Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:23213/25.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL
DEVER DE PRESTAR A INFORMAÇÃO
SEGREDO COMERCIAL
Sumário:I - Perante uma decisão que conclui no sentido da improcedência da pretensão formulada e da posição assumida pela parte relativamente à questão que foi objeto de decisão, a circunstância de, previamente à prolação da sentença, a Recorrente ter declarado considerar que a sua pretensão se encontraria satisfeita com a informação que, na pendência dos autos, lhe foi prestada pela Requerida, não determina a ilegitimidade recursivo, não configura um comportamento inequivocamente revelador de que pretendia prescindir do direito a recorrer, a renúncia ao direito a recorrer ou a aceitação da decisão, nem representa o exercício abusivo do direito a recorrer;
II - A circunstância de a decisão (o sentido decisório) não encontrar acolhimento na matéria de facto, no sentido de a factualidade provada não permitir suportar a concreta decisão tomada, representa o erro no julgamento de direito;
III - A circunstância de o Tribunal concluir em sentido não suportado pela jurisprudência em que se ancorou traduz o erro de julgamento, mas não a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão ou ininteligibilidade da sentença;
IV - Constitui juízo jurídico-conclusivo, e não facto, a afirmação de que “a Entidade Requerida é a legal detentora da documentação solicitada pela Requerente”;
V - O pedido formulado ao abrigo do direito à informação deve-o ser à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar;
VI - A posse ou detenção dos documentos são, tão só, isolada ou conjuntamente, elementos a que se atende para identificar o órgão ou entidade, dos abrangidas pelo âmbito subjetivo da LADA (artigo 4.º), a quem cumpre garantir ao interessado o direito à informação, sendo também relevantes para essa identificação, designadamente, a elaboração dos documentos ou a responsabilidade ou titularidade do procedimento ou dos documentos, por ser a entidade que desenvolveu ou no seio da qual o procedimento administrativo foi desenvolvido;
VII - Estando em causa documentos administrativos da titularidade ou detidos – no sentido de, por integrarem um procedimento administrativo pré-contratual de que foi entidade adjudicante e por si desenvolvido, ser responsável por aquele, lhe serem atribuíveis ou integrarem a sua esfera jurídica - pela Requerida, é sobre esta, e não sobre a empresa gestora da plataforma informática utilizada, que recai a obrigação de os fornecer aquando do exercício do direito à informação;
VIII - Não se mostrando concretizada a alegação de que a informação contida nas propostas consubstancia “segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa”, e, considerando que, por princípio ou em regra, o procedimento pré-contratual não contém segredos comerciais, assiste à requerente, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015 o direito de acesso aos documentos integrantes das propostas apresentadas pelos concorrentes ao procedimento pré-contratual já findo.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:


1. Relatório

A… - A…, Lda. (doravante Requerente, A. ou Recorrente) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E. (doravante R., Entidade Requerida, Requerida ou Recorrida), peticionando a intimação da Entidade Requerida para, no prazo razoável, emitir e remeter à Requerente, a informação/documentação administrativa não procedimental referente à revogação da decisão de contratar assim como as propostas apresentadas no procedimento, por si solicitada em 18 de março de 2025.


Em 17 de junho de 2025, o referido o referido Tribunal julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido.

Inconformada, a Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“1. Diga-se, primeiramente que a sentença do tribunal a quo deverá ser julgada nula porquanto não respeita o disposto no artigo 615.º n.º1 alínea b) do CPTA que dispõe que é nula a sentença que “b) Não especifique os fundamentos de facto” que justificam a decisão adotada.
2. Em momento algum, o Tribunal a quo deu como provado quem é que era o detentor da informação solicitada pela Requerente, mais concretamente as propostas apresentadas pelos concorrentes no concurso público em questão.
3. Em consequência, nunca poderia o Tribunal a quo ter absolvido a Requerida do pedido (o que só poderia ter sucedido se tivesse ficado provado nos autos que a Requerida não era detentora da informação administrativa).
4. Assim não pode o Tribunal a quo decidir aplicar um regime jurídico, a partir de um facto que não existe.
5. Existe uma falta absoluta dos fundamentos de facto que justificam a decisão que foi proferida pelo Tribunal a quo ou, pelo menos, uma fundamentação de facto gravemente insuficiente.
6. Qualquer um dos dois entendimentos que se tenham resulta, gera a mesma consequência, ou seja a nulidade da sentença proferida, nos termos da alínea b), do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA.
7. Mas mais se diga: a sentença é nula por força do disposto no artigo 615.° n.°1 alínea c) do CPC uma vez que os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão e a mesma é absolutamente ambígua.
8. Num primeiro momento, o Tribunal, invoca decisões jurisprudenciais, para sustentar que “«o pedido formulado ao abrigo do direito à informação deve-o ser à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente por ser a responsável pelo procedimento administrativo, desenvolvendo-se este no seu seio, ou ser titular ou possuidora dessa informação, no sentido de dela dispor nos seus arquivos. [...]’. Contudo, acaba por concluir que, no caso presente, a responsável pela direção de um concurso público que promoveu, neste caso a SPMS, é parte substantivamente ilegítima.
9. Ora, com o devido respeito, se os pedidos de informação (e, posteriormente, as intimações) devem ser dirigidas à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente por ser a responsável pelo procedimento administrativo, a SPMS não pode ser considerada parte ilegítima para prestar a documentação de um concurso que promoveu.
10. Em consequência, havendo uma contradição evidente na sentença, pois os seus fundamentos justificam uma decisão precisamente oposta à tomada, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo, ser declarada nula nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
11. Ainda que não se considere verificada a nulidade da sentença nos moldes supra referidos, o que não se concede, a falta de fundamentação da sentença teria de se considerar um erro de julgamento o que, desde logo, implicaria a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
12. Na verdade, da sentença deveria constar, como facto provado que “A Entidade Requerida é a legal detentora da documentação solicitada pela Requerente".
13. De notar que a resposta prestada pela Requerida não é admissível, à luz do artigo 55.° do CPA, uma vez que, sendo a Requerida quem promoveu o concurso público sobre o qual recaiu o pedido de informação administrativa enviado pela Requerente, é à Requerida, enquanto órgão competente para a tomada da decisão final, a responsável pelo procedimento e não a plataforma V... (meta plataforma de suporte eletrónico à contratação).
14. De facto, só poderia concluir-se, ao contrário do que fez o Tribunal a quo que deveria a Requerida, enquanto responsável pela direção do procedimento, ter na sua posse as referidas propostas objeto do pedido de informação administrativa, como aliás decorre do artigo 107° n.° 1 alínea d) do Código dos Contratos Públicos.
15. Não obstante a supra referida norma referir que o prazo de conservação dos documentos corre a partir da celebração do contrato deve atender-se, fundamentalmente ao espírito que a enforma.
16. Ainda que a Requerida tenha revogado a decisão de contratar, não existindo, portanto, um contrato, tal não quer dizer que não impenda sobre a SPMS a obrigação de conservar os documentos relativos a um concurso que revogou.
17. Dever-se-á atender ao espírito e finalidade da norma vertida no 107°, n.° 1 alínea d) do CCP, id est o incremento da rastreabilidade e da transparência do processo de tomada de decisões no âmbito da contratação pública - que é essencial para garantir procedimentos isentos, rastreáveis e transparentes.
18. Nestes termos deverá esta norma ser atendida mesmo quando os procedimentos não se materializam num contrato público.
19. Assim, é inaceitável que a SPMS não disponha das propostas apresentadas a este concurso, sendo igualmente inaceitável que não as disponibilize conforme lhe é exigido nos termos da lei.
20. Mas mesmo na hipótese de não dispor da referida documentação, deveria a entidade no prazo de 10 dias após a solicitação da informação de comunicar que não possuía o documento nos termos do artigo 15° n.° 1 alínea d) da LADA e não o fez.
21. Em consequência, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “A Entidade Requerida é a legal detentora da documentação solicitada pela Requerente", o que agora se requer.
22. E caso o Tribunal não tivesse a certeza acerca da referida factualidade, então ao invés de ter proferido uma sentença sem qualquer fundamentação que a sustentasse, sempre deveria, ao abrigo do dever de gestão processual, previsto no artigo 6.° do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.° do CPTA, ter indagado junto da V... a confirmação da referida informação trazida aos autos pela Entidade Requerida.
23. Considerando a referida factualidade dada como provada, o Tribunal a quo, aquando da aplicação do regime jurídico subjacente tinha uma seguir uma de duas hipóteses: ou condenar a Entidade Requerida, enquanto entidade responsável pelo procedimento, a obter a referida documentação administrativa ou, caso assim não entendesse ou não fosse isso possível, sempre deveria ao invés de ter julgado a presente intimação improcedente, ter considerado a instância extinta por inutilidade superveniente da lide.
24. Recorde-se que só supervenientemente é que a Recorrente foi informada de que, alegadamente, a Entidade Requerida não dispunha da informação, como aliás era obrigada nos termos da lei como se expôs supra.
25. Antes dessa data, compreensivelmente, a aqui Recorrente não sabia nem tinha como saber que a Requerida não dispunha da informação pelo que a ela dirigiu o pedido de informação administrativa, por ser essa a entidade que promoveu o referido concurso público.
26. Como já foi dito, nos termos do artigo 55° do CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão, in casu a SPMS - pelo que a Requente não fez mais do que aquilo que lhe competia - dirigir o pedido de informação à entidade adjudicante que promoveu o concurso público em causa.
27. Seria totalmente desprovido de sentido que a aqui Recorrente adivinhasse que a SPMS não dispunha da informação (quando tinha obrigação legal de dela dispor), que quem dispunha da informação era a plataforma V... e que com base nesse juízo divinatório se dirigisse a V... que, diga-se, é um organismo privado se limita a oferecer suporte eletrónico à tramitação do procedimento, para que esta lhe prestasse a referida informação.
28. Nestes termos, e com o devido respeito, não pode vir o Tribunal julgar improcedente o processo de intimação nem pode entender que falta ab initio a verificação de legitimidade substantiva à aqui Recorrente uma vez que, efetivamente a aqui Recorrente tinha direito perante a Requerida à referida informação.
29. Foi só por entender que a frustração do seu direito à informação se devia à falta de diligência por parte da Requerida em arquivar a referida documentação, deixando-a a cargo de terceiros, e por saber que a referida informação estava encriptada, que a Recorrente se confrontou com a inutilidade superveniente da lide, não porque a sua pretensão estava totalmente satisfeita mas por entender que a circunstância de os ficheiros estarem na posse de terceiros, ainda que devessem estar na posse da Requerida, impedia a manutenção da pretensão formulada.
30. Assim, com o devido respeito, erra a sentença recorrida ao julgar improcedente a ação com fundamento “na falta ab initio de verificação de um pressuposto de direito, ou seja a inexistência do direito reclamado”.
31. O direito existia e existe, não pode é ser exercido por inércia da Requerida em conservar a informação.
32. Acresce que o facto de se dar como provado que a Requerida era a legal detentora da informação (precisamente porque a lei assim o prevê), não significa que também não se pudesse provar que, no caso sub judice, apesar de lhe caber deter a documentação, efetivamente a Requerida dela não dispunha.
33. Contudo, em momento algum, poderia a Requerente ser prejudicada e, por consequência, ser condenada em custas, por ter dirigido (e bem!) o pedido de informação administrativa à Requerida (e não à V...).
34. Por isso, com o devido respeito, não pode o Tribunal a quo julgar improcedente a presente intimação, alegando que a SPMS não é a responsável pela direção do procedimento que ela própria promoveu.
35. Na verdade, não se consegue compreender, por se julgar francamente incompreensível a decisão da qual ora se recorre.
36. Pelo que, em suma, o Tribunal a quo só poderia ter optado por uma de duas vias: (i) condenar a Requerida a prestar a documentação ou (ii) julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, mormente por, apesar da Requerida ser a detentora legal da documentação solicitada, no caso em concreto, dela não dispor.
37. Salvo melhor opinião, entende-se que o Tribunal a quo deveria ter optado pela primeira hipótese, por um motivo muito simples.
38. Um pedido de documentação administrativa não procedimental dirigido a uma entidade administrativa tem de ser satisfeito nos termos do artigo 5.° da LADA - e a sentença, em sede de intimação, sempre deveria a isso condenar a Entidade Requerida.
39. Coisa diferente é discutir, nomeadamente, em sede de processo executivo, se a Entidade Requerida conseguiria (efetivamente) ou não, prestar a referida documentação - e caso tal não lhe fosse possível, poderia sempre invocar o regime de causa legitima de inexecução, previsto no artigo 163.° do CPTA - que serve, entre outras hipóteses, para situações como a presente.
40. No limite, assim não entendendo, deveria então o Tribunal a quo ter optado pela segunda via. A certeza é uma: não poderia ter optado pela via alternativa que espelhou (infundadamente) na sentença proferida, motivo que justifica a revogação da sentença proferida, o que desde já se requer.
41. Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se o provimento do presente recurso com a consequente revogação da decisão recorrida, reconhecendo-se a legitimidade substantiva do Recorrente para a presente ação e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, que seja ordenado o acesso ou disponibilização dos documentos constantes da plataforma eletrónica referida na intimação.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Declarar a nulidade da sentença com base nas alíneas b) e c), do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA; ou caso assim não se entenda,
b) Dar provimento ao presente recurso e revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo, intimando a Requerida a dar a documentação administrativa solicitada ou, caso assim não se entenda, reconhecendo a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.”

