Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:119/19.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/27/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL.
CADUCIDADE.
FALTA DE ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA.
Sumário:I-O prazo para a instauração da impugnação da decisão arbitral é um prazo processual.
II- O vicio de falta de análise crítica da prova, por falta de discriminação dos factos provados e dos factos não provados constitui motivo de anulação da decisão arbitral, por falta de fundamentação de facto.

III- O apuramento de tal vício depende da observância dos ónus de alegação e prova dos factos com relevo para a decisão da causa.

Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
A Sociedade J ……………………, Lda. solicitou, junto do CAAD, a constituição de tribunal arbitral e formulou pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação dos actos de autoliquidação de Imposto sobre o valor Acrescentado (IVA) dos períodos de 2015/10, 2015/11 e 2015/12, e respectivos juros compensatórios, no montante total de EUR: 129.779,17.
O Tribunal Arbitral, por decisão colectiva de 11 de Setembro de 2019, proferida no âmbito do Processo nº21/2019-T, julgou improcedente o pedido formulado e absolveu a Entidade Requerida do peticionado.
Inconformada, a sociedade J …………………, Lda. veio deduzir impugnação contra a referida decisão arbitral, tendo nas alegações apresentadas e constantes a fls. 1 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), formulado a seguinte conclusão:
«a decisão arbitral impugnada não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efectuou a análise crítica da prova e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis, o que importa a nulidade da decisão, por força da alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC».
X
A impugnada, Autoridade Tributária e Aduaneira, S.A., apresentou as suas contra-alegações aí concluindo que:
«(…)
b. Em sentido contrário, entende a Impugnada que a decisão arbitral não enferma dos alegados vícios, pelos motivos que, seguidamente, se elencam.
c. A presente impugnação deve ser considerada intempestiva, uma vez que a notificação foi efectuada a 11/09/2019 via ctt, considerando-se assim a impugnante notificada a 16/09/2019, pelo que o último dia dos 15 de prazo para a Impugnação seria 01/10/2019.
d. Tendo sido proposta a 02/10/2019, deve-se ter por intempestiva com todas as consequências legais.
e. Contrariamente ao que argumenta a impugnante, o tribunal arbitral revelou o sentido da sua decisão, perfeitamente sustentado quer de facto, quer de direito, não se vislumbrando, qualquer falta de especificação conforme alegado.
f. Daqui resulta cristalinamente a perfeita subsunção dos factos, que o tribunal entendeu relevantes para a resolução do litígio, ao direito, não se vislumbrando qualquer falta de especificação dos mesmos.
g. Na verdade, a Impugnante não logra demonstrar, nas alegações que para o efeito produziu, de que forma é que a douta decisão arbitral padece dos vícios de cariz processual que lhe são imputados.
h. Com efeito, e desde logo, o que resulta das conclusões de impugnação é que a Impugnante diverge do entendimento fáctico e jurídico em que assentou a decisão arbitral.
i. Todo o processo de fundamentação conduz logicamente ao que foi decidido.
(…)
y. A Requerente contestou a correcção em causa, contudo o Tribunal não lhe deu razão,
z. A decisão ora impugnada é expressiva e contundente no que a esta questão diz respeito.
aa. Para além do mais, conforme escreve Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.° Ed., Áreas Editora, 2011, p. 366 "[a] tomada em consideração, para a resolução de questões colocadas pelas partes, de factos não alegados de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente (erro na fixação da matéria de facto) não constitui uma nulidade de sentença mas uma violação do princípio do dispositivo, enunciado no art. 264.° do CPC, de que emana a regra da proibição de o juiz se servir de factos não alegados pelas partes (arts. 264.°, n.°1, e 664.° do CPC. Assim, a violação desta regra consubstanciará erro de julgamento.".
bb. Pelo exposto, não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea c) e d) do n.°1 do art.28.° do RJAT, e deste modo, a Impugnação da decisão arbitral não merece provimento.
cc. Pelo que falecem na íntegra todos os argumentos da Impugnante que tenta, embora em vão, aquilo que lhe é vedado pelo Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, i. e., um recurso de mérito.
dd. Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão arbitral para o Tribunal Central Administrativo consistem na impugnação de tal decisão, nos termos do artigo 27° do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28°, n°1, do RJAT, os quais se reportam a situações formais, de competência ou procedimentais, que como plenamente demostrado, não se verificam na decisão em apreciação.
ee. Pelo que deverá a impugnante conformar-se com a decisão de mérito proferida, na impossibilidade de obter a sua anulação pelas razões aduzidas, uma vez que estas deverão ser julgadas totalmente improcedentes.
ff. Falecendo integralmente os argumentos esgrimidos pela Impugnante em prol da ambicionada anulação da decisão arbitral, deve a presente impugnação improceder, assim se fazendo JUSTIÇA
Pugna no sentido da improcedência a presente impugnação de decisão arbitral.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada nos termos do disposto no artigo 146º, nº 1, do CPTA (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20/ 01), nada disse.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A decisão arbitral recorrida considerou provados os factos seguintes:«
1 - A requerente iniciou a sua actividade em 1966, com a actividade principal de "Comércio por Grosso de Peças e Acessórios para Veículos Automóveis", CAE 45310, estando enquadrada em sede de IV A, no regime normal de periodicidade mensal e em sede de IRC no regime geral de tributação do lucro tributável.
