Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:279/17.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/12/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:FALTA DE ENTREGA DA PRESTAÇÃO TRIBUTÁRIA DENTRO DO PRAZO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
INTERRUPÇÃO E PRESCRIÇÃO
Sumário:I. A infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo encontrando-se, como vimos, dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludindo.
II. Na situação em apreço, sendo o IVA, remete-se o respetivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto conforme decorre do n.º 4 do citado artigo 45.º da LGT
III. A interrupção do prazo de prescrição, determina o reinício da contagem do prazo, porém na situação em análise, o decurso do novo prazo encontra-se limitado pela regra imposta pelo n.º 3 do artigo 28° do RGCO, supratranscrita, que determina que a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
IV. Para efeitos de contagem de prazo de suspensão ressalta das alíneas b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 27.ºA do RGCO que, nestes casos a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção da Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

M...S.A., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, no processo de contraordenação nº 21942014060000298834, no montante de € 34.052,19 acrescido de € 76,50 de custas, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 19.°, n.º 2 e 36.º n.º 5 do CIVA, por atraso falta de entrega de prestação tributária, referente ao período 201404.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, por sentença de 27 de setembro de 2018, decidiu alterar a decisão administrativa de aplicação da coima impugnada e condenar a Recorrente no pagamento de coima, especialmente atenuada, no montante de € 450,49.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA (FP), veio recorrer tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I. Foi o presente Recurso decidido por Despacho, tendo o Tribunal "a quo’’ seguido o que veio peticionado pela recorrente, concluindo, a final, pela aplicação de coima no valor de 450,49 Euros em substituição daquela fixada pela Autoridade Tributária, que fora de 34 052,19 Euros;

II. Discorda a Fazenda em parte do que vem fundamentado e decidido, entendendo que o valor a fixar para a coima em causa nos autos não corresponderá aos 450,49 Euros, mas antes deverá ser, no mínimo, de 990,97 Euros;
III. O n.° 1 do art.° 114.° do RGIT pune a não entrega, total ou parcial da prestação tributária deduzida nos termos da lei, conduta que, pelo n.° 2 do diploma, se imputada a título de negligência, variará entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. Tratando-se de pessoa coletiva, pelo n.° 4 do art.° 26.° do RGIT estes limites - mínimo e máximo - são elevados para o dobro, ou seja, in casu, 9 909,79 Euros e 33 032,64 Euros, respetivamente, considerando que o imposto em falta punido por este normativo legal foi, de facto de 33 032,64 euros e não de 113 507,53 Euros, valor este correspondente à correção realizada pelos serviços;

IV. Considera-se que o Douto Despacho decisório incorre em erro de cálculo, pois 15% de 33 032,64 Euros não são os 9 009,792 que indica, mas antes 9 909,79 Euros;

V. Por outro lado, metade do imposto em falta corresponde ao montante de 16 516,32 Euros mas, tratando-se de pessoa coletiva o limite máximo é o dobro deste, ou seja, os 33 032,64 Euros. Assim, errou também o Tribunal ao calcular como montante máximo da coima a aplicar 16 516,32 Euros (no entanto, o erro na fixação do montante máximo acaba por ser inócuo na decisão final);

VI. Pelo n.° 2 do art.° 32.° do RGIT, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo e, pelo n.° 3 do art.° 18.° do RGCO, "quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade’’, ou seja, passam no caso, respetivamente a 4 954,90 Euros e 16 516,32 Euros;

VII. Por fim, com o pagamento da dívida de imposto no âmbito do Decreto-lei n.° 67/2016, de 03.11 (PERES), a coima é reduzida para 10% do mínimo da coima prevista no tipo legal, por aplicação do disposto na alínea a) do n.° 2 do art.° 4.° daquele diploma.

