceituado no artigo 6.º, nº4 do CIRS que dispunha que “os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”

Ora, visto o regime jurídico e feitos os considerandos de direito que para os autos relevam, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha interpretado erradamente a realidade fática e incorrido no arguido o erro de julgamento.

Senão vejamos.

De relevar, desde já, que a Recorrida registou na conta de custos-classe 6, as despesas em questão como honorários, por respeitarem a prestação de serviços reputadas como indispensáveis para obtenção de proveitos e manutenção da fonte produtora, não sendo sindicada a sua efetividade e documentalidade -está devidamente suportada e não controvertida por recibos de modelo oficial-, apenas e só a sua indispensabilidade por não ter sido comprovado o seu nexo com o escopo empresarial.

No entanto, não secundamos a posição da AT no sentido de que tais gastos não são comprovadamente indispensáveis para a obtenção de proveitos, na medida em que o acervo fático dos autos permite inferir -tal como ajuizado e bem pelo Tribunal a quo- nesse sentido.

Atentemos, então, porquê.

Do acervo fático dos autos resulta que a Recorrida dedica-se à prestação de serviços em assuntos de propriedade industrial, designadamente consultoria e registo nacional de marcas, patentes ou modelos de utilidade junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, bem como ao registo internacional junto de organismos estrangeiros de natureza análoga ao INPI.

Prestando, por isso, serviços relativos a patentes nacionais e internacionais, cuja documentação surgia frequentemente redigida em língua estrangeira, recorrendo, por isso, a serviços de tradução sendo que Maria José F… e Maria João F… se encontravam coletadas junto da AT para o efeito.

Dimanando, igualmente, provado que entre 2003 e 2005, Maria José F… desempenhou as funções de coordenadora do departamento de traduções da Impugnante e Maria João F… desempenhou funções de tradução e “compliance" na sociedade Impugnante.

Mais resultando provado, no atinente às funções concretamente desenvolvidas por F… que não obstante o mesmo ser médico de profissão, certo é que prestava colaboração como Adjunto de Agente Oficial de Propriedade Industrial, sendo, outrossim, responsável pela compra e instalação de equipamentos, atenta a função desempenhada no departamento de informática e logística.

Por seu turno, no mesmo âmbito, mas concernente a P…, promanou assente que, não obstante o mesmo ser médico cirurgião de profissão, dedicava-se à gerência e gestão operacional da Recorrida, desempenhando, designadamente, funções de coordenação, delineando estratégias de angariação de clientes e fiscalizando qualidade do trabalho.

Sendo que, neste concreto particular, resultou assente que os quatro sócios da Recorrida tinham presença regular na sociedade, duas a três vezes por semana, com horário variável e a tempo parcial, onde exerciam, respetivamente, as suas funções.

Ora, face ao supra expendido, nenhuma censura merece o juízo de entendimento do Tribunal a quo, porquanto não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas devidamente suportadas em documentos idóneos, contabilizadas em conformidade e estando evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.

De relevar, neste particular, que não logra provimento, neste e para este efeito, o aduzido em W), não só porque, por um lado, a AT nunca convocou tal realidade no Relatório Inspetivo, revestindo, por isso, fundamentação a posteriori, e por outro lado, porque tais justificações são eminentemente conclusivas e concatenadas com critérios de gestão, donde, insuscetíveis de sindicância, aliás, conforme, expressamente, reconhecido pela AT em CC) e DD).

Ademais, não podemos descurar que vigora o princípio da verdade declarativa e que a Recorrida registou os visados custos na contabilidade e em absoluta conformidade com os recibos emitidos para o efeito. De sublinhar, ainda neste âmbito, que o aduzido em X), Y) e GG) não pode ter os efeitos almejados pela Recorrente quando, em rigor, a efetividade dos custos nunca foi colocada em causa e está, devidamente, demonstrado o nexo das despesas incorridas com a atividade exercida pela Recorrida.

Mais importa acentuar que, a própria circunstância invocada pela AT e coadunada com a falta de inscrição no verso dos recibos do número do procedimento interno, em contraposição com o concretizado com os demais prestadores de serviços está, devidamente, justificada e evidenciada em 16), ou seja, a prática estava coadunada com uma questão de fiscalização e controlo posterior, o que, naturalmente, não era exigível quando os interlocutores eram os visados nos autos.

Com efeito, e como bem fundamentado na decisão recorrida, “[t]al referência servia para fiscalizar se o montante do recibo estaria em conformidade com o serviço prestado pelo colaborador, em especial, e no que tocava aos tradutores, se o aludido valor correspondia ao número de palavras do documento traduzido (já que era esse o critério de pagamento). Esta indicação não fazia sentido relativamente aos recibos emitidos pelos sócios, porquanto prestavam serviço “transversal”, isto é, as suas tarefas não se referiam unicamente a um processo, mas a todos, como sugestionam, aliás, os próprios conceitos de “coordenação” e “fiscalização” desempenhados por alguns dos sócios (mesmo as sócias irmãs, quanto aos trabalhos de tradução e compliance, lidavam com todos os processos ou a maioria deles, não se justificando, além de ser impraticável, a indicação de todos os processos nos recibos emitidos).”