2- A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária, com base na ordem de serviço no OI201 700566, extensiva ao ano de 2015, levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Coimbra, no âmbito do qual os Serviços de Inspecção fizeram constar do projecto de Relatório, para além do mais, o seguinte:
III.1. IVA- falta de liquidação
III.1.1- Vendas a exportadores sem comprovativo de exportação
As transmissões destinadas a exportação e efetuadas a exportadores nacionais estão isentas de IVA, desde que cumprindo os requisitos do art. 6° do D.L 198/90 de 19 de junho.
Uma dessas condições é a existência de Certificado Comprovativo de Exportação (CCE).
Na análise efetuada verificámos a existência de várias transmissões sem liquidação de IVA, com base na isenção do citado n° 6 do DL 198/90, sem que a empresa esteja na posse do referido certificado. Essas transmissões são as seguintes:
Período
Diário
N. Doc.
Valor
motivo isenção
Explicação
201507
1
--------
3.012,12
art.6 DL198/90 Falta certificado comprovativo de exportação
201510
1
--------
2.082,08
art.6 DL198/90Certificado com valor e fornecedor diferentes
201510
1
--------
1.456,00
art.14°CIVA Falta certificado comprovativo de exportação
201511
1
--------
2.935,80
art.6 DL198/90Falta certificado comprovativo de exportação
201512
1
---------
4.157.62
art.6 DL198/90Falta certificado comprovativo de exportação
201512
1
----------
7.983.60
art.6 DL198/90Certificado com valor e fornecedor diferentes
Total
21.627,20
Pelo exposto, as transmissões referidas estão sujeitas a IVA nos termos gerais.
III.1.2- Transmissões a clientes intracomunitários não registados
O sujeito passivo efetuou transmissões intracomunitárias sem liquidação de IVA, com a isenção prevista no art. 14° do RITI, sem que o adquirente preencha as condições para tal isenção, elencadas na alínea a), que são: "quando este (adquirente) seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens".
Não cumprindo as condições de isenção, as operações intracomunitárias estão sujeitas a imposto, nos termos da alínea c) do nº1 do art 1° e do art 18°, ambos do CIVA.
A situação cadastral do adquirente em causa, recolhida na aplicação do VIES, é a seguinte:
• Cliente "ESPECIALISTAS EN NEUMATICOS AGRICOLAS SI" ES-B02563641 - com início de atividade em 01/01/2016.
Nas declarações recapitulativas das transmissões intracomunitárias apresentadas pelo sujeito passivo, constam os seguintes valores, em períodos em que o referido adquirente não estava activo no VIÉS:

Período
Valor
Explicação
201510
188.139,00
Cliente ……………….. sem actividade no período
201511
234.138,00
Cliente ……………….. sem actividade no período
201512
120.367,00
Cliente ……………… sem actividade no período
Total
542.644,00
3- A ora Requerente regularizou voluntariamente as correcções propostas no projecto de Relatório, entregando declarações de substituição para os períodos em questão.
4- A Requerente apresentou oportunamente reclamação graciosa que foi autuada sob o n°0710201804000536, contra as autoliquidações de IVA, referentes aos períodos 2015-10, 2015-11 e 2015-12, no valor de €129.779,17.
5- Reclamação graciosa que mereceu despacho de indeferimento do Sr. Director de Finanças de Coimbra de 2019-01-09, notificado por via postal à Requerente em 2019-01-11, na pessoa do seu mandatário
6- As transmissões referidas no projecto de Relatório foram registadas na contabilidade da Requerente como se tratassem de transmissões intracomunitárias de bens, sujeitas a IVA, mas isentas ao abrigo da al. a) do art°14° do RITI.»
X
«Factos dados como não provados // Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.»
X
«Fundamentação da matéria de facto provada e não provada // Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.°123.°, n°2, do CPPT e artigo 607°, n°3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29°, nºl, alíneas a) e e), do RJAT).// Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511°, n°l, do CPC, correspondente ao actual artigo 596°, aplicável ex vi artigo 29.°, n°l, alínea e), do RJAT). //Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110°/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.// Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.»
X
2.2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, está em causa o acórdão arbitral que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IVA dos períodos de 2015/10, 2015/11, 2015/12 e respetivos juros, no montante global de €129.779,17.