VIII. O valor definitivo a que o Tribunal chega resulta da aplicação daqueles 10%, à coima que fixou (e com erro de cálculo), quando apenas a alínea b) do n.° 2 do art.° 4.° prevê a redução da coima para 10% do montante da coima aplicada, ou seja, só na situação de "coimas pagas no processo de execução fiscal’’, o que não é o caso;

IX. O mínimo da coima prevista no tipo legal é, no caso, de 9 909,79 Euros (15% a que acresce o agravamento previsto para as pessoas coletivas), correspondendo 10% ao valor de 990,98 Euros e não a 450,49 Euros;

X. Errou, assim, o Tribunal "a quo", ao aplicar a redução de 10% prevista na alínea a) do n.° 2 do art.° 4.° do Decreto-lei n.° 67/2016, de 03.11, não ao mínimo previsto no tipo legal, mas à coima que efetivamente fixou, com recurso à atenuação especial prevista no n.° 2 do art.° 32.° do RGIT, a qual não faz parte do tipo legal, antes lhe será exterior;

XI. Entende-se que a coima a aplicar deverá ser uma de duas: ou no valor de 4 954,90 Euros, resultante da aplicação conjugada do disposto nos art.°s 114 n.° 2, 26.° n.° 2, e 32.° n.° 2, todos do RGIT e art.° 18.° n.° 3 do RGCO; ou então, de 990,98 Euros, por aplicação do disposto nos art.°s 114.° n.° 2 e 26.° n.° 2, ambos do RGIT e art.° 4.° n.° 2, alínea a) do Decreto-lei n.° 67/2016, de 03.11 (10% do mínimo da coima prevista no tipo legal);

XII. No caso, será aplicável o disposto na alínea a) do n.° 2 do art.° 4.° do identificado Decreto-Lei, pelo que, deverá ser aplicada a coima de 990,98 Euros;

XIII. Assim, com todo o respeito devido, não será a coima a aplicar no montante agora fixado de 450,49 Euros, valor que não apenas resulta de erro de cálculo, como de errada interpretação e aplicação dos normativos legais;

XIV. Ao decidir como decidiu, o Douto Despacho fez errada aplicação do disposto nos art.°s 114 n.° 2, 26.° n.° 2, e 32.° n.° 2, todos do RGIT e art.° 18.° n.° 3 do RGCO, e art.° 4.° n.° 2, alínea a) do Decreto-lei n.° 67/2016, de 03.11, incorrendo em erro de julgamento de direito.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser o douto Despacho ora recorrido, declarado nulo, ou revogado e substituído por douto Acórdão que julgue em conformidade com o supra explanado.»


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Devidamente notificada para o efeito, a Recorrida, M...S.A., apresentou contra alegações pedindo a rejeição do recurso por inadmissibilidade, face ao valor da coima aplicada pela decisão recorrida.

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Neste TCA Sul, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da admissão do recurso para melhoria da aplicação do direito e de, a final, o mesmo ser julgado procedente, por entender que, “… o valor da coima aplicada é inferior ao valor estabelecido no artigo 83°, n°1 do RGIT, importará apreciar se o recurso será de aceitar nos termos do artigo 73° n° 2 do RGCO.

O artigo 72°, n°2 do RGIT estabelece que:

“Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a Relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.”
Como se escreveu no douto Ac. do STA de 2509-2019, 01188/18.0BELRS:

“...V - Os dois fundamentos possíveis do recurso previsto no art°.73, n°.2, do R.G.C.O., são, nos termos da norma, a promoção da uniformidade da jurisprudência e a melhoria da aplicação do direito. Portanto, o recurso previsto no art°.73, n°.2, do R.G.C.O., somente pode ter por fundamento questões de direito.

V - A "melhoria da aplicação do direito" está em causa quando se trate de uma questão jurídica que preencha os seguintes três requisitos:
a - Ser relevante para a decisão da causa;
b - Ser uma questão necessitada de esclarecimento e;
c - Ser passível de abstracção, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares...”

