Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:744/22.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REJEIÇÃO LIMINAR
TAXA DE JUSTIÇA
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário:I - Nos termos do artigo 552º nº 3 do CPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (artigo 108/1 CPPT).
III – É inepta a petição inicial de impugnação que não identifica o ato tributário impugnado e que não formula pedido de anulação do pretenso ato de liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.a subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório

J…., com os sinais dos autos, inconformado com o despacho da Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que rejeitou liminarmente a petição inicial de impugnação e ordenou o seu desentranhamento, dele veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. «Impossibilitada de aceder às notificações via SITAF, razão pela qual não atendeu aos convites de aperfeiçoamento formulados pela douta instância a quo, assim que foi possível inteirar-se das mesmas, em 7/03/2023, a patona nomeada, diligenciou de forma célere, por forma a assegurar a devida defesa dos interesses do recorrente. Tendo essa situação apenas decorrido de falta do próprio sistema informático e não da ação direta da patrona nomeada, ou por omissão da mesma.
2. Pelo que a mesma só poderia sanar os “assinalados vícios da Petição Inicial”, quando teve acesso ao processo em 7/03/2023.
3. Pelo que atentos os motivos invocados podendo-se comprovar a data em que a mesma teve acesso às notificações Via SITAF, se pugna pela admissão da Petição Inicial seguindo o processo os seus ulteriores trâmites.
4. Por outro lado,
5. A rejeição liminar da petição inicial fundada no incumprimento dos requisitos constantes do artigo 108° CPPT, não deve proceder.
6. O artigo 108° CPPT impõe que a petição seja apresentada de forma articulada e dirigida ao juiz competente, identificando-se o acto impugnado e, ainda, a entidade impugnada pela prática do ato.
7. Do articulado resulta que o objecto de impugnação é a decisão proferida pela Direção de Finanças de Setúbal que vinculou o recorrente ao pagamento do montante peticionado pela Autoridade Tributária, ao abrigo da tributação dos rendimentos respeitantes ao ano de 2019, em sede de IRS, tendo o quantum em causa sido influenciado pela repercussão, indevida, do recurso à figura jurídica consagrada no artigo 74°, n°3 do CIRS.
8. E ainda impugnada a ponderação do rendimento determinado de 858,54€, cujas datas do facto gerador de imposto e da sua colocação à disposição do contribuinte, constituem objecto de divergência entre o aqui impugnante e a Repartição de Finanças
9. Como conseguinte, ressalva ainda a petição controvertida a necessidade e relevância de se aferir se o montante supra reveste, ou não, a natureza de prestação adicional e qual o modo de pagamento da mesma, se fraccionado ou integral, uma vez que estas são circunstâncias que influenciam a sua tributação.
10. Uma vez pedida a global procedência da impugnação, o pedido versa sobre tudo o que fora alegado, desde o reconhecimento da inviabilidade do pagamento peticionado pela recorrida em sede de IRS, à clarificação da natureza e modo de pagamento do rendimento no valor de 858,54€ cuja data do facto gerador de imposto se encontra em divergência entre as partes litigantes.
11. A omissão do recorrente quanto ao valor da acção não obsta à procedência da mesma, tenda a douta instância a quo o determinado supletivamente, valor que o recorrente acompanha.
12. No que respeita à prova da concessão do apoio judiciário do qual o recorrente beneficia, perante a eminente possibilidade da extemporaneidade da defesa dos direitos do recorrente, motivados pela nomeação oficiosa tardia da mandatária, à luz do preceituado no artigo 552°, n°9 CPC ex vi artigo 128 CPPT, por maioria de razão, deve-se permitir a apresentação da petição inicial juntamente com o requerimento do apoio judiciário, já concedido ao recorrente, fazendo-se a prova do deferimento do apoio em momento posterior e independente do da apresentação da petição.
13. Assim, a procedência da petição inicial não pode estar subordinada à prévia apresentação do comprovativo da concessão do apoio peticionado.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso com as devidas e legais consequências deferindo-se, por conseguinte, a petição inicial rejeitada a quo e fazendo-se, assim, a tão acostumada justiça.