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

A. Nestes autos de Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões está em causa o acesso às propostas apresentadas por concorrentes num procedimento concursal revogado / não adjudicado, que não foram abertas / extraídas / utilizadas / analisadas, por força do desfecho da revogação do procedimento concursal.
B. Neste domínio importa ter como pano de fundo que, sabendo que iria necessariamente lançar um procedimento adjudicatório substituto em consequência da revogação do concurso público, a SPMS entendeu não dever abrir as propostas apresentadas no procedimento a revogar, mantendo-as encerradas na plataforma (sendo que apenas poderiam ser abertas e desencriptadas por um Júri que já havia cessado funções), a fim de salvaguardar a independência das mesmas e os princípios da igualdade e da concorrência.
C. Assim, toda a ação de Intimação foi construída pela Requerente/Recorrente sob a falta do pressuposto do seu direito à informação em causa, i.e., na data da propositura do presente processo de Intimação o seu cumprimento pela SPMS (a prestação da informação pretendida) já era e continuou a ser de cumprimento jurídica (para salvaguarda da independência das propostas e dos princípios da igualdade e da concorrência) e fisicamente (por estar fechada e encriptada na plataforma eletrónica V... e na posse da V…, SGPS, S.A.) impossível.
D. Com efeito, ocorre a manifesta falta do direito da Requerente/Recorrente, manifesta ausência do dever da Requerida/Recorrida de facultar a informação e a manifesta inviabilidade da pretensão – o que gera, como bem sublinhou e decidiu o Tribunal a quo, a ilegitimidade substantiva da Requerente/Recorrente perante a SPMS, que leva à absolvição do pedido.
E. Como questão prévia a apreciar o que mais releva nesta sede é que o recurso interposto é legalmente inadmissível, decorrendo tal inadmissibilidade da apresentação pela Recorrente de requerimento da extinção da instância, o que equivale à perda do direito de recorrer/ilegitimidade.
F. Assim é porquanto as fundamentações aduzidas nas alegações de recurso correspondentes aos pedidos formulados a final são construídas sob o pressuposto de que inexiste prova de quem é o detentor da informação cuja intimação é solicitada, i.e., sob o pressuposto de que o Tribunal a quo não apurou quem está na posse da mesma e de que a pretensão da Recorrente ainda não foi satisfeita.
G. Ora, como é simples de ver, tal pressuposto é absolutamente falso, porquanto não só o Tribunal a quo instruiu a causa e determinou que a Entidade Requerida/Recorrida concretizasse a identificação da entidade que está na posse da informação cuja intimação para prestação foi solicitada (cfr. Despacho proferido em 28.05.2025 a fls. 45 do SITAF), havendo a Entidade Requerida/Recorrida identificado precisamente aquela entidade (V..., SGPS, S.A.) (cfr. requerimento apresentado pela Entidade Requerida/Recorrida em 06.06.2025 nestes autos em 1.a instância, a fls. 5052 do SITAF), como também a própria Requerente/Recorrente, conformando-se com a indicação efetuada, declarou expressamente em 1.ª instância - antes da Sentença recorrida e posterior à identificação concreta pela Recorrida da entidade que está na posse da informação - que considera a sua pretensão satisfeita (cfr. requerimento apresentado pela Requerente/Recorrente em 09.06.2025 nestes autos em 1.ª instância (a fls. 53-55 do SITAF),
H. Mais havendo requerido, como consequência de tal declaração, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, conforme segmento do predito requerimento que aqui se transcreve:
"Em consequência, entende a Requerente estar-se perante uma situação que permite a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide uma vez que na pendência da presente intimação, a Requerida prestou a informação administrativa devida, tendo justificado o porquê de não poder disponibilizar a respetiva documentação, mais concretamente as propostas que, em qualquer outra situação, a Requerente teria o direito de conhecer" (cfr. requerimento apresentado pela Requerente/Recorrente em 09.06.2025 nestes autos em 1.ª instância, a fls. 53-55 do SITAF; negrito nosso).
I. Assim, é incontornável que a Requerente/Recorrente declarou em 1. ª instância não mais ter interesse em agir na presente lide, pelo que não pode, por conseguinte, deter interesse em agir no recurso nos termos que formula.
J. Consequentemente, a declaração da satisfação da sua pretensão e o requerimento da extinção da instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide pela Requerente/Recorrente constituiu a prática de ato inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, pelo que equivale à perda do direito de recorrer / ilegitimidade (à luz da proibição contida no artigo 334.° do Código Civil e à luz do artigo n.° 1 do artigo 632.° do Código de Processo Civil, ex vi artigos 1.° e 140.° n.° 3 do CPTA),
K. O que a Recorrente pretende com o presente recurso é obter a "desistência" ou "retirada" do seu requerimento de extinção da instância por inutilidade/impossibilidade superviente da lide - o que é absolutamente inadissível à luz da lei processual portuguesa.
L. Sendo que, em todo o caso, a interposição do presente recurso nos moldes alegados sempre consubstancia uma situação de exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente expressamente assumido e requerido (venire contra factum proprium), agindo a Requerente/Recorrida ilicitamente no uso do direito de recurso e em abuso de direito, não pondendo a sua interposição ser admitida.
M. A este respeito sublinhe-se que a proibição do abuso de direito, cominada no art 334° do CCivil, consubstancia um. princípio geral de direito, também aplicável no domínio do processo civil (cfr. consagrado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24.05.2022, processo 2737/19.1T8FAR.E1.S1).
N. Pelo que, por maioria de razão, transponível para o caso dos presentes autos, também é ilícito o exercício do direito de recurso após declaração, pelo recorrente, de satisfação da sua pretensão e requerimento de extinção da instância por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide.
O. Assim, os dois primeiros pedidos formulados no recurso interposto (de declaração de nulidade e de revogação da sentença recorrida, com determinação da intimação da SPMS na prestação da informação) são legalmente inadmissíveis.
P. Mais, para além do antedito, e para o que aqui muito releva, acresce que o pedido ao Tribunal ad quem de determinação da intimação da Recorrida a dar a documentação administrativa solicitada, constitui um pedido recursivo absolutamente inútil e inviável.
Q. Com o devido respeito, é absolutamente contraditório o facto de a Requerente, após se conformar com a factualidade indicada pela Requerida e, perante a mesma, considerar a sua pretensão satisfeita, vir a recorrer da decisão proferida quando toma conhecimento de que não seria legalmente admissível o meio processual de que lançou mão para evitar a sua condenação nas custas do processo.
R. Caso tivesse considerado que a indicação pela Requerida/Recorrida da entidade que detém a posse da informação (a V…, SGPS, S.A.) não satisfez totalmente a sua pretensão e que tal impedia a manutenção da pretensão nos termos em que foi formulada, podia e devia a Requerente/Recorrente ter-se munido, em tempo, dos mecanismos processuais adequados, ao invés do mecanismo da extinção da instância por inutilidade / impossibilidade superveniente da lide, que somente é aplicável para o caso de a inutilidade/impossibilidade advir de facto ocorrido na pendência da instância.
S. Por conseguinte, no limite e sem conceder - o que apenas se equaciona a benefício do raciocínio -, a única matéria suscetível de recurso pela Recorrente seria o segmento da sentença que determina a improcedência da extinção da instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide requerida, a final, pela Requerente/Recorrente em 1.ª instância.
Isto é, em rigor: a única matéria teoricamente suscetível de recurso neste caso é a matéria da condenação em custas ... Mas não foi desta matéria que a Recorrente recorreu, pelo que, mesmo sobre esta, tem o seu direito ao recurso precludido.
T. O conteúdo do requerimento apresentado pela Requerente/Recorrente em 09.06.2025 nestes autos em 1.ª instância (a fls. 53-55 do SITAF) é inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, pelo que o recurso interposto não pode ser admitido.
Sem prescindir,
U. A alegação da Recorrente pela nulidade da Sentença por falta da especificação dos fundamentos de facto, sob o pretexto de que a Requerida só poderia ter sido absolvida do pedido se ficasse provado que a mesma não era detentora da documentação administrativa em causa consubstancia numa claríssima inversão do ónus da prova (como se fosse a Requerida quem devia provar o detentor da informação cuja intimação foi peticionada), desde logo inadmissível e improcedente à luz do .° 1 do artigo 342.° do Código Civil, porquanto, em qualquer caso, o ónus da prova de que a Entidade Requerida se encontra(ria) na posse da informação por si pretendida recaía sobre si (Requerente) - cfr. bem sublinhou o Tribunal a quo na motivação de Direito (pág. 4, ponto 4) da Sentença recorrida.
V. Consequentemente, inexistindo qualquer presunção legal de detenção da informação no caso, ou qualquer outra causa de inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.° do CC, era à Requerente/Autora a quem cabia o ónus de demonstração da legitimidade passiva da "entidade intimada", sendo absolutamente manifesto que o artigo 105.°, n.° 2, alínea b), do CPTA estabelece um ónus sobre o interessado.
W. Caso assim não fosse, abrir-se-ia um precedente para que diversas pessoas coletivas de direito público, ministérios ou secretarias regionais fossem oneradas com a função de apuradores da localização de um número sem fim de documentação ou informação administrativa, bastando que para tal um particular assim intimasse, mesmo que a entidade detentora de tal informação fosse incerta ou totalmente independente/autónoma da "entidade intimada".
X. Acresce que a interpretação da Recorrente é, aliás, incompatível com o disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 15.° do regime de acesso à informação administrativa (Lei n.° 26/2016, de 22 de agosto), que determina, precisamente, que a entidade que receba um pedido de acesso a documento que não possua só terá de remeter o requerimento se souber qual a entidade que o detém.
Y. Sendo sempre certo, no caso concreto destes autos, se as propostas tivessem sido abertas os concorrentes teriam tido conhecimento disso no próprio procedimento - e não o tiveram até a revogação do mesmo, pelo que, na data da propositura da ação, a Requerente já sabia que as propostas se mantiveram fechadas na Plataforma V...,
Sendo absolutamente consabido que a Plataforma V... não é gerida nem tampouco detida pela SPMS.
Z. Mesmo que assim não fosse, sucedeu nos presentes autos que o Tribunal a quo instruiu a causa e determinou que a Entidade Requerida/Recorrida concretizasse a identificação da entidade que está na posse da informação cuja intimação para prestação foi solicitada, havendo a Entidade Requerida/Recorrida identificado precisamente aquela entidade (V…, SGPS, S.A.).
Com efeito, é absolutamente falso que não tenha ficado provado qual é a entidade detentora das propostas encriptadas.
AA. Por conseguinte, não só o Tribunal a quo apurou quem está na posse da informação como, para o que aqui muito releva, a própria Requerente/Recorrente conformou-se com tal facto, declarando, como consequência do apuramento, que considera a sua pretensão satisfeita - cfr. requerimento apresentado pela Requerente/Recorrente em 09.06.2025 nestes autos em 1.a instância (a fls. 53-55 do SITAF).
BB. Com efeito, dada a expressa satisfação da pretensão declarada pela própria Requerida (aqui Recorrida), nada mais havia a apurar ou fundamentar pelo Tribunal a quo para que se procedesse à absolvição do pedido,
CC.bem havendo o Tribunal a quo fundamentado que, para além de o ónus da prova recair sobre a Requerente, “a Requerente não põe em causa que a Entidade Requerida não está na posse da informação por si solicitada (pág.4, ponto 4, da Sentença recorrida), após ter ficado assente, a respeito do pedido de acesso (a documentação administrativa não procedimental) em causa nos autos, que a Requerida (aqui Recorrida) deu acesso à Requerente (Recorrente) à parte da informação requerida que era por si detida, i.e., aos anexos da Deliberação do Conselho de Administração da SPMS, EPE, de 18 de março de 2025, exarado na informação n.° 0213/DAG-UAP/2025, que aprovou a revogação da decisão de contratar (remetidos pela SPMS no mesmo dia do pedido de acesso).
DD.Assim, a factualidade possível a assentar foi e é só uma e foi aceite expressamente pela Recorrente, não havendo mais factualidade que possa relevar nesta simples causa: a informação cuja intimação é pretendida (as propostas apresentadas pelos concorrentes) não está na posse da Entidade Requerida/Recorrida e, mesmo que estivesse, não podia ter sido tornada pública, em privilégio do interesse comercial da Requerente/Recorrente e em prejuízo do interesse público.
