Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1433/12.5BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:MAIS VALIAS – IMI - VPT
Sumário:O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos transmitidos após a reforma do património de 2003 mas antes da avaliação geral para efeitos de IMI, tinha de ser obrigatoriamente actualizado após essa transmissão, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

1.1. As partes e o objeto do recurso

A recorrente A.........., não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que considerou improcedente a impugnação judicial contra o acto de liquidação IRS n.º 2012 500......., e correspondentes juros compensatórios, referente ao exercício de 2008, no valor total de €1.611.897,04, com data limite de pagamento a 15.10.2012, veio apresentar recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:

«1. O Tribunal a quo fundou a sua decisão num pressuposto de facto incorrecto, que altera por completo a aplicação do Direito: de que os imóveis se encontram avaliados nos termos do CIMI.

2. Em primeiro lugar, a título prévio, cumpre assinalar que o Tribunal a quo enferma no mesmo erro da AT, ao justificar a aplicação de VPT distintos às verbas 1.1 e 1.2 na TGIS por terem naturezas distintas.

3. A norma geral que define o âmbito de incidência objectivo de ambas as verbas em causa é o n.º 1, artigo 1.º do CIS, sendo que o n.º 3 do mesmo artigo equivalerá a uma norma interpretativa do n.º 1, de forma a esclarecer e confirmar a existência dos referidos “dois impostos de selo”. Nessa medida, é errado justificar a existência de valores tributáveis diferentes com base numa diferente natureza e na alegação de normas de incidência objectiva diferentes.

4. Sobre o valor tributável dos bens imóveis nas transmissões gratuitas dispõe o artigo 13.º do CIS, pelo que se o legislador tivesse pretendido determinar valores tributáveis diferentes para cada uma das verbas tê-lo-ia consagrado expressamente.

5. Em segundo lugar, de facto a conclusão do Tribunal a quo assenta numa premissa errada: a de que todos os imóveis em causa se encontram avaliados nos termos do CIMI, o que não corresponde à verdade.

6. Na data da liquidação adicional, ainda não tinha havido lugar a avaliação geral nem no caso dos prédios urbanos nem no caso dos prédios rústicos, nos termos dos artigos 14.º a 16.º e 17.º e seguintes do CIMI

7. Por essa razão, à data da liquidação, o VPT dos imóveis não estava determinado de acordo com as normas do CIMI, ao contrário do que refere o Tribunal a quo.

8. Não estando ainda o VPT determinado nos termos do CIMI, não podia a AT liquidar o imposto nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CIS mas sim nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.

9. Dos factos provados resulta que o valor declarado na escritura de doação é superior ao valor resultante da avaliação. Foi em conformidade com o n.º 2 do artigo 13.º do CIS que foi liquidado o Imposto do Selo Verba 1.1., pelo Cartório Notarial C........... E é este o valor que deve ser indicado como valor de aquisição para efeitos de determinação das mais-valias sujeitas a IRS.

10. Em terceiro lugar, a solução pretendida pela AT colide frontalmente com o princípio da tutela da confiança, que impõe que sejam devidamente salvaguardadas as legítimas expectativas dos contribuintes.

11. Com efeito, é facto assente que, na escritura, foi liquidado imposto do selo com base no valor declarado e que a AT nunca pôs em causa a liquidação realizada pelo cartório Notarial C...........

12. Mesmo que existam dúvidas quanto à interpretação da lei neste caso, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, a aplicação das normas fiscais nunca poderá afectar as legítimas expectativas dos contribuintes, o que traduziria a violação do princípio da tutela da confiança e da legalidade fiscal (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 07A760, proferido em 27 de Março de 2007, e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 186/2009.

13. Não é, por conseguinte, legítimo à AT defraudar as legítimas expectativas do contribuinte, numa situação de manifesta injustiça na tributação (uma vez que a Recorrente indicou na sua declaração de IRS os valores que serviram de base à liquidação de imposto do selo realizada na escritura) e que não corresponde, de todo, ao princípio da capacidade contributiva.

14. Como decorre do anteriormente exposto, a Recorrente apresentou a sua declaração de IRS de acordo com a legislação aplicável, pelo que não lhe serão devidos quaisquer juros compensatórios.

15. Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre será de referir que, sendo a liquidação de juros compensatórios fundada em erro na indicação do valor de aquisição dos imóveis, até 5 de Janeiro de 2010 não poderiam ser liquidados juros compensatórios pois os valores que deveriam ser indicados, no entendimento da AT (que refutamos), na declaração de rendimentos e que se consideram pretensamente correctos apenas naquela data chegaram ao conhecimento da Impugnante.