A Recorrida não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

a) Questão a decidir: é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao ter determinado o desentranhamento da petição inicial, perante o incumprimento do despacho judicial de convite ao aperfeiçoamento e de comprovação da concessão de apoio judiciário ou do pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de impugnação judicial.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada, sem especificação por alíneas ou pontos, a seguinte factualidade:

«Notificada a I. mandatária do Impugnante, do despacho de 10 de Janeiro de 2023 para, sob pena de não recebimento da presente petição inicial, suprir as irregularidades/deficiências da sua petição inicial: “i. Proceder à junção do comprovativo da concessão do benefício judiciário; ii. Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação, identificando, de forma expressa, o ato tributário impugnado, o qual, em atenção à presente forma processual, consubstanciará, em regra, um ato de liquidação de imposto (v.g. Liquidação de IRS, n.º …, referente ao ano/período); iii. Formular o pedido; e iv. Declarar o valor que atribuí à causa”. [cfr. de fls. 15 dos autos]
O Impugnante quedou-se silente. [cfr. de fls. 17 dos autos]»

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, aditam-se as seguintes ocorrências processuais:

A) Em 2022.11.03, na Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal deu entrada mensagem eletrónica contendo a petição de impugnação judicial do ora Recorrente, acompanhada do ofício do Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal de nomeação de patrono (fls. 3 - doc. nº 004796945 registado em 2022.11.08);

B) Na petição de impugnação identificada na alínea que antecede apresentada e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o Impugnante e ora Recorrente termina concluindo:



C) Em 2022.11.30, foi enviado à MI patrona do Impugnante e ora Recorrente ofício de notificação- Recusa da petição inicial do qual se transcreve:

«Nos termos previstos no artigo 80.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, verificando a ocorrência do fundamento de recusa previsto no artº 558º do C P Civil al. f) falta de documento comprovativo de pagamento de Taxa de Justiça ou documento comprovativo do deferimento de apoio judiciário (efectuado pela Segurança Social).

Atento o disposto nos art. 559º reclamação/recurso e 560º ambos do CPC. (10 dias para apresentar o referido documento)»

D) Em 2023.01.10, foi proferido o despacho constante de fls. 15 dos autos:

«Notificado o Impugnante, através do ofício de 30 de Novembro de 2022 com o assunto Recusa da petição inicial, nada disse.
*
Estabelece o art.º 552.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do CPPT, para além do mais que o Autor, na petição, com que propõe a ação, deve: “d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; e) Formular o pedido; f) Declarar o valor da causa;”.
Deve, ainda, o Autor, nos termos do n.º 7 do mesmo artigo, “com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.”
Encontrando-se os presentes autos em fase liminar e, nos termos do n.º 2 do art.º 110.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob pena de não recebimento da presente petição inicial, notifique-se o Impugnante para, no prazo de 10 dias, suprir as seguintes irregularidades/deficiências da sua
petição inicial:
i. Proceder à junção do comprovativo da concessão do benefício judiciário;
ii. Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação, identificando, de forma expressa, o ato tributário impugnado, o qual, em atenção à presente forma processual, consubstanciará, em regra, um ato de liquidação de imposto (v.g. Liquidação de IRS, n.º …, referente ao ano/período);
iii. Formular o pedido;
iv. Declarar o valor que atribuí à causa;
Não procedendo o Impugnante, à junção dos documentos indicados e ao requerido aperfeiçoamento,
no prazo indicado, será a presente petição inicial rejeitada liminarmente.
Notifique.»

E) Em 2023.01.10, foi enviado à MI patrona do Impugnante e ora Recorrente ofício de notificação do despacho de 2023.01.10, referido na alínea que antecede;
F) Em 2023.02.20, foi proferido o despacho recorrido de rejeição liminar da petição inicial, constante de fls. 20 do processo;
G) Do Sistema Informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais do separador «notificações eletrónicas» transcreve-se:


H) Em 2023.03.20, deu entrada o presente recurso.


II.2- Do Direito

O Tribunal a quo com base na factualidade que apurou, proferiu decisão determinando o desentranhamento e devolução ao apresentante da petição inicial de impugnação proferido na sequência do não acatamento do convite de aperfeiçoamento da petição inicial formulado e na sequência da notificação judicial para pagamento da taxa de justiça inicial em falta ou de comprovação da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e outros encargos.

Vejamos:

É consabido que com a apresentação da petição, com que propõe a ação, o Autor deve juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento do mesmo – artigo 552/3 do Código de Processo Civil (CPC) aplicável.

