Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 77/18.2BECTB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/09/2025 |
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Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
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Descritores: | RS BENFEITORIAS EM PRÉDIO ARRENDADO |
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Sumário: | I - As obras realizadas no âmbito de uma relação jurídica de arrendamento estão sujeitas ao regime legal das benfeitorias [artigo 216º do Código Civil). II - Assim, a realização de benfeitorias no prédio arrendado apenas poderia conferir à arrendatária um direito a uma indemnização e não um direito de propriedade sobre o edifício implantado no prédio do Impugnante. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO J........ (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco no dia 20.05.2024, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º 2017 5005451201, referente ao ano de 2016, no valor de € 74.617,25. Com o requerimento de interposição do recurso, o Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: “B) CONCLUSÕES: 1. O recorrente não pode aceitar a Liquidação Adicional de IRS de 2016 da recorrida, com o número 2017 00028772083, no valor de 74.617,25 €; 2. O valor realizado pelo recorrente cifrou-se exclusivamente no que consta do contrato de compra e venda que serviu de base à liquidação do IMT (300.000,00 €), na medida em que foi o único bem que transmitiu; 3. O prédio que o recorrente vendeu no dia 22 de abril de 2016 à “C........, Lda.” tinha a área bruta de construção de 579 m2, a área bruta dependente de 186 m2, a área bruta privativa de 393 m2 e o valor patrimonial tributário de 61.000,00 €; 4. Em 01 de Dezembro de 2006, mais de dez anos antes, o recorrente tinha arrendado esse prédio à “A........, Lda.”, sua inquilina; 5. Tal inquilina iniciou posteriormente a construção, no prédio em causa, de um pavilhão destinado a comércio e serviços, com a área de implantação de 640 m2 e a área bruta de construção de 2.120 m2, que afetou ao seu imobilizado, tendo cumprido as suas obrigações em sede de IVA; 6. Pavilhão esse que a mesma inquilina vendeu à “C........, Lda.”, pelo preço global de 626.967,90 €, incluindo IVA à taxa de 23%, transmissão não sujeita a IMT, em virtude de não se tratar de um prédio nos termos do art. 1.º do CIMT e 2.º do CIMI, pois a “A........, Lda.” não era proprietária da “fração de território” onde o edifício estava implantado, e n.º 1 do art. 4.º da CIVA; 7. A adquirente “C........, Lda.”, logo após essas duas aquisições atrás referidas, apresentou modelo 1 do IMI, atento o facto de ter então passado a ser proprietária quer do prédio, quer do edifício em construção atrás referidos, em cumprimento da al. c) do n.º 1 do art. 9.º e al. d) do n.º 1 do art. 13.º do CIMI; 8. O recorrente não foi alguma vez sequer proprietário do mencionado edifício em construção e não foi ele que o vendeu à “C........, Lda.”, pelo que a entender-se de forma diferente sempre estariam a ser violados princípios e regras tributárias básicas, atento o disposto no art. 55.º da Lei Geral Tributária, ou seja, estaria a tributar-se uma realidade abstrata e em desacordo com a realidade; 9. Não tem lugar, in casu, a aplicação da figura da acessão jurídica, pois, quando muito, o que existiu foi o exercício dum direito de superfície por parte da sociedade ‘A........’, ainda que não formalizado, tendo o direito de propriedade sempre pertencido ao recorrente; 10. Sendo de improceder, ainda, com o devido respeito, o argumento da AT quando refere que o recorrente teria de retificar esta questão em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), e de que os interessados poderiam ter exigido a retificação da mesma, nomeadamente, os metros quadrados a serem considerados na citada liquidação, pois o recorrente nem sequer teria legitimidade para poder requerer uma segunda avaliação no referido processo; 11. O contrato de arrendamento entre o recorrente e a ‘A........’ não chegou a terminar, pelo que não se deu a confusão de posições no recorrente – mas apenas na pessoa coletiva que adquiriu quer o terreno, quer o pavilhão; 12. As alegadas benfeitorias que a Sentença recorrida invoca para caraterizar o pavilhão construído pela “A........, Lda.”, a serem assim consideradas, só se incorporariam no locado no momento em que tal contrato de arrendamento cessasse ou caso fossem benfeitorias necessárias (art. 1273.