Adensando, ainda, que “além disso, o valor que recebiam mensalmente estava pré-determinado, não necessitando de qualquer fiscalização posterior, pelo que se encontravam, manifestamente, em diferente situação dos demais colaboradores externos/independentes.”

Pelo que, face a todo o expendido e transpondo a mesma para o caso vertente, outra conclusão não se pode retirar que não a da ilegalidade da correção, até porque, in casu, foi, efetivamente, destrinçada a quantia que era passível de tributação como distribuição de lucros, estando, ora, apenas em causa o valor que ultrapassa essa quantia.

De relevar, ainda neste particular, que não assiste razão à Recorrente no atinente à legitimidade da requalificação e convocada, designadamente, nas alíneas NN) a YY) das conclusões, sendo certo que o aduzido em QQ) e RR) é não controvertido, tendo inclusive sido objeto de aditamento ao probatório, por este Tribunal e ao abrigo dos seus poderes de cognição.

Com efeito, os pressupostos de facto que a AT partiu são insuficientes para partir para uma configuração dos rendimentos em causa como rendimentos de capitais, considerando, desde logo, o caráter subsidiário de tal classificação (6).

Ademais, e contrariamente ao sustentado pela Recorrente nas suas alegações não logra mérito o aduzido quanto à atuação da presunção, desde logo, porque as quantias em causa não foram escrituradas na conta de Acionistas-Sócios-Adiantamento por conta de lucros -como, aliás, expressamente reconhecido pela AT no seu relatório Inspetivo e, ora, reiterado nas suas alegações de recurso, não relevando, naturalmente, o aduzido em TT) e UU)- e bem assim porque resulta provado que as mesmas dimanam de prestações de serviços, efetivamente, incorridas, donde, sem subsunção normativa no aludido normativo 6.º, nº4 do CIRS.

De relevar, in fine, que não procede, igualmente, o estatuído em HH), visto que o normativo 100.º do CPPT estatui, expressamente, que em caso de dúvida sobre a existência e quantificação dos rendimentos a mesma reverte a favor do contribuinte e não a favor da AT, como sufragado pela Recorrente, sendo certo que, de todo o modo, in casu, a Recorrida-contrariamente ao expendido em II- logrou, efetivamente, demonstrar a indispensabilidade dos serviços face à sua conexão com a atividade exercida.

Face a todo o exposto, estando, pois, comprovada a prestação de serviços pelos sócios e a sua indispensabilidade, a visada correção e na parte sindicada, padece, efetivamente, de vício de violação de lei, decorrente de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, cominada com a anulabilidade e com todas as demais consequências legais sentenciadas e não controvertidas, pelo que a decisão recorrida deve manter-se, neste conspecto, na ordem jurídica.

Subsiste, ora, por analisar a questão atinente ao subsídio de refeição.

O Tribunal a quo entendeu que “[n]o que concerne ao subsídio de alimentação atribuído ao sócio-gerente P… e, na medida em que este é de facto e de direito gerente da ora Impugnante, o subsídio enquadra-se na categoria de rendimentos de trabalho dependente, como complemento deste, não podendo deixar de ser considerado como um custo indispensável da prestação laboral - cfr. artigo 2º, nº3, alínea b), nº2 do CIRS.” Concluindo, assim, que o mesmo deve ser considerado como um custo dedutível fiscalmente, destrinçando tal realidade fática da dos sócios F… e Maria João F…, na medida em que “[o] aludido subsídio é obrigatório no caso dos trabalhadores dependentes, como remuneração acessória.”

Assim o não considera a Recorrente, relevando, para o efeito, que não se perceciona o motivo da distinção entre os sócios F… e Maria João F… e o sócio-gerente P…, uma vez que se encontram todos nas mesmas circunstâncias.

Concluindo, que não há qualquer razão para a discriminação da situação do sócio P… relativamente aos demais sócios, devendo ser aplicada àquele a mesma conclusão tecida relativamente a estes, a não demonstração da indispensabilidade do custo.

Vejamos.

Comecemos por atentar na fundamentação constante no Relatório Inspetivo. A AT evidencia que o “[s]ubsídio de almoço é uma remuneração acessória que consiste num benefício não incluído na remuneração principal, auferida devido à prestação de trabalho dependente, conforme estipula o n° 2 da alínea b) do n° 3 do artigo 2° do CIRS.”

