Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:215/11.6 BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/16/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
CORRECÇÃO TÉCNICA.
INVENTÁRIOS.
Sumário:Havendo elementos na contabilidade que põem em crise os registos de existências e que, simultaneamente, permitem reconstituir, conforme a realidade, tais registos, não há lugar à aplicação da avaliação indirecta da matéria coletável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
J............ – Comércio de .........................., Lda. veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Colectivas (IRC) nº …………………731 e respectivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2006, no montante total de €99.570,54.
O Tribunal administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida a fls. 169 e ss. (numeração no processo em formato digital -sitaf), datada de 21 de Novembro de 2016, julgou a presente impugnação improcedente.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 204 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente, J............ – Comércio de .........................., Lda, alegou e formulou as seguintes conclusões:
“I - Ficou claro que a douta sentença da qual se recorre, está ferida de ilegalidade e, como ilegal que é, deve ser mandada anular, pura e simplesmente;
II - Ficou claro, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que a Meritíssima juiz "a quo” deu como provado que as existências finais do ano de 2015, eram reais e verdadeiras, sem que no relatório do exame à escrita figurasse sustentação deixada pelos autores da fiscalização;
III -A Meritíssima Juiz não valorizou a favor da Recorrente a infundada divergência na quantificação de determinados produtos e da dúvida que subsistiu perante a AT;
IV - Não valorizou, a favor da Recorrente, a falta ou insuficiente análise que a AT fez aos inventários, uma vez que revelando existências inexistentes ou sobreavaliadas, na dúvida, era motivo para que considerasse infundado, nesta matéria, o relatório do exame à escrita;
V - A Meritíssima Juiz não valorizou a favor da Recorrente o facto da Fiscalização ter apurado a matéria coletável, não pelo método da avaliação indireta, mas pelo método da avaliação directa, ou seja, sendo a própria a referir na douta sentença que: “…a administração fiscal demonstra a existência de indícios sérios da impossibilidade e da inexistência das mercadorias constantes do inventário de existências do exercício de 2006" (sublinhado e negrito nosso),
Ora,
VI - Se foi a própria administração fiscal que demonstrou a existência de indícios sérios da impossibilidade e da inexistência das mercadorias consoantes do inventário de existências do exercício de 2006".
Como pôde a Meritíssima Juiz entender que foi correcta a matéria colectável apurada no relatório do exame à escrita através do método de avaliação directa, quando se estava no campo das incerteza e impossibilidades de quantificação da matéria colectável, devia antes ter sido encontrada peio método da avaliação indirecta e, simultaneamente, peio método da avaliação directa.
Concretamente,
VII- A existir, como disseram os autores da fiscalização "indícios sérios da impossibilidade e da inexistência das mercadorias constantes do inventário de existências do exercido de 2006". as situações concretamente apresentadas no relatório do exame à escrita, exigiam que tivesse sido aplicado o método da avaliação indirecta ou das presunções, relativamente aos citados 319.225,94€ e o das correcções técnicas, apenas e só relativamente aos 70.901,25 € e,
VIII - Só assim, o ora Recorrente ter-se-ia defendido, questionando os 319.225,94€, através da reclamação prevista no artigo 91º da Lei Geral Tributária e depois de notificada para o efeito.
IX - Enfatize-se assim que o erro maior assenta no método a que recorreu a AT, para determinar a matéria colectável, uma vez que se se deparou com incertezas e impossibilidades de quantificação exacta da matéria colectável, devia legalmente ter aplicado o método da avaliação indirecta e não aplicou.
X
Não há registo de contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M.P. regularmente notificado emitiu parecer no qual se pronuncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:”
1. Desde 2/2/1995 que a impugnante desenvolve a actividade de comercialização de produtos .........................., a que corresponde o CAE 047784 – “Comércio a Retalho Outros Produtos Novos Esta. Esp., N.E.”, no ano de 2006 estava enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e no regime normal mensal em sede de IVA (cf. relatório de inspecção constante a fls.6 do Processo Administrativo Tributário de ora em diante designado de PAT).