EE. Com efeito, o Tribunal a quo realizou a discriminação dos factos provados, especificou a inexistência de factos com relevo para a decisão a proferir que se devessem considerar como não provados e examinou criticamente a documentação carreada aos autos, bem como as declarações/requerimentos das partes após a oposição e a resposta, na sequência do seu Despacho que determinou que a Entidade Requerida/Recorrida concretizasse a identificação da entidade que está na posse da informação cuja intimação para prestação foi solicitada, sendo de fazer notar, para o que muito releva no âmbito da tomada da decisão final, que o Tribunal a quo decidiu sob a declaração (final) da Requerente de que a sua pretensão encontrava-se satisfeita e consequente requerimento de extinção da instância.
FF. Na verdade, o cerne prevalente da decisão a tomar - e foi assim precisamente tomada - não era a análise exaustiva das alegações e documentos carreados até ao articulado da resposta, mas, ao invés, era em rigor o julgamento da (in)existência de impossibilidade ou de inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância (dado o requerimento final da Requerente/Recorrente em 1.a instância).
GG. Ou seja, o Tribunal a quo decidiu sob o pressuposto final de que foi pela Requerente alcançado o resultado que pretendia atingir com a propositura da intimação judicial, pelo que não pode a Requerente/Recorrente vir agora sindicar decisão cujo âmbito foi condicionado pela sua própria atuação.
HH. Com efeito, “Atento o princípio do dispositivo, o Requerente, com o seu pedido, conforma o objeto do processo com o que o conteúdo da sentença que conheça do mérito da sua pretensão. Para aferir da verificação da nulidade da sentença por violação dos limites da condenação importa comparar o que foi pedido pelo Requerente com a condenação realizada pelo tribunal na sentença (n.° 1 do artigo 609. ° e alínea e) do n.° 1 do artigo 65° do Código de Processo Civii)" - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09.11.2023, processo 297/22.5BELSB (disponível em www.dgsi.pt).
II. Por consequência, inexiste qualquer nulidade da Sentença por falta ou insuficiência grave dos fundamentos de facto que justificam a decisão adotada nos termos da alínea b), do n.° 1, do artigo 615.° do CPC, sendo absolutamente evidente que a Requerente/Recorrente com a sua declaração de satisfação da pretensão e requerimento de extinção da instância conformou o objeto do processo e o conteúdo da sentença a proferir.
JJ. A alegação da Recorrente pela nulidade da Sentença por suposta oposição ou contradição entre os fundamentos e a decisão é "sustentada" através de um raciocínio que apenas expõe o conteúdo decisório conveniente à sua tese, sob o pretexto da Recorrente de que a decisão/conclusão final tomada pelo Tribunal a quo de ilegimitidade substantiva da SPMS é contraditória com as decisões jurisprudenciais citadas pelo Tribunal a quo na Sentença.
KK. Sucede que, após o Tribunal a quo citar que “o pedido formulado ao abrigo do direito à informação deve-o ser à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente por ser a responsável peio procedimento administrativo, desenvolvendo-se este no seu seio, ou ser titular ou possuidora dessa informação, no sentido de dela dispor nos seus arquivos" (cf. a Recorrente indica nas suas alegações de recurso), acresceu que não se revelando que a entidade requerida seja a entidade administrativa que deles [documentos] dispõe, não se pode fazer recair sobre a mesma o dever de satisfazer o pedido formulado no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso (cfr. pág. 5 da Sentença recorrida, ponto 6).
LL. Com efeito, citou também o Tribunal a quo que nunca poderia o Tribunal fazer impender sobre a entidade requerida a obrigação de garantir ao requerente o acesso quando o autor/requerente não provou o o facto constitutivo do seu direito (cfr. pág. 5 da Sentença recorrida, ponto 6), sendo que, neste domínio, já havia o Tribunal a quo referido que o o ónus da prova de que a Entidade Requerida se encontra(ria) na posse da informação por si pretendida recaía sobre a Requerente (cfr. ponto 4, pág. 4, da Sentença recorrida).
MM. Por conseguinte, quanto ao julgamento da (in)existência de impossibilidade ou de inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância (requerido a final pela Requerente/Recorrente), o Tribunal a quo, munido de jurisprudência do STJ (Ac. do STJ de 22.6.2021, proferido no processo 17731/18.1T8PRT.P1S1), precisamente sublinhou que não se está perante qualquer causa de inutilidade superveniente da lide pois que "a impossibilidade ou inutilidade superveniente da ide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa".
NN. Com efeito, o raciocínio descrito pelo Tribunal a quo, máxime no ponto 6 da motivação de Direito da Sentença recorrida, é absolutamente coerente e com respaldo jurisprudencial, inexistindo qualquer contradição entre a jurisprudência citada e a conclusão final de ilegitimidade substantiva da SPMS extraída pelo Tribunal a quo,
OO. Ora, precisamente citado, o dever de prestar informação administrativa recai sobre a entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente. por ser a responsável peio procedimento administrativo ou ser titular ou possuidora dessa informação.
PP. Ou seja. por um lado, a entidade administrativa pode ser responsável por um procedimento e não ser titular ou possuidora de determinada informação (no caso dos autos, informação não procedimental - as propostas apresentadas pelos concorrentes), e neste caso não se pode fazer recair sobre a entidade o dever de satisfazer o pedido formulado no exercício do direito à informação, E, por outro lado, a entidade administrativa pode ser não ser responsável por um procedimento e ser titular ou possuidora de determinada informação (o que sucede precisamente in casu com a V…, SGPS, S.A.), pelo que, neste caso, é à entidade possuidora que poderia recair o dever de satisfazer o pedido do particular.
QQ. Com efeito, não provando o autor o facto constitutivo do seu direito à informação sobre determinada entidade administrativa e mais, como sucedeu também in casu, não pondo o autor em causa que a entidade requerida não está na posse da informação por si solicitada (aliás, a Requerente/Recorrente não só não pôs em causa como aceitou expressamente essa circunstância), nunca poderia o Tribunal fazer impender sobre a entidade requerida a obrigação de garantir o acesso à informação em causa,
RR. E também não podia o Tribunal a quo entender tal falta de prova pela Requerente, ora Recorrente, do facto constitutivo do direito à informação sobre a entidade requerida (aliada à conformação pela mesma de que a entidade requerida não dispunha, e nunca dispôs da informação solicitada, e declaração de satisfação da pretensão), como circunstância/facto superveniente à data de propositura da ação.
SS. Com efeito, perante o apuramento da falta ab initio do pressuposto do direito da então Requerente, a única conclusão possível da conjugação da jurisprudência citada era a da existência de uma ilegitimidade substantiva da SPMS (ao invés de uma situação de inultidade ou impossibilidade superveniente), com a forçosa absolvição do pedido.
TT. Ora, in casu, ab initio, a entidade requerida, ora Recorrida, não dispunha, e nunca dispôs, da informação solicitada, e nem a entidade requerida nem o objeto do processo desapareceram, nem a pretensão / acesso foi satisfeito extrajudicialmente na pendência da ação.
UU. Assim, a primeira jurisprudência citada pelo Tribunal a quo é completada pela demais jurisprudência citada em sequência, inexistindo qualquer contradição ou ambiguidade entre a jurisprudência citada e tampouco entre as decisões jurisprudenciais auxiliadoras do Tribunal a quo e a sua conclusão final.
VV. Por consequência, considerando que nulidade a que se reporta o artigo 615.°, n.° 1, c), do CPC só ocorre quando se verifica "contradição lógica" entre os fundamentos e a decisão (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.2024, processo 23239/21.0T8LSB.L1.S1), inexiste também qualquer nulidade da Sentença por ambiguidade ou contradição termos da alínea c), do n.° 1, do artigo 615.° do CPC.
WW. A alegação da Recorrente pelo erro de julgamento sobre a matéria de facto - pugnando que deveria constar como facto provado que a Entidade Requerida é a legal detentora da documentação solicitada peia Requerente - constitui absoluta contradição (e abuso de direito) com a sua expressa conformação com o facto de a entidade requerida não poder disponibilizar a respetiva documentação por a mesma estar na posse da V…, SGPS, S.A.
XX. Com efeito, em primeiro lugar é de referir que ao requerer que seja dada como provada a precisa factualidade oposta à que - através do seu requerimento de extinção da instância, - aceitou e conformou como assente em 1.ª instância, a Recorrente age em manifesto abuso de direito (venire contra factum proprium), sendo inadmissível, à luz da proibição contida no artigo 334.° do Código Civil, o pedido recursivo de que a referida matéria (oposta) seja dada como provada.
YY. Em segundo lugar, atento ao princípio do dispositivo, é sempre certo que o Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provada matéria oposta à que ficou assente por ambas as Partes (a Requerente e a Requerida) em 1.ª instância, pelo que essa ordem de razão é bastante para fazer improceder este segmento das alegações de recurso.
ZZ. Em terceiro lugar, é de sublinhar em tese que, mesmo que a Requerente não tivesse vindo considerar satisfeita a sua pretensão após a indicação, pela Requerida, da entidade detentora da documentação solicitada, a factualidade possível a assentar nos autos, após a instrução efetuada pelo Tribunal a quo, foi e é só uma, não havendo mais factualidade que possa relevar nesta simples causa: a informação cuja intimação é pretendida não está (nem nunca esteve) na posse da Entidade Requerida/Recorrida (e, mesmo que estivesse, não podia ter sido tornada pública, em privilégio do interesse comercial da Requerente/Recorrente e em prejuízo do interesse público).
AAA. Com efeito, como é consabido por todas as empresas que habitualmente concorrem em procedimentos administrativos adjudicatórios, a Plataforma V... não é gerida nem tampouco detida pela SPMS; sendo consabido também por todas as empresas que habitualmente concorrem em procedimentos administrativos adjudicatórios que quando as propostas são abertas aos concorrentes é dado conhecimento no próprio procedimento.
BBB. Por conseguinte, não tendo os concorrentes do procedimento em causa tido - até a revogação do mesmo - conhecimento da abertura das propostas, é evidente que a Requerente/Recorrente não podia desconhecer (já na data da propositura da ação) que as propostas se mantiveram fechadas na Plataforma V...; pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 15.° n.° 1 alínea d) da L.A.D.A. ora evocado pela Recorrente.
CCC. Mais, a mesma alegação de erro sobre o julgamento da matéria de facto sob evocação (em absoluta novidade relativamente ao declarado e requerido a final em 1.a instância) de que a resposta prestada pela Requerida não é admissível à luz do artigo 55.° do CPA (de epígrafe « Responsável pela direção do procedimento») é absolutamente desprovida de sentido jurídico e fáctico.
DDD. Veja-se que o artigo 55.° do CPA, de epígrafe «Responsável pela direção do procedimento», dispõe somente que a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão finai e que a mesma pode ser delegada, não se extraindo nenhuma disposição em matéria de detenção ou posse da informação ou documentação procedimental;
EEE. Neste domínio, a Recorrente não aduz qualquer nexo de causalidade entre a direção do procedimento e a necessária detenção ou extração de toda a documentação ou informação procedimental (mesmo a que não for aberta/utilizada; máxime, em caso de revogação/não adjudicação).
FFF. Para além do referido, é evidente a existência de outras entidades ou órgãos que participam na instrução do procedimento ou que, pelo menos, sejam intervenientes na respetiva tramitação (como sucede precisamente com a plataforma eletrónica V...).
GGG. Tanto assim é que, conforme o próprio Tribunal a quo doutamente distinguiu, com respaldo na jurisprudência pátria: o pedido formulado ao abrigo do direito à informação deve-o ser à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente por ser a responsável pelo procedimento administrativo, desenvolvendo-se este no seu seio, ou_ser titular ou possuidora dessa dispor nos seus arquivos (cfr. recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13-03-2025, proferido no âmbito do processo n° 2512/24.1BELSB, citado pelo Tribunal a quo no ponto 6, págs. 4-5 da Sentença recorrida).
HHH. Com efeito: por um lado, uma entidade pode não ser responsável por um procedimento administrativo e ser titular ou possuidora de determinada informação procedimental (o que sucede precisamente in casu com a V…, SGPS, S.A.) - sendo que, neste caso, é à entidade possuidora que deveria ser formulado o pedido do particular ao abrigo do direito à informação;
E, por outro lado, a entidade administrativa pode ser responsável por um procedimento (nos termos do artigo 55.° do CPA), porquanto o mesmo desenvolve-se no seu seio, e, em simultâneo, não ser titular ou possuidora de determinada informação - sendo que, neste caso, não se pode fazer recair sobre a responsável pelo procedimento o dever de prestar esse tipo de informação/documentação pedida ao abrigo do direito à informação.
III. Assim, como é evidente, as responsáveis pela direção do procedimento nem sempre são detentores/possuidoras de toda e qualquer informação procedimental e/ou não procedimental, e tampouco o são em casos como o dos autos em que tal informação não foi aberta / extraída / utilizada por força do desfecho da revogação do procedimento concursal.