Assim, não obstante o montante da coima aplicada, o recurso poderá ser admitido nos casos em que estão em causa questões de interpretação ou aplicação da regra jurídica ou casos de erros claros na decisão judicial.

A douta decisão Recorrida aplicou a redução de 10% prevista no artigo 4° n°2 al a) do Dec. Lei n° 67/2016 de 3.11 ao limite mínimo da coima encontrado por aplicação do artigo 18°, n°3 do RGCO, ou seja, reduziu os 10% ao montante de 4.504,896 Euros pelo que aplicou a coima de 450,49 Euros.

Ora, estabelece a alínea a) do n°2 do artigo 4° do Dec. Lei 67/2016 de 3.11 que aprovou o programa especial de redução do endividamento ao Estado, ao qual a Recorrida aderiu:“… 2 - O pagamento previsto no número anterior, quando inclua a totalidade das dívidas fiscais do contribuinte, determina ainda a atenuação do pagamento das coimas associadas ao incumprimento do dever de pagamento dos impostos dos quais resultam as dívidas abrangidas pelo presente regime, nos seguintes termos:

a) Redução da coima para 10 % do mínimo da coima prevista no tipo legal, não podendo resultar um valor inferior a (euro) 10,00, caso em que será este o montante a pagar;...”

Em consequência, face à redacção do preceito atrás indicado, concordamos com os fundamentos aduzidos pela Recorrente no sentido de haver erro de cálculo da coima por errada interpretação das normas legais aplicáveis.

Uma vez que no recurso interposto está em causa o montante da coima a aplicar por força da conjugação do regime de atenuação especial previsto no artigo 83° do RGCO e do regime previsto no Dec. Lei n° 67/2016 de 3.11, afigura-se-nos tratar-se de questão necessitada de esclarecimento e ser passível de repetição em casos similares pelo que o recurso deverá ser admitido para melhoria da aplicação do direito.” – fim de citação


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Neste TCA Sul, foi, oficiosamente, verificada a possibilidade de se encontrar prescrito o procedimento contraordenacional e foi determinada a notificação às partes para, querendo, se pronunciarem sobre tal questão, que, porém, nada disseram.

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Sobre a questão ora suscitada pelo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de que “[A]atendendo ao lapso de tempo decorrido, apesar da suspensão, dado o disposto no nº 3 do artigo 28.º do Dec. Lei n.º 433/82, tudo indica que, no caso concreto, o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, cf. artigo 61.º, alínea b), do RGIT.”

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As partes foram notificadas do douto parecer do digno Magistrado do MP, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem” (artigo 411.º, do CPP ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, por remissão da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, artigo 3.º al. b), do RGIT e artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, cumpre em primeiro lugar apreciar a título de questão prévia, a prescrição do procedimento contraordenacional, já que este, como decorre do artigo 175.º do CPPT é de conhecimento oficioso pelo juiz, se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.

Caso não se verifique a exceção enunciada, cumpre então averiguar, da admissibilidade do recurso e, verificando-se esta, se a sentença recorrida, padece dos erros que lhe vem invocados, nomeadamente quanto: ao montante da coima a aplicar por especial atenuação da mesma.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

« A - Em 13.11.2014, no Serviço de Finanças do Montijo, foi levantado contra a Recorrente auto de notícia, do qual constam os seguintes elementos:

(…) DESCRIÇÃO DOS FACTOS, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO

Aos treze dias do mês de Novembro do ano de dois mil e catorze, encontrando-me eu, P..., Inspetora Tributária nível 2, no exercício das minhas funções, na Direção de Finanças de Santarém, em resultado do procedimento inspetivo interno, credenciado pela Ordem de serviço n.° 0120141337, ao período de 2014, verifiquei pessoalmente o seguinte:

1. Em sede de IVA

1.1 - A M... deduziu o IVA inscrito na factura n.° 45400012 emitida, em 01-04-2014, por M..., S.A. NIPC 5..., no valor de 113.507,53, a título de Despesas v/ responsabilidade custos de logísticas, administr. E produção processados, durante o ano de 2013.