Extrapolando, de seguida, que não estando “[p]erante a prestação de trabalho dependente, (…) o subsídio de almoço atribuído a cada um dos sócios e à usufrutuária, configura uma vantagem económica procedente de bens mobiliários, passível de se enquadrar na alínea h) do n° 2 do artigo 5° do CIRS e consequentemente não enquadrável no artigo 23° do CIRC.

Como visto, o fundamento em que se estribou a AT escudou-se na inexistência de uma relação laboral enquanto trabalhador dependente, donde que legitime a atribuição de subsídio de refeição, nada sindicando quanto à sua efetividade e documentabilidade, mas, tão-só, a subsunção normativa no artigo 23.º do CIRC, por não o reputar indispensável para a obtenção de proveitos.

Mas a verdade é que, tal fundamentação por si só não permite qualificar a aludida vantagem acessória como procedente de bens mobiliários, donde passível de subsunção na alínea h) do n° 2 do artigo 5.° do CIRS e consequentemente não enquadrável no artigo 23.° do CIRC, na medida, em que descura a estatuição inerente às remunerações dos membros dos órgãos estatutários, contemplada no artigo 2.º, nº3, alínea a), do CIRS, e a própria insusceptibilidade de qualificação como vantagem económica conexa com a função de gerente e dela dimanante.

Note-se que, conforme ensina T…, e contrariamente ao aduzido pela Recorrente, essa distinção é fundamental, não podendo, de todo, ser descurada.

Com efeito, começa o citado Autor (7) por esclarecer que “a generalidade dos actos praticados pela organização (entre os quais, os custos contraídos) inserem-se, por regra, na capacidade de exercício da sociedade, dado o seu habitual perfil lucrativo (mediato ou imediato) e a concreta subsumibilidade no escopo social.(…) A capacidade (fiscal e comercial) da sociedade abrange, pois, todas as operações com um genérico perfil lucrativo, abstractamente conformáveis no escopo estatutário da organização. A contrario sensu, à incapacidade subjaz a ausência de interesse societário (…)”

Esclarecendo, depois, que “nestes actos anormais de gestão, o benefício de terceiros sobrepõe-se ao da sociedade (é obtido à custa do sacrifício da empresa), de tal forma que os actos se tomam abstractamente inadaptáveis ou aprioristicamente inconformáveis com o interesse da organização (…) relevando, para o efeito, que, “em tese, esses titulares são as entidades com o poder de modelar ou influenciar as decisões societárias (as cúpulas - sócios e administradores - e as sociedades-mãe nas relações de grupo) e, em geral, todos os que se conexionem juridicamente com a empresa (trabalhadores, credores, fornecedores)”

Salientando, no entanto, que “a moldura tributária é completamente diferente, caso o beneficiário do acto anormal seja o titular do poder de direcção (administrador ou gerente) ou do capital da empresa (sócio ou accionista).” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, não sendo controvertido -sendo de resto assumido pela Recorrente- que P… era de gerente de facto e de direito, resultando do probatório-não impugnado- que o mesmo desempenhava, designadamente, funções de coordenação, delineando estratégias de angariação de clientes e fiscalização no departamento da qualidade, e sem que exista qualquer sindicância que não a relacionada com a natureza da vantagem por inerência absoluta ao cargo de sócio, ou seja, sem que seja afastada a subsunção normativa no citado artigo 2.º, e inclusive a própria presunção contemplada no artigo 192.º, nº5, do CSC, então as verbas em contenda não podem, sem mais, ser qualificadas como rendimentos de capitais.

Ademais, vigora, como é consabido, o princípio da verdade declarativa, sendo que, in casu, as verbas sindicadas foram contabilizadas enquanto tal donde, era imperioso que para efeitos de subsunção no normativo 5.º, nº2, alínea h), do CIRS, a AT tivesse ido mais longe e demonstrado os factos índice e que legitimasse o afastamento da dedutibilidade do custo, o qual, mais uma vez, sublinhe-se se coadunou, tão-só, com a falta de indispensabilidade para a prossecução do objeto societário.

Ajuíza-se, assim, que a AT não provou a verificação dos pressupostos legais da sua atuação, não podendo, neste e para este efeito, lograr mérito o expendido pela Recorrente relativamente ao trabalho a tempo parcial, na medida em que não foi feita essa casuística ponderação pela AT, desconsiderando tout court as visadas despesas, e bem assim a extrapolação, não demonstrada, contemplada em HHH).

E por assim, é de manter o decidido pelo Tribunal a quo, neste concreto particular.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e em consequência manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 30 de junho de 2022


(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)



__________________________

(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(2) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07.06.2018.
(3) TOMÁS TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, C.T.F. n.º 396, página 135.
(4) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.
(5) n Acórdão do STA, proferido no processo nº 0627/16, de 28.06.2017.
(6) Vide, designadamente, Acórdão deste TCAS, prolatado no âmbito do processo nº 05014/11, de 16.10.2012.
(7) In Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas:algumas reflexões ao nível dos custos, CTFnº 396, pp.140 a 144.