Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:136/22.7 BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:12/20/2022
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:EFEITO SUSPENSIVO
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:O recurso para o Tribunal Constitucional com efeito suspensivo nos autos em que o pedido formulado é o da anulação da venda do imóvel, bem como a declaração da nulidade dos actos subsequentes, constitui fundamento da invalidade da decisão proferida pelo órgão da execução no mesmo processo de execução fiscal a ordenar a desocupação do referido imóvel, enquanto se mantiver aquele efeito suspensivo
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


M. L. S. T.V. F., ora recorrente, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a reclamação de decisão do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho da Diretora de Finanças de Évora que, no âmbito da venda executiva do prédio urbano descrito sob o artigo 27.. da União das Freguesias de Évora, realizada no processo de execução fiscal n.º …..300, lhe determinou o reconhecimento do direito de propriedade, a desocupação e entrega das chaves do referido, no prazo de oito dias contados da assinatura do aviso de recepção, veio deduzir o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

« Da errónea apreciação da prova produzida nos autos e da aplicação do Direito

I – Atentos ao teor da douta sentença judicial do tribunal a quo, constata-se manifestamente o erro na apreciação da prova e na aplicação do direito. Ora vejamos:

II - Na douta sentença judicial resulta que é dado como válida a decisão emitida pela Direção de Finanças de Évora, reclamada pela ora recorrente.

III - Porém, a questão prévia é precisamente apreciarmos a legalidade da emissão de uma decisão sobre a entrega do imóvel, face ao efeito suspensivo dos Autos de processo e a sua utilidade, uma vez que face ao efeito suspensivo e em defesa do princípio da estabilidade instância, não devem ser proferidas decisões que tenham influência na marcha do processo, ou que de alguma forma ofendam, ou possam ofender os direitos da reclamante e ora recorrente.

a) Do Efeito Suspensivo

IV - Com efeito, desde logo se realça para o teor da decisão da Direção de Finanças de Évora constante na notificação enviada para a mandatária da reclamante e ora recorrente, verificando-se que a mesma era nula pelos fundamentos que abaixo voltam a ser expostos.

V - Como era e é do conhecimento da Direção de Finanças de Évora, neste momento corre o Processo n.º 3../17.1BEBJA, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, no qual foi interposto recuso para o Tribunal Constitucional pela ora reclamante.

VI - E deste mesmo recurso, aguarda-se neste momento que seja proferida uma decisão por parte do Tribunal Constitucional, no seguimento da interposição deste mesmo recurso.

VII - Os referidos Autos de Processo Fiscal têm tido sempre o respectivo efeito suspensivo, o que também é do conhecimento da Direção de Finanças de Évora, deve manter-se, enquanto não haja uma decisão do Tribunal Constitucional.

VIII - Este é, inclusivamente o entendimento que se extrai do disposto no art.º 78º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o qual dispõe o seguinte:

“1 - O recurso interposto de decisão que não admita outro, por razões de valor ou alçada, tem os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem.

2 - O recurso interposto de decisão da qual coubesse recurso ordinário, não interposto ou declarado extinto, tem os efeitos e o regime de subida deste recurso. 3 - O recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior, salvo no caso de ser aplicável o disposto no número anterior.

4 - Nos restantes casos, o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos.”

IX - Em consequência, uma vez que no Processo n.º 3../17.1BEBJA aguarda-se que seja proferida uma decisão pelo Tribunal Constitucional, não tendo por isso mesmo transitado em julgado e detendo o mencionado Processo efeito suspensivo, a Direção de Finanças de Évora deve obrigatoriamente em primeiro lugar aguardar esta decisão e em segundo lugar que o referido processo transite em julgado, para que possa proceder à notificação nos termos do art.º 256º do CPPT.

X - Sempre se recorde que desde o momento em que foi interposta a respectiva reclamação, iniciando-se o Processo n.º 3../17.1BEBJA, foi imediatamente requerido o respectivo efeito suspensivo, plasmando-se aqui o quanto foi invocado para tanto:

“Tendo em consideração a manifesta violação dos diversos preceitos constitucionais e legais por parte da Direção de Finanças de Évora, com o despacho da decisão ora reclamada;

Tendo em consideração que o bem imóvel objecto do acto de venda constitui a casa onde reside a reclamante, sendo a sua habitação própria e permanente, não tendo outro imóvel, para onde possa ir residir, caso a execução prosseguisse os seus termos, o que é por si só factualidade bastante, para uma especial atenção à gravidade da lesão dos direitos e garantias da ora reclamante, subjacentes e resultantes do acto de venda do bem supra identificado, praticado pelo órgão respectivo, do serviço de finanças de Évora;

Deve desde logo a presente processo manter o seu efeito suspensivo até ao trânsito em julgado da decisão, suspendendo-se os presentes autos de execução fiscal, nomeadamente, o acto de adjudicação do bem, bem como todos os actos subsequentes a este, pela gravidade da lesão que resultaria para a ora reclamante, quer em termos de habitação, quer em termos de património, caso a presente processo não tivesse efeito suspensivo dos autos de execução fiscal.

Tal entendimento sobre a fixação do efeito suspensivo dos presentes autos de execução fiscal, é inteiramente sufragada pelo douto Acórdão n.º 0990/15, de 05-08-2015, do Supremo Tribunal Administrativo, da sua Secção de Contencioso Tributário, conforme se extrai:

“I - Decorre da nova redacção que ao artº 278º do CPPT foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 e bem assim que à al. n) do nº 1 do artº 97º do CPPT foi dada pela Lei 66-B/2012, que a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, com subida imediata, não tem efeito suspensivo da execução no seu todo.