JJJ. Consequentemente a invocação do artigo 55.° do CPA não permite a interpretação e efeitos pretendidos pela Recorrente nas suas alegações de recurso, sendo a resposta da SPMS admissível e a única compatível com a realidade fáctica e jurídica do procedimento concursal revogado em causa.
KKK. Mais, é também absolutamente desprovida de sentido jurídico e fáctico a mesma alegação de erro sobre o julgamento da matéria de facto sob evocação de que existe uma obrigação de conservação de toda e qualquer documentação relativa ao procedimento - mesmo no caso do procedimento destes autos: no qual está em causa documentação que nunca foi aberta / extraída / utilizada e analisada no âmbito de um procedimento revogado - à luz do "espírito" que enforma o artigo 107.° n.° 1 alínea d) do CCP, em nome de suposto "incremento da rastreabilidade e da transparência do processo de tomada de decisões no âmbito da contratação pública”.
LLL. Veja-se que sendo evidente que a letra da norma evocada restringe a obrigação de conservação da documentação relativa ao procedimento (incluindo o teor das candidaturas e das propostas apresentadas) precisamente aos procedimentos em que haja havido a celebração do contrato, i.e., exclui os procedimentos em que não tenha ocorrido adjudicação / ocorrida a revogação da decisão de contratar, é também evidente que nem o espírito da norma permite a interpretação evocada pela Recorrente - mais uma vez, sem qualquer respaldo doutrinal ou jurisprudencial.
MMM. A propósito, o n.° 1 do evocado artigo 107.° do CCP determina o seguinte: "A entidade adjudicante deve conservar, peio prazo de quatro anos a contar da data da celebração do contrato, procedimento de formação que permitam justificar todas as decisões tomadas e fornecer à Comissão Europeia as informações que esta solicitar sobre o mesmo, nomeadamente. (...)".
NNN. Com efeito, é absolutamente claro que, mesmo que se fizesse a interpretação da norma à luz do sentido pugnado pela Recorrente e se admitisse uma obrigação de conservação de documentação de procedimento no qual não tenha ocorrido a celebração do contrato, ou seja, tenha ocorrido decisão de não adjudicação e revogação da decisão de contratar, a mesma nunca incluiria a conservação do conteúdo das propostas apresentadas.
OOO. Assim é porquanto a ratio da conservação é a da justificação de todas as decisões tomadas no procedimento e de fornecimento à Comissão Europeia das informações que esta solicitar sobre o mesmo (cfr. n.° 1 do artigo 107.° CCP), sendo absolutamente evidente que - estando em causa documentação (propostas apresentadas pelos concorrentes, que ficaram encriptadas e fechadas antes e depois da decisão de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar) que nunca foi aberta / extraída / utilizada e analisada - a documentação em causa nos autos não teve qualquer contributo no âmbito da decisão tomada de não adjudicação e revogação da decisão de contratar,
PPP. Pelo que se trata de documentação inócua que não serve em caso algum para a justificação das decisões tomadas no procedimento revogado em causa nem tem relevância para ser incluída, porquanto permaneceu encriptada e fechada (em rigor, não integrou o procedimento administrativo), em eventual pedido de informação pela Comissão Europeia.
QQQ. Por conseguinte, mesmo na tese da Recorrente (cuja procedência não se admite e apenas se concebe a benefício do raciocínio), sempre respeitaria o princípio da transparência do processo de tomada de decisões no âmbito da contratação pública a conservação de toda a documentação do procedimento revogado que dissesse respeito à tomada da decisão de não adjudicação e revogação da decisão de contratar - que nunca incluiria as propostas nunca abertas nem extraídas, que não estão da posse da SPMS, permanecidas fechadas e encriptadas.
RRR. Por fim, não se compreende que a Recorrente equacione que o Tribunal a quo possa não ter tido certeza acerca da referida factualidade firmada pela Recorrida sobre a detentação/posse da documentação solicitada, nem tampouco a necessidade de indagar junto da V... a confirmação da mesma, quando, após ter o Tribunal a quo devidamente instruído a Entidade Requerida a indicar concretamente a entidade possuidora, a indicação firmada foi expressamente aceite pela Requerente.
SSS. Consequentemente - e contrariamente ao invocado no capítulo V, ponto b), das alegações de recurso -, por todas as razões fácticas e jurídicas acima expostas, e quer por força da conformação final da Requerente/Recorrente do objeto do processo com a aceitação da factualidade prestada e a sua declaração da satisfação da sua pretensão na ação (e consequente requerimento de extinção da instância por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide), atento ao princípio do dispositivo, quer por força da aplicação dos normativos em causa e à luz da jurisprudência citada, o caso concreto só poderia conduzir o Tribunal a quo à decisão proferida: a da verificação de ilegitimidade substantiva e a consequente não condenação da Requerida/Recorrida à obtenção da documentação em causa, sendo de sublinhar que se trata de informação/documentação que não foi aberta / extraída / utilizada / analisada por força do desfecho da revogação do procedimento concursal, e que permaneceu e permanece encriptada e fechada (em rigor, não integrou o procedimento administrativo);
TTT. Não havendo lugar à aplicação do instituto da inutilidade e/ou da impossibilidade superveniente da lide, que somente é aplicável para o caso de a inutilidade/impossibilidade advir de facto ocorrido na pendência da instância.
UUU. A este respeito, reitere-se que é consabido por todas as empresas que habitualmente concorrem em procedimentos administrativos adjudicatórios, a Plataforma V... não é gerida nem tampouco detida pela SPMS, sendo consabido também por todas as empresas que habitualmente concorrem em procedimentos administrativos adjudicatórios que quando as propostas são abertas aos concorrentes é dado conhecimento no próprio procedimento.
VVV. Por conseguinte, não tendo os concorrentes do procedimento em causa tido - até a revogação do mesmo - conhecimento da abertura das propostas, é evidente que a Requerente/Recorrente não podia desconhecer (já na data da propositura da ação) que as propostas se mantiveram fechadas na Plataforma V...; pelo que não tem aplicação o disposto no artigo 15.° n.° 1 alínea d) da L.A.D.A. e não pode agora a Recorrente alegar o desconhecimento de tal facto.
WWW. A este respeito, conforme se extrai Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (de 20.03.2015, processo 01578/14.7BEPRT, disponível em www.dgsi.pt), reitere-se que "é consabido que este tipo de plataformas eletrónicas, de que é exemplo a da V..., não permitem que o conteúdo das propostas dos concorrentes, bem como a sua denominação social sejam visualizadas, quer pelo júri do concurso, quer por qualquer um dos concorrentes, antes do Presidente do Júri abrir e disponibilizar todas as propostas entradas na plataforma.".
Assim, não se verifica in casu nenhum facto ocorrido na pendência da instância que possa fundamentar a extinção da instância com causa na inutilidade ou na impossibilidade superveniente da lide.
XXX. Neste conspecto, com total respaldo na jurisprudência pátria, o Tribunal a quo precisamente bem concluiu:
"A circunstância de a Recorrente não dispor ou ser titular da integralidade dos documentos relativamente aos quais é exercido o direito à informação, não significa que, na pendência da ação, a pretensão do Recorrido tenha sido satisfeita (inutilidade) ou que tenha deixado de ser possível dar satisfação à pretensão que quer fazer valer no processo (impossibilidade). Traduz-se tão só na falta ab initio de verificação de um pressuposto do direito que o Recorrido reclama nos autos, ou seja, na inexistência perante aquela entidade do direito que reclama (ilegitimidade substantiva), uma questão que determina, nessa parte, a improcedência do pedido que este formula».” (cfr. pág. 5 da Sentença recorrida, ponto 6; negrito e sublinhado nossos).
YYY. Ora, uma coisa é “a legitimidade substancial ou substantiva que, verificada aquela [a processual], se prende com o mérito do pedido, com a efectividade da relação material controvertida, com a concreta pretensão deduzida e a causa de pedir que a fundamenta, com o direito que o autor pretende fazer valer, sendo, por isso, requisito da procedência ou, caso não se verifique, de absolvição, do pedido”, (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.11.2022, processo 15/15.4BELSB, disponível em www.dgsi.pt);
ZZZ. Assim, “A legitimidade substancial ou substantiva respeita à efetividade da relação material. Prende-se com o concreto pedido e a causa de pedir que o fundamenta e, por isso, com o mérito da causa, sendo requisito da procedência do pedido. A verificação da ilegitimidade substantiva leva à absolvição do pedido”;
“Apesar de a Autora ser dotada de legitimidade ativa, pressuposto processual já considerado, pacificamente, verificado, em termos tabelares, no despacho saneador, bem decidida se mostra a questão diversa, da falta de legitimidade substantiva, dada a manifesta falta do direito que pretende fazer valer e a manifesta inviabilidade das pretensões” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.10.2021, processo 1910/20.4T8PNF.P1, disponível em www.dgsi.pt).
AAAA. Coisa distinta "é causa da extinção a ocorrência de facto na pendência da instância que implique a não subsistência da pretensão do autor por referência ao sujeito (ex.: por morte ou extinção), ao objecto (ex: deixou de existir a causa de pedir e/ou o pedido) ou porque foi, entretanto, satisfeita extrajudicialmente, retirando àquele interesse em agir, com o sentido de que deixou de ter necessidade de tuteia judicial ou de prosseguir com aquele concreto processo/acção. A saber, quando devido a factos novos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, não é possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado foi atingido por outro meio" [v. sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.7.2017, proc. 4911/11.0TBVFR.P1 in www.dgsi.pt1.
BBBB. Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil; exige-se, para que se verifique a causa de extinção da instância considerada, que o facto seja superveniente. Assim, só o facto ocorrido posteriormente ao recebimento da petição inicial se deve considerar superveniente - o que, in casu, claramente não é, uma vez que na data da propositura da ação a prestação da informação pretendida já era de cumprimento jurídica (para salvaguarda da independência das propostas e dos princípios da igualdade e da concorrência) e fisicamente (por estar fechada e encriptada na plataforma eletrónica V... e na posse da V..., SGPS, S.A.) impossível, bem como tal facto podia e devia ser conhecido pela Recorrente.
CCCC. Com efeito, não havendo a Requerente/Recorrente provado o facto constitutivo do seu direito à informação sobre determinada entidade administrativa e mais, como sucedeu também in casu, não havendo a Requerente/Recorrente posto em causa que a entidade requerida não está na posse da informação por si solicitada (aliás, a Requerente/Recorrente não só não pôs em causa como aceitou expressamente essa circunstância), nunca poderia o Tribunal fazer impender sobre a entidade requerida a obrigação de garantir o acesso à informação em causa.
DDDD. Ora, in casu, ab initio, a entidade requerida não dispunha, e nunca dispôs, da informação solicitada (o que desde logo afasta o argumento da Recorrente de uma suposta futura causa legítima de inexecução), e nem a entidade requerida nem o objeto do processo desapareceram, nem a pretensão / acesso foi satisfeito extrajudicalmente na pendência da ação.
EEEE. Por todas as ordens de razão expostas, não podia o Tribunal a quo entender tal falta de prova pela Requerente do facto constitutivo do direito à informação sobre a entidade requerida (aliada à conformação pela mesma de que a entidade requerida não dispunha, e nunca dispôs da informação solicitada, e declaração de satisfação da pretensão) como circunstância/facto superveniente à data de propositura da ação.
FFFF. Neste domínio, sempre será certo que "deve ser tido em conta que os interessados não podem pedir à Administração mais do que aquilo que a mesma dispõe nos seus arquivos (Ac. deste TCA Sul de 30.1.2025, proc. 12744/24.7BELSB).
GGGG. De resto, a informação cuja intimação foi pretendida, para além de nunca ter estado na posse da Entidade Requerida/Recorrida, nunca foi extraída (da plataforma V...) e integrada no procedimento por força do desfecho de revogação do mesmo e para a salvaguarda do interesse público, através da independência das propostas e dos princípios da igualdade e da concorrência no âmbito dos procedimentos que seriam lançados em substituição do revogado, não podendo prevalecer o interesse comercial dos concorrentes no procedimento revogado.
HHHH. Com efeito, nem a ação de Intimação nem o presente recurso podem ser usados para condenar a SPMS a facultar o acesso a documentos que nunca teve a intenção de tornar públicos pelas razões já enunciadas e que, em qualquer caso, não estão em seu poder.
NESTES TERMOS,
O recurso interposto pela Recorrente não deve ser admitido, por equivalência do requerimento de extinção da instância da Recorrente em 1.ª instância à perda do direito de recorrer/ilegitimidade.
Em todo e em qualquer caso, por todas as ordens de razão expostas, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a Sentença recorrida nos precisos termos julgados.”