2. Em 29/4/2010, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, iniciaram uma inspecção externa à impugnante, de carácter parcial, ao exercício de 2006, determinada pela Ordem de Serviço n.º OI201001003 de 15/4/2010, na qual foi emitido o relatório de inspecção constante de fls. 6 e seguintes do PAT, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e no qual foi apurado em síntese o seguinte:

“Imagem no original”

3. Em 22/10/2010, o Chefe de Divisão por subdelegação de competências do Director de Finanças de Leiria, proferiu o despacho de concordância com o relatório final de inspecção, constante de fls. 3 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
4. Em 26/10/2010, a impugnante recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio do ofício n.º 8175 de “Notificação do Relatório de Inspecção Tributária” (cf. oficio e aviso de recepção a folhas 1 e 2 do PAT).
5. Em 2/11/2010, a Direcção Geral dos Impostos emitiu a liquidação de IRC n.º ………………………..731, no valor de EUR 100.522,73 (cf. liquidação a fls. 20 dos autos).”
X
“Não foram provados outros factos com interesse para a decisão da causa.”
X
“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa.
A sentença julgou improcedente a presente impugnação, mantendo na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC de 2006. Estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«A Administração Tributária reportou-se ao inventário de existências de 31/12/2005, por operação de comparação com o inventário de Janeiro de 2006, adequada à verificação das compras efectuadas no ano de 2006. // Verifica-se que a Administração fiscal baseada nos inventários apresentados pela impugnante demonstra que a imputação das mercadorias constantes das existências no inventário inicial de 2006 ao ano de 2005, implicaria um custo das mercadorias vendidas tão baixo no ano de 2005 que a impugnante teria uma margem bruta de vendas de 41,08%, muito superior à declarada pela própria de 10,52% e muito superior aos rácios do sector. // Perante a desconsideração das existências declaradas em 2006, como custos, face à inexistência de documentação relativa às compras quer no ano de 2005, quer no ano de 2006 e a qualquer justificação factual apresentada pelo sujeito passivo para a divergência dos inventários das existências, a impugnante pugna pela existência da dúvida nos termos do artigo 100.º do CPPT. // Ora, a Administração fiscal limitou-se a desconsiderar o valor das mercadorias que inexplicavelmente aparecem no inventário de existências no exercício de 2006, como custo devido e aceite para efeitos do cálculo da matéria tributável declarada no ano de 2006. // Cabia à Impugnante comprovar que efectivamente aquelas existências de aparição inexplicável correspondiam efectivamente a custos devidos do exercício de 2006. Não limitar-se como fez, a lançar a dúvida».
2.2.2. A recorrente assaca à sentença recorrida erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e quanto ao enquadramento jurídico da causa. Sustenta que devia ter sido aplicada a avaliação indirecta da matéria colectável, o que resultou no cerceamento das suas garantias de defesa.
Apreciação. A fundamentação da correcção em apreço é a que resulta do relatório inspectivo (n.º 2 do probatório). Aí se consiga, designadamente, que,
«A correcção que se propõe fazer, corresponde à alteração do valor das existências iniciais declaradas do exercício de 2006, no montante de € 460.884,39, para o valor igual às existências finais declaradas do exercício de 2005 (€ 141.658,45), provocando desta forma uma correcção da matéria colectável no montante de €319 225,94 = (€ 460.884,39 - € 141.658,45). Assim, a matéria colectável corrigida é de € 330.979,30. // // (…) // Na visita efectuada verificou-se que o sujeito passivo, na sua declaração anual de 2005 declarou como existências finais a importância de €141.658,45. Contudo, na declaração anual de 2006, declarou como existências iniciais não aquela importância, mas sim o valor de €460.884,39. Ora, assim acontecendo, o apuramento do resultado para efeitos de IRC, no exercício de 2006, foi influenciado, via cálculo do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (CMVMC), da diferença entre os dois valores, isto é, €319.225,94. // (…) // Tal como já se referiu, para o apuramento do resultado fiscal de 2005, o sujeito passivo considerou que tinha uma existência final de € 141.658,45. Argumenta agora que a existência inicial de 2006 não é aquela importância mas sim de € 460.884,39. Assim admitindo, se as existências finais declaradas em 2005 fossem então corrigidas para a importância de € 460.884,39, implicaria uma alteração do CMVMC apurado, de € 934.718,18, para € 615.492,24. Esta alteração provocaria um aumento da margem bruta das vendas de mercadorias (MBVM) do sujeito passivo, como a seguir se demonstra, de 10,52 % para 41,08 % naquele exercício, muito superior quer à margem praticada pelo sujeito passivo quer aos rácios do sector de actividade da DGCI:
MBVM = Vendas merca. - CMVMC x 100
Vendas mercadorias
Valores declaradosValores corrigidos
1.044.649.80-934.718.181.044.649.80-615.492.24
1.044.649,801.044.649,80
10,52%41,08%
// (…) // Como corolário, a correcção que se propõe fazer, alterando o valor das existências iniciais declaradas do exercício de 2006, no montante de € 460.884,39, para o valor igual às existências finais declaradas no exercício de 2005 (€ 141.658,45), vai provocar uma alteração na matéria colectável no montante de € 319 225,94 = (€ 460.884,39 - € 141.658,45), considerado um custo indevido, não aceite fiscalmente nos termos do artigo 23.º conjugado com o artigo 26.º ambos do Código do IRC (…)».