II - Não obstante, tal não significa que o órgão de execução fiscal possa praticar actos de execução da decisão reclamada, pois esta fica suspensa com a reclamação com subida imediata.

III - Ademais esse efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da Administração Tributária e, por isso, é também exigido pelos arts. 204, nº 1, e 268 nº 4, da CRP. “ (sublinhado nosso)

E no mesmo entendimento, o Acórdão de 17.09.2014, do Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi proferido no recurso 909/14, afirmando o seguinte:

“muito embora o efeito suspensivo decorrente da reclamação ao abrigo do artigo 276 do CPPT esteja confinado aos casos em que a continuação do Processo Executivo e a consequente execução seja susceptível de causar prejuízo irreparável o certo é que verificado esse pressuposto o efeito jurídico do recebimento e subida imediata deste meio judicial tem de manter-se como referimos já enquanto não houver decisão transitada em julgado a negar provimento a essa reclamação sendo que o seu provimento conduz a que a Administração Tributária tenha de respeitar a decisão não podendo agir em contrário por força do disposto no artigo 205/2 (Que estabelece a obrigatoriedade das decisões dos tribunais para todas as entidades (públicas ou privadas) e a prevalência das decisões dos tribunais sobre as de quaisquer outras autoridades.) da CRP.” (sublinhado nosso)

Acresce ainda o facto do próprio órgão de execução fiscal manter este processo de execução suspenso desde a data em que a ora reclamante apresentou a sua anterior reclamação em Abril de 2016, expressando a sua conformação com posição da jurisprudência e conferindo tacitamente este efeito suspensivo aos presentes autos.

Neste enquadramento, quer legal, quer jurisprudencial, deve determinar-se o efeito suspensivo dos autos de execução fiscal, por decorrência da presente reclamação e “para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da Administração Tributária”, conforme se extrai do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-08-2015.”

XI - E para inteiro reforço do acima expresso, saliente-se deste douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-08-2015 o seguinte excerto, bem elucidativo da posição consolidada da nossa jurisprudência, sobre esta matéria:

“Como é sabido a redacção do artº 278º do CPPT foi objecto de alteração pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12, que suprimiu a epígrafe "efeito suspensivo" e passou a prever no seu nº 5 que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária».

Por outro lado também a redacção da al. n) do nº 1 do artº 97º do CPPT foi alterada pela Lei 66-B/2012, prevendo-se que o recurso de actos de órgão de execução fiscal com subida imediata passe a ser autuado não no próprio processo de execução fiscal, mas por apenso.

Por via de tais alterações legislativas poderá sustentar-se que não decorre do regime legal vigente que a reclamação com subida imediata tenha efeito suspensivo da execução no seu todo.

Mas já não será legitimo concluir que a reclamação com subida imediata não tem efeito suspensivo da decisão reclamada

Nem tal significa que o órgão de execução fiscal possa praticar actos “de execução” da decisão reclamada, pois não há quaisquer dúvidas de que a reclamação com subida imediata tem efeito suspensivo da decisão reclamada, como decorre do nº 3 daquele artº 278º.

Com efeito e como já foi sublinhado pela jurisprudência desta secção, nomeadamente no Acórdão de 17.09.2014, proferido no recurso 909/14, «muito embora o efeito suspensivo decorrente da reclamação ao abrigo do artigo 276 do CPPT esteja confinado aos casos em que a continuação do Processo Executivo e a consequente execução seja susceptível de causar prejuízo irreparável o certo é que verificado esse pressuposto o efeito jurídico do recebimento e subida imediata deste meio judicial tem de manter-se como referimos já enquanto não houver decisão transitada em julgado a negar provimento a essa reclamação sendo que o seu provimento conduz a que a Administração Tributária tenha de respeitar a decisão não podendo agir em contrário por força do disposto no artigo 205/2 (Que estabelece a obrigatoriedade das decisões dos tribunais para todas as entidades (públicas ou privadas) e a prevalência das decisões dos tribunais sobre as de quaisquer outras autoridades.) da CRP».

Assim ao argumentar que não assiste efeito suspensivo dedução da reclamação prevista no artº 276º do CPPT a Fazenda Pública faz uma apreciação "desfocada" da questão em análise

É que, como também ficou dito no Acórdão 249/15 de 25.03.2015, «a ilegalidade ou ineficácia do ato não decorrerá do prosseguimento da execução em si mesmo mas do facto de os actos de execução concretamente praticados ofenderem o efeito de suspensão da decisão reclamada.»

Se é certo que a dedução da reclamação não suspende a execução no seu todo, tal não significa que o órgão de execução fiscal possa praticar actos de execução da decisão reclamada, pois esta fica suspensa com a reclamação com subida imediata.

Ademais esse efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da Administração Tributária e, por isso, é também exigido pelos arts. 204, nº 1, e 268 nº 4, da CRP (Cf., neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume IV, pag. 303.).””