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, mas com envio do projeto de Acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso [cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA], a este Tribunal cumpre apreciar se a sentença recorrida padece de nulidade, erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito.
Como questão prévia, haverá que apreciar se o recurso é admissível.


3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

“1. Em 18 de março de 2025, a Requerente expôs e peticionou à Entidade Requerida o seguinte:
«Exmos Senhores,
Nos termos do artigo 82º do CPA e enquanto interessados/concorrentes no procedimento, vimos por este meio solicitar o acesso aos anexos à revogação da decisão de contratar assim como as propostas apresentadas no presente procedimento » - cf. doc. 1, junto com a petição de intimação;
2. No mesmo dia a Entidade Requerida respondeu à Requerente nos seguintes termos:
«Exmos Senhores
Decorrente dos constrangimentos informáticos verificados na plataforma eletrónica V..., remetemos a Deliberação do Conselho de Administração da SPMS, EPE, de 18 de março de 2025, exarado na informação n.º 0213/DAG-UAP/2025, que aprova a revogação da decisão de contratar nos termos do artigo 80.º, por força das alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 79º, ambos do Código dos Contratos Públicos, contendo os anexos nela constantes» - cf. doc. 2, junto com a petição de intimação.”


3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,

“Inexistem factos com relevo para a decisão a proferir que se devam considerar como não provados.”


3.3. E em sede de motivação de facto consta da sentença,

“A expendida supra.”

4. Fundamentação de direito

4.1. Da admissibilidade do recurso (falta de interesse no recurso / exercício abusivo do direito ao recurso)

Sustenta a Recorrida que, tendo a Recorrente declarado em requerimento que precedeu a prolação da sentença que, em face da identificação pela Recorrida da entidade que se encontra na posse da informação cuja intimação para a prestação foi solicitada, considerava a sua pretensão satisfeita e que tal consubstanciaria uma situação de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, daí resulta que não dispõe (também) de interesse em agir no recurso e que tal declaração constituiu a prática de um ato incompatível com a vontade de recorrer, determinante da perda do direito e legitimidade para recorrer, seja por abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (cf. artigo 334.º do CC), seja por renúncia ou aceitação (artigo 632.º, n.º 2 do CPC). Entende que daí resulta que os dois primeiros pedidos formulados no recurso – de declaração de nulidade e revogação da sentença, com a intimação da SPMS à prestação da informação - são inadmissíveis.
Aduz que, no limite, a única matéria suscetível de recurso seria o segmento da sentença que determina a improcedência da extinção da instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide requerida, mas que, não tendo recorrido desta, a Recorrente tem o seu direito de recurso precludido.
Como emerge do disposto no artigo 141.º, n.º 1 do CPTA, pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido, normativo que segue o disposto no artigo 631.º, n.º 1 do CPC que atribuiu legitimidade para recorrer a quem, sendo parte principal na causa, nela tenha ficado vencido.
Como dá nota António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, pp. 99 e ss.) “[m]ais do que analisar o comportamento da parte que precede a decisão (critério formal), importa verificar em que medida esta lhe é ou não objetivamente desfavorável (critério material). (…)
O vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que foi objeto de decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses. (…) Nessa medida, o que sobreleva é o resultado (…). (…) a aferição da legitimidade para recorrer não é feita sob a perspetiva das razões que presidiram à decisão, antes através do resultado positivo ou negativo que a mesma provoca na esfera jurídica das partes.
(….) Na aferição da legitimidade para a interposição de recurso também não deve ser valorizada a conduta que a parte tenha adotado no processo.”
Por sua vez, Rui Pinto (in Manual do Recurso Civil, AAFDL, Lisboa 2020, pp. 222 e ss.), advoga que o critério primário para aferir a legitimidade das partes corresponde ao critério formal de vencimento da conformidade da decisão com o pedido, ou seja, “pela consideração da pretensão que a parte deduzira e a sua comparação com o conteúdo da decisão recorrida”.
Acrescente-se, como evidencia António Santos Abrantes Geraldes, que “[n]ão deve confundir-se o pressuposto da legitimidade com o do interesse em agir. A legitimidade afere-se através do prejuízo que a decisão determina na esfera jurídica do recorrente. Já o interesse em agir (que aflora, designadamente, nos arts. 644.º, n.º 4, 660.º e 671.º, n.º 4) está ligado à utilidade prática que emana da utilização dos meios jurisdicionais e, concretamente, em sede de recursos aos efeitos potenciados pela decisão que vier a ser proferida.” (idem, ob. cit., p. 99).
Importa, ainda, considerar que nos termos do artigo do artigo 632.º do CPC que “lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes” (n.º 1) e que “não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida” (n.º 2). A este propósito “[i]mportante é verificar que a renúncia antecipada, ou seja, a declarada antes de a decisão ser publicada, só produz efeitos se provier de ambas as partes; e que a renúncia tácita tanto pode resultar da aceitação expressa da decisão, como da prática de atos que inequivocamente a demonstram” (idem, ibidem, p. 109).
Feito este enquadramento importa considerar que a Recorrente formulou na petição inicial um pedido de intimação da Requerida a fornecer-lhe a informação/documentação por si solicitada em requerimento perante aquela apresentado em 18.3.2025, concretamente as propostas apresentadas no âmbito do procedimento visando a “Aquisição de Equipamento Informático – Postos de Trabalho do SNS do Pilar I – Reforma e Modernização da Rede de Dados da Saúde – Portáteis (PRR) (20240490)”.
E a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi de julgar improcedente o processo de intimação, absolvendo a Entidade Requerida do pedido.
Ou seja, mostra-se inegável que a pretensão da Recorrente foi rejeitada pelo Tribunal a quo, no caso porque o seu pedido foi julgado totalmente improcedente, obtendo, pois, decisão desfavorável à sua esfera jurídica. Em termos tais que, seja adotando o critério formal, seja o critério material, a decisão é objetivamente desfavorável à Recorrente, considerando-se que esta, em face do disposto no artigo 141.º, n.º 1 do CPTA e 631.º, n.º 1 do CPC, não logrou vencimento na causa.
É certo que, como resulta dos autos, em requerimento que antecedeu a prolação da sentença, a Recorrente declarou – em face da identificação pela Recorrida da plataforma V... como a entidade possuidora dos documentos solicitados – “que, analisada a informação administrativa disponibilizada pela Requerida, considera a sua pretensão satisfeita” e que entende “estar-se perante uma situação que permite a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que na pendência da presente intimação, a Requerida prestou a informação administrativa devida, tendo justificado o porquê de não poder disponibilizar a respetiva documentação, mais concretamente as propostas que, em qualquer outra situação, a Requerente teria o direito de conhecer”.
Contudo, como se deu nota supra, à legitimidade recursiva não releva a conduta adotada pela parte no processo, antes sobrelevando o resultado e, consequentemente, esse resultado é, em face da pretensão formulada e da posição por si assumida face à questão a decidir, inegavelmente desfavorável à Recorrente.
Acrescente-se que ainda que se considerasse a posição da Recorrente resultante de tal requerimento, nem daí resultaria a perda de legitimidade recursiva desta, pois que, em qualquer dos casos, a sua pretensão – de obter a informação ou de considerar que a mesma lhe foi prestada na pendência da lide por conduta da Requerente - não foi atendida. Com efeito, é que a decisão recorrida não foi no sentido de considerar nem que a pretensão da Requerente tinha sido satisfeita – como esta advogava no referido requerimento -, nem que, tendo-o sido, tal tenha ocorrido na pendência da ação fruto de uma conduta da Requerida na prestação da informação. Na realidade foi negado provimento à pretensão da Recorrente por se entender que “a Entidade Requerida não está na posse da informação por si solicitada” e que, como tal, não recaía sobre a mesma a obrigação de a prestar. Ou seja, a Recorrente decaiu.
E detém, consequentemente, interesse em agir, advindo-lhe do presente recurso utilidade quanto a todos os pedidos formulados. Recorda-se que “quanto à verificação do interesse em agir: tem de considerar-se que a sua verificação ocorre sempre que o demandante tenha necessidade de intervenção judicial para reconhecimento da sua pretensão, tal como a configura no exercício da sua liberdade de conformação da acção, e que a intervenção judicial que pede seja apta a proporcionar-lhe tal utilidade” (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.9.2019, proferido no processo 1712/17.5T8BRR-B.L1-6, disponível em https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/83ef55ab2dbd8ecd80258488004929b).
Ora, a intervenção deste tribunal ad quem é apta a garantir à Recorrente a procedência da sua pretensão, seja intimando a Requerida a prestar-lhe a informação que por si foi requerida, seja entendendo-se que esta lhe foi prestada na pendência da lide por facto imputável à Requerida.
Acrescente-se que a conduta da Recorrente não pode, sequer, ser configurada como uma renúncia ao recurso (artigo 632.º, n.º 1 do CPC), nem tão pouco como aceitação tácita da decisão (artigo 632.º, n.º 2 do CPC).
Com efeito, é que a circunstância de a Recorrente ter declarado considerar que a sua pretensão se encontraria satisfeita com a informação que, na pendência dos autos, lhe foi prestada pela Requerida não configura um comportamento inequivocamente revelador – porque não permite qualquer outra interpretação - de que pretendia prescindir do direito a recorrer, perante uma decisão que não entendeu no sentido por si pugnado, antes considerando que não lhe assistia o direito à informação requerida. Acresce que, por um lado, a renúncia antecipada só produziria efeitos se proviesse de ambas as partes – o que, in casu, não sucedeu – e, por outro, apenas há lugar à aceitação da decisão depois de esta ter sido proferida, pelo que uma conduta anterior à decisão nunca poderia valer para o efeito da aceitação.
Mas detendo a Recorrente legitimidade (e interesse) recursiva o que se questiona é se exerceu abusivamente esse direito.
O abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (art. 334º do CC).
Como modalidade do abuso do direito, a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, abuso que ocorre quando o exercício do agente contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo mesmo. Isto é, “equivale a dar o dito por não dito e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé.
Dito de outra forma: o venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado.” (Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 91.2017, proferido no processo 102/11.8TBALD.C2, dispon. https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/a60263e6f5ffa1fc802580b80041ec87?OpenDocument).
Acrescente-se que “são pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.” (Ac. do STJ de 12.11.2013, proferido no processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, dispon. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/20092f953c21dc0380257c22003a505a?OpenDocument).
Ora, além de não se reconhecer no requerimento apresentado em 9.6.2025 uma conduta da Recorrente que traduzisse uma intenção de não recorrer de uma decisão que julgasse improcedente a sua pretensão de obter a informação por si solicitada, afastando, por um lado, que lhe assistisse o direito a obtê-la daquela entidade e, por outro, que essa informação tenha sido satisfeita e que daí adviria a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide imputável à contraparte, o certo é que não se vislumbra, nem a Recorrida o sustenta, onde resida o investimento de confiança que depositou numa alegada conduta da Recorrente que a terá levado a considerar que não recorrida da decisão de improcedência proferida.
Reitera-se, o que a Recorrente indicou no requerimento foi que considerava que a sua pretensão se encontraria satisfeita com a informação que, na pendência dos autos, lhe foi prestada e que tal traduziria a inutilidade superveniente da lide por facto imputável à Recorrida, mas daí não resulta, nem se pode extrair que, vindo a ser proferida uma decisão que, em suma, foi integralmente desconforme à sua pretensão – considerando que, não só a informação requerida não foi prestada, como não tinha que o ser pela Requerida -, a Recorrente dela não viria a interpor recurso.
E daí que não se pode aceitar que ao recorrer, a Recorrente esteja a exercer abusivamente o seu direito a recorrer.
É, assim, admissível o recurso.