º do CC), mas nenhuma dessas hipóteses se verificou; 13. Colocando por mera hipótese a questão das benfeitorias invocadas na Sentença recorrida, que se refuta, haveria sempre que ressalvar o facto de à Inquilina assistir o direito de as remover; 14. Sem esquecer que os bens em causa, terreno e pavilhão, poderiam muito bem ter sido vendidos a diferentes pessoas, singulares ou coletivas, de modo que não ocorreria a extinção do contrato de arrendamento se tais aquisições não se verificassem na esfera jurídica do mesmo adquirente; 15. E por outro lado, ainda, a aderir-se à tese aplicada na douta Sentença recorrida, era na verdade o senhorio quem teria direito a ser indemnizado pela inquilina e não o inverso, na medida em a mesma teria recebido uma quantia monetária pela venda de determinado bem que segundo o Tribunal a quo não lhe pertencia; 16. Inexiste fundamento para exigir ao recorrente que substitua a sua declaração de rendimentos em causa, na medida em que o mesmo se limitou, relativamente a tal ano de 2016, a indicar os rendimentos e as informações fiscais reais e juridicamente correspondentes às circunstâncias de factos que ocorreram nesse ano e, concretamente, no negócio em que interveio e justificou perante a recorrida; 17. Face ao exposto e sempre com o devido respeito por opinião contrária, afigura-se totalmente inadmissível a liquidação levada a cabo pela Autoridade Tributária; 18. Perante tal factualidade, que atinge inapelavelmente o ato tributário impugnado, torna-se evidente que o mesmo está ferido de ilegalidade, o que constitui fundamento para a sua impugnação, atento o disposto na alínea a) e c) do artigo 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, abrangendo, por força dessa mesma violação da lei substantiva, a douta Sentença recorrida que o decidiu manter; 19. Salvo melhor opinião, por falta de verificação dos pressupostos legais, o despacho que ordenou as correções à matéria tributável e/ou ao imposto em causa enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, motivo pelo qual a douta Sentença recorrida não a poderia ter legitimado; 20. Enferma, por isso, a liquidação impugnada dos vícios de violação da lei, pelo que é anulável Vício que é de conhecimento oficioso, podendo e devendo ser apreciado em sede do presente recurso; 21. Assim, mal andou o Tribunal a quo que, com o devido respeito, incorreu no mesmo vício de errada qualificação e errada fundamentação na decisão tomada, violando a lei substantiva e validando uma decisão que padece de fundamentação errada e em medida altamente desproporcionada devendo a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que seja aplicada uma correta fundamentação fáctico-jurídica. Nestes e nos melhores de Direito, que V. Exas. suprirão, tendo em conta a apontada violação das normas referidas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, a sentença recorrida revogada e proferido douto Acórdão em que seja ordenada a anulação do ato tributário impugnado, nomeadamente, a liquidação/cobrança adicional de 74.617,25 € referente a IRS de 2016 do recorrente, Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” * Notificada da admissão do recurso, a FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrida) apresentou contra-alegações, tendo concluído: “1.º Segundo se afigura à RFP, a sentença proferida nos presentes autos, analisou exaustivamente a factualidade subjacente aos presentes autos, fazendo correta apreciação da fundamentação de facto e de direito que suporta a alteração efetuada ao rendimento coletável do Impugnante, nos termos do número 4 do artigo 65º do CIRS, e da fundamentação aduzida pelo Impugnante, não merecendo, por isso, qualquer censura.2.º 3.º Face ao exposto, deverá o recurso interposto pelo Impugnante ser desatendido e, nessa conformidade, manter-se a sentença recorrida e, consequentemente, manter-se o ato tributário impugnado.”