XII – Atentos ao quanto aqui se transcreve, reafirma-se o efeito suspensivo no citado Processo n.º 3../17.1BEBJA, o qual não transitou em julgado, visto que aguarda-se que seja proferida a competente decisão pelo Tribunal Constitucional, pelo que não tendo o citado processo transitado em julgado e detendo o efeito suspensivo, a Direção de Finanças de Évora deve obrigatoriamente aguardar que seja proferida uma decisão final e que sobretudo, o referido processo transite em julgado, para que possa proceder à notificação nos termos do art.º 256º do CPPT.

XIII – E esta mesma posição sobre o efeito suspensivo foi igualmente defendia e exposta pelo Digníssimo Procurador da República, embora nas suas conclusões promovesse a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na efectividade do efeito suspensivo.

XIV - E este mesmo entendimento do efeito suspensivo do processo 3../17.1 BEBJA, por não ter transitado em julgado e por isso mesmo deter este efeito suspensivo, foi igualmente defendido e fundamentadamente explanado pelo Ilustre Mandatário e Representante da Fazenda Pública.

XV – Com efeito, temos esta mesma assunção expressa no articulado do Ilustre Mandatário e Representante da Fazenda Pública de que a decisão de entrega do imóvel proferida pela Direção de Finanças de Évora e ora reclamada, encontra-se suspensa.

XVI - E neste sentido, é comum a todas as partes processuais referidas que não tendo o processo 3../17.1 BEBJA transitado em julgado detém obrigatoriamente este efeito suspensivo, conforme foi amplamente defendido, quer o Digníssimo Procurador da República, quer o ilustre Mandatário da Direção de Finanças de Évora.

XVII - Contudo, apenas nos afastámos da posição Digníssimo Procurador da República e do ilustre Mandatário da Direção de Finanças de Évora, na medida em que consideramos que por isso mesmo – pela efectividade do efeito suspensivo - nunca deveria ter proferido uma decisão de entrega do imóvel, antes do processo referido ter transitado em julgado.

XVIII - E em consequência, deve a Direção de Finanças de Évora obrigatoriamente aguardar que seja proferida uma decisão final e que sobretudo, o referido processo transite em julgado definitivamente, para que possa proceder proferir uma decisão nos termos e para os efeitos do art.º 256º do CPPT e a sua respetiva notificação.

XIX - Com efeito, é o referido Processo n.º 3../17.1 BEBJA que detém efeito suspensivo e não a decisão de entrega do imóvel que foi proferida, porque esta simplesmente nunca deveria ter sido proferida, uma vez que o processo referido tem efeito suspensivo, não devendo, nem podendo, por isso mesmo, ser proferida qualquer decisão que possa interferir nessa mesma suspensão e enquanto a mesma suspensão subsistir.

XX - Pelo que tendo sido erradamente proferida esta decisão de entrega do imóvel por parte da Direção de Finanças de Évora, num processo que se encontra suspenso, deveria posteriormente ter sido proferida uma decisão a revogar e/ou a dar sem efeito a decisão de entrega do imóvel.

XXI - No entanto até agora não foi proferida uma decisão a revogar e/ou a dar sem efeito a decisão de entrega do imóvel, fazendo com a decisão de entrega do imóvel ainda se mantenha em vigor;

XXII - E até paradoxalmente, atentos à confirmação e reconhecimento expresso por parte do Ilustre Representante da Fazenda Pública de que a decisão de entrega do imóvel proferida pela Direção de Finanças de Évora e ora reclamada, encontra-se suspensa.

XXIII - Pois, entendemos, com o devido respeito, que tendo o Processo n.º 3../17.1 BEBJA efeito suspensivo, nunca deveria a Direção de Finanças de Évora proferido uma decisão de entrega do imóvel, atendendo a essa mesma suspensão, pelo que obrigatoriamente, ao ser detetado o lapso, deveria ter sido proferido a posteriori uma decisão a revogar e/ou a dar sem efeito aquela anterior decisão ora reclamada.

XIV - Neste sentido, não tendo sido proferida esta decisão a revogar e/ou a dar sem efeito aquela anterior decisão ora reclamada, é nossa humilde opinião que somente com uma decisão judicial que decrete a nulidade desta decisão de entrega do imóvel proferida pela Direção de Finanças de Évora, é que a mesma perderá todos os seus efeitos e toda a sua eficácia jurídica.

XXV - Pelo que deveria ter sido proferida uma decisão judicial que decrete a nulidade desta decisão de entrega do imóvel proferida pela Direção de Finanças de Évora, de modo a extinguir todo e qualquer efeito e toda a eficácia jurídica da decisão reclamada.

b) Do Direito à Habitação:

XXVI - Por sua vez, foi alegado pela reclamante, ora recorrente, que esta tem a idade de 73 anos e aufere uma pensão de 344,44 €.

XXVII – Como anteriormente salientado, a ora reclamante encontra-se extremamente doente, com doença do foro oncológico, cuja situação é de extrema gravidade, sem prespectivas de recuperação, conforme documento que se junta.

XXIII - A reclamante, ora recorrente, reside no imóvel objecto da referida notificação da Direção do Serviço das Finanças, constituindo a sua habitação própria e permanente, não tendo outro imóvel, para onde possa ir residir, caso tivesse que entregar e sair deste imóvel.

XXIX - Com efeito, por integral respeito da defesa dos direitos de igualdade de tratamento dos cidadãos e em cumprimento da inteira observância do direito à habitação, previsto e consagrado na Constituição da República Portuguesa, a ora reclamante não deverá ser obrigada a abandonar o imóvel, tendo em atenção a sua idade, o seu estado de saúde de extrema gravidade e sem que tenha qualquer outro local para onde ir viver, uma vez que faria perigar o respetio integral quer pelos direitos e interesses legalmente protegidos de qualquer cidadão, quer sobretudo do direito à habitação.