4.2. Das nulidades da sentença

A Recorrente defende que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto [artigo 615.º, n.º 1 al. b) do CPC] por dela não ter feito constar quem era o detentor da informação requerida, não podendo decidir pela absolvição do pedido a partir de um facto que não existe. Pugna ainda pela nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão e respetiva ambiguidade [artigo 615.º, n.º 1 al. c) do CPC] aduzindo que o Tribunal se ancora em jurisprudência de que resulta que “o pedido formulado ao abrigo do direito à informação deve-o ser à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente por ser a responsável pelo procedimento administrativo”, mas, contraditoriamente, acaba por concluir que a responsável pelo procedimento administrativo concursal é parte substantivamente ilegítima.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão [al. b)] e quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a sentença ininteligível” [al. c)].
O art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, sanciona o incumprimento do disposto no artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, que dispõe em termos similares ao artigo 607.º, n.º 2 e 3 do CPC, e aplicáveis à decisão a proferir no âmbito da intimação para a prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidão.
Refira-se que de tais normativos emerge que na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do objeto do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, expondo os fundamentos de facto e de direito, ou seja, “discriminando os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
Como se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, proferido no processo 42/14.9TBMDB.G1, consultável em www.dgsi.pt, “não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.
Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.”
Refira-se que a respeito da nulidade tipificada no art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.
Por sua vez, a contradição a que se reporta a al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC respeita à oposição entre os fundamentos e a decisão, ou seja, «à contradição intrínseca da decisão judicial, pela circunstância de “os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem logicamente a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente daquela que consta da decisão”» (Ac. do STJ de 12.01.2021, proferido no proc. 4258/18.0T8SNT.L1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e732755b1899627f8025865b004e5c8c?OpenDocument).
Assim, “é pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, , Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1)” (Ac. do STJ de 14.4.2021, proferido no processo 3167/17.5T8LSB.L1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f78a35774ba29550802586b7003a68e2?OpenDocument).
Acrescentando-se que a nulidade da sentença, fundada em ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, “implica que, seja na decisão, seja na fundamentação, se chegue a resultado que possa traduzir dois ou mais sentidos distintos e porventura opostos, que permita hesitar sobre a interpretação adoptada, ou não possa ser apreensível o raciocínio do julgador, quanto à interpretação e aplicação de determinado regime jurídico, considerados os factos adquiridos processualmente e visto o decisório in totum.” (Ac. do STJ de 12.01.2021, proferido no proc. 4258/18.0T8SNT.L1.S1).
Assim, “[p]ara efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. e), 2.ª parte do CPC, ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente e, obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido” (Ac. do STJ de 7.5.2024, proferido no processo 311/18.9T8PVZ.P1.S1
Entendendo-se que “[é] obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende. E é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Mas não é qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade da sentença pela alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo, mas apenas aquela que faça com que a decisão seja ininteligível.” (Ac. do TCA Norte de 12.4.2019, proferido no processo 00510/09.4BEBRG).
Feito este enquadramento evidencia-se que a sentença não padece das nulidades que lhe são apontadas.
Com efeito, é que para fundar, em termos factuais, a sua decisão o Tribunal a quo fez consignar no probatório (ponto IV.1.) dois factos que, reputando relevantes à decisão, deu como provados com base na prova documental que elencou, concretamente respeitantes à apresentação do requerimento pela A. e à resposta da Entidade Requerida.
É certo que, em sede de fundamentação de direito, fez constar que “a Entidade Requerida não está na posse da informação (…) solicitada”, para daí concluir no sentido da improcedência da pretensão da Requerida, sem que tenha feito constar do probatório a factualidade que lhe permitia ajuizar em tal sentido. Isto é, o probatório revelar-se-á insuficiente para a decisão tomada pelo Tribunal a quo.
Contudo, tal circunstância não consubstancia a absoluta (ou grave) falta de fundamentação de facto.
Com efeito, é que a eventual insuficiência do probatório para a decisão da causa, designadamente no que respeita a saber se a Entidade Requerida dispõe da informação que lhe é solicitada (e a cuja consulta foi intimada), não se confunde com a absoluta falta de fundamentação de facto, antes traduzindo o seu erro.
A circunstância de a decisão (o sentido decisório) não encontrar acolhimento na matéria de facto, no sentido de a factualidade provada não permitir suportar a concreta decisão tomada, representa o erro no julgamento de direito. Por sua vez, a insuficiência da factualidade provada para a decisão traduz o erro de julgamento de facto.
E o que aqui está em causa é, efetivamente, o entendimento da Recorrente de que a fundamentação de facto aportada pelo Tribunal a quo à decisão, não lhe permitia decidir no sentido em que o fez. Estamos, pois, no âmbito do erro de julgamento de direito, e não da falta de fundamentação de facto enquanto circunstância determinante da nulidade da sentença.
De igual modo não se deteta contradição ou ambiguidade na decisão.
Efetivamente, é que o Tribunal considerando que a Entidade Requerida não está na posse da informação pretendida pela Recorrente, daí extraiu, citando para tal jurisprudência deste Tribunal, que não se pode fazer impender sobre a Recorrida a obrigação de a prestar/fornecer, estando aí em causa a inexistência do direito reclamado pela Requerente da informação perante aquela entidade. E daí concluiu, assim o decidindo, pela improcedência da intimação e, consequente, absolvição da Requerida do pedido
Se em tal julgamento errou, porque, na realidade, interpretando errónea ou deficiente a citada jurisprudência, conclui em sentido não suportado pela mesma, a questão situa-se no erro de julgamento, mas daí não se evidencia qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, nem estas são ambíguas em termos que determinem a ininteligibilidade da sentença.
Não padece, pois, a sentença das nulidades que lhe são apontadas.

4.3. Do erro de julgamento de facto

A Recorrente aponta, ainda, à sentença erro de julgamento aduzindo que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “A Entidade Requerida é a legal detentora da documentação solicitada pela Requerente”.
Para tanto sustenta que a informação prestada pela Requerida não é admissível porquanto, em face do artigo 55.º do CPA, é a Requerida, enquanto promotora do concurso público e entidade competente para a decisão, a responsável pelo procedimento, cabendo-lhe ao abrigo do artigo 107.º n.º 1 al. d) do CCP conservar os documentos relativos ao procedimento, e não a plataforma V..., que corresponde apenas à plataforma eletrónica de suporte à contratação.
Refere que, em qualquer caso, existindo dúvidas, cabia ao Tribunal averiguar, ao abrigo do dever de gestão processual, junto da V... pela confirmação da informação trazida aos autos pela Requerida.
Em primeiro lugar importa dar conta que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, o qual, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, lhe impõe o ónus de especificar: 
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; 
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Em segundo lugar, dá-se nota que a omissão de diligências de prova por ser suscetível de afetar o julgamento da matéria de facto, acarreta a anulação da sentença por défice instrutório (entre outros os Acs. deste TCA Sul de 7.1.2021, proferido no processo 235/20.0BEBJA, de 6.1.2023, proferido no processo 80/16.7BELRA, de 4.4.2024, proferido no processo 548/18.7BESNT).
Em terceiro lugar, cabe referir que o que está em causa na fundamentação de facto é, sem prejuízo do pleonasmo, a seleção da matéria de facto, entendendo-se como facto “tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” , sendo que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais” (Henrique Araújo, A matéria de facto no processo civil, disponível em https://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf, consult. Março 2024).
Ora, “[d]evem distinguir-se os factos dos juízos de facto, ou seja, juízos de valor sobre a matéria de facto. Os factos (matéria de facto) abrangem principalmente as ocorrências concretas da vida real. Os juízos de facto situam-se na meia encosta entre os puros factos (que ocorrem na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas)” (Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 4.ª edição, Almedina, p. 229).
Ademais, a matéria de facto “deve incidir apenas sobre matéria de facto e não conter questões de direito, [d]eve cingir-se às ocorrências da vida real e evitar conceitos jurídicos” (Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. cit., p. 219).
Pelo que, “[a]s afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.” (Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1).
Neste sentido, reiterando o Acórdão deste Tribunal de 22 de maio de 2019, proferido no processo 1134/10.9BELRA, “[a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento”.
Isto posto, impõe-se dar nota que dando a Recorrente cumprimento aos ónus a que se reportam as alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, já não o faz quanto à identificação dos meios probatórios que permitiriam suportar a demonstração da “factualidade” que advoga dever ter sido feita constar do probatório [al. b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC], limitando-se a indicar que a mesma resultaria dos normativos legais que identificou ou que caberia ao Tribunal, por força do dever de instrução, proceder às diligências necessárias que permitiriam demonstrar afinal quem é a entidade que dispõe dos documentos solicitados.
Ora, é certo que em face do princípio do inquisitório (artigo 411º do CPC) o juiz tem o dever de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade, contudo “o princípio do inquisitório não concede ao juiz o poder de se substituir às partes, colmatando os seus lapsos ou esquecimentos no que respeita ao ónus de arrolar ou de aditar determinada testemunha ao rol apresentado” (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 30.1.2019 no processo 639/18.8T8FNC-A.L1-4).
É que, como escreve José Lebre de Freitas (“Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código”, 4ª Edição, págs.184 e 185) sobre o princípio da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, “[ó]nus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios. (…).
As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato.”.
Daí que se a Recorrente pretendia dar como provado algum facto, designadamente respeitante à titularidade ou posse dos documentos pretendidos deveria, além de o alegar, requerer a prova sobre o mesmo, o que não fez.
Acrescente-se, por outro lado, que se compreende que a Recorrente não indique os meios probatórios que permitiriam dar como provada a matéria que aduz, porquanto o que pretende que seja dado como provado não são factos, mas sim juízos conclusivos de direito. Isto é, saber se “a Entidade Requerida é a legal detentora da documentação solicitada pela Requerente” é uma conclusão que se extrai de factos que respeitam à intervenção da Requerida no procedimento administrativo pré-contratual a que concernem os documentos solicitados e aos termos da tramitação eletrónica daquele, analisados à luz das normas jurídicas que regulam esse mesmo procedimento e a posição da Requerida (e da entidade que gere a plataforma eletrónica de contratação pública utilizada) no mesmo.
Daí que, naturalmente, não se poderia fazer constar do probatório tal juízo conclusivo.

Sem prejuízo, constatando-se a insuficiência do probatório para, face à causa de pedir alegada pela Recorrente, se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:

3. Por deliberação do Conselho de Administração da SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE foi aberto o procedimento concursal visando a adjudicação da “Aquisição de equipamento informático - Postos de Trabalho do SNS do Pilar I - Reforma e Modernização da Rede de Dados da Saúde - Portáteis (PRR) (20240490)”. – cf. Anúncio de procedimento n.º 24300/2024, publicitado no Diário da República n.º 220 - II Série, de 13 de novembro de 2024, anúncio de alteração do procedimento n.º 26913/2024, publicitado no Diário da República n.º 240 - II Série, de 11 de dezembro de 2024, anúncio de alteração do procedimento n.º 648/2025, publicitado no Diário da República n.º 12/2025, Série II de 2025-01-17;
4. O referido procedimento concursal foi tramitado e desenvolvido na plataforma eletrónica V.... – cf. Anúncio de procedimento n.º 24300/2024, publicitado no Diário da República n.º 220 - II Série, de 13 de novembro de 2024, anúncio de alteração do procedimento n.º 26913/2024, publicitado no Diário da República n.º 240 - II Série, de 11 de dezembro de 2024, anúncio de alteração do procedimento n.º 648/2025, publicitado no Diário da República n.º 12/2025, Série II de 2025-01-17.