* O Digno MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir. * Delimitação do objeto do recurso Em ordem ao consignado no artigo 639º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: i)Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto; ii) Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1- De facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “3. Fundamentação 3.1 De facto Com interesse para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos: A) Por contrato datado de 01/12/2006, cujo teor aqui se dá como reproduzido, o Impugnante deu em arrendamento à sociedade A........, Lda., pelo período de 10 anos, o prédio inscrito sob o artigo ........7 da matriz predial urbana da freguesia de Castelo Branco, destinado a comércio e armazém, constando da cláusula nona do contrato que «Todas as obras ou benfeitorias que o segundo outorgante venha a fazer no arrendado ficam a fazer parte integrante do prédio sem direito a indemnização ou retenção» [cf. doc. fls.15 a 18 do processo administrativo (PA) apenso]. B) Em 15/01/2016 o prédio mencionado na alínea anterior constava inscrito na caderneta predial urbana em nome do Impugnante, com a seguinte descrição: (…)» [cf. fls. 13 e 14 do PA apenso]. C) Em 21/04/2016 a sociedade “A........, Lda.” emitiu à sociedade “C........, Lda.” uma fatura no valor de 509.730,00€, acrescido de IVA de 117.237,90€, com a seguinte designação: «PAVILHÃO SITO NA ZONA INDUSTRIAL DE CASTELO BRANCO LOTE 1» [cf. doc. de fls. 19 do PA apenso]. D) Por escritura pública de «Compra e Venda» outorgada em 22/04/2016, cujo teor aqui se dá como reproduzido, o Impugnante declarou vender à sociedade “C........, Lda.” e esta declarou comprar, pelo preço de trezentos mil euros, do qual deu quitação, o prédio urbano inscrito sob o artigo ........7 da matriz predial urbana da freguesia de Castelo Branco [cf. doc. de fls. 8 a 12 do PA apenso]. E) Em 05/05/2016 a sociedade “C........, Lda.” apresentou na qualidade de proprietário a declaração modelo 1 de IMI referente ao artigo ........7, por motivo de «Prédio Melhorado / Modificado», com data de licença de utilização em 21/04/2016 [cf. doc. de fls. 135-frente e verso dos autos]. F) O prédio mencionado na alínea anterior foi avaliado em 26/06/2016, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário de 584.150,00€, constando da caderneta predial urbana a seguinte descrição: «(…) [cf. doc. de fls. 20 a 21 do PA apenso]. G) Em 15/05/2017 o Impugnante submeteu a declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2016, tendo declarado no quadro 4 do respetivo Anexo G, «Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais», a alienação do prédio urbano inscrito sob o artigo ........7, indicando o valor de realização de 300.000,00€ e o valor de aquisição de 114.000,00€, bem como despesas e encargos de 12.381,01€ [cf. doc. de fls. 128 a 134 dos presentes autos]. H) Com a declaração mencionada na alínea anterior o Impugnante juntou uma exposição com o seguinte teor: “(texto integral no original; imagem)” [cf. doc. de fls. 4 do PA apenso].I) Na sequência da notificação do resultado da avaliação mencionada na alínea F) que antecede, o Impugnante apresentou uma petição dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1, datada de 13/07/2017, cujo teor aqui se dá como reproduzido, requerendo que «seja a reclamação apresentada em sede de IRS julgada procedente por provada e no que ao rendimento do requerente disser respeito, para efeitos da venda identificada em 2., ser apenas relevado o valor constante da caderneta inicial do prédio, ou seja, excluído o pavilhão» [cf. doc. de fls. 5 a 7 do PA apenso]. J) Através do ofício 2271 do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1, datado de 25/08/2017, expedido por correio registado, o Impugnante foi notificado do seguinte teor: (…)» [cf. fls. 1-frente e verso do PA apenso]. K) O Impugnante respondeu ao ofício mencionado na alínea anterior através de requerimento datado de 19/09/2017, cujo teor aqui se dá como reproduzido, concluindo que «não existe fundamento para substituir a respetiva declaração de IRS 2016, que irá manter» [cf. doc. de fls. 3 do PA apenso]. L) Através do ofício 2482 do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1, datado