Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 401/23.6BEFUN |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 08/30/2024 |
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Relator: | JORGE CORTÊS |
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Descritores: | MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. |
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Sumário: | A existência de depósitos bancários cujos montantes não são declarados à Administração Tributária constitui fundamento para a aplicação da avaliação indirecta da matéria colectável, salvo se for demonstrado pelo contribuinte a origem e a fonte dos concretos meios mobilizados nos depósitos bancários em causa. São passíveis de ser empregues todos os meios de prova admitidos em Direito, sem prejuízo da necessidade do seu cruzamento, tendo em vista o rastreamento do dinheiro. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RelatórioJ ……………… e M ……………………. apresentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, ao abrigo do disposto no artigo 89°-A, n.°s 7 e 8, da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 146.°-B, n.° 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), recurso judicial contra a decisão da AT-RAM que, para efeitos de IRS e em conformidade com o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º, e n.º 5 do artigo 89.º-A, ambos da LGT, por remissão do artigo 39.º do Código do IRS, lhes fixou, por avaliação indireta, o rendimento tributável do ano de 2021. Por sentença do referido Tribunal proferida em 17/04/2024, inserta a fls. 566 e ss. (sitaf), o recurso judicial foi julgado improcedente mantendo-se na ordem jurídica a decisão sindicada. Desta sentença foi interposto o presente recurso em cuja alegação, incorporado a fls. 596 e ss. (sitaf), os Impugnantes, ora recorrentes, apresentaram as conclusões seguintes: “(…) No entender dos AA., o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na douta sentença recorrida, uma vez que: a) a Administração Fiscal não impugnou especificamente quaisquer factos ou documentos apresentados pelos AA. nos autos; b) a Administração Fiscal não apresentou qualquer prova testemunhal; c) a questão decidenda, para além das demais questões suscitadas, deveria ser apenas a de aferir se os A. demonstraram a origem e circuito dos valores por si depositados na sua conta bancária em 2021, conforme manda expressamente o artigo 89.º A n.º 3 da LGT; d) a decisão de fixação do rendimento coletável de IRS por métodos indiretos deve-se, segundo a Administração Fiscal, ao facto dos AA. alegadamente não terem apresentado justificação plausível que comprove a origem dos valores depositados em numerário no ano de 2021; e) nos termos do n.º 3 do artigo 89.º A da LGT cabia “ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada”, como efetivamente veio a ocorrer; f) os Recorrentes comprovaram a origem/fonte dos valores depositados, em numerário, na sua conta bancária, no ano de 2021, no montante de € 119.850,00; g) o Tribunal a quo errou ao dar como não provados os Factos 1, 2, 3, 4 e 5 da matéria de facto dada como não provada; h) o Tribunal a quo errou ao considerar que os AA. não demonstraram que tais valores não careciam de ser declarados em sede de IRS; i) a ideia do legislador foi a de obrigar o sujeito passivo a demonstrar, perante a evidência de manifestações de fortuna, no caso, acréscimo de património de valor superior a €100.000,00, que os rendimentos declarados naquele ano de 2021, correspondem à realidade e que os depósitos em causa foram efetuados através de meios cuja fonte não estavam obrigados a declarar para efeitos de IRS no ano em questão; j) o legislador pretendeu salvaguardar e confirmar a origem e proveniência dos depósitos realizados em numerário, dado que, por natureza, é desconhecida a sua origem ou proveniência, sem qualquer prova ou esclarecimento adicional; k) ficou provado que, entre 2008 e 2021, os A. declararam rendimentos que variaram entre um mínimo de € 4.439,64 (ano de 2013) e um máximo de €29.823,26 (ano de 2014) – Facto Assente A); l) ficou demonstrado que, em 27/01/2014 e 24/02/2014, os AA. procederam à venda de 4 imóveis (artigos R-41, R-42, R-50 e