XXX - É pois em observância do Princípio do Respeito Pelos Direitos e Interesses Legítimos dos Particulares, onde estão em causa os direitos e interesses legítimos de todos os sujeitos de direito que deveremos observar o n.º 1, do art.º 266º da Constituição da República Portuguesa, no qual se consagra que a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

XXXI - Querendo isto dizer, por outras palavras, que a prossecução do interesse público não é o único critério da acção administrativa, nem tem um valor ou alcance ilimitados, pelo que mesmo prosseguindo o interesse público, deve a Administração Pública, em primeiro lugar, respeitar e assegurar a defesa dos direitos dos particulares e nomeadamente, dos direitos e interesses legalmente protegidos de qualquer cidadão e sobretudo do direito à habitação.

XXXII - Nestes termos, por todas as razões supra mencionadas e por todos os fundamentos expostos, maxime o direito constitucional à habitação e o direito à dignidade Humana e demais direitos humanos, deve a ora reclamante manter-se a residir no imóvel onde vive, devendo, também aqui, a referida notificação da Direção do Serviço das Finanças ficar sem efeito.

XXXIII - Contudo, o que se verificou com a douta Sentença Judicial proferida é que vem precisamente contrariar todo o supra exposto, não tendo dado a devida e merecida relevância a esta matéria.

c) Da Inconstitucionalidade:

XXXIV - Tendo sido invocada na reclamação a defesa dos direitos de igualdade de tratamento dos cidadãos e nomeadamente o cumprimento e a inteira observância do direito à habitação, previsto e consagrado na Constituição da República Portuguesa, pugnou-se pela manutenção da reclamante, ora recorrente, no imóvel, não devendo ser obrigada a abandonar o mesmo, tendo em atenção a sua idade, o seu estado de saúde de extrema gravidade e sem que tenha qualquer outro local para onde ir viver, uma vez que faria perigar o respeito integral quer pelos direitos e interesses legalmente protegidos de qualquer cidadão, quer sobretudo do direito à habitação.

XXXV - E é exactamente por respeito do Princípio do Respeito Pelos Direitos e Interesses Legítimos dos Particulares, onde estão em causa os direitos e interesses legítimos de todos os sujeitos de direito que deveremos observar o n.º 1, do art.º 266º da Constituição da República Portuguesa, no qual se consagra que a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

XXXVI - Mutatis mutandis, a prossecução do interesse público não é o único critério da acção administrativa, nem tem um valor ou alcance ilimitados, pelo que mesmo prosseguindo o interesse público, deve a Administração Pública, em primeiro lugar, respeitar e assegurar a defesa dos direitos dos particulares e nomeadamente, dos direitos e interesses legalmente protegidos de qualquer cidadão e sobretudo do direito à habitação.

XXXVII - Nestes termos, por todas as razões supra mencionadas e por todos os fundamentos expostos, maxime o direito constitucional à habitação e o direito à dignidade Humana e demais direitos humanos, deve a reclamante, ora recorrente manter-se a residir no imóvel onde vive, devendo, também aqui, a referida notificação da Direção do Serviço das Finanças ficar sem efeito.

XXXVIII - Porém, a douta sentença judicial proferida e ora recorrida, ao manter a decisão da Direção do Serviço de Finanças judicialmente reclamada, viola o consagrado no n.º 1, do art.º 266º e art.º 65º, todos da Constituição da República Portuguesa.

XXXIX - Pelo que face à douta sentença judicial proferida, impõe-se suscitar a inconstitucionalidade da mesma, na medida em que com a sua decisão judicial, resulta em consequência a violação do consagrado no n.º 1, do art.º 266º e no art.º 65º, todos da Constituição da República Portuguesa.

XL – Nestes termos, perante todo o exposto, deve a douta sentença judicial proferida pelo tribunal a quo ser revogada e substituída por outra, decidindo-se pela nulidade deste acto de administração fiscal irregularmente praticado, ou seja, a nulidade da decisão emitida pela Direção de Finanças de Évora reclamada nos presentes Autos.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exs., Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta decisão judicial e substituída por outra, decidindo-se pela nulidade deste acto de administração fiscal irregularmente praticado, ou seja, a nulidade da decisão emitida pela Direção de Finanças de Évora reclamada nos presentes Autos. fazendo-se a costumada Justiça.»



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A Recorrida não apresentou contra-alegações.


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O Ministério Público, junto deste Tribunal Central, através do Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova e na aplicação do direito em virtude de não ter sido reconhecido o efeito suspensivo decorrente da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida no processo n.º 3../17.1BEBJA, enquanto não for proferida decisão transitada em julgado e se, em consequência, o acto reclamado que fixou prazo para a reclamante proceder à entregar o imóvel se pode manter.