Em 2022.11.30 e 2023.01.10, foram enviados ao Impugnante e ora Recorrente ofícios de notificação para juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento do mesmo, sob cominação.

Alega, todavia, o Impugnante e ora Recorrente, estar impossibilitada de aceder às referidas notificações por constrangimentos do sistema informático dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF) e de apenas ter tido acesso ao processo em 2023.03.07 – cf. conclusões 1 a 3 das alegações de recurso.

A alegação do Impugnante e ora Recorrente dirige-se à efetivação daquelas notificações, contudo a verdade é que não vem expressamente alegado o justo impedimento, nem mobiliza quaisquer meios de prova do que alega.

Com efeito, nos termos do artigo 140/1 CPC: considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática do ato.

São assim apontados dois requisitos cumulativos do justo impedimento, formulados de forma negativa: (i) que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; (ii) que determine a impossibilidade de praticar em tempo o ato.

Todavia, conforme foi apurado junto do Sistema Informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF), as notificações eletrónicas foram enviadas, contudo, o sistema registou que o acesso às mensagens apenas foi efetuado em 2023.03.09.

Cumpria, pois, à Recorrente comprovar não lhe ser imputável a falta de acesso ao conteúdo dos atos notificados ou infração do dever de diligência e de organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das suas causas.

Mais além, não alega nem se comprova que se apresentou a praticar o ato logo que cessou a causa impeditiva o que, segundo a alegação da própria ocorreu em 2023.03.07.

E, apenas em 2023.03.20, fez dar entrada ao presente recurso, acompanhado do comprovativo de ter sido deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono.

Subsistindo, ainda, as deficiências apontadas pela Mma. Juíza a quo à petição inicial: (i) falta de exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação; (ii) identificação do ato tributário impugnado; (iii) deficiente formulação do pedido; (iv) declaração do valor atribuído à causa.

Diz o artigo 108º CPPT, sob a epígrafe Requisitos da petição inicial:
1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o acto impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.

2 - Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efetuar pelos serviços competentes da administração tributária.

(…)

Ora, nas alegações de recurso continua a não identificar o despacho da «Direção de Finanças de Setúbal» contra o qual se insurge, ou seja, não identifica o autor do ato ou a data em que terá sido proferido, mas apenas que o mesmo será relativo a imposto sobre o rendimento respeitante ao ano de 2019.

Inferindo-se, pela referência ao nº 3 do artigo 74º CIRS, que o conjeturável ato tributário impugnado terá resultado de declaração de rendimentos entregue pelo próprio contribuinte.

Mas tal não resulta efetiva e diretamente da petição inicial entregue e submetida à apreciação do tribunal, não vindo alegado o erro no preenchimento da declaração de rendimentos, tratando-se, pois, aqui, de uma mera conjetura.

Ora, a petição à qual falte densificação ou concretização de factos essenciais, suscetível de ser suprida, mediante convite ao seu aperfeiçoamento, não conduz à ineptidão da petição mas à improcedência do pedido. Assim e como é consabido, a falta ou a ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento.

Nos termos do artigo 186/2.a) CPC:
(…)
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
(…)

Na petição inicial entregue, o Impugnante e ora Recorrente além de se limitar a pedir justiça, não peticiona a anulação de qualquer liquidação, não alegando os factos que integrariam o núcleo essencial da causa de pedir. Consideramos, portanto, que a causa de pedir é, pois, ininteligível e, logo, insindicável.

É inepta a petição inicial de impugnação que não identifica o ato tributário impugnado e que não formula pedido de anulação do presumível ato de liquidação.

Nada há, assim, a censurar ao despacho recorrido quando considerou que a petição inicial não cumpria os requisitos constantes do artigo 108º CPPT e que, por não ter sido acompanhada do comprovativo da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, ordenou o seu desentranhamento e entrega ao apresentante.

Improcede, pois, o recurso.


Sumário/Conclusões:

I - Nos termos do artigo 552º nº 3 do CPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (artigo 108/1 CPPT).
III – É inepta a petição inicial de impugnação que não identifica o ato tributário impugnado e que não formula pedido de anulação do pretenso ato de liquidação.




III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pelo Recorrente, que decaiu, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Lisboa, 20 de abril de 2023

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Jorge Cortês