U-5202), pelo valor total de € 87.050,00 (Facto Assente C); m) ficou comprovado que essas vendas foram declaradas pelos AA. na sua declaração de IRS de 2014 (Facto Assente D); n) ficou provado que, em setembro de 2014, os AA. levantaram € 45.000,00 da sua conta bancária junto da CGD (Facto Assente E); o) ficou demonstrado que, em novembro de 2014, os AA. levantaram €22.950,00 da mesma conta (Facto Assente F); p) bem como também ficou comprovado que, em dezembro de 2014, os AA. levantaram €32.500,00 também da mesma conta (Facto Assente G); q) estes factos comprovam que, entre Setembro e Dezembro de 2014, os AA. levantaram a quantia total de € 100.450,00 da sua conta bancária da CGD, tal como demonstram que, nesse período, os AA. eram titulares de, pelo menos, € 100.450,00 nessa conta bancária; r) se demonstrou que, em 2016, a sociedade R...................................., S.A. restituiu ao A. marido a quantia total de € 101.500,00, através de cheques da empresa que foram levantados pelo próprio ao balcão (Facto Assente H); s) se comprovou a declaração de rendimentos por parte dos AA. entre 2008 e 2021, a venda de imóveis em 2014, a existência de capitais próprios nas contas bancárias, bem como, ainda a restituição de suprimentos da sociedade R.................................... S. A. a favor do A. marido no ano 2016; t) tratando-se de capitais próprios e rendimentos existentes e auferidos pelos AA. ao longo dos anos, fruto do seu trabalho e poupanças de uma vida, e de suprimentos restituídos ao A., jamais poderia o Tribunal a quo ter concluído que o A. não demonstrou que os valores depositados não careciam de ser declarados em sede de IRS ou ter presumido que esses valores se tratavam de rendimentos; u) nunca foram colocados em causa os rendimentos auferidos pelo A entre 1969 e 1991 no Zimbabué e na África do Sul, ao longo dos mais de 22 anos que esteve emigrado; v) nunca foram colocados em causa os rendimentos auferidos pelo A. ao longo dos mais de 30 anos que reside e trabalha em Portugal (desde 1991); w) nunca foram colocadas em causa as poupanças e os suprimentos que o A. detinha nas sociedades de que era sócio ou acionista, desde há largos anos, nomeadamente, na sociedade R...................................., S. A.; x) ficou demonstrado que os valores depositados pelo A. na sua conta bancária não se trataram de valores recebidos ou auferidos pelo mesmo no ano de 2021; y) ficou comprovado que os valores em numerário, depositados pelos AA., na sua conta bancária, em 2021, resultam dos rendimentos e poupanças realizadas pelo A. marido ao longo dos anos, quer em Portugal quer no Zimbabué quer na África do Sul, das compras e vendas realizadas pelos AA. em 2014, dos levantamentos efetuados das suas próprias contas bancárias no ano de 2014 e das restituições de suprimentos efetuadas pela empresa R.................................... a favor do A. em 2016; z) ficou provado que o A. imigrou para o Zimbabué em 1969, tendo, posteriormente, em 1981 emigrado para a África do Sul, onde trabalhou e pagou os seus impostos até 1991; aa) ficou demonstrado que o A. era empresário de restauração na África do Sul e que, em 1991, regressou a Portugal, tendo trazido com ele, ao longo dos anos, as poupanças que acumulou durante 20 anos; bb) ficou comprovado que o A. antes de regressar a Portugal vendeu os dois restaurantes que tinha na Africa do Sul; cc) se provou que, todas as poupanças que o A. fez, de valor avultado, na África do Sul, eram trazidas, na grande maioria das vezes, em numerário pelo próprio A. ou familiares, sempre que vinham à Madeira, face às fortes restrições existentes na África do Sul para transferir montantes para a Europa, a par do sucedeu com inúmeros outros emigrantes; dd) ficou provado que o A. sempre esteve habituado a lidar com dinheiro vivo, que a atividade e os negócios que tinha na Africa do Sul fazia-se com dinheiro vivo e que o mesmo, tal como grande parte dos emigrantes, não confiava nos bancos; ee) foi demonstrado um desconhecimento absoluto do fenómeno histórico da emigração portuguesa e dos esforços que todos os emigrantes fizeram e continuam a fazer, todos os dias, pelo mundo fora para um dia poderem regressar à sua terra