de 22/09/2017, expedido por correio registado, o Impugnante foi notificado do seguinte teor: «(…) “(texto integral no original; imagem)” (…)» [cf. doc. de fls. 24-frente e verso do PA apenso]. M) O Impugnante respondeu ao ofício mencionado na alínea anterior através de requerimento subscrito pelo seu mandatário, datado de 06/10/2017, com o seguinte teor: (…)» [cf. doc. de fls. 25 do PA apenso]. N) Através do ofício 2633 do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1, datado de 12/10/2017, expedido por correio registado, dirigido ao seu mandatário, o Impugnante foi notificado do seguinte teor: «(…) “(texto integral no original; imagem)” «(…) [cf. doc. de fls. 26-frente e verso do PA apenso]. O) Em 09/11/2017 foi elaborado o documento de correção / declaração oficiosa de IRS do Impugante referente ao ano de 2016, passando a constar do quadro 4 do respetivo Anexo G o valor de realização de 584.150,00€ [cf. docs. de fls. 27 a 33-verso do PA apenso]. P) Em 17/11/2017 foi emitida ao Impugnante a liquidação adicional de IRS n.º 2017 5005451201, referente ao ano de 2016, de cuja nota de cobrança, após compensação, resulta o saldo a pagar de 74.617,25€, com data limite de pagamento até 03/01/2018 [cf. docs. de fls. 14-frente e verso dos autos]. Q) A presente impugnação foi remetida ao Tribunal, por site, em 23/02/2018 [cf. doc. de fls. 1 dos autos]. * Factos não provados “Com interesse para a decisão nada mais se provou.” * Motivação“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo (PA) apenso, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.” * II.2 - De direito In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e fiscal de castelo branco, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.º 2017 5005451201, referente ao ano de 2016, por considerar que a mesma padece de erro de julgamento de facto e de direito. Na presente impugnação judicial, o Impugnante, ora Recorrente, alega em síntese que: - o Impugnante vendeu, no dia 22/04/2016, à “C........, Lda” o prédio urbano inscrito sob o artigo ........7 da matriz predial urbana da freguesia de Castelo Branco; - todavia, em 01/12/2006, o Impugnante tinha arrendado esse prédio à “A........, Lda”, que ali iniciou posteriormente a construção de um pavilhão destinado a comércio e serviços, que não concluiu e afetou ao seu imobilizado; -no dia 21/06/2016, a “A........, Lda” vendeu o referido pavilhão à “C........, Lda”, pelo preço global de 626.967,90€, incluindo IVA à taxa legal, transmissão não sujeita a IMT, em virtude de não se tratar de um prédio nos termos dos artigos 1.º do CIMT e 2.º do CIMI, uma vez que a “A........, Lda.” não era proprietária da “fração de território” onde o edifício estava implantado; - a “C........, Lda.”, logo após ambas as aquisições, apresentou a modelo 1 de IMI, atento o facto de ter então passado a ser proprietária quer do prédio quer do edifício em construção, em cumprimento da al. c) do n.º 1 do artigo 9.º e al. d) do n.º 1 do artigo 13.º do CIMI; - o valor realizado pelo Impugnante cifrou-se exclusivamente no que consta do contrato de compra e venda que serviu de base à liquidação do IMT (300.000,00€), na medida em que foi o único bem que a Impugnante transmitiu, al. a) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS e n.º 2 do artigo 5.º do CIMT; - o valor patrimonial tributário fixado pela AT, com a alteração decorrente da inscrição na matriz do edifício em construção, não pode relevar para a determinação do valor realizado pelo impugnante, já aquela alteração resultou da reunião, no mesmo proprietário (“C........, Lda”), do prédio adquirido ao Impugnante e do edifício em construção adquirido à “A........, Lda.”. - o Impugnante não foi alguma vez proprietário do edifício em construção, por isso, para efeitos da venda deve ser apenas relevado o valor constante da caderneta inicial do prédio, ou seja, excluído do pavilhão. Conclui peticionado a anulação do ato de liquidação. O Tribunal a quo entendeu não lhe assistir razão, tendo julgado improcedente a impugnação e mantido em consequência o ato de liquidação impugnado. Vejamos o julgamento do tribunal recorrido a este propósito: “(…) No entanto, da realização de obras no locado por parte da arrendatária, mediante a transformação do edifício já existente num pavilhão industrial, não resulta que aquela se tenha tornado proprietária do pavilhão industrial. Na verdade, o edifício resultante das obras realizadas pela arrendatária continuou a ser parte integrante do prédio urbano [cf. artigo 1.