4.4. Do erro de julgamento de direito

A Recorrente imputa à sentença erro de julgamento, sustentando que o Tribunal só poderia ou (i) condenar a Requerida a prestar a documentação ou (ii) julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, por, apesar da Requerida ser a detentora legal da documentação solicitada, no caso em concreto, dela não dispor.
Aduz que, cabendo à SPMS a direção do procedimento concursal enquanto órgão competente para a decisão (artigo 55.º do CPA) esta deveria ter na sua posse a informação que lhe foi requerida, sendo a V... apenas o organismo privado que oferece suporte eletrónico à tramitação do procedimento, pelo que a sentença erra ao julgar improcedente a ação com fundamento “na falta ab initio de verificação de um pressuposto de direito, ou seja, a inexistência do direito reclamado”. Considera que não poderia ser prejudicada por apresentar o pedido de informação à Requerida e não à V…, porquanto a frustração do seu direito resulta apenas da falta de diligência da Requerida em arquivar a documentação, deixando-a a cargo de terceiros, não podendo “adivinhar” que a SPMS não dispusesse da informação.
A sentença recorrida concluiu pela improcedência da intimação e, consequente, absolvição da Requerida do pedido, por considerar que a Entidade Requerida não estando na posse da informação pretendida pela Recorrente, não se poderia fazer impender sobre aquela a obrigação de a prestar/fornecer, o que determinaria a inexistência do direito reclamado pela Requerente da informação perante aquela entidade.
Este julgamento não se pode manter, revelando uma deficiente interpretação da jurisprudência deste Tribunal convocada à mesma e, bem assim, desconsiderando o quadro legal aplicável.
Refira-se que não vem discutido estarmos perante o exercício do direito à informação não procedimental (direito de acesso aos arquivos e registos administrativos), porque os documentos solicitados se reportam a um procedimento administrativo, in casu de natureza pré-contratual, já findo [face à revogação da decisão de contratar, cf. pontos 12.º do r.i. e 9.º da resposta]. O que significa, portanto, que se encontra regulado na Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, a Lei de Acesso
aos Documentos Administrativos (LADA), em cujo artigo 5.º se estabelece que todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo, constando do artigo 6.º as restrições ao direito de acesso.
A questão que se discute nos autos reporta-se à problemática da titularidade (ou posse) da informação, a respeito da qual, retomando o Acórdão deste TCA Sul 13.3.2025, proferido no processo 2512/24.1BELSB (disponível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/2512-2025-930433875), também proferido pelos ora relatora e 2.º adjunto, se deu conta que “o pedido formulado ao abrigo do direito à informação deve-o ser à entidade administrativa sobre a qual, legalmente, recai o dever de a prestar, designadamente por ser a responsável pelo procedimento administrativo, desenvolvendo-se este no seu seio, ou ser titular ou possuidora dessa informação, no sentido de dela dispor nos seus arquivos.”.
Ora, como emerge de forma clara do Acórdão citado, desde logo pela utilização do advérbio “designadamente” e da conjunção “ou”, a identificação da entidade sobre a qual recai o dever de prestar a informação não se associa apenas à posse ou detenção da informação, no sentido de, pela circunstância de quando lhe é apresentado o requerimento a entidade administrativa não estar na posse de documentos, se excluir o dever de a prestar.
Com efeito, a posse ou detenção dos documentos são, tão só, isolada ou conjuntamente, elementos a que se atenderá para identificar o órgão ou entidade, dos abrangidas pelo âmbito subjetivo da LADA (artigo 4.º), a quem cumpre garantir ao interessado o direito à informação. Mas são, também, relevantes para essa identificação, elementos tais como a elaboração dos documentos ou a responsabilidade ou titularidade do procedimento ou dos documentos, designadamente por ser a entidade que desenvolveu ou no seio da qual o procedimento administrativo foi desenvolvido.
Refira-se, aliás, que a própria LADA se reporta a distintos elementos/sinais que permitem reconhecer a entidade administrativa sobre a qual recairá o dever de prestar a informação, tais como a posse, detenção, elaboração dos mesmos, responsabilidade pela gestão de arquivos [vg. artigos 3.º, n.º 1 als. a), g), n.º 1 al. h) e 2 do artigo 4.º, 18.º, n.º 1], estabelecendo, relativamente à informação ambiental, a exigência de o documento não estar nem dever estar na posse do órgão ou entidade a quem o pedido for dirigido, para que este remeta o pedido à entidade competente.
Ora, mostra-se inegável que o procedimento (administrativo) de contratação pública em que se integram os documentos requeridos – propostas apresentadas pelos concorrentes – é da responsabilidade/titularidade da Entidade Requerida. Foi a Requerida, SPMS, através dos seus órgãos, quem tomou a decisão de contratar (artigo 36.º, n.º 1 do CCP), ocupando a posição de entidade adjudicante (artigo 2.º, n.º 2 do CPC). Foi no seio da Requerida e para satisfação das necessidades públicas a seu cargo, que o procedimento pré-contratual se desenvolveu, designadamente ao nível da escolha do procedimento, da elaboração das peças do procedimento, da designação dos elementos do júri e, bem assim, da própria revogação da decisão de contratar.
É certo que a tramitação do procedimento concursal, ou melhor o desenvolvimento do procedimento administrativo enquanto “sucessão ordenada de atos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade da Administração” (artigo 1.º, n.º 1 do CPA), se deu, por força de obrigação legal emergente do Código dos Contratos Públicos que visou a desmaterialização dos procedimentos de contratação pública e a utilização de meios eletrónicos na formação dos contratos (vg. artigo 4.º, n.º 2 do DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro, artigos 62.º e 133.º do CCP), na plataforma eletrónica de contratação pública escolhida pela Requerida.
Contudo, a plataforma eletrónica, que é livremente escolhida pela entidade adjudicante [artigo 5.º da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto], corresponde, apenas, à “infraestrutura tecnológica constituída por um conjunto de aplicações, meios e serviços informáticos necessários ao funcionamento dos procedimentos eletrónicos de contratação pública nacional, sobre a qual se desenrolam os referidos procedimentos” [artigo 2.º, al. e) da Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto] e a entidade que a gere, a “empresa gestora”, é, tão só, a pessoa coletiva que se encontra apta a exercer, nos termos da Lei n.º 96/2015, a atividade de gestão e exploração de plataformas eletrónicas [artigo 2.º, al. b) da Lei n.º 96/2015].
Com efeito, como emerge do artigo 60.º da Lei n.º 96/2015, “compete ao representante da entidade adjudicante conduzir o procedimento de formação de contratos públicos, constituindo a plataforma eletrónica apenas a infraestrutura tecnológica na qual aquele procedimento se desenvolve”, de tal forma que a plataforma eletrónica, ou a entidade que a gere, sem prejuízo dos deveres que sobre esta recaem no que respeita ao cumprimento dos requisitos funcionais, técnicos e segurança exigidos às plataformas [artigo 20.º, al. b) da Lei n.º 96/2015], não intervém enquanto entidade autónoma no procedimento de formação de contratos públicos.
E daqui resulta que, independentemente de a informação ou documentação integrante do procedimento administrativo concursal se encontrar em formato eletrónico (e encriptada) na plataforma eletrónica de contratação pública utilizada pela entidade adjudicante e, nesse sentido, (apenas) na posse ou detenção da empresa gestora daquela – porque não descarregada ou transferida da plataforma eletrónica de contratação pública -, daí não resulta que sobre a Requerida, entidade adjudicante e responsável/titular pelo procedimento administrativo relativamente ao qual é exercido o direito à informação não procedimental, não recaia o dever de prestar.
É que é a Requerida, e não a empresa gestora da plataforma eletrónica, a titular do procedimento administrativo e, concomitantemente, devendo ser detentora dos atos e documentos que, por força da tramitação daquele, o integram. Incluindo, portanto, as propostas apresentadas pelos opositores ao procedimento concursal, porque carregadas/submetidas por aqueles diretamente na plataforma eletrónica (artigo 62.º, n.º 1 do CCP, artigos 68.º, 69.º, n.º 1 e 70.º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015) e cujos documentos, aquando dessa submissão, são encriptados (artigo 69.º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015).
A tese da Requerida, e que o Tribunal a quo erroneamente asseverou, equivaleria a uma violação ostensiva do princípio da administração aberta a que se reporta o artigo 2.º da LADA e do qual emerge o dever de transparência administrativa, permitindo que as entidades abrangidas pelo seu âmbito de aplicação se eximissem de garantir o direito de acesso consagrado no artigo 5.º pela simples circunstância de a informação administrativa de que são titulares, relativa a procedimentos administrativos de que são ou foram responsáveis, porque arquivada, conservada, alojada ou à guarda de entidades privadas terceiras - designadamente por caber a estas a gestão das infraestruturas tecnológicas onde o procedimento administrativo se desenvolveu - se encontrar fora da sua posse.
Donde, estando em causa documentos administrativos da titularidade ou detidos –no sentido de, por integrarem um procedimento administrativo pré-contratual de que foi entidade adjudicante e por si desenvolvido, ser responsável por aquele, lhe serem atribuíveis ou integrarem a sua esfera jurídica - pela Requerida, naturalmente que é sobre a Requerida, e não sobre a empresa gestora da plataforma informática utilizada, que recai a obrigação de os fornecer.
Obrigação essa que lhe impende mesmo que tais documentos se encontrem (apenas) na posse da empresa gestora da plataforma eletrónica por, alegadamente, não tendo procedido à abertura das propostas (e, consequentemente, à sua descarga ou transferência daquela plataforma para os seus próprios suportes informáticos), os documentos ali carregados se manterem encriptados e exclusivamente disponíveis na plataforma. É que, enquanto (única) responsável pelo procedimento administrativo em que os documentos se integram – reitera-se, a empresa gestora da plataforma não participa ou intervém, nem é responsável ou titular do procedimento pré-contratual que se desenvolve ou desenvolveu na sua plataforma -, os documentos em causa são da sua titularidade e deveriam estar na sua posse. Cabendo-lhe, pois, em hipóteses como a dos autos em que a entidade adjudicante não acedeu ou descarregou os documentos nela carregados, diligenciar pela sua obtenção junto da empresa gestora da plataforma eletrónica.
E daqui resulta, também, que nunca se poderia, como advoga a Recorrente, julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, por, apesar da Requerida ser a titular da documentação solicitada, dela não dispor.
Clarifique-se que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide pode ocorrer quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por encontrar satisfação fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa” (Ac. do STJ de 22.6.2021, proferido no processo 17731/18.1T8PRT.P1.S1).
Ora, além de, como também se disse no Acórdão deste TCA Sul de 13.3.2025, proferido no processo 2512/24.1.BELSB “[a] circunstância de a Recorrente não dispor ou ser titular da integralidade dos documentos relativamente aos quais é exercido o direito à informação, não significa que, na pendência da ação, a pretensão do Recorrido tenha sido satisfeita (inutilidade) ou que tenha deixado de ser possível dar satisfação à pretensão que quer fazer valer no processo (impossibilidade). Traduz-se tão só na falta ab initio de verificação de um pressuposto do direito que o Recorrido reclama nos autos, ou seja, na inexistência perante aquela entidade do direito que reclama (ilegitimidade substantiva), uma questão que determina, nessa parte, a improcedência do pedido que este formula”, o certo é que não estamos, no caso dos autos, perante situação em que a Recorrida não devesse dispor ou estar na posse dos documentos, para o efeito de se considerar a impossibilidade de os fornecer.
Donde, opostamente ao decidido, a Requerida é, efetivamente, a entidade perante a qual a Recorrente podia e devia solicitar a informação não procedimental em causa e sobre a qual incumbe o dever de, verificados os pressupostos, garantir o direito de acesso à informação não procedimental à Recorrente.
A discussão não se deveria, pois, ter situado na legitimidade substantiva da Recorrida, mas antes na dimensão do próprio direito de acesso da Recorrente. Isto é, na resposta a dar quanto à questão de saber se constitui restrição legalmente admissível ao direito de acesso da Recorrente a circunstância de as propostas não terem sido abertas, permanecendo “encriptadas e, por conseguinte, confidenciais” (artigo 26.º da resposta), sendo os dados relativos às mesmas, incluindo a identidade dos concorrentes e os atributos e termos ou condições das mesmas desconhecidos da própria entidade adjudicante, para o efeito de “evitar qualquer aproveitamento indevido do conhecimento das mesmas pelos concorrentes, em futuros procedimentos, nomeadamente, naquele que a Requerida pretendia lançar, com o mesmo objeto do procedimento em questão, na sequência da revogação da decisão de contratar” (artigo 21.º da resposta), “salvaguardar a isenção, neutralidade e imparcialidade com que a Requerida deve pautar a sua conduta” (artigo 22.º da resposta) e obstar ao “conhecimento inapropriado das propostas pela Requerente, consubstanciado por via de um acesso que mais ninguém teve, em nada beneficiaria a concorrência e a igualdade de tratamento dos concorrentes, na medida em que poderia ser suscetível de falsear a sã concorrência em futuro procedimento” (artigo 23.º da resposta).
Com efeito, é que o direito à informação não procedimental - direito de acesso aos arquivos e registos administrativos constitucionalmente –, não é um direito absoluto. Antes se encontra sujeito a restrições e limitações, previstas quer na Constituição, que no n.º 2 do seu artigo 268.º as identifica como relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer no regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos (LADA, Lei n.º 26/2016 de 22 de agosto).