A decisão arbitral sob escrutínio identificou como questão solvenda a da aferição da legalidade das autoliquidações de IVA da Requerente, referentes aos períodos 2015-10, 2015-11 e 2015-12. Após proceder à especificação da matéria de facto e respectiva fundamentação, a decisão arbitral julgou improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, com base na fundamentação seguinte:
«Também nos presentes autos, a Requerente apresenta-se a contestar as suas próprias autoliquidações, arguindo que as mesmas enfermam de erro nos pressupostos de direito e de facto, pretendendo beneficiar do regime do 14.° al. a) do RITI aplicável, ao nível da isenção aí prevista. // Nestes termos, e tendo em conta o disposto no art°74.°/l da LGT, é à Requerente que assiste o ónus da prova dos pressupostos da norma da qual se pretende prevalecer, notando-se, uma vez mais, que não está, na situação sub iudice, a aferição da legalidade de qualquer correcção operada pela AT, mas a aferição da legalidade de autoliquidações operadas pela Requerente. // Posto isto, e como a própria Requerente assume, "para que se possa afirmar a existência de uma transmissão intracomunitária, isenta de imposto à luz dos citados preceitos do RTTI, é imprescindível que os bens sejam expedidos ou transportadas -pelo vendedor, pelo adquirente”.
Ora, relativamente a estas circunstâncias, nenhum facto foi alegado, nem consequentemente provado. // A Requerente pretende, como emerge do Requerimento inicial, que tal ausência de prova seja valorada contra a Requerida, imputando-lhe o ónus da correspondente prova. // Não obstante, como se viu, é sobre ela que tal ónus impende, sendo contra ela que a ausência de prova deve ser resolvida, nos termos do ait° 414.° do Código de Processo Civil. // Deste modo, não havendo qualquer prova nos autos de que os bens tenham sido expedidos ou transportados - pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes - a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente, não poderá ser acolhida a pretensão da Requerente. // Não obsta à conclusão exposta, o decidido nos acórdãos proferidos pelo TJUE nos processos C-21/16, na medida em que não demonstrando a Requerente que bens tenham sido expedidos ou transportados - pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes - a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente, não se verifica qualquer identidade de facto com o ali decidido. // (…) // Daí que, conforme previamente explicado, não assista à AT qualquer ónus probatório, que não o de que as liquidações de imposto estão em conformidade com o declarado pela Requerente, o que, no caso, não é sequer contestado».

2.2.2. Antes de entrarmos na apreciação do objecto da impugnação, cumpre dirimir a questão prévia da intempestividade da impugnação do acórdão arbitral em crise.
A impugnada sustenta que «[a] presente impugnação deve ser considerada intempestiva, uma vez que a notificação foi efectuada a 11/09/2019 via ctt, considerando-se assim a impugnante notificada a 16/09/2019, pelo que o último dia dos 15 de prazo para a Impugnação seria 01/10/2019». // Tendo sido proposta a 02/10/2019, deve-se ter por intempestiva com todas as consequências legais».
Apreciação. Nos termos do artigo 27.º, n.º 1, do RJAT, «[a] decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral ou da notificação prevista no artigo 23.º, no caso de decisão arbitral emitida por tribunal colectivo cuja intervenção tenha sido requerida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º» (1).
«O prazo para deduzir a presente impugnação de decisão arbitral é um prazo de natureza judicial e aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.artº.29, nº.1, al.a), do dec.lei 10/2011, de 20/1; artº.20, nº.2, do C.P.P.T.), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.)». (2)
A este propósito, mostram-se provadas as vicissitudes processuais seguintes:
i) Em 11/09/2019, foi remetido ofício do CAAD para o mandatário da impugnante dando conta do teor da decisão arbitral em causa (v. pat).
ii) Em 01/10/2019, a impugnante deduziu a presente impugnação de decisão arbitral – registo postal junto em 06.10.2023 e artigo 144.º/1, do CPC).
iii) Dos elementos coligidos no probatório resulta que a impugnante foi notificada (através do seu mandatário) do teor da decisão arbitral em 16/09/2019 (artigo 248.º do CPC).
Uma vez que a petição inicial de impugnação sob escrutínio deu entrada neste TCAS, em 01/10/2019, o prazo de quinze dias a contar da notificação da decisão arbitral, mostra-se observado no caso.
Motivo porque se rejeita a presente excepção de caducidade da impugnação.
2.2.3. A impugnante sustenta que o acórdão arbitral não se mostra fundamentado, seja de direito, seja de facto. Afirma que «a decisão arbitral em crise não procedeu à especificação dos factos provados e não provados, não efectuou a análise crítica da prova, e nada concluiu sobre a matéria de facto a subsumir às disposições legais aplicáveis».