º do CIMI], não tendo originado uma parte de prédio suscetível de utilização independente e de inscrição matricial separada. Por outro lado, tais obras porque realizadas no âmbito de uma relação jurídica de arrendamento, estão sujeitas ao regime legal das benfeitorias. (…) Assim, a realização de benfeitorias no prédio arrendado por parte da “A........, Lda.” apenas poderia conferir a esta um direito a uma indemnização e não um direito de propriedade sobre o edifício implantado no prédio do Impugnante (note-se que, de acordo com o princípio da tipicidade previsto no artigo 1306.º do Código Civil, não é permitida a constituição de figuras parcelares do direito de propriedade sobre direitos reais, senão nos casos previstos na lei), sendo de salientar que as partes, no contrato de arrendamento, acordaram expressamente que «Todas as obras ou benfeitorias que o segundo outorgante venha a fazer no arrendado ficam a fazer parte integrante do prédio sem direito a indemnização ou retenção». Decorre do que vai sendo dito que o edifício resultante das obras realizadas pela arrendatária “A........, Lda.” continuou a fazer parte integrante do prédio urbano da propriedade do Impugnante, o qual apenas ingressou na esfera jurídica “C........, Lda.” com a realização da escritura pública de compra e venda entre esta e o Impugnante, sendo com base neste título constitutivo do direito de propriedade que a “C........, Lda.” atualizou o prédio na matriz, sendo irrelevante, para efeitos da titularidade do direito de propriedade, a circunstância da arrendatária “A........, Lda.” ter faturado o edifício nele implantado à “C........, Lda.”. Importa, assim, concluir que, na determinação do ganho sujeito a mais valias pela alienação do prédio urbano em causa nos autos, bem andou a AT ao considerar como valor de realização o valor patrimonial tributário do prédio resultante da avaliação espoletada pela apresentação da modelo 1 de IMI pela adquirente, por ser esse o valor considerado para efeitos de liquidação de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, pelo que a liquidação impugnada não incorre no apontado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.” Não se conformando com tal decisão, veio o Recorrente apresente recurso dessa decisão, por entender que não existe fundamento para que a AT exigisse que o mesmo substituísse a sua declaração de IRS de 2016, nem que sobre o mesmo impenda a obrigação de pagar uma liquidação adicional, referente a esse ano, no valor de €74.617,25 €. Não foram postos em causa os factos considerados provados na decisão objeto de recurso. Mantendo a argumentação plasmada na sua petição, vem o ora Recorrente, em sede de alegações e conclusões de recurso, dizer que, o valor por si realizado cifrou-se exclusivamente no que consta do contrato de compra e venda que serviu de base à liquidação do IMT (€300.000,00), na medida em que foi o único bem que o Recorrente transmitiu, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 44º do CIRS e n.º 2 do artigo 5º do CIMT. Pelo que o valor patrimonial tributário fixado pela AT, com a alteração decorrente da inscrição na matriz do edifício em construção, jamais poderia relevar para determinação do valor realizado pelo Recorrente, já que aquela alteração resultou da reunião, no mesmo proprietário, a “C........, Lda.”, de: a) O prédio (território) adquirido ao recorrente e b) O edifício em construção (pavilhão) adquirido à “A........, Lda”, que fora quem o mandou construir, ainda que sem estar totalmente acabado. Mais refere, que o Recorrente não foi alguma vez sequer proprietário do mencionado edifício em construção e não foi ele quem o vendeu à “C........, Lda.”, pelo que a entender-se de forma diferente sempre estarão a ser violados princípios e regras tributárias básicas, atento o disposto no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), e estar-se-á a tributar uma realidade abstrata e em desacordo com a realidade. Mais alega, que, não pode prevalecer a tese da AT invocada no processo de contraordenação instaurado ao Recorrente pelos mesmos factos (não substituição da referida declaração de IRS), em que referiu que “estamos perante a acessão de prédio, que poderá ser industrial e, que toda a situação tributária do arguido vem daí.”