A mensuração das existências está sujeita a critérios e parâmetros objectivos. Nos termos do artigo 26.º do CIRC (1) (Valorimetria das existências), «[o]s valores das existências a considerar nos proveitos e custos a ter em conta na determinação do resultado do exercício são os que resultarem da aplicação dos critérios que utilizem: // a) Custos efectivos de aquisição ou de produção; // b) Custos padrões apurados de acordo com princípios técnicos e contabilísticos adequados; // c) Preços de venda deduzidos da margem normal de lucro; // d) Valorimetrias especiais para as existências tidas por básicas ou normais. // 2 - Sempre que a utilização de custos padrões conduza a desvios significativos, pode a Direcção-Geral dos Impostos efectuar as correcções adequadas, tendo em conta o campo de aplicação dos mesmos, o montante das vendas e das existências finais e o grau de rotação das existências». Determina o artigo 27.º do CIRC (Mudança de critério valorimétrico), que «[o]s critérios adoptados para a valorimetria das existências devem ser uniformemente seguidos nos sucessivos exercícios. // Podem, no entanto, verificar-se mudanças dos referidos critérios sempre que as mesmas se justifiquem por razões de natureza económica ou técnica e sejam aceites pela Direcção-Geral dos Impostos».
Por seu turno, do ponto 5.3. (Existências) do Plano Oficial de Contabilidade (2) (ponto 5.3.) decorrem os parâmetros seguintes: «5.3.1 - As existências serão valorizadas ao custo de aquisição ou ao custo de produção, sem prejuízo das excepções adiante consideradas. // 5.3.2 - Considera-se como custo de aquisição de um bem a soma do respectivo preço de compra com os gastos suportados directa ou indirectamente para o colocar no seu estado actual e no local de armazenagem. (…) // 5.3.7 - Entende-se como preço de mercado o custo de reposição ou o valor realizável líquido, conforme se trate de bens adquiridos para a produção ou de bens para venda. // 5.3.8 - Entende-se como custo de reposição de um bem o que a empresa teria de suportar para o substituir nas mesmas condições, qualidade, quantidade e locais de aquisição e utilização. // 5.3.9 - Considera-se como valor realizável líquido de um bem o seu esperado preço de venda deduzido dos necessários custos previsíveis de acabamento e venda».
Perante a detecção de desvios no valor dos inventários do exercício em causa nos autos (2006) e havendo elementos que permitem a determinação do valor dos mesmos, por referência aos inventários finais do exercício anterior (2005), não se vê como determinar, no caso, a avaliação indirecta da matéria colectável. É que não está em causa a quantificação da matéria colectável, mas apenas uma componente dos custos incorridos, relativos ao valor das existências no exercício em apreço. De notar que «[a] avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g. correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.). // O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária)». (3) Não é o que sucede no caso dos autos em que, se é verdade que se comprova a falta de credibilidade do registo de inventários da contribuinte, também é verdade que a fidedignidade dos mesmos pode ser obtida com recurso ao cruzamento de dados da mesma contabilidade, por referência aos inventários finais do exercício anterior, como foi determinado. Seja a falta de aderência à realidade do registo da contribuinte, seja o acerto da correcção em exame quanto à sua aderência à realidade, não são afrontadas directamente pela recorrente. Pelo que se impõe confirmar a correcção em exame, dado que não incorre nos vícios que lhe são apontados. Como se decidiu na instância. A sentença recorrida deve ser confirmada na ordem jurídica, dado que não incorreu nos erros de julgamento que lhe são apontados.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)

(1) Versão vigente.
(2) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21/11.
(3) Acórdão do TCAS, de 28/04/2016, P. 08645/15