16. Até porque, conforme já acima referido, a Recorrente liquidou o imposto do selo referente à verba 1.1 da TGIS com base no valor declarado, não tendo resultado para a Recorrente qualquer dúvida de que preenchia a sua declaração correctamente. Face ao princípio da tutela da confiança, revela-se perfeitamente justificável que a Recorrente tenha considerado o mesmo valor para efeitos das mais-valias.

17. Neste enquadramento, deve a Liquidação Adicional de IRS e a respectiva determinação de juros compensatórios ser considerada ilegal por contabilizar juros anteriores a 5 de Janeiro de 2010, não tendo havido até essa data culpa da Impugnante.

Nestes termos,

Deve o presente recurso proceder por provado e, em consequência, deverá ser revogada a sentença proferida pelo tribunal de 1.ª Instância, no sentido da procedência da impugnação apresentada pela Recorrente.»


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

A Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu, nos termos do artigo 289.º, n.º 1 do CPPT, douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

*

1.2. Questões a decidir

Determinar se, após a entrada em vigor da reforma do património de 2003, o preço de aquisição relevante para efeitos de cálculo do valor da mais-valia resultante da alienação de imóveis adquiridos gratuitamente é obtido a partir do VPT inscrito anteriormente na matriz e anterior à reforma ou o VPT actualizado.


*


2 - Fundamentação

2.1 De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A. A 22.11.2007 foi elaborado um documento com a epígrafe “doação”, no Cartório Notarial de C.........., assinado por M.........., na qualidade de primeira outorgante, e A..........na qualidade de procuradora e em nome e representação de A.........., na qualidade de segunda outorgante, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

Pela primeira outorgante, (…) são donas e legítimas possuidoras dos seguintes imóveis, todos sitos na freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras:

A da alínea a): do prédio rústico, sito em C......., C........, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ........, da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo número ........, secção ....., com o valor patrimonial de cento e sete euros e quarenta e sete cêntimos e atribuído de um milhão setecentos e três mil seiscentos e sessenta e sete euros;

A da alínea b): do prédio rústico, sito em C........ e C........., Quinta de ........ e C........, descrito na dita Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ........, da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo número ........, secção ......., com o valor patrimonial de quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos e atribuído de um milhão quatrocentos mil e quatro euros;

A da alínea c), dos seguintes bens:

- do prédio rústico, sito em Quinta de ........., descrito na dita Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ......., da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo número ........, secção ......., com o valor patrimonial de noventa euros e atribuído de um milhão duzentos e noventa e seis mil trezentos e vinte e nove euros;

- prédio urbano, denominado Quinta ........, ........., descrito na dita Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ........., da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz sob os artigos números ........., com o valor patrimonial de dezanove mil duzentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos, e atribuído de trezentos e sessenta e três mil oitocentos e quarenta e três euros; ........., com o valor patrimonial de três mil cento e setenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos, e atribuído de vinte e dois mil setecentos e quarenta euros; ........., com o valor patrimonial de três mil centos e setenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos, e atribuído de vinte e dois mil setecentos e quarenta euros; e ........., com o valor patrimonial de sete mil quatrocentos e vinte euros e cinquenta e nove cêntimos e atribuído de noventa mil seiscentos e noventa e seis mil trezentos e vinte e nove euros, o que perfaz um valor total das doações no montante de quatro milhões e novecentos mil euros.

(...)

Que, pela presente escritura, em nome das suas representadas, e na parte a que cada uma respeita, e ao abrigo da respectiva lei das sociedades, como consta de certificado de lei, adiante referido, doa à representada da segunda outorgante, todos os imóveis pelos indicados valores, que perfazem o montante total de quatro milhões e novecentos mil euros.

(…)

Foram liquidadas nesta data as importâncias de treze mil seiscentos e vinte e nove euros e trinta e quatro cêntimos, onze mil duzentos euros e três cêntimos, de catorze mil trezentos e setenta euros e sessenta e três cêntimos e de vinco e cinco euros, referentes ao imposto de selo devido pelas doações e pela escritura, respectivamente.

(…) [cf. fls. 54 a 61 dos autos].

B. A 27.11.2007 foi participada junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4, a transmissão gratuita realizada a favor da Impugnante, do prédio rústico inscrito no artigo ..., secção ..., da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, que deu origem à liquidação n.º 62...., emitida em 15.09.2008, no montante de €0,75, calculado sobre o valor tributável de €7,54 [cf. fls. 72 a 75 e 105 dos autos].

C. A 27.11.2007 foi participada junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4, a transmissão gratuita realizada a favor da Impugnante, do prédio rústico inscrito no artigo ..., secção ..., da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, que deu origem à liquidação n.º 63...., emitida em 19.09.2008, no montante de €0,33, calculado sobre o valor tributável de €3,26 [cf. fls. 76 a 79 dos autos].