. Entende não ser de vingar a justificação apresentada pela sentença recorrida para a liquidação adicional com recurso à figura das benfeitorias realizadas pela inquilina e que segundo o Tribunal a quo se terão incorporado no locado. Defende o Recorrente nas alegações de recurso, que o contrato de arrendamento em questão (entre o Recorrente e a ‘A........’) não chegou a terminar, pelo que não se concretizou a confusão de posições no Recorrente – mas apenas na pessoa coletiva que adquiriu quer o terreno, quer o pavilhão –, além de que as alegadas benfeitorias invocadas pelo Tribunal a quo para caraterizar o pavilhão construído pela “A........, Lda.”, a serem assim consideradas – o que não admite e refere por mera hipótese – apenas se incorporariam no locado no momento em que tal contrato de arrendamento cessasse ou caso fossem benfeitorias necessárias (artigo 1273º do Código Civil (CC)), mas nenhuma dessas hipóteses se verificou. Diz ainda o Recorrente, que, colocando por mera hipótese a questão das benfeitorias invocadas na sentença recorrida, que se refuta, haveria sempre que ressalvar o facto de à Inquilina assistir o direito de as remover. Continua alegando que é de improceder, ainda, a hipótese legitimadora de tal liquidação adicional de que ao Recorrente caberia retificar esta questão em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), pois é a avaliação efetuada ao prédio com o artigo matricial ........7 que acabou por supostamente determinar a nova liquidação. Não pode sustentar-se que tendo sido promovida pelo senhor chefe de finanças a liquidação resultante da avaliação, os interessados poderiam ter exigido a retificação da mesma, nomeadamente, os metros quadrados a serem considerados na citada liquidação. Vejamos então se lhe assiste razão. Na tese do Recorrente, o único bem por si transmitido à “C........, Lda.” foi o prédio inscrito na matriz antes da construção do pavilhão pela arrendatária “A........, Lda.”, o qual foi por esta vendido à “C........, Lda.”, nunca tendo o Impugnante sido proprietário do pavilhão. Assim, no entender do Impugnante, o valor patrimonial tributário fixado pela AT, decorrente da alteração do prédio na matriz, não pode relevar para a determinação do valor de realização, na medida em que aquela alteração resultou da reunião, no mesmo proprietário (“C........, Lda.”), do prédio adquirido ao Impugnante e do edifício em construção adquirido à “A........, Lda.”. Comecemos, então, por convocar o quadro jurídico atinente ao efeito. Nos termos do disposto no artigo 10º, n.º 1, al. a) do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. E o n.º 3 do artigo 10º do mesmo Código estabelece a regra de que os ganhos se consideram obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1 do mesmo artigo. A tributação das mais-valias surge na medida em que a alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, em relação ao qual o princípio da capacidade contributiva reclama a existência de normas de incidência objetiva, sendo que, uma mais-valia é, precisamente, nos termos do artigo 10º, n.º 4, alínea a), a diferença entre o valor da realização [o montante da alienação do bem] e o valor da aquisição [o montante pelo qual o bem entrou na esfera patrimonial do alienante]. Nos termos do artigo 44º do CIRS, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização o valor da respetiva contraprestação [al. f) do n.º 1], ou, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida [n.º 2]. Pelo que, caso o valor patrimonial do imóvel alienado seja superior ao valor declarado na escritura de compra e venda, aquele prevalecerá. Não obstante, esta regra poderá ser afastada pelo sujeito passivo desde que seja efetuada prova de que o valor de realização é de facto inferior ao valor patrimonial do imóvel alienado, de acordo com o procedimento previsto no artigo 139º do CIRC, conforme decorre expressamente dos n.