natal; ff) ficou comprovado que, desde 1991 até à presente data, os AA. têm vindo a obter e a declarar os seus rendimentos e a pagar os seus impostos em Portugal (Doc. 4 pi); gg) se demonstrou que todos os rendimentos auferidos em Portugal foram declarados pelos AA. nas suas declarações fiscais; hh) por não terem sido facultadas pelos serviços de finanças as declarações de rendimentos dos AA. anteriores a 2008, os AA. apenas lograram juntar aos autos as declarações fiscais apresentadas entre 2008 e 2021 (Facto Assente A); ii) ficou comprovado através das referidas declarações fiscais que, pelo menos, no período compreendido entre 2008 e 2021, os AA. declararam os seguintes rendimentos globais (Vide Doc. 4 da pi): 2008: € 28.056,00; 2009: € 28.086,97; 2010: € 23.087,60 2011: € 12.903,34 2012: € 8.500,00; 2013: € 4.439,64 2014: € 14.092,58 2015: € 6.288,75 2016: € 16.710,49 2017: € 10.702,04; 2018: € 14.615,60 2019: € 13.687,20 2020: € 15.255,66 2021: € 16.663,08. jj) se provou que, entre 2008 e 2021, os AA. declararam rendimentos globais no valor total de € 213.088,95; kk) os rendimentos globais constantes das liquidações de IRS são, na maioria das vezes, rendimentos líquidos (apurados consoante as regras de cada categoria de rendimentos) e não os rendimentos efetivamente recebidos pelos AA. nas suas contas bancárias; ll) veja-se por exemplo o IRS de 2014, ano em que os AA. venderam 4 imóveis pelo valor total de € 87.050,00 (factos assentes C) e D); mm) nesse ano, o valor de € 87.050,00 foi o valor recebido pelos AA. nas suas contas bancárias, pela venda dos ditos imóveis; nn) sucede que, para efeitos de apuramento da mais valia (Cat. G) tributável, em sede de IRS, ao valor de realização é deduzido o valor de aquisição e apenas considerado 50% da mais valia apurada (por se tratarem de residentes); oo) por essa razão, verifica-se, na liquidação de IRS de 2014, que o rendimento global considerado para efeitos de IRS foi de apenas € 14.092,58, quando, na realidade, o valor recebido na conta bancária dos AA. com as referidas vendas foi de € 87.050,00; pp) ficou demonstrado que, pelo menos, entre 2008 e 2021, os AA. auferiram rendimentos de valor superior a € 300.000,00 (€ 213.088,95 + € 87.050,00); qq) não foram tomados em consideração os rendimentos auferidos pelos AA. em Portugal entre 1991 e 2008, e os auferidos pelo A. marido no Zimbabué e na África do Sul, entre 1969 e 1991, por motivos que se desconhecem; rr) a Administração Fiscal apenas se dignou a indicar os rendimentos globais dos AA. dos últimos 10 anos (2011-2021); ss) deveriam ter sido dados como provados, como Factos Assentes R), S) e T), os seguintes factos, cujo aditamento se requer à matéria assente: - o A. declarou, no período compreendido entre 2008 e 2021, rendimentos globais, em sede de IRS, de € 213.088,95; - o A., no ano de 2014, não recebeu apenas € 14.092,58 a título de rendimentos; - no ano de 2014, o A. auferiu € 87.050,00 com a venda de 4 imóveis. tt) deveria ter sido dado como provado, como Facto Assente U), cujo aditamento se requer à matéria assente, que, entre setembro e dezembro de 2014, os AA. eram titulares de, pelo menos, € 100.450,00 na sua conta bancária da CGD; uu) os AA. demonstraram ter capitais próprios e valores avultados nas suas contas bancárias, resultantes de toda uma vida de trabalho e da sua atividade; vv) ficou provado que a A. esposa é administradora da empresa R...................................., S. A., NIPC ……………….. (Doc. 10 da pi); ww) ficou comprovado que o A. marido é acionista da empresa R...................................., S. A. e detinha suprimentos na referida empresa em 01/01/2016, no valor de € 677.100,00 (Doc. 11 da pi), como aliás é reconhecido pela própria administração fiscal na página 9 do seu relatório final (Doc. 1 pi); xx) ficou comprovado que a dita sociedade restituiu, em 2016, ao A., a título de suprimentos, o valor de € 101.500,00, através de cheques emitidos pela sociedade a seu favor que foram depois levantados ao balcão pelo próprio, em numerário (vide Doc. 12 da pi) - Facto Assente H); yy) se provou que a restituição desses suprimentos foi devidamente refletida na conta 261 (conta de acionista) da sociedade