Importa ainda decidir se a sentença recorria incorreu em erro de julgamento direito por violação do direito à habitação, do direito à dignidade Humana e demais direitos humanos, consagrados nos artigos 65.º e 266.º, n.º 1, da CRP.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«a) Corre termos no serviço de finanças de Évora, o processo de execução fiscal n.º ….300, no qual é executada a ora Reclamante; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
b) Em 17.11.2015, o chefe do serviço de finanças de Évora proferiu despacho no processo de execução fiscal n.º ….300, a determinar a venda do prédio urbano inscrito sob o artigo 27.. (proveniente do artigo 5.. da freguesia da Sé e S. Pedro (extinta), do qual era proprietária a ora Reclamante e executada naquele processo de execução fiscal; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
c) Em 04.03.2016, o chefe do serviço de finanças de Évora proferiu despacho no processo de execução fiscal n.º ….300, adjudicando aquele prédio urbano a F. M. S. S. M. C., na sequência de venda executiva realizada naquele processo de execução fiscal por meio de leilão eletrónico; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
d) A ora Reclamante requereu a anulação daquela venda executiva daquele imóvel e a revogação do despacho da sua adjudicação; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
e) Em 08.08.2017, o pedido de anulação daquela venda executiva e de revogação do despacho de adjudicação do imóvel, foram indeferidos, através de despacho proferido pelo Director de Finanças de Évora; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
f) Em 21.08.2017, a ora Reclamante apresentou reclamação judicial daquele despacho de indeferimento, a qual viria a dar origem ao processo judicial n.º 3../17.1BEBJA; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
g) Em 15.01.2018, foi proferida sentença no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3..4/17.1BEBJA, decidindo nos seguintes termos: “Em consequência do exposto, julga-se totalmente improcedente a reclamação, mantendo-se o acto reclamado.”
h) Em 05.02.2018, a esta sentença foi objecto de recurso judicial para o Tribunal Central Administrativo Sul, no qual foi pedida a sua revogação; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º …300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
i) Esse recurso veio a ser admitido, na sequência de reclamação judicial de um despacho de não admissão, proferido posteriormente a um primeiro despacho de admissão do recurso; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
j) Em 11.04.2019, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu, através de acórdão, negar provimento àquele recurso; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
k) Em 22.04.2019, a ora Reclamante aprestou recurso deste acórdão, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando a existência de oposição de acórdãos, e pedindo a revogação daquele acórdão recorrido; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
l) Em 10.12.2019, aquele recurso foi julgado findo, por meio de despacho do Relator, terminou decidindo nos seguintes termos:
“Não se verificando qualquer contradição / oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento que legitime o recurso ao abrigo do disposto no art.º 284.º do CPPT, impõe-se considerar o recurso findo, nos termos do n.º 5 do mesmo art.º 284.º do CPPT.
Termos em que,
Com os fundamentos indicados, julgo findo o recurso de oposição de acórdãos.”; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
m) Em 23.12.2019, a ora Reclamante apresentou reclamação deste despacho, para o Supremo Tribunal Administrativo; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
n) Esta reclamação para o supremo Tribunal Administrativo, veio a ser convolada em reclamação para a conferência do TCA Sul; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
o) Em 04.06.2020, por acórdão em conferência do TCA Sul, a reclamação veio a ser indeferida e o despacho reclamado, de 10.12.2019, veio a ser confirmado; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
p) Em 17.06.2020, a ora Reclamante veio a apresentar recurso para o Supremo Tribunal Administrativo daquele acórdão da conferência do TCA Sul, pedindo a sua revogação, a consideração do Despacho Judicial de convolação da reclamação apresentada em 23.12.2019 para o Supremo Tribunal Administrativo em reclamação para a Conferência do TCA Sul, e, em consequência, a subida imediata ao STA, daquela reclamação; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
q) Em 23.07.2020, o TCA Sul, ordenou a subida dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….300, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
r) Em 04.11.2020, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, rejeitou este recurso, através de acórdão com as seguintes conclusões: “Não é admissível recurso para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo, julgando improcedente reclamação para a conferência, manteve o despacho do relator que, nesse Tribunal, decidiu que o modo de reagir contra o despacho do relator era a reclamação para a conferência e não a reclamação para o Supremo Tribunal Administrativo.” admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º ….00, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC
s) Em 18.11.2020, a ora Reclamante formulou um pedido de aclaração desse acórdão; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
t) Em 20.01.2021, o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferiu acórdão indeferindo aquele pedido de aclaração; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
u) Em 11.03.2021, foi proferido acórdão em conferência do TCA Sul, negando a existência de oposição de acórdãos; admitido, consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3.../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
v) Em 25.03.2021, ainda no âmbito do processo n.º 3../17.1BEBJA, a ora Reclamante arguiu a nulidade deste acórdão perante o TCA Sul; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
w) Em 25.03.2021, a ora Reclamante apresentou recurso de revista do acórdão do TCA Sul de 11.03.2021, dirigido ao supremo Tribunal Administrativo; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
x) Em 25.03.2021, no processo n.º 3../17.1BEBJA, a ora Reclamante apresentou recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pela Conferência do Tribunal Central Administrativo Sul em 11.03.2021; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
y) Em 13.05.2021, a 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em Conferência, proferiu acórdão, indeferindo a declaração de nulidade do acórdão do TCA Sul de 11.03.2021; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
z) Em 23.06.2021, o STA decidiu por acórdão da Secção de Contencioso Tributário, não admitir o recurso de revista interposto pela ora Reclamante
aa) Este acórdão foi notificado às partes através de documento de 24.06.2021; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
bb) Em 02.11.2021, foi determinada a remessa do processo n.º 3../17.1BEBJA à conta; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
cc) A Reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, encontra-se no estado de “processo findo”; consulta aos autos do processo judicial de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 412.º n.º 2 do CPC, e do art.º 13.º do CPPT
dd) Em 14.12.2021, na sequência de requerimento do adquirente do prédio urbano com o artigo 2793 para que fosse promovida a entrega imediata do imóvel, os serviços da Direcção de Finanças de Évora emitiram informação com o teor que consta do documento anexo à petição inicial da presente acção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, terminando com as seguintes conclusões e com a seguinte proposta:



Original nos autos

Original nos autos
Cfr doc anexo à petição inicial
ee) Com a mesma data, sobre essa informação foi aposto o seguinte parecer:
« Atento o informado, sou de parecer que:
a) Não existe nenhum impedimento legal à promoção da entrega do imóvel à adquirente, até porque à data da concretização da venda (pagamento do preço de venda e passagem do título de adjudicação- 18/03/2016) não estavam em vigor as restrições à venda do imóvel, destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, que viriam a ser introduzidas pela Lei 13/2016, de 23 de Maio;»
Cfr doc anexo à petição inicial
ff) Com a mesma data de 14.12.2021, na sequência deste parecer e daquela informação, a Directora de Finanças de Évora proferiu despacho com o seguinte teor:
«Concordo.
Proceda-se em conformidade com o proposto.»
Cfr doc anexo à petição inicial
gg) Em 03.03.2022, os serviços da Direcção de Finanças de Évora remeteram à Mandatária da Reclamante, o ofício 479 datado de 28.02.2022, assinado pela Directora de Finanças de Évora, com o seguinte teor:

Original nos autos
Original nos autos

Cfr doc anexo à petição inicial
hh) A Reclamante tem 73 anos de idade, é divorciada, sendo o seu agregado familiar composto, apenas, por ela própria; admitido pela Fazenda Pública, nomeadamente no documento junto aos autos em 14.07.2022, e informação dos serviços da Segurança Social, emitida no âmbito da apreciação do pedido de apoio judiciário cfr.
ii) A Reclamante aufere uma pensão mensal de € 344,44; admitido pela Fazenda Pública, nomeadamente no documento junto aos autos em 14.07.2022, e informação dos serviços da Segurança Social, emitida no âmbito da apreciação do pedido de apoio judiciário cfr doc 2 junto à petição inicial.
jj) A reclamante sofre de melanoma de coróide, é titular de um atestado de incapacidade multiusos no qual lhe foi reconhecida uma incapacidade de 60%; e foi submetida a uma intervenção cirúrgica, em 2021, para remoção de um melanoma da coróide; admitido pela Fazenda Pública, nomeadamente no documento junto aos autos em 14.07.2022, e informação dos serviços da Segurança Social, emitida no âmbito da apreciação do pedido de apoio judiciário cfr doc 3 junto à petição inicial.
kk) A reclamante habita no prédio urbano inscrito sob o artigo 27.. da União das Freguesias de Évora (São Mamede, Sé, São Pedro e Santo Antão), e não tem outro imóvel no qual possa residir: conclusão que se extrai da conjugação da descrição desse prédio na notificação do acto reclamado, em que é referido que o mesmo se situa na R. M. B. n.ºs 2., 2. e 2. e na T. C. n.º .., com a morada fornecida e constante de documentos oficiais respeitantes à identificação daquela perante diversas Entidades, como a Segurança Social, designadamente no âmbito do pedido de apoio judiciário, como os serviços de saúde, designadamente no atestado multiusos e a nota de alta, todos eles juntos aos autos, com datas anteriores à entrada da presente acção, e nos quais é dada como morada da Reclamante a R. M. B. n.º 2.. em Évora, para onde, aliás, foram enviadas algumas das notificações desses actos. Facto admitido pela própria Fazenda Pública, nomeadamente no documento junto aos autos em 14.07.2022.
ll) Em 07.04.2022, o adjudicatário daquele imóvel na sequência da venda executiva realizada no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….300, requereu ao chefe do serviço de finanças de Évora que o mesmo lhe fosse imediatamente entregue; consulta à reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 2../22.0BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 13.º do CPPT e do art.º 412.º n.º 2 do CPC
mm) Esse pedido foi indeferido pela Directora de Finanças de Évora, vindo o Mandatário do Requerente a ser informado desse indeferimento através de ofício com o n.º …..50, de 02.05.2022, com o seguinte teor:
Original nos autos


consulta à reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 2../22.0BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 13.º do CPPT e do art.º 412.º n.º 2 do CPC
nn) Desta decisão foi apresentada reclamação judicial nos termos do art.º 276.º do CPPT, a qual se encontra a correr termos neste tribunal sob o n.º 2../22.0BEBJA; consulta à reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 2../22.0BEBJA, ao abrigo do disposto no art.º 13.º do CPPT e do art.º 412.º n.º 2 do CPC
oo) A petição inicial que deu origem à presente acção, foi remetida pela Mandatária para a Direcção de Finanças de Évora em 14.03.2022, vindo aquela a ser instaurada neste tribunal em 29.03.2022, e a ser admitida liminarmente em 31.03.2022; consulta dos presentes autos

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Consta ainda da mesma sentença que «Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos.
Motivação
A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos, nenhum deles impugnado.»