D. A 27.11.2007 foi participada junto do Serviço de Finanças de Lisboa 4, a transmissão gratuita realizada a favor da Impugnante, do prédio rústico inscrito no artigo ..., secção ..., da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, e dos prédios urbanos inscritos com os artigos ...., ...., ...., ...., todos da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, que deu origem à liquidação n.º 93...., emitida em 05.01.2010, no montante de €13.916,56, calculado sobre os valores tributáveis de €5,57, €105.600,00, €2.370,00, €2.370,00 e €28.820,00, respectivamente [cf. fls. 80 a 83 dos autos].

E. A liquidação identificada no ponto anterior, no montante de €12.037,81, foi paga em 08.04.2010 [cf. fls. 121 dos autos].

F. A 07.01.2008 foi elaborado um documento com a epígrafe “permuta”, no Cartório Notarial de C.........., assinado por A..........na qualidade de procuradora e em nome e representação de A.........., na qualidade de primeira outorgante, e F......... e P........, na qualidade de presidente e vogal do Conselho de Administração da sociedade “S......... – EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.”, e onde consta nomeadamente, que:

“(…)

Pela primeira outorgante, (…) é dona e legítima possuidora dos seguintes imóveis, todos sitos na freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras:

a): do prédio rústico, sito em C......., C......., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ......., da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo número ......., secção ...., com o valor patrimonial de cento e sete euros e quarenta e sete cêntimos e atribuído de dois milhões quatrocentos e noventa e sete mil quatrocentos e quarenta e sete euros;

b): do prédio rústico, sito em C........ e C......., Quinta ........ e C......, descrito na dita Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ......, da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo número ......., secção ...., com o valor patrimonial de quarenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos e atribuído de dois milhões cinquenta e dois mil e trezentos euros;

c): do prédio rústico, sito em Quinta ........, descrito na dita Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ......., da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz rústica, sob o artigo número ......., secção ......., com o valor patrimonial de noventa euros e atribuído de um milhão novecentos mil trezentos e vinte e um euros;

d): prédio urbano, denominado Quinta .........., Alfragide de Baixo, descrito na dita Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o número ......, da dita freguesia, (…) inscrito na respectiva matriz sob os artigos números ......, com o valor patrimonial de dezanove mil duzentos e noventa euros e cinquenta e quatro cêntimos, e atribuído de quinhentos e trinta e três mil trezentos e sessenta e sete euros; ......, com o valor patrimonial de três mil cento e setenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos, e atribuído de trinta e três mil trezentos e trinta e cinco euros; ......., com o valor patrimonial de três mil centos e setenta e oito euros e oitenta e nove cêntimos, e atribuído de trinta e três mil trezentos e trinta e cinco euros; e ......., com o valor patrimonial de sete mil quatrocentos e vinte euros e cinquenta e nove cêntimos e atribuído de cento e trinta e dois mil novecentos e vinte e cinco euros, num total de valores patrimoniais, no montante de trinta e três mil sessenta e oito uros e noventa e um cêntimos e atribuídos de setecentos e trinta e dois mil novecentos e sessenta e dois euros, o que perfaz um valor total atribuído dos bens, no montante de sete milhões cento e oitenta e três mil e trinta euros.

(...)

Que, pela presente escritura, ela primeira outorgante em nome da sua representada, dá à sociedade representada pelos segundo, os identificados prédios, no referido total de sete milhões cento e oitenta e três mil e trinta euros;

(…) [cf. fls. 54 a 61 dos autos].

G. A 02.10.2009 foi pela Impugnante apresentada a sua declaração Mod. 3 de IRS, referente ao exercício de 2008, contendo um anexo G, que deu origem à emissão da liquidação n.º 2009......., no valor de €486.196,23, onde constava nomeadamente o seguinte:


(“texto integral no original; imagem”)

[cf. fls. 48 a 52 dos autos e 187 do PAT em apenso].

H. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2012...., emitida em 21.03.2012, e com despacho de 26.03.2012, foi ordenada uma acção de inspecção externa, com referência ao exercício de 2008, à Impugnante, em sede de IRS [cf. fls. 30 dos autos].

I. Por ofício n.º 048..., de 20.06.2012, foi a Impugnante notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária [cf. fls. 92 e 93 dos autos].

J. A 09.07.2012, deu entrada da Direcção de Finanças de Lisboa, requerimento através do qual a Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia [cf. fls. 95 a 122 dos autos].