Apreciação. No que respeita aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, constitui jurisprudência assente a de que os únicos admitidos, nos termos da lei, são os que constam, de forma taxativa do disposto no preceito do artigo 28.º do RJAT (3), a saber a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão; a pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia e a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes»(4).
«[A] fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão. Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”. Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123.º n.º 2 do CPPT e 659.º n.º 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, (…) no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável. // Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos» (5).
No que respeita, em particular, à fundamentação da decisão da matéria de facto, a mesma assenta na discriminação dos factos provados e dos factos não provados, na motivação da decisão da matéria de facto e na enunciação das razões que levaram ao tribunal a considerar como provados os factos provados e como não provados os factos julgados não provados.
Por seu turno, a fundamentação da decisão das questões jurídicas da causa assenta no enquadramento jurídico da matéria de facto, com base nas razões e argumentos que se consideram pertinentes, à luz do ordenamento jurídico vigente.
No caso em exame, estava em causa a correcção descrita no ponto “III.1. IVA – Falta de liquidação”, em particular “III.1.2- Transmissões a clientes intracomunitários não registados” do relatório inspectivo (ponto 2 do probatório da decisão arbitral). O acórdão arbitral discriminou seis pontos como matéria de facto assente e contem a motivação da decisão probatória (6). Aí se consigna que «os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (…). // Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110°/7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados». A motivação de tal decisão é acessível a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante.
No que respeita, em particular, ao fundamento da presente impugnação de decisão arbitral, relativo à alegada falta de análise critica da prova, cumpre referir que a referida omissão releva no âmbito da aferição do vício de falta de fundamentação da matéria de facto. Do disposto no artigo 607.º/4, do CPC e do artigo 125.º/1, do CPPT, resulta que constitui falta de fundamentação de facto a não discriminação dos factos provados e dos factos não provados, segundo as várias soluções plausíveis de direito (7).
Compulsado o teor do pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que a requerente apenas contesta a correcção à contabilidade referida no ponto “III.1.2. – Transmissões a clientes intracomunitários não registados”, correcção que impôs a não aceitação da isenção de liquidação de IVA, invocada ao abrigo do disposto no artigo 14.º/a), do Regime do IVA nas transacções intracomunitárias (8), em relação ao cliente em apreço. Nos termos do preceito citado, estão isentas do imposto «[a]s transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens».
Da análise do requerimento de pronúncia arbitral resulta que a requerente invoca a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a interpretação da norma em referência, sem que, todavia, alegue factos concretos que, de forma concludente, permitam a subsunção à mesma. O que torna a presente asserção de falta de exame crítico da prova improcedente, porquanto, não cabendo ao tribunal impugnado substituir-se à parte, no que respeita à alegação de factos concretos com relevância para o enquadramento jurídico da causa, a discriminação dos factos provados e não provados, constantes da sentença arbitral cumpre com os requisitos da referida valoração crítica, dado que a mesma ocorreu dentro do quadro fáctico delimitado pelas partes nos respectivos articulados, de acordo com o princípio do dispositivo, enquanto mandato de observância do monopólio das partes na delimitação dos factos essenciais da causa. Pelo que a invocada omissão de análise crítica da prova não se comprova no caso.
Motivo porque se impõe julgar improcedente o presente esteio de impugnação.
No que respeita à fundamentação de direito, do que acima se transcreveu resulta que as razões do decidido se prendem, de acordo com a decisão arbitral, com o não cumprimento por parte da impugnante do ónus da prova que si sobre recaiam. Tais razões mostram-se acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante. O tribunal considerou que, em face da falta de alegação e prova, por parte da requerente, parte a quem compete os respectivos ónus, dos factos que permitiriam sustentar a asserção de erros nos pressupostos de facto em que terá incorrido a correcção à contabilidade questionada, impõe-se julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral em apreço. Nesta medida, o acórdão arbitral contem as razões de direito que confluem para o seu decisório.
Pelo que o presente esteio da impugnação não procede.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente impugnação de decisão arbitral.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente impugnação de acórdão arbitral e confirmar o mesmo.

Custas pela impugnante.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Ângela Cerdeira)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)

(1) Artigo 27.º/1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária [RJAT], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
(2) Acórdão do TCAS, de 26-06-2014, P.07084/13. No mesmo sentido, Acórdão do TCAS, de 21-05-2020, P. 114/19.3BCLSB.
(3) Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01.
(4) Acórdão do TCAS, de 13.11.2014, P. 07294/14.
(5) Acórdão do STA, de 24.01.2018, P. 01411/16
(6) V. supra.
(7) Neste sentido, v. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 2011, p. 358.
(8) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 290/92, de 28/12, com alterações posteriores.