R.................................... referente ao A.; zz) ficou provado que os suprimentos realizados pelo A. na sociedade R....................................., S.A., anteriores a 01/01/2016, nunca foram contestados ou colocados em causa pela Administração Fiscal; aaa) ficou demonstrado que sempre que a empresa R...................................., S.A. necessitava de liquidez, o A. injetava dinheiro na sociedade; bbb) os valores restituídos a título de suprimentos não constituem rendimentos nem valores que devem ser declarados e sujeitos tributação em sede de IRS; ccc) deveriam ter sido dados como provados, como Factos Assentes V) e W), os seguintes factos, cujo aditamento se requer à matéria assente: - o A. realizou suprimentos de valor avultado na sociedade R.................................... até 01/01/2016; - a sociedade R.................................... restituiu suprimentos ao A. no valor de €101.500,00, entre 20/05/2016 e 19/10/2016; ddd) se comprovou que os valores depositados estavam guardados em casa dos AA., num cofre, juntamente com as demais poupanças que tinham; eee) ficou provado que o A. sempre esteve habituado a lidar com dinheiro vivo e não confiava nos bancos; fff) até à entrada em vigor da Lei n.º 92/2017, de 22 de Agosto, os pagamentos de quaisquer negócios ou transações de valor superior a € 3.000,00 podiam ser pagas em numerário; ggg) não é, nunca foi, nem nunca será proibido guardar dinheiro em casa ou no trabalho; hhh) não há nem nunca haverá qualquer obrigação legal para as pessoas guardarem os seus dinheiros em bancos; iii) os cidadãos são livres de guardarem as suas poupanças onde quiserem; jjj) deveriam ter sido dados como provados, como Factos Assentes X) e Y), os seguintes factos, cujo aditamento se requer à matéria assente: - o A. guardava parte das suas poupanças e rendimentos, em numerário, num cofre, em casa; - o A. trouxe da África do Sul parte das suas poupanças em numerário. kkk) é um absurdo e um exagero exigir aos cidadãos, no caso a emigrantes, terem que provar a proveniência das suas poupanças ou capitais próprios de há mais de 20 anos; lll) o art. 128.º n.º 3 do CIRS apenas exige às pessoas sujeitas a IRS a guarda de documentos comprovativos dos seus rendimentos pelo prazo de 4 anos; mmm) o prazo de caducidade dos impostos portugueses também é de 4 anos, nos termos do artigo 45.º da LGT; nnn) os próprios serviços de finanças não disponibilizam nem facultam quaisquer cópias ou declarações fiscais com mais de 5 anos; ooo) o próprio Portal das Finanças não permite o acesso a declarações fiscais com mais de 5 anos; ppp) os bancos não facultam extratos bancários com mais de 10 anos; qqq) o prazo de guarda de documentação por parte de qualquer empresa ou banco é de 10 anos, nos termos do artigo 52.º do CIVA e 130.º do CIRC; rrr) a Administração Fiscal nunca questionou ou colocou em causa os capitais próprios ou poupanças dos AA., tal como também nunca colocou em causa os suprimentos que o A. detinha na sociedade R.................................... S.A. há largos anos; sss) exigir aos AA. mais prova do que aquela que foi produzida nos autos, sobretudo, referente aos seus rendimentos, poupanças e suprimentos, auferidos e existentes há largos anos, é exigir aos AA. uma prova diabólica, quase impossível, é exigir algo que não é razoável e que não está ao alcance de qualquer cidadão, violando os princípios gerais do Direito, tais como o princípio da Boa Fé, o Princípio da Confiança, o Princípio da Legalidade, o Princípio da Igualdade, o Princípio da Proporcionalidade e o próprio Princípio da Justiça, o que não se pode admitir; ttt) é exigir algo que não é expectável, algo que é inimaginável, para um bom homem médio ou um cidadão comum, lesando as suas mais do que legítimas expectativas; uuu) o Tribunal a quo não pode exigir a demonstração de que o dinheiro depositado em 2021 é exatamente o mesmo dinheiro que foi levantado em 2014 ou 2016; vvv) o Tribunal a quo não podia ter concluído que os A. não demonstraram “o circuito integral do dinheiro nos anos anteriores ao seu depósito na conta bancária”; www) seria impensável que os Tribunais exigissem aos AA. que tirassem fotos, em 1991, das poupanças trazidas da