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III – 2. Da apreciação do recurso

Como bem se declara na sentença recorrida, o acto reclamado, que constitui o objecto do processo é o despacho da Directora de Finanças de Évora, que determinou que a reclamante desocupasse o prédio no prazo ali indicado e procedesse à sua entrega ao adquirente (cfr alíneas dd), ee), e ff) da matéria de facto provada).

A sentença objecto da presente apelação julgou improcedente a reclamação com a seguinte fundamentação:

«Como primeiro fundamento do pedido formulado, vem a Reclamante dizer, em síntese, que a decisão aqui reclamada, violaria o efeito suspensivo da reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, interposta pela Reclamante da decisão de 08.08.2017 do órgão de execução fiscal, que indeferiu o pedido de anulação da venda do imóvel e da sua adjudicação ao adquirente, no mesmo processo de execução fiscal. (Cfr alíneas d) e e) da matéria de facto provada)

Isto porque, alega a Reclamante, penderia ainda nessa reclamação judicial de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, um recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Ora, acontece que se é certo que se encontra provado que aí foi efectivamente apresentado um recurso para o Tribunal Constitucional no qual a ora Reclamante pediu que fosse “julgada inconstitucional a questão suscitada e objecto do presente recurso,”, nada mais se provou relativamente a esse recurso. (Cfr alínea x) da matéria de facto provada)

Isto é, e independentemente de se poder colocar a questão de saber se aquele recurso para o Tribunal Constitucional poderia ter algum efeito suspensivo na reclamação judicial n.º 3../17.1BEBJA, e no processo de execução fiscal em causa, tendo em conta os seus fundamentos e o pedido aí formulado, a verdade é que não há qualquer prova de que aquele recurso tenha sido admitido, que tenha sido remetido ao Tribunal Constitucional, e que se encontre pendente, como alega a Reclamante nesta acção.

Aquela reclamação de actos do órgão de execução fiscal encontra-se, de resto, finda, com decisão transitada em julgado. (Cfr alínea aa), bb), e cc) da matéria de facto provada)

Na verdade, não há evidência de qualquer recurso interposto da sua decisão final, nem da arguição de qualquer nulidade processual, por eventual omissão de algum acto que aí devesse ter sido praticado, sendo que as decisões judiciais proferidas ou, eventualmente, omitidas em processos judiciais que não o presente, não podem neste processo ser objecto de qualquer apreciação.

Deste modo, e em conclusão, não se mostra provada a pendência da reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 3../17.1BEBJA, por causa de nela se encontrar pendente um recurso para o Tribunal Constitucional, como vem alegado.

E, consequentemente, não se mostra demonstrado que esta reclamação n.º 3../17.1BEBJA ainda mantivesse qualquer efeito suspensivo do processo de execução fiscal n.º ….300.

Assim, a decisão aqui reclamada não padece de qualquer invalidade por ofensa do efeito suspensivo daquela reclamação judicial sobre o processo de execução fiscal em que a decisão foi praticada.

Toma-se aqui como certo que a decisão do órgão de execução fiscal que ordena ao executado que reconheça o direito de propriedade do adquirente e adjudicatário do prédio vendido na execução fiscal, e lhe ordena a desocupação do mesmo imóvel sob pena de recurso ao auxílio das autoridades policiais para efectivação dessa entrega, é, em termos factuais e em termos jurídicos, uma decisão distinta da decisão de venda e da decisão de adjudicação do imóvel.

Será uma decisão consequente, na medida em que pressupõe aquelas primeiras decisões, mas não um mero acto de execução de qualquer delas, até porque resulta de um sub-procedimento, eventual, e requerido pelo adquirente, e o destinatário da decisão de desocupação não é o destinatário da decisão de adjudicação.» (sublinhado e destacado nossos).

Importa assim, decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova e na aplicação do direito em virtude de não ter reconhecido o efeito suspensivo decorrente da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida no processo n.º 3../17.1BEBJA, enquanto não for proferida decisão transitada em julgado.

O Tribunal recorrido deu como provada a apresentação no processo n.º 1../22.7BEBJA, de um recurso para o Tribunal Constitucional e que «nada mais se provou relativamente a esse recurso. (Cfr alínea x) da matéria de facto provada)» para concluir que «não há qualquer prova de que aquele recurso tenha sido admitido, que tenha sido remetido ao Tribunal Constitucional, e que se encontre pendente, como alega a Reclamante nesta acção.»

Na verdade, dos pontos v) a x) (factualidade confirmada por consulta efectuada ao SITAF), decorre a prova de que em 25/03/2021, no processo n.º 3../17.1BEBJA por referência ao acórdão do TCA Sul de 11/03/2021, a ora recorrente apresentou três requerimentos a saber:

i) um requerimento arguindo a nulidade do Acórdão proferido pelo TCA (cf. ponto v)) que foi julgado improcedente por Acórdão deste Tribunal de 13/05/2021 [cf. ponto y)];

ii) Um recurso de revista dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (cf. ponto w)) sobre o qual recaiu Acórdão de não admissibilidade datado de 23/06/2021 [cf. pontos z) e aa)];

iii) E um recurso para o Tribunal Constitucional sobre o qual não recaiu qualquer apreciação [cf. ponto x)].

Após a baixa dos autos provenientes do Supremo Tribunal Administrativo, certamente por lapso, cumpridos os demais trâmites legais, o processo foi dado como findo no SITAF e remetido por este Tribunal Central ao TAF de Beja, sem que o recurso dirigido pela recorrente ao Tribunal Constitucional fosse apreciado.