A este respeito recorda-se que, consagrando a lei o princípio da administração aberta (art.º 268.º, n.º 2 da CRP, artigo 5.º da LADA) e dado que “o direito à informação, de resto, vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só tem justificação quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são, por ex., os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas (de resto excepcionados na norma constitucional) ou quando a recusa de informação se funde num dever funcional legalmente previsto como é, por ex., os casos do segredo de justiça, do segredo da correspondência ou da confidencialidade fiscal”, “isto não significa que os órgãos das referidas entidades estão obrigados, em todos os casos, a facultar a documentação que lhes é solicitada pois que a recusa a esse acesso é admissível sempre que daí possa resultar o seu uso ilegítimo - seja porque põe em causa segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna das empresas, seja porque pode significar o desrespeito dos direitos de autor, dos direitos de propriedade industrial, seja porque possam conduzir a práticas de concorrência desleal (…). Importa, porém, precisar que a justificação destas restrições deve fazer-se com observância dos mencionados princípios, por eles estarem subjacentes a toda a actividade administrativa, e elas só serem legítimas se não se traduzirem numa injustificada denegação do direito à informação (vd. n.º 6 daquele art.º 6.º). O que significa que, também aqui, tanto o Requerente da informação como o órgão a quem ela é pedida devem agir segundo os princípios da boa-fé, da justiça, da proporcionalidade e da adequação tendo sempre em atenção que a prossecução do interesse público deve fazer-se no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados (vd. art.º 4.º do CPA).” (Ac. do STA de 20.1.2010, proc. 01110/09).
Ora, impõe-se, desde logo, dar nota que, em momento algum, a Requerida subsumiu juridicamente as circunstâncias que alegou a qualquer dos normativos que regem as restrições de acesso, designadamente ao disposto no artigo 6.º da LADA. Assim sucede porque a necessidade de (alegadamente) garantir a isenção, neutralidade e imparcialidade num futuro procedimento e obviar a que os concorrentes conheçam as propostas dos demais àquele procedimento de forma a salvaguardar a concorrência e igualdade nesse novo procedimento visando o mesmo objeto contratual não constituem per si fundamentos legais para negar o acesso a documentos administrativos no exercício do direito à informação não procedimental.
Tal ocorreria se estivéssemos, designadamente, perante documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, relativamente aos quais se prevê no n.º 6 do artigo 6.º da LADA que “[u]m terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação”, resultando do n.º 8 do mesmo dispositivo que “[o]s documentos administrativos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada.”
Importa considerar que «o relevo dado ao segredo das empresas se funda na convicção de que "o segredo é a alma do negócio", cobrindo, por isso, tal segredo aquela informação cuja divulgação poderia provocar consequências gravosas. Integram o conceito de segredos comerciais, industriais ou sobre a vida das empresas, por exemplo, "os aspetos particulares de financiamento, as previsões de viabilidade e de rendibilidade específicas de uma empresa (privada), as estratégias de captação de clientes ou de desenvolvimento futuro, a identificação de modelos ou de técnicas a seguir no desenvolvimento da atividade" (cfr. parecer da CADA n° 38/2005)» (Ac. do STA de 8.7.2009, proc. n.º 0451/09, disponível em www.dgsi.pt.
A respeito do que constituem segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa extrai-se do Acórdão deste TCA Sul de 2.7.2020, proferido no processo 2139/18.2BELSB, consultável em www.dgsi.pt. Que,
«O segredo comercial englobará “todas as informações não indiferentes à concorrência, segredos de dados económicos e financeiros ou das estratégias comerciais, segredos dos agentes do fisco sobre a situação económico–financeira das empresas, segredos de negócios, procedimentos e técnicas de fabrico, operações e métodos de trabalho, dados estatísticos confidenciais, ficheiros de clientes, informações sobre lucros e encargos, inventários, resultados de investigação, relações comerciais, relatórios sobre ocupação de mercado, etc.” (Fernando Condesso, O direito à informação administrativa, in Legislação: Cadernos de Ciência de Legislação, 1996, p. 93). Bem como as “técnicas específicas de captação de clientes, os modelos de projeção de rendimentos ou de lucros, aspetos particulares das atividades desenvolvidas por uma empresa (...) as fórmulas ou receitas para preparação de certos produtos intermediários ou finais, (...) os avanços obtidos por uma entidade em qualquer sector económico e que não se encontrem ainda compreendidos nos conhecimentos comuns entre os especialistas da área (...), os desenhos e outras representações de novos produtos ou protótipos” (José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, 2002, p. 137).».
E no Ac. deste TCA Sul de 10.5.2018, proferido no processo 1502/17.5BELRA, disponível em www.dgsi.pt.considerou-se que
«[…] segredo comercial e segredo sobre a vida interna de uma empresa, na LADA, refere-se a
(i) informação secreta com valor comercial e
(ii) objeto de medidas internas para a manter secreta - cf. Ac. deste TCA Sul de 16-06-2016, p. nº 13191/16; Ac. deste TCA Sul de 30-04-2015, p. nº 12046/15; Ac. deste TCA Sul de 12-04-2012, p. nº 08676/12; Ac. do STA de 09-04-2015, p. nº 0263/12.
E secretos são os métodos de gestão, comercialização e de trabalho utilizados pelas empresas (a “alma do negócio”).
As informações secretas são as detidas por uma entidade pública ou privada respeitantes, nomeadamente, a (i) métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, (ii) segredos e processos de fabrico, (iii) fontes de aprovisionamento, (iv) quantidades produzidas e vendidas, (v) quotas de mercado, (vi) ficheiros de clientes e distribuidores, (vii) estratégia comercial, (viii) estrutura do preço de custo, (ix) política de vendas, (x) informações de estratégia empresarial de uma unidade produtiva, (xi) técnicas que podem não ter nível inventivo, mas que sejam apanágio de uma empresa.
A vida interna da empresa reporta-se à forma como cada empresa, internamente, organiza, executa e planifica a sua atividade. Por exemplo, a situação contributiva face à segurança social e o fisco (a menos que, por lei, tenha que ser revelada), a escrituração comercial e a planificação de reestruturações internas (cf. os Pareceres da CADA nº 23/2013, nº 170/2013 e nº 226/2013).
3.6.
No sentido do acabado de expor, podemos ainda invocar:
- o artigo 2º da Diretriz ou Diretiva nº 2016/943 do P.E. e do C.E.: são segredo comercial as informações que cumpram cumulativamente os requisitos seguintes: a) serem secretas, no sentido de, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, não sejam geralmente conhecidas pelas pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão, ou não sejam facilmente acessíveis a essas pessoas; b) terem valor comercial pelo facto de serem secretas; c) terem sido objeto de diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidas secretas pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo;
- existe, por natureza, um dever acrescido de -transparência na chamada contratação pública “in house”.
E, por isso, aquilo que é referido na conclusão nº 23 do recurso da C-I (No plano interno, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos tem sido chamada por diversas vezes a pronunciar-se sobre esta matéria, considerando que: “(…) podemos afirmar que segredos comerciais ou industriais (“segredos de negócios”) são as informações secretas, que por esse facto tenham valor comercial (atual ou potencial) e sejam objeto de medidas no sentido de as manter secretas. As informações secretas são as detidas por uma entidade (pública ou privada) respeitantes, nomeadamente, a «métodos de avaliação dos custos de fabrico e de distribuição, de segredos e processos de fabrico, de fontes de aprovisionamento, de quantidades produzidas e vendidas e de quotas de mercado, de ficheiros de clientes e distribuidores, de estratégia comercial, da estrutura do preço de custo e de política de vendas”) deve ser entendido em abstrato, referido a um todo, que só se torna atuante ou bloqueante em certas circunstâncias.».
Mas estabelecido o âmbito de proteção destas restrições ao direito de acesso, ou seja, as respeitantes a documentos nominativos e a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, o certo é que “não basta à entidade requerida invocar a restrição, pertencendo-lhe o ónus de o fazer de forma consubstanciada, isto é, exteriorizando os motivos que permitem preencher os conceitos das previsões normativas que contemplam a excepção, sob pena de não ser possível sindicar a correcção da sua decisão” (Ac. do TCA Sul de 13.4.2023, proferido no processo 3381/22.1BELSB, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, a recusa de acesso «deverá fazer-se “(…) sempre de um modo fundamentado, isto é, não poderá, simplesmente, referir que o conhecimento dessa documentação por parte de um requerente bole com determinado tipo de valores. Haverá, pois, que indicar o "porquê" dessa decisão, que o mesmo é dizer que haverá que apontar os motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria esses valores. Mais: essa fundamentação há-de ser de molde a permitir ao requerente conhecer não só os pressupostos em que assentou o (hipotético) ato de denegação do acesso, bem como aquilatar se foram (ou não) cumpridas as normas do procedimento administrativo, se a decisão reflete (ou não) a exatidão material dos factos, se houve (ou não) erro manifesto de apreciação e se existiu (ou não) desvio de poder. Em suma, a fundamentação deverá revelar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da entidade requerida e autora do ato e, a montante, os pressupostos em que radicou por forma a permitir ao requerente conhecer as razões da medida adotada» (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo 12672/15, consultável em www.dgsi.pt).
E tratando-se de documentos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa, a mera alegação de que “contêm segredos comerciais, traduz-se numa invocação completamente genérica, vaga e conclusiva, já que destituída, por um lado, de qualquer concretização quanto à informação cuja divulgação é suscetível de pôr em causa “segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa” (o que implica a identificação de cada um dos documentos em causa, bem como da informação neles contida cujo acesso deve ser restringido) e, por outro lado, da indicação dos motivos pelos quais tal revelação, se fosse feita, afetaria tais valores” (Ac. do TCA Sul de 24.2.2016, proferido no processo 12672/15 ,disponível em www.dgsi.pt).
O próprio CCP tutela o segredo comercial, fazendo-o em termos excecionais; possibilitando que “[p]or motivos de segredo comercial, industrial, militar ou outro, os interessados podem requerer, até ao termo do primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, a classificação, nos termos da lei, de documentos que constituem a proposta, para efeitos da restrição ou da limitação do acesso aos mesmos na medida do estritamente necessário.” (artigo 66.º, n.º 1 do CCP).
Como se escreveu no Ac. deste TCA Sul de 27.2.2020, proferido no processo 2232/18.6BELSB, já citado,
«Está em causa a apropriação, por parte de um ou mais competidores, das ideias e soluções pertencentes a outro(s) concorrente(s), num claro aproveitamento do produto do trabalho alheio (o designado "cherry-picking")- cf. LUIS VERDE DE SOUSA, A Negociação nos Procedimentos de Adjudicação: uma análise do Código dos Contratos Públicos, Coimbra, Almedina, 2010, p. 208.
Mas o segredo comercial - constante de documentos administrativos - não é protegido em si mesmo, mas tão-só e na medida em que o acesso ao mesmo possibilite, no caso singular, a prática de atos de concorrência desleal - cf. assim DÁRIO MOURA VICENTE, Segredo Comercial e Acesso à Informação Administrativa, in Estudos em homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, Coimbra, 2010, Vol. 3, p. 297.
Afinal, a proibição da concorrência desleal tem por objetivo a proteção do interesse dos concorrentes, bem como um interesse geral no regular funcionamento do mercado, impondo aos agentes económicos um dever de agir leal e honestamente, quando competem entre si.».
Esclareça-se que a encriptação dos documentos das propostas, aquando do processo de submissão das candidaturas, não se confunde com a sua classificação, nem a dispensa. Isto é, “[a] circunstância de os documentos serem encriptados não dispensa os interessados do requerimento de classificação de documentos a que alude o n.º 1 do artigo 66.º do CCP para efeitos de restrição ou de limitação do acesso aos mesmos para salvaguarda de direitos do interessado”. (artigo 69.º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015).
Ora, no caso em apreço, nem a Requerida alegou, nem vem demonstrado que qualquer dos concorrentes tenha solicitado, no prazo a que se reporta o artigo 66.º, n.º 1 do CCP, a classificação dos documentos da proposta, nem tão pouco que tenha sido proferida decisão favorável a essa classificação (artigo 66.º, n.º 2 do CCP).
Acrescente-se que a Requerida não concretiza a informação que, podendo estar contida nessas propostas, consubstanciaria “segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa”, limitando-se a afirmar que a sua divulgação seria suscetível de contender com a concorrência.
Sucede que, tendencialmente, “(i) os preços unitários ou parcelares constantes dos procedimentos pré-contratuais e (ii) o teor dos contratos públicos (como referido em 3.1) não são segredo protegido, em geral, pela nossa ordem jurídica. Não são segredo comercial, nem vida interna da empresa, ou know-how, ou estratégia comercial, nem modo de relacionamento com outros operadores económicos. (…) não tem sentido afirmar, ou melhor, supor que, por princípio ou em regra, o procedimento pré-contratual contém segredos comerciais. Tal situação será e é a exceção” (Ac. deste TCA Sul de 27.2.2020, proferido no processo 2232/18.6BELSB).
Não vindo consubstanciada a alegação de que o teor dos documentos integrantes das propostas apresentadas conteria informação suscetível de contender com segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna dos opositores ao procedimento, nem se vislumbrando em que medida assim seria, porquanto estão em causa os documentos a que se reporta o artigo 57.º, n.º 1 do CCP, incluindo aqueles que contêm os atributos e termos ou condições, ou seja, as respostas dadas pelos concorrentes aos aspetos da execução do contrato submetidos e não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, naturalmente que, encontrando-se a Requerida sujeita ao princípio da transparência administrativa, assiste à Recorrente, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 96/2015 o direito de acesso aos documentos integrantes das propostas apresentadas pelos concorrentes ao procedimento pré-contratual referente a "Aquisição de Equipamento Informático — Postos de Trabalho do SNS do Pilar I — Reforma e Modernização da Rede de Dados da Saúde — Portáteis (PRR) (20240490)". Propostas essas que, naturalmente, deverão ser fornecidas à Recorrente com os documentos desencriptados.
Não se pode, portanto, manter a decisão recorrida, a qual padece do erro de julgamento que lhe é apontado.

4.5. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrida condenada nas custas (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).


5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a presente intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e intimando-se a Entidade Requerida/Recorrida a fornecer à Requerente/Recorrente as propostas (desencriptadas) apresentadas pelos concorrentes.
b. Condenar a Entidade Requerida/Recorrida em custas.


Mara de Magalhães Silveira
Marcelo da Silva Mendonça
Ricardo Ferreira Leite