África do Sul, ou dos valores em numerário levantados da conta bancária pessoal, em 2014, ou levantados, em 2016, com os cheques da R...................................., que por sua vez foram colocados no cofre, para demonstrarem, agora, que foi exatamente esse mesmo dinheiro que foi depositado em 2021; xxx) seria impensável que os Tribunais exigissem aos AA. que tirassem fotos da colocação desses valores no cofre em 2014 ou 2016 e, voltassem, depois, em 2021, a tirar novamente fotos dos valores retirados do cofre e que seriam depositados na conta bancária, para comprovar que eram exatamente as mesmas notas, o mesmo dinheiro, que estava a ser depositado; yyy) o circuito dos valores foi simples e demonstrado nos autos: Banco-Cofre-Banco; zzz) o circuito passou pelo levantamento de valores em numerário da própria conta bancária ou no banco por troca com cheques da R...................................., e a sua colocação, juntamente com as poupanças e rendimentos trazidos da África do Sul, no cofre que tinham em casa, e por sua vez, a retirada, em 2021, de parte desses valores do cofre e o seu depósito novamente no Banco; aaaa) as dúvidas que possam existir não podem nunca onerar ou prejudicar o contribuinte; bbbb) a lei fiscal é clara ao referir que havendo dúvidas fundadas sobre a matéria de facto, deverá vigorar sempre o princípio do “in dúbio contra fiscum”, a par do que sucede em sede criminal com o princípio do “in dúbio pro reu” (mais conhecido como princípio da presunção de inocência); cccc) o A. demonstrou nos autos ter declarado os seus rendimentos ao longo dos anos, quer em Portugal quer no Zimbabué quer na África do Sul, demonstrou ter vendido quatro imóveis em 2014, por € 87.500,00, que foram declarados em sede de IRS, que levantou €101.500,00 das suas contas bancárias pessoais em 2014, que foi restituído de suprimentos da sociedade R...................................., S. A., em 2016, no valor de € 101.500,00, que não tinham que ser declarados em sede de IRS, que tinha capitais próprios e saldos elevados, nas suas contas bancárias desde há largos anos, bem como ainda que tinha parte dos seus rendimentos e poupanças guardadas em numerário num cofre, em casa, resultantes de toda uma vida de trabalho; dddd) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à procedência da ação sub judice.» É solicitado o provimento do recurso, com a subsequente revogação da sentença, com todas as consequências legais. X Não foram apresentadas contra-alegações.X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.X Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 278.º, nº5, do CPPT e artigo 657.º, nº4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.X II- Fundamentação2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:” A. Entre 2008 e 2021, os A. declararam rendimentos que variam entre um mínimo de €4 439,64 (ano de 2013) e um máximo de € 29 823,26 (ano de 2014) – cfr. doc 4 junto com a p.i. e fls. 233 do p.a.; B. Os A. têm 3 filhos, dois deles dependentes (cfr. depoimento da testemunha Sofia Ribeiro, filha dos A. e fls. 241 do p.a.); C. Em 27/01/2014 e 24/02/2014, os A. procederam à venda de 4 imóveis (artigos R-41, R-42, R-50 e U-5202), pelo valor total de € 87.050,00, à sociedade R...................................., S.A., sociedade de que os A. são acionistas ou administradores (cfr. escrituras de compra e venda juntas à p.i. como documento n.º 5); D. Vendas essas que foram declaradas pelos A. na sua declaração de IRS de 2014 (cfr. anexo G da declaração de IRS junto à p.i. como documento n.º 6); E. Em setembro de 2014, os A. levantaram € 45.000,00 da sua conta bancária junto da CGD (cfr. comprovativo dos levantamentos juntos à p.i. como documento n.º 7); F. Em novembro de 2014, levantaram € 22.950,00 da mesma conta (cfr. comprovativos dos levantamentos juntos à p.i. como documento n.º 8); G. E, em dezembro de 2014, levantaram € 32.500,00 também da mesma conta (cfr. comprovativos dos levantamentos juntos à p.i. como documento n.º 9); H. Em 2016, a sociedade R...................................., S.A. restituiu ao A. marido a quantia total de €101.500,00, através de cheques passados pela A. mulher em representação daquela sociedade