Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 125/21.9BCLSB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/26/2024 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | ARBITRAL. OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
| Sumário: | I. Há nulidade por omissão de pronúncia quando questões suscitadas não tenham sido apreciadas, se o seu não conhecimento não resultou prejudicado pela solução dada às demais questões. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acórdão
I. RELATÓRIO S………………. - Sociedade ………………….. S.G.P.S., S.A. (doravante Impugnante) veio impugnar a decisão arbitral proferida a 18.10.2021, pelo tribunal arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º ………./2021-T, ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT). Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos: “A) De entre os seis vícios apontados à liquidação de tributação autónoma do exercício de 2013 da ora impugnante, a decisão arbitral impugnada apreciou e julgou quatro deles, tendo omitido julgamento/pronúncia sobre os restantes dois. B) Mais concretamente, a decisão arbitral impugnada omitiu julgamento/pronúncia sobre o imputado vício de violação, com respeito à liquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis, do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, por inverificação de lesão do bem jurídico tutelado pela norma tributário-punitiva em causa, e bem assim omitiu pronúncia sobre a suscitada inconstitucionalidade desta norma caso seja interpretada como sendo de aplicar a tributação autónoma sobre remunerações variáveis aí prevista mesmo quando se comprove (como no caso) a continuidade do desempenho positivo da sociedade nos 3 anos seguintes à atribuição da remuneração variável (causa de pedir exposta nos 32.º a 130.º do PPA, constantes da cópia digital do processo arbitral nas págs. 12 a 34, na numeração aposta no canto superior direito dessa cópia). C) E omitiu também julgamento/pronúncia sobre o imputado vício de violação do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, no segmento de isenção aí constante, no que respeita à mesma liquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis, por inverificação de ultrapassagem pelas remunerações variáveis do limiar de isenção de tributação aí previsto (causa de pedir referenciada primeiramente na pág. 9 do PPA, segundo parágrafo, e reiterada depois na pág. 33 do PPA, antepenúltimo parágrafo, e na pág. 34 do PPA, seu artigo 131.º, constantes da cópia digital do processo arbitral nas págs. 10, 34 e 35, na numeração aposta no canto superior direito dessa cópia). D) Omissões estas que determinam a necessidade de julgar nula a decisão arbitral proferida no processo n.º ……./2021-T, por omissão de pronúncia, incluindo omissão de pronúncia sobre questões de inconstitucionalidade. E) E a necessidade de determinar, em conformidade, para apreciação daquelas duas questões, incluindo as inconstitucionalidades a seu propósito suscitadas, a remessa dos autos ao CAAD para prolação de nova decisão arbitral com sanação das invocadas omissões. Termos em que, e nos mais de direito que v. Exas. Doutamente suprirão, deve ser julgada nula e anulada a decisão arbitral proferida no processo n.º ………/2021-t, por omissão de pronúncia (incluindo inconstitucionalidades associadas), com baixa dos autos ao caad para que o tribunal arbitral aprecie as questões de vício de violação de lei por si omitidas, a saber, violações de segmentos do artigo 89.º, n.º 13, alínea b), do circ, e inconstitucionalidades subsidiariamente suscitadas a esse propósito. Mais se requer dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, atenta a lisura do comportamento processual das parte, confirmando-se a manutenção da mesma até final, a relativa simplicidade da questão e a manifesta desproporção entre taxa de justiça e concreto serviço a prestar”. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnada ou AT) foi notificada para alegar, nos termos consignados no art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, não tendo apresentado contra-alegações. O Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP) foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, tendo emitido parecer, no sentido da improcedência da pretensão da Impugnante. Foram as partes notificadas do mencionado parecer, nos termos do n.º 2 do art.º 146.º do CPTA, tendo a Impugnante respondido, mantendo, no essencial, o que já decorria da sua posição inicial. Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.
É a seguinte a questão a decidir: a) Há nulidade da decisão arbitral por omissão de pronúncia?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. Para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos: 1) A 19.02.2021, a Impugnante apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral (PPA), do qual consta, designadamente, o seguinte: “…1) A 19.02.2021, a Impugnante apresentou junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral (PPA), do qual consta, designadamente, o seguinte: “…
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
(…)
2) Na sequência do referido em 1), foi constituído tribunal arbitral coletivo, tendo dado origem ao processo n.º …………/2021-T (cfr. fls. 408). 3) No âmbito do processo referido em 2), foi proferida decisão arbitral, a 18.10.2021, da qual consta designadamente o seguinte: “ «Texto no original» (…) …” (cfr. fls. 690 a 704, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). * Não existem outros factos, provados ou não provados, pertinentes para a apreciação da presente impugnação.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Da nulidade da decisão impugnada por omissão de pronúncia Entende a Impugnante que a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 106/2021-T padece de nulidade, por omissão de pronúncia, em virtude de o tribunal arbitral não se ter pronunciado sobre dois dos vícios invocados. Apreciando. A sindicância das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é limitada às situações previstas no art.º 25.º (que prevê a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos circunscritos aí previstos) e nos art.ºs 27.º e 28.º, todos do RJAT. Estes últimos, relativos à impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo, definem, de forma taxativa, os termos e os fundamentos dessa mesma impugnação. Resulta desta disciplina que, ao contrário do que decorre do regime de recurso das decisões proferidas pelos tribunais tributários de 1.