Resultando provada a apresentação do aludido recurso para o Tribunal Constitucional nos termos do artigo 70.º, n.º 1 alínea b) da Lei n.º 28/82, disposição nos termos da qual apenas cabe recurso de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência, conforme decorre do n.º 2 da citada norma.

Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78.º da mesma Lei, no caso dos autos o recurso mantém os efeitos do recurso que anteriormente o processo detinha.

Tal conclusão resulta da constatação de que a reclamação teve subida imediato e efeito suspensivo do acto de venda do imóvel, o que equivale a dizer que a entrega do bem ao adjudicatário também está abrangido pelo aludido efeito, por via da dedução da reclamação n.º 3../19.1.BEBJA.

Impõe-se, assim, concluir que o recurso para o Tribunal Constitucional mantém o efeito suspensivo porquanto era esse o efeito que o processo detinha antes.

Provada a apresentação do referido recurso para o Tribunal Constitucional com efeito suspensivo e estando nesse processo em causa a apreciação do pedido de anulação da venda do imóvel cuja desocupação foi ordenada nos presentes autos, o efeito suspensivo decorrente da apresentação daquele recurso mantém-se enquanto este não findar.

Importa agora dilucidar qual a consequência do referido efeito suspensivo no processo n.º 3../19.1.BEBJA nos presentes autos.

Ambos os processos constituem incidentes do mesmo processo de execução fiscal n.º ….300.

Aquele efeito suspensivo repercute-se directamente no que se refere ao acto da venda do imóvel cujos efeitos estão suspensos e aos actos subsequentes por ter sido peticionada, quanto a estes, a declaração de nulidade.

Constituindo o acto que determina a desocupação nos presentes autos, um acto consequente da venda, os efeitos da suspensão do acto de venda estendem-se ao acto da desocupação e entrega do bem ao adjudicatário, a menos que decorre da entrega do imóvel, a título provisório, circunstância que não resulta dos autos.

A tal conclusão não obsta a constatação de que «não há qualquer prova de que aquele recurso tenha sido admitido, que tenha sido remetido ao Tribunal Constitucional, e que se encontre pendente», na medida em que é a interposição do recurso que mantém o efeito da subida anteriormente existente, isto é, tem efeito suspensivo porque era esse o efeito existente à data da apresentação do recurso para o Tribunal Constitucional.

Também não constitui óbice a tal conclusão, o facto de o processo de reclamação da decisão do órgão da execução fiscal se encontrar findo no Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF), conforme resulta da alínea aa), bb), e cc) da matéria de facto provada. Isto porque não é a tramitação eletrónica dos processos que determina os efeitos dos recursos.

Ora, apesar da remessa do processo n.º 3../19.1.BEBJA ao tribunal recorrido como se estivesse findo, tal apenas se compreende por evidente lapso por terem sido apresentados pela recorrente na mesma data três requerimentos, dois deles recursos, como se deixou dito supra.

Embora a recorrente, podendo diligenciar pelo esclarecimento da situação naqueles autos, não o tenha feito (cf. consulta do processo electrónico), a verdade é que os lapsos evidenciados no que se deixou dito, não podem prejudicar a ora recorrente, nem afectam os efeitos que a lei atribui à dedução de recurso para o Tribunal Constitucional.

Muito menos colhe o argumento usado na sentença de que «em termos factuais e em termos jurídicos, uma decisão distinta da decisão de venda e da decisão de adjudicação do imóvel.

Será uma decisão consequente, na medida em que pressupõe aquelas primeiras decisões, mas não um mero acto de execução de qualquer delas, até porque resulta de um sub-procedimento, eventual, e requerido pelo adquirente, e o destinatário da decisão de desocupação não é o destinatário da decisão de adjudicação.» Os efeitos suspensivos do PEF decorrem do disposto no artigo 278.º, n.º 6 do CPPT, porquanto suspenso o acto de venda, todos os demais actos subsequentes que dele dependam ficam suspensos.

Tendo presente o que se deixou dito, impõe-se concluir que assiste razão à recorrente, porquanto, por via do mencionado recurso para o Tribunal Constitucional que manteve o efeito suspensivo, não podia o órgão da execução fiscal determinar ou ordenar a entrega do bem imóvel, mostrando-se verificado erro de julgamento na apreciação da prova com a consequente procedência do recurso, julgando-se prejudicada a apreciação da segundo fundamento do recurso.


*


No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa.

Atendendo à improcedência do recurso, considera-se que foi o recorrido que deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenado nas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).

IV – CONCLUSÕES

O recurso para o Tribunal Constitucional com efeito suspensivo nos autos em que o pedido formulado é o da anulação da venda do imóvel, bem como a declaração da nulidade dos actos subsequentes, constitui fundamento da invalidade da decisão proferida pelo órgão da execução no mesmo processo de execução fiscal a ordenar a desocupação do referido imóvel, enquanto se mantiver aquele efeito suspensivo.

V – DECISÃO


Termos em que, acordam as juízas da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a reclamação com a consequente anulação do acto reclamado.


Custas pela recorrida.


Comunique, de imediato, os termos do presente Acórdão ao processo n.º 3../19.1.BEBJA para as diligências tidas por convenientes.


Lisboa, 20 de Dezembro de 2022.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Hélia Gameiro – 1ª Adjunta

Catarina Almeida e Sousa – 2ª Adjunta