ºs 5 e 6 do artigo 44º do CIRS. Como doutrina Paula Rosado Pereira (6-Estudos sobre o IRS-Rendimentos de Capitais e Mais Valias, Almedina: fevereiro de 2005, pp. 88 e 89.) “As mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito, e que não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto [Conforme refere ANDRÉ SALGADO DE MATOS, "a tributação das mais valias surge na medida em que a alienação de um determinada bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, em relação ao qual princípio da capacidade contributiva reclama a existência de normas de incidência objectiva". In ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, Instituto Superior de Gestão, Lisboa, 1999, p. 163.]” Compulsada a matéria de facto assente, verifica-se que: - o artigo ........7 foi inscrito na matriz predial urbana em nome do Impugnante, no ano de 1989, composto de uma casa de rés-do chão, com 1 piso, destinado a armazém e atividade industrial, com área de implantação e área bruta de construção de 579,0000 m2, com o valor patrimonial tributário de 61.000,00€; - em 01/12/2006 o Impugnante deu em arrendamento à sociedade “A........, Lda.” o prédio inscrito sob o artigo ........7, constando expressamente do contrato que «Todas as obras ou benfeitorias que o segundo outorgante venha a fazer no arrendado ficam a fazer parte integrante do prédio sem direito a indemnização ou retenção»; - em 21/04/2016 21/04/2016 a sociedade “A........, Lda.” emitiu à sociedade “C........, Lda.” uma fatura no valor de 509.730,00€, acrescido de IVA de 117.237,90€, com a seguinte designação: «PAVILHÃO SITO NA ZONA INDUSTRIAL DE CASTELO BRANCO LOTE 1»; - por escritura pública, outorgada em 22/04/2016, o Impugnante vendeu à sociedade “C........, Lda.”, pelo preço de 300.000,00€, o prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ........7 da freguesia de Castelo Branco, tendo sido esse o valor de realização que indicou no Anexo G da declaração de IRS referente ao ano de 2016; - em 05/05/2016 a sociedade “C........, Lda.”, apresentou a declaração modelo 1 de IMI referente ao artigo ........7, por motivo de «prédio melhorado/modificado», com data de licença de utilização em 21/04/2016; - o artigo ........7 foi objeto de avaliação, em 26/06/2016, da qual resultou a fixação do valor patrimonial tributário de 584.150,00€, constando da caderneta predial que se trata de um prédio em propriedade total, com três pisos e 14 divisões, destinado a comércio e serviços em construção tipo industrial, com área de implantação do edifício de 640.0000 m2 e área bruta de construção de 2.120.0000 m2; - com base na avaliação do prédio resultante da sua atualização na matriz, a AT corrigiu o valor de realização declarado pelo Impugnante, de 300.000,00€ para 584.150,00€, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, dando origem à liquidação impugnada. Ora, em causa nos autos, está a realização de obras no locado por parte da arrendatária, mediante a transformação do edifício já existente num pavilhão industrial, não se provando que aquela se tenha tornado proprietária do pavilhão industrial. Dúvidas não restam que o edifício resultante das obras realizadas pela arrendatária continuou a ser parte integrante do prédio urbano [cfr. artigo 1º do CIMI], não tendo originado uma parte de prédio suscetível de utilização independente e de inscrição matricial separada. Como bem entendeu o Tribunal recorrido, tais obras porque realizadas no âmbito de uma relação jurídica de arrendamento, estão sujeitas ao regime legal das benfeitorias, contrariamente ao defendido pelo Recorrente. O conceito de benfeitorias consta do artigo 216º do Código Civil (CC,) de acordo com o qual consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa [n.º 1], podendo essas benfeitorias ser necessárias, úteis ou voluptuárias [n.