ª instância, o mérito das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários é sindicável num conjunto muito limitado de situações (cfr. novamente o art.º 25.º do RJAT) e nunca no âmbito da sua impugnação junto do Tribunal Central Administrativo. Centrando-nos, pois, na impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT, tal decisão pode ser anulada, sendo que a impugnação pode ser apresentada considerando um dos fundamentos taxativamente elencados no n.º 1 do art.º 28.º do mesmo diploma. Assim, nos termos desta última disposição legal, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em: “a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; b) oposição dos fundamentos com a decisão; c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º”. Logo, atento o art.º 28.º, n.º 1, al. c), do RJAT, a decisão arbitral é impugnável com fundamento em omissão de pronúncia. Tendo em conta o disposto no art.º 29.º, n.º 1, do RJAT, é de considerar a disciplina subsidiariamente aplicável, de onde se destacam as normas constantes do CPPT, do CPTA e do CPC [cfr. art.º 29.º, n.º 1, als. a), c) e e), do RJAT]. Atentando no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC]. As questões que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso. A este propósito cumpre sublinhar a diferença entre questões e argumentos suscitados pelas partes, porquanto apenas o não conhecimento das questões se configura como omissão de pronúncia. Assim, para os efeitos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, questões são os pontos de facto ou de direito, atinentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções. Já os argumentos são os motivos ou razões que fazem sustentar a pretensão inerente às questões. “As questões (…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes”(1). A dicotomia questões / argumentos, nos termos sumariamente descritos, implica, pois, que o julgador tenha de conhecer todas as questões que lhe são colocadas (exceto se o conhecimento de umas resultar prejudicado pelo conhecimento de outras), já não lhe sendo exigível que se pronuncie sobre todos os argumentos esgrimidos(2). Feito este enquadramento, apliquemos os conceitos ao caso dos autos. In casu, a Impugnante, como decorre do pedido de pronúncia arbitral, veio sindicar uma autoliquidação de IRC, tendo peticionado a respetiva anulação e, bem assim, o direito a juros indemnizatórios, invocando diversos vícios. No tocante àqueles cujo conhecimento a Impugnante considera omitido, começa-se pela alegada falta verificação da lesão do bem jurídico. Trata-se de um vício de erro sobre os pressupostos, nos termos alegados no pedido de pronúncia arbitral, cuja conclusão consta do seu art.º 66.º, invocando a ora Impugnante, em síntese, que não se verificam os pressupostos da tributação autónoma, uma vez que veio a ter nos três anos seguintes resultados positivos – devendo ser esta a interpretação, a seu ver, correta a fazer da normal legal aplicável. Esta questão nunca foi conhecida. Com efeito, o coletivo arbitral apreciou o alegado quanto ao erro sobre os pressupostos, no tocante ao valor que se atenha aos 25%, questão substancialmente distinta da anterior, ainda que o tribunal arbitral tenha utilizado a nomenclatura utilizada pela ora Impugnante de não verificação da lesão do bem jurídico. Trata-se, in casu, de verdadeira questão autónoma, e não meros argumentos, pelo que se verifica omissão de pronúncia. Da mesma forma não foram apreciadas as questões de inconstitucionalidade arguidas (3), na sequência do alegado vício de erro sobre os pressupostos por falta de lesão do bem jurídico, em virtude de a Impugnante ter tido resultados positivos nos três anos seguintes, alegadas entre os art.ºs 72.º e 130.º do PPA. Com efeito, sobre a conformidade constitucional da norma em causa, o tribunal arbitral cingiu-se à interpretação normativa atinente à questão da aplicação à totalidade da remuneração ou à parte em que exceda os 25%, nada sendo referido em termos de interpretação normativa atinente à questão de se verificar que houve resultados positivos dos três anos seguintes. Assim, o que se verifica foi a alegação de um vício de erro sobre os pressupostos e uma alegação de inconstitucionalidade, caso a interpretação efetuada não fosse no sentido defendido a propósito do erro sobre os pressupostos, ambas questões autónomas e que não foram apreciadas pelo tribunal arbitral e cujo conhecimento não resultou prejudicado pelo demais apreciado. Como tal, nesta parte, verifica-se omissão de pronúncia, pois estamos perante o não conhecimento de verdadeiras questões. Entende, ainda, a Impugnante que o coletivo arbitral “omitiu também julgamento/pronúncia sobre o imputado vício de violação do artigo 88.º, n.º 13, alínea b), do CIRC, no segmento de isenção aí constante, no que respeita à mesma liquidação de tributação autónoma sobre remunerações variáveis, por inverificação de ultrapassagem pelas remunerações variáveis do limiar de isenção de tributação aí previsto (causa de pedir referenciada primeiramente na pág. 9 do PPA, segundo parágrafo, e reiterada depois na pág. 33 do PPA, antepenúltimo parágrafo, e na pág. 34 do PPA, seu artigo 131.º, constantes da cópia digital do processo arbitral nas págs. 10, 34 e 35, na numeração aposta no canto superior direito dessa cópia)”. Trata-se de alegação de que o limiar de salvaguarda não fora ultrapassado, invocada como um dos motivos para a ora Impugnante considerar indevida a liquidação. Ora, perscrutada a decisão arbitral, esta questão, que se consubstancia num alegado erro sobre os pressupostos, também não foi apreciada. Logo, também aqui foi omitida pronúncia.
Uma vez que se considera inexistir tributação em custas, em casos como o dos autos, dada a ausência de contra-alegações, resulta prejudicada a apreciação do requerido em termos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, anular a decisão arbitral proferida no âmbito do processo ………./2021-T, por omissão de pronúncia, e determinar a baixa dos autos ao CAAD, para, se a tal nada obstar, ser proferida nova decisão, suprida da concreta irregularidade identificada; b) Sem custas; c) Registe e notifique. Lisboa, 26 de setembro de 2024
(Tânia Meireles da Cunha) (Teresa Costa Alemão) (Maria da Luz Cardoso) (2) Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 320; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pp. 219 e 220. (3) Cfr. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.05.2014 (Processo: 0195/13). |