K. A 19.07.2012 foi elaborado o relatório de inspecção em sede do procedimento identificado no ponto anterior, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

1.1. – SITUAÇÃO DE FACTO

1.1.1.- AQUISIÇÃO GRATUITA DE BENS A FAVOR DO SUJEITO PASSIVO (DOAÇÃO)

Da consulta, recolha e cruzamento de informação, apurou-se que durante o ano de 2007, o sujeito passivo adquiriu por doação a propriedade dos seguintes prédios (urbanos e rústicos), por escritura de doação celebrada em 2007/11/22, no Cartório Notarial do Lic." C........... (Cfr. Anexo 3, fls)


(“texto integral no original; imagem”)

1.2. ALIENAÇÃO ONEROSA DO DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE OS IMÓVEIS

Por escritura pública lavrada no dia 2008/01/07 no Cartório Notarial do Lic.º C.........., foram alienados os referidos Imóveis pelo valor de €7.183.030,00 (ctr. Anexo 4, fls. 289


(“texto integral no original; imagem”)


Ora, o ganho obtido com a transmissão da propriedade dos imóveis, é qualificado como mais valias tributadas como rendimentos da categoria G, nos termos da aliena a} do n.º 1 do artigo 10.° do CIRS.

Nesta conformidade, e de acordo com o disposto nas alíneas a) dos n.º s 1 e 4 do artigo 10.°, conjugado com o art.º 50.º ambos do CIRS, o apuramento da mais valia sujeita a IRS, é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição

“... corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados mediante portaria do Ministro das Finanças, sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ... “

Para o efeito considera-se o valor de realização o que resultou da alienação dos imóveis e por valor de aquisição, o valor que serviu de base à liquidação do imposto de selo ou o valor e serviria de base ao imposto de selo, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto, por se tratar de um imóvel adquirido a título gratuito (doação), conforme estabelecem os n.º s 1 e 2 de art.º 45.º à data da ocorrência dos factos (correspondem às atuais alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, pela redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010 - 28/04)

Sendo de referir que o n.º 2 do artigo 44.º do CIRS estabelece, que

"... tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados o para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida ... "

No caso em apreço, o Valor Patrimonial Tributário é inferior ao valor da alienação, conforme se comprova, no quadro infra:


(“texto integral no original; imagem”)

Assim o valor de realização a considerar é, respetivamente, de € 7.183.030,00.

Consultada a base de dados do sistema informático do Património, verifica-se que o valor tributável que serviu de base à liquidação do imposto de selo, na parte correspondente á transmissão gratuita (doação), a favor do sujeito passivo em análise, foi de € 139.176,37. redistribuída pelos Imóveis, nos seguintes montantes: (cfr. Anexo 5, fls 2 a 9)


(“texto integral no original; imagem”)

Em conformidade com o referido, o valor de aquisição do imóvel a considerar pelo sujeito passivo no apuramento das mais-valias é de € 139.176,37 e o valor de realização é de € 7.183.030,00.

1.2. – ANÁLISE Á SITUAÇÃO DE FACTO

1.2.1 – MAIS-VALIA DECLARADA PELO SUJEITO PASSIVO NO ANEXO “G” À DECLARAÇÃO PERIÓDICA DE RENDIMENTOS – MOD. 3 DE IRS

Face ao facto, do sujeito passivo ter obtido rendimentos sujeitos a IRS em território nacional, o mesmo, procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos, modelo 3 do IRS, acompanhada, designadamente do anexo G, na qual declarou os seguintes valores para o cálculo da mais-valia, resultante da alienação dos imóveis, de acordo com a legislação já citada e que a seguir se demonstra pela aplicação da seguinte fórmula:




Tratando-se de um sujeito passivo residente em território nacional, o saldo positivo ou negativo apurado entre as mais-valias e as menos-valias respeitante às transmissões efectuadas é de englobar em apenas 50% do seu valor de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS.

Assim, os valores declarados no anexo "G" á declaração periódica de rendimentos modelo 3 de IRS, foram:


(“texto integral no original; imagem”)

De acordo com os elementos declarados pelo sujeito passivo, a mais valia fiscal é de € 1.121.915,00, em resultado da alienação dos imóveis já identificados.

1.2.2 – ANÁLISE À DECLARAÇÃO PERIÓDICA DE RENDIMENTOS – MOD. 3 DE IRS

Da validação entre os elementos: declarados no anexo G da modelo 3 de IRS e os já apurados no ponto anterior deste relatório, detetou-se uma divergência entre os valores de aquisição declarados pelo sujeito passivo na mod.3 de IRS (€4.900.000,00) e o valor de aquisição determinado de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS (€139.176,37), o que implica a alteração da mais valia fiscal declarada, resultante da referida alienação, conforme cálculos que se seguem:


(“texto integral no original; imagem”)

Assim, face ao exposto, foi subtraído à tributação em sede de IRS, no ano de 2008, o montante de € 2.380.411,82 (€ 3.502.326,82- € 1.121.915,00), o que implica uma alteração ao rendimento coletável declarado de € 1.121.915,00, para um rendimento coletável corrigido de € 3.502.326,82, conforme consta do seguinte apuramento:


(…)

IX – 1.2.1. DIREITO DE AUDIÇÃO

No exercício de direito de audição, o mandatário substabelecido, pronuncia-se sobre os factos tributários constantes nos capitulas anteriores deste relatório, em 28 articulados requerendo, em resumo o seguinte:

"... Deve projeto relatório de inspeção ser alterado no sentido de considerar correta a declaração apresentada pela Contribuinte,

Caso assim não se entenda,

Deve o âmbito da presente inspeção tributária ser alargado determinando-se a averiguação e análise da situação tributária da contribuinte quanto ao IS relativo à aquisição dos imóveis em causa, nos termos do disposto no artigo 15.°, n.º 1 do RCIPT... "

(…)

IX – 1.3. ANÁLISE À AUDIÇÃO APRESENTADA PELO SUJEITO PASSIVO

Analisados os argumentos invocados pelo sujeito passivo, salienta-se o seguinte:

A transmissão de direitos reais sobre bens imóveis a título gratuito, foi sujeita a Imposto do Selo:

- nos termos do disposto do 1.° do artigo 1.° do Código do IS (CIS), à taxa aplicável (por força do disposto no artigo 22.º do CIS) de 0,8%, constante da verba 1.1. da Tabela Geral de Imposto de selo (TGIS), ao valor do ato e documento (escritura), o qual foi liquidado pelo notário no momento da celebração da respetiva escritura de doação; (o denominado selo do contrato/ato/escritura)

- e simultaneamente, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do art.º 1 do CIS, à taxa aplicável de 10%, constante da verba 1.2. da TGIS, que promovida pelo Serviço de Finanças competente, em virtude de estarmos perante uma transmissão gratuita de bens, a qual tem por objeto um direito de propriedade. (o denominado selo da transmissão gratuita)

Assim fica claro, que a incidência do imposto de selo sobre a transmissão de direitos reais sobre bens imóveis a título gratuito face á redação dos citados artigos comportou duas situações distintas já supra identificadas:

- Aquisição de bens imóveis por titulo oneroso ou por doação prevista na verba 1.1. da TGIS, (tributa o ato, escritura de doação)

- Aquisição gratuita de bens prevista na verba 1.2. da TGIS. (tributa a transmissão propriamente dita)

Posto isto, há que fazer referência às normas que permitem determinar o VALOR DE INCIDÊNCIA DAS TAXAS, para efeitos de IS, anteriormente referidas:

A incidência do imposto de selo nas transmissões prevista na Verba 1.1. da TGIS é coincidente com o âmbito de incidência objetiva do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis estabelecida no n.º 1 do artigo 2. do CIMT, pelo que, a determinação e do valor tributável sobre a qual recai a taxa de 0,8% é o valor do ato e documento (escritura), o qual é determinado nos termos do artigo 12.° a 16.° do CIMT.

Enquanto que, a verba 1.2 da TGIS, vem, em substituição do abolido imposto sobre as sucessões e doações, sujeitar a imposto do selo as transmissões gratuitas de bens (CIS, artigo 1. n.os 3 a 5), á taxa de 10% sobre o respetivo valor tributável, determinado nos termos dos artigos 13.º a 21.º do Código do IS.

Face ao referido, o suscitado nos articulados 1 e 5 da petição, salvo o devido respeito, não tem aplicabilidade, atendendo a que o IS prevista na Verba 1.1. da TGIS é liquidado de acordo com as disposições nos artigos 12.º a 16.º do CIMT e o IS prevista na verba 1.2. da TGIS, é determinado de acordo com o artigo 13.º a 21.° do CIS.

Por outro lado, relativamente, as alegações referentes á violação do n.º 2 do artigo do 13.° do CIS, (cfr, articulado i) é de esclarecer o seguinte:

Com o devido respeito, no facto tributário em análise, é regra geral, constante do n.º 1 do artigo e 13.º do CIS, aplicável e não o disposto no n.º 2 do referido artigo.

Estabelece o referido n.º 1 do artigo 13.º do CIS, que, o valor tributável dos bens imóveis a considerar para efeitos de liquidação de imposto de selo nas transmissões gratuitas é o valor patrimonial tributário dos prédios, que conste da respetiva matriz predial nos termos do CIMI á data da transmissão ou o valor determinado por avaliação, no caso de os prédios inscritos na matriz sem valor patrimonial.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 13.° do CIS, apenas é aplicável no caso de imóveis, e direitos reais sobre eles incidentes, cujo valor patrimonial, não seja objeto de inscrição na matriz, ou cujo valor não possa ser determinado por aplicação das regra do CIMI. Por outro lado, a remissão para o artigo 14.º do CIMT, contempla a situação de a avaliação desses bens, ser efetuada por perito local do Serviço de Finanças da área da situação dos bens.

Face ao exposto, reitera-se o facto do n.º 2 do artigo 13.°, não ser aplicação à situação em análise, porque á data da transmissão os prédios já se encontravam inscritos na matriz predial, cuja determinação teve por base a regras do IMI.

Quanto ao pronunciado nos articulados 1., 17 e 18 da petição (antes transcritos) para o exercício de direito de audição, apraz referir, desde logo, o seguinte:

O valor atribuído/declarado no ato de escritura de doação apenas se mostra relevante para efeitos da incidência da taxa de imposto prevista na verba 1.1. da TGIS (o denominado selo do contrato), não podendo ser considerado como valor de aquisição para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRS.

Na realidade, conforme o previsto no n.º 1 do artigo 45.º do CIRS, para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, nas aquisições a título gratuito, considera-se como valor de aquisição aquele que tenha sido considerado para efeitos de liquidação do imposto de selo á taxa constante da Verba 1.2. da TGIS. (selo da operação de transmissão gratuita e não o selo da ato/escritura ou selo do contrato).

Estando perante uma situação de facto em análise, enquadrável, nos termos do artigo 45.°, n.º 1 alínea a) do CIRS, conforme consta no capítulo III.1.2.2. deste relatório, o valor de aquisição, para efeitos de calculo do ganho com a respetiva transmissão a titulo oneroso é aquele que constante da liquidação do imposto de selo (á taxa aplicável de 10% da verba 1.2 da TGIS aplicável por força do disposto no artigo 22.º do CIS e remissão do al. a), do n.º 3 do art.º 1.º do CIS)

Assim sendo, o valor de aquisição, para efeitos de cálculo do ganho considerado no decurso deste procedimento foi de € 139.176,17 correspondente ao valor que serviu de base á liquidação do IS (cfr. demonstração constante do capitulo III.1.2.2. deste relatório) e não de € 4.900.000,00 (correspondente ao valor declarado na escritura de doação) considerado pelo sujeito passivo no anexo G da declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2008.

Relativamente às alegações constante no articulado 27. e 28. da referida petição é de referir, o disposto no artigo 44.º do CIS, o qual consagra:

"sempre que o imposto deva ser liquidado pelos serviços da administração fiscal, só se procede á liquidação, ainda que adicional, se o seu quantitativo não for inferior a € 10,00. "

Neste sentido, porque o valor do imposto de selo a liquidar sobre a aquisição gratuita dos prédios rústicos inscrito na matriz predial sob o artigo ..., secção .. e artigo n.º ..., secção ... e de montante inferior a € 10,00, conforme documentos que já integram os anexos ao projeto de conclusões do relatório, (cfr. anexo 5, tis. 5 e 9) não é o mesmo exigível.

Por último, atento ao pedido formulado na parte final do exercício de direito de audição, é importante clarificar que o alargamento do âmbito do presente procedimento de inspeção tributária ao IS, nos termos do disposto no artigo 15.°, n.º 1 do RCPIT, apenas poderá ocorrer durante os atos de inspeção. Concluídos estes (que coincide com a data da assinatura da nota de diligência, nos termos do art.º 61.° do RCPIT), tal alteração não é admissível. Por outro lado, face ao estabelecido no artigo 39.º, n.º 1 do CIS, a situação tributária em questão recai num período de incidência temporal diferente da abrangida neste procedimento de inspeção (2008).

Face aos argumentos invocados pelo sujeito passivo e fundamentação supra explanados conclui-se pela manutenção das correções inicialmente propostas, á declaração mod.3. de IRS com referência ao exercício de 2008, (cfr. constantes do capitulo III do projeto conclusões de relatório.)

(…) [cf. fls. 27 a 43 dos autos].

L. Por despacho de 31.07.2012, do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, foram sancionadas as conclusões apuradas no relatório de inspecção identificado no ponto anterior [cf. fls. 27 dos autos].

M. Através do ofício n.º 61..., de 01.08.2012, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a Impugnante notificada do teor do relatório de inspecção supra identificado [cf. fls. 26 dos autos].

N. A 05.09.2012, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2012 500......., referente ao exercício de 2008, em nome da Impugnante, no montante de €1.611.698,04 [cf. fls. 24 dos autos].

O. A 05.09.2012, foi emitida a liquidação de juros compensatórios associados à liquidação identificada no ponto anterior, calculados da seguinte forma:


(“texto integral no original; imagem”)

[cf. fls. 25 dos autos].

P. A presente impugnação judicial foi remetida via sitaf em 20.12.2012 [cf. fls. 2 dos autos].


*

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.»

Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC, adita-se a seguinte matéria com interesse para a decisão:

À data das transmissões referidas de A) a F) supra, o VPT dos prédios tinha sido determinado:

O do artigo ....º no ano de 1991;

O do artigo ....º no ano de 1991;

O do artigo ....º no ano de 1991 (rústico)

O do artigo ....º no ano de 2006;

O do artigo ....º no ano de 2006;

O do artigo ....º no ano de 2006;

O do artigo ....º no ano de 2006;

(cfr. fls. 79 e ss. do PA)


*

2.2. De Direito

A discordância da recorrente com a decisão recorrida assenta, fundamentalmente, na consideração de que esta acolheu o entendimento da AT de que as mais-valias resultantes da alienação dos prédios que havia adquirido por doação se calculam a partir do VPT constante da matriz, por entender que essa mais valia deve ser calculada a partir do valor declarado para efeitos de impostos de selo da escritura notarial de aquisição.

Assim, segundo o entendimento da AT sufragado na sentença, as mais-valias são calculadas com base na diferença de valores entre o VPT inscrito na matriz e o valor de realização ou de venda.

Cálculo esse que, no caso concreto, se obtém pela diferença entre € 139.176,17 (somatório do VPT de todos os prédios) e de € 7.183.030,00 (valor de venda de todos os prédios).

Os imóveis foram adquiridos por doação em Novembro de 2007 e, dois meses depois, são vendidos por mais de sete milhões de euros.

Sendo inimaginável que qualquer comprador normal e prudente pague sete milhões de euros por imóveis cujo VPT, dois meses antes, fosse de cerca de 140 mil euros, pode suceder que esse VPT esteja desfasado da realidade.

Vejamos.

Financeiramente, a mais-valia corresponde ao lucro que se obtém de venda ou troca de um activo em relação ao seu preço de custo ou compra. Fiscalmente, o conceito sofre uma nuance: a mais-valia corresponde ao ganho que se obtém entre o preço de compra ou de aquisição de um bem e o seu preço de venda ou alienação, deduzido das despesas que tenham ocorrido e da correcção monetária, quando aplicável. Traduz-se naquilo que vulgarmente se designa por ganhos do vento, isto é, ganhos obtidos sem o esforço pessoal do beneficiário ou do seu património.

Quando estamos perante um título aquisitivo gratuito (doação), poderia ser-se tentado a dizer que, como não houve dispêndio ou esforço financeiro na compra, tudo o que se apurou na alienação é lucro.

Sendo assim de um ponto de vista prático, tirar esta conclusão sob um óptica fiscal conduz a resultados inaceitáveis. É que a lei tributária ficciona para os negócios gratuitos um “custo de aquisição” que tendencialmente equipara ao valor de mercado e é a partir desse valor que determina o quantum do imposto a pagar. Isto é, a lei fiscal só tributa a mais-valia fiscal (a que se verifica entre o custo de aquisição e o custo de realização), e não a mais-valia financeira emergente do negócio gratuito, que é obtida a partir de um custo de aquisição neutro (igual a zero) e o valor de realização.

Resulta do disposto no artigo 10.°, n.° 4 do CIRS, que constitui ganho sujeito a IRS, a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1 (do citado normativo).

O artigo 45.º, n.º 1, do CIRS, sob a epígrafe "Valor de aquisição a título gratuito", dispõe que “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo.

A versão anterior, que vigorou ate a entrada em vigor da Lei n.° 53-A/2006 de 29/12, estabelecia:

1. Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre as sucessões e doações”.

2. Não havendo lugar a liquidação do imposto referido no número anterior, considerar-se-ão os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3. No caso de direitos reais sobre bens imoveis adquiridos há menos de dois anos, por doação isenta nos termos da alínea e) do artigo 6.° do C6cligo do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário anterior à doação.

Assim, na redacção à data dos factos o CIRS ficcionava (e ficciona) como valor de aquisição, para efeito de determinação e mais-valias relativas a aquisições a título gratuito, o valor que fosse/haja sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo; na redacção anterior tal valor era apurado por referência ao valor considerado para efeito da liquidação do imposto sobre as sucessões e doações.

Como resulta da matéria de facto, o VPT dos imóveis em causa era muito inferior ao valor declarado para efeitos de liquidação do imposto de selo. Como assim, a AT aplicou esse VPT para apurar a tributação devida a título de mais-valias, isto é, calculou essas mais-valias com base na diferença entre € 139.176,17 (VPT) e € 7.183.030,00 (valor de venda). A recorrente defende, porém, que tal cálculo se deveria fazer a partir do valor declarado para efeitos de liquidação do IS (verba 1.2 da TGIS), ou seja, de € 4.900.000,00.

Como é sabido, em 2004 foi abolido o imposto sobre doações e sucessões, prescindindo o Estado de arrecadar as receitas que até aí vinha obtendo com a aplicação deste imposto. Ora, considerando que os imóveis foram alienados cerca de dois meses depois da doação pelo valor de 7.183.030,00, e sendo evidente que nenhum comprador normal e prudente pagaria este preço por imóveis que tivessem um valor de mercado de cerca de €140.000, tal pode significar que na data em que foi celebrada a escritura de doação o valor de mercado dos imóveis não era, manifestamente, o que constava do VPT.

Pelo que, apurar as mais-valias a partir desse VPT pode significar, na prática, aplicar, entre o VPT e o valor declarado, um verdadeiro imposto à beneficiária da doação, quando é certo que o imposto de sucessões e doações já havia sido abolido.

Ou seja, se seguirmos a perspectiva da recorrente, a determinação das mais-valias nos moldes em que foi efectuada pela AT conduz a um resultado injusto e ilegal. Injusto na medida em que vai ficcionar uma mais-valia a partir de um valor de uma aquisição gratuita completamente desfasado da realidade, e ilegal, na medida em que a liquidação emergente dessa operação se traduz, na prática, na aplicação de um imposto que já não está vigente na ordem jurídica, assim violando o princípio da legalidade fiscal, plasmado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

Seguindo sempre o raciocínio da recorrente, então, como o intérprete deve presumir um elevado grau de acerto do legislador (artigo 9.º, n.º 3, do CC), a solução a dar ao caso presente não pode ser aquela que a AT mecanicamente aplicou e que a sentença sancionou. Isto é, teria de procurar-se uma solução que, com o necessário apoio legal, não conduzisse ao resultado injusto e ilegal acima referido.

A recorrente defende que os prédios não possuíam VPT e que, por isso, o valor para efeitos de cálculo das mais-valias, devia ser feito à luz do artigo 13.º, n.º 2, do CIS. Esta afirmação não corresponde à verdade, como infra melhor se perceberá.

O VPT já existia antes da reforma do património efectuada em 2003 (Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro). No entanto, como era amplamente reconhecido – sendo, até, um dos motivos para a reforma – estava amplamente desactualizado em relação à esmagadora maioria dos prédios, não terem sido efectuadas as avaliações periódicas que o sistema exigia.

Portanto, não é exacto que os prédios em causa não possuíssem VPT. O que alguns deles não tinham era um VPT em consonâncias com o valor de mercado, precisamente a tónica imposta pela reforma do património de 2003.

Mas apenas em relação aos prédios rústicos.

Em relação aos prédios urbanos, como resulta da matéria aditada, o VPT foi actualizado em 2006.

Portanto, a pergunta que se impõe é esta: o apuramento da mais-valia prevista no artigo 45.º do CIRS, no caso concreto deve basear-se no VPT inscrito ou no VPT condizente com tais regras, dominadas pelo princípio da aproximação dos valores patrimoniais tributáveis aos valores de mercado?

Se pensarmos que, concomitamente com a reforma da tributação do património, foram operadas alterações nos códigos tributários de molde a compatibilizá-los com essa reforma, harmonizando o sistema de tributação das transmissões de imóveis através da relevância do VPT apurado nos termos do Código do IMI, para efeitos de tributação em sede de todos os impostos, então facilmente se concluiu que ao remeter para o VPT dos imóveis nos termos do CIS o legislador do CIRS perspectivou a aplicação das novas regras de determinação do VPT constantes do CIMI, e não o valor que vinha de pregresso, determinado ao abrigo da Contribuição Autárquica.

No entanto, a determinação do VPT segundo as novas regras só era obrigatória para AT após a transmissão gratuita, por força do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de Novembro, na redacção então vigente, em relação ao prédio urbano transmitido. De facto, a partir de 1 de Dezembro de 2003 (data da entrada em vigor do CIMI), a actualização do valor fiscal dos imóveis (avaliados ao abrigo da legislação anterior e inscritos na matriz), devia ser feita de acordo com as regras de avaliação substantivas e procedimentais previstas no Código do CIMI, quando fossem objecto de uma primeira transmissão (a contar dessa data), onerosa ou gratuita, como sucedeu in casu em relação aos prédios urbanos.

Mas como a lei não impôs idêntica obrigação de avaliação para os prédios rústicos, segue-se que a AT, ao lançar mão dos VPT inscritos nenhuma ilegalidade cometeu.

No que concerne à desconsideração do valor de IS declarado para efeitos de tributação do acto de transmissão, a sentença obtemperou que:


Assim, comungando deste entendimento, dir-se-á que foi correcta a forma como a AT procedeu à liquidação das mais-valias geradas com a alienação dos prédios em causa.

Em resumo e para concluir, a sentença fez correcta aplicação do direito, pelo que merece ser confirmada.


*

Atendendo à reduzida complexidade da causa e à conduta das partes, dispensa-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.° 7 do art.º 6° do Regulamento das Custas Processuais.

*

3 – Dispositivo

Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

D.n.


Lisboa, 2019-07-11

________________

(Benjamim Barbosa)

________________

(Ana Pinhol)

________________

(Isabel Fernandes)