º 2]. Assim, a realização de benfeitorias no prédio arrendado por parte da “A........, Lda.” apenas poderia conferir a esta um direito a uma indemnização e não um direito de propriedade sobre o edifício implantado no prédio do Impugnante. Refira-se que, de acordo com o princípio da tipicidade previsto no artigo 1306º do CC, não é permitida a constituição de figuras parcelares do direito de propriedade sobre direitos reais, senão nos casos previstos na lei. Sendo de salientar que as partes, no contrato de arrendamento, acordaram expressamente que «Todas as obras ou benfeitorias que o segundo outorgante venha a fazer no arrendado ficam a fazer parte integrante do prédio sem direito a indemnização ou retenção». O edifício resultante das obras realizadas pela arrendatária “A........, Lda.” continuou a fazer parte integrante do prédio urbano da propriedade do Recorrente, o qual apenas ingressou na esfera jurídica “C........, Lda.” com a realização da escritura pública de compra e venda entre esta e o Impugnante, sendo com base neste título constitutivo do direito de propriedade que a “C........, Lda.” atualizou o prédio na matriz, sendo irrelevante, para efeitos da titularidade do direito de propriedade, a circunstância da arrendatária “A........, Lda.” ter faturado o edifício nele implantado à “C........, Lda.” Importa, assim, concluir que, na determinação do ganho sujeito a mais valias pela alienação do prédio urbano em causa nos autos, bem andou a AT ao considerar como valor de realização o valor patrimonial tributário do prédio resultante da avaliação espoletada pela apresentação da modelo 1 de IMI pela adquirente, por ser esse o valor considerado para efeitos de liquidação de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, nos termos do n.º 2 do artigo 44º do CIRS, pelo que a liquidação impugnada não incorre no apontado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos e em consequência a decisão recorrida não merece reparo na apreciação da questão. No que tange à alegada inaplicabilidade de retificação em sede de IMI, teceu o Recorrente extensa argumentação, por certamente não ter compreendido o que se escreveu na sentença objeto de recurso. O Tribunal a quo argumentou, do seguinte modo: “Por fim, e pese embora o âmbito da alegação do Impugnante não seja claro a este respeito, importa salientar que não tendo o sujeito passivo lançado mão do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 139.º do CIRC, com vista a ilidir a presunção prevista no n.º 2 do artigo 44.º do CIRS, onde poderia fazer prova do preço efetivamente recebido pela transmissão do prédio em causa nos autos, não pode ser apreciado nos autos se o preço efetivamente praticado foi inferior ao valor patrimonial tributário do imóvel, na medida em que tal procedimento constitui uma condição de procedibilidade da impugnação com esse fundamento.” O que se disse, foi tão só que o ora Recorrente não fez uso do procedimento tributário que lhe permitiria demonstrar que o preço efetivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do referido artigo 44º, n.º2 do CIRC. Procedimento que é instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão (caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado) ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva (nos restantes casos) e que se rege «pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei» (nº 5 do art. 129º). O que poderia ter acontecido, sem que tal implicasse a alegada dupla tributação, mas de facto não sucedeu. Não nos pronunciaremos relativamente ao alegado pelo Recorrente quanto à inaplicabilidade da figura da acessão, uma vez, que, esta questão não foi tratada na decisão recorrida. Saliente-se, que é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, que não é lícito invocar em sede de recurso questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição. Ora, a apreciação da questão atinente à apreciação da figura jurídica da acessão e suas cominações, comporta um inadmissível ius novarum, pelo que, não sendo uma questão de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame. Pelo exposto, na improcedência das conclusões do recurso interposto, impõe-se julgar o mesmo improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida. * III. DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente (artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Registe e notifique. Lisboa, 9 de janeiro de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Patrícia Manuel Pires] ------------------------------ [Isabel Silva] |