E - Em 20.12.2016 a Autoridade Tributária e Aduaneiro elaborou documento intitulado “Termo de Adesão n.° 87925 - DL 67/2016”, do qual consta: “Nome: M... – PRODUÇÃO…., S.A.

(...)", cfr. fls. 90 dos autos.
F - Em 20.12.2016 a Recorrente procedeu ao pagamento ao Estado do montante de €219.977,26, sendo 33.032,64 respeitante a IVA, do período de tributação de 01.04.2014 a 30.04.2014, cfr. facto não impugnado que se extrai do artigo 21.° da petição inicial e fls. 91 dos autos.

G - Em 25.01.2017, o Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, proferiu despacho, no âmbito de processo de contraordenação n.° 21942014060000298834, com fixação de coima no montante de €34.052,19, de onde se extrai designadamente o seguinte:

“(...)

“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”
“(texto integral no original; imagem)”

“(texto integral no original; imagem)”





(…)
(...)", cfr. fls. 59 a 60 dos autos.
H - Em 25.01.2017, o Chefe do Serviço de Finanças do Montijo remeteu à Recorrente, através de correio registado, no âmbito do processo n.° 21942014060000298834, comunicação sob o assunto “NOTIFICAÇÃO ART° 79 N° 2 RGIT", da qual consta, como montante a pagar, o valor de €34.128,69, cfr. fls. 61 dos autos.

I - O presente recurso de contraordenação foi apresentado no Serviço de Finanças do Montijo, em 24.02.2017, cfr. fls. 62 dos autos


***

Factos não provados

Não existem factos alegados não provados com relevância para a decisão da causa.

Motivação da matéria de Facto

A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada alínea do probatório.»


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Do direito

Conforme deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso, encetamos a nossa análise pela questão prévia oficiosamente suscitada por este Tribunal.

Da prescrição do procedimento contraordenacional

No apelo que temos vindo a fazer ao acórdão proferido pelo STA em 20/05/2020 no processo n.º 01901/15.7BELRA, dir-se-á, como ali, que “[J]jurídico-conceptualmente, a prescrição do procedimento contra-ordenacional agrega a excepção peremptória (pressuposto processual negativo) de conhecimento oficioso em qualquer altura do processo, até à decisão final (…)”, o que justifica o seu conhecimento nesta sede.

Porque assim é, precede o conhecimento do mérito da causa, e a lograr provimento, torna inútil a apreciação de qualquer outra questão, uma vez que constitui uma causa extintiva do procedimento conforme se prevê na alínea b) do artigo 61.º do RGIT.

Na análise nos autos, seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento que tem vindo a ser seguido por este Tribunal, de que destacamos a Acórdão proferido em 14/10/2021 no processo n.º 220/14.0BELRS, que, por concordância e pela sua clareza aqui, de perto, seguiremos sem qualquer reserva, como, de resto, temos feito em situações de idêntica natureza.

Para tal impõe-se antes de mais convocar o pertinente regime jurídico.

Decorre do probatório que a decisão da Autoridade Administrativa se consubstancia na infração aos artigos 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea a), ambos do CIVA, punida pelo disposto nos artigos 114.º, n.º 2 e 5 alínea a), e 26º, nº4, estes, do RGIT.

O artigo 114.º, n.ºs 1, e 2 do RGIT, estipulava na redação coeva, que:

1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido(1) Na redação dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12.

Relativamente ao prazo de prescrição do procedimento contraordenacional estatui, o artigo 33.º, n.º 1, do RGIT que: “[o] procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos”,

Mais dispõe o seu n.º 2 que: “[o] prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.” (o destacado e sublinhado, são nossos).

Sendo que, nos termos do disposto no artigo 119.º do CP, aplicável por força do artigo 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Significa, então, conforme também se diz no acórdão, que vimos seguindo, que regra geral, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, podendo ser encurtado para o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração dependa daquela liquidação.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, a “… infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar o seu valor.
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s 108.º, n.º 1, 109.º,
Neste sentido, casos em que a existência da contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s 108.º, n.º 1, 109.º, n.º- 1, 114.º, 118.º e 119.º, n.11, ("') do RGIT. ("')”. (2) In “Regime Geral das Infracções Tributárias - Anotado”, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 323 – o destacado é nosso.
Nesta matéria, tem entendido a Jurisprudência, na esteira dos ensinamentos dos autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos) (3) Vide obra citada pag. 323 a 325, que para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que “… a infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável deriva do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor.” (4) Vide, por todos o Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT e que, sendo aplicável o prazo especial previsto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, “… o prazo de prescrição reduzido implica que se determine qual é o prazo de caducidade do direito à liquidação, para tanto devendo levar-se em consideração o regime previsto no artº.45, da L.G.Tributária, reiterando-se que é aplicável também ao prazo previsto no artº.33, nº.2, do R.G.I.T., a regra consagrada no artº.28, nº.3, do R.G.C.O.C. (“ex vi” do artº.3, al.b), do R.G.I.T.), na qual se estabelece que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido a totalidade do mesmo prazo acrescido de metade(cfr.artº.121, nº.3, do C.Penal).”. (5) Vide ainda o acórdão citado – o destacado é nosso
Na situação em análise a infração que subjaz à aplicação de coima vem punida pelo artigo 114.º, nº 2, do RGIT, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo encontrando-se, como vimos, dependente do apuramento do imposto em falta, já liquidado, situação que catapulta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional para um período igual ao estipulado para a caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº 1, da LGT, é de quatro anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto tributário aludindo. Na situação em apreço, sendo o IVA, remete-se o respetivo cômputo ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto conforme decorre do n.º 4 do citado artigo 45.º da LGT.
Por seu lado, a suspensão do prazo impede que o prazo da prescrição decorra enquanto se mantiver a causa que a determinou, ou seja o prazo só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (cfr. n .° 6 do artigo 120.° do CP, ex vi artigo 32.º do RCGO, ex vi artigo 33.º, n.º 3 do RGIT).

Quanto às causas interruptivas da prescrição do procedimento contraordenacional diz-nos o artigo 28.º n.º 3 do RGCO, que a prescrição deste (procedimento) tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

As causas de suspensão da prescrição do procedimento por contraordenação, contidas no artigo 27º-A do RGCO, são aqui aplicáveis ex vi artigo 33.º nº 3 do RGIT.

A lei manda ressalvar da prescrição o tempo de suspensão, porém, enuncia no artigo 27.º-A n.º 2 do RGCO, que:” [N)nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses” (7) Acórdão do STA proferido em 02/02/2022 no processo n.º 03/16.3BESNT, já citado.
Concretizando, então, por reporte ao acervo fático dos autos.

Assim, aplicando-se o prazo máximo supletivo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, na presente situação de seis anos (4+2), acrescidos dos 6 meses de suspensão, o prazo prescricional consumou-se a 1 de julho de 2021.

Conclui-se, pois, à luz dos citados preceitos legais, que o procedimento contraordenacional se encontra integralmente prescrito, verificando-se assim a exceção perentória que determina a extinção do procedimento contraordenacional e obsta à apreciação da matéria de fundo, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente aresto


III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da Subsecção da execução fiscal e de recursos de contraordenação do Contencioso Tributário deste TCA Sul declarar extinto o procedimento contraordenacional por prescrição com o consequente arquivamento dos autos, deixando prejudicado o conhecimento de mérito do objeto do recurso.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Registe e notifique.

Lisboa, 12 de setembro de 2024

Hélia Gameiro Silva – Relatora
Lurdes Toscano– 1.ª Adjunta
Luisa Soares – 2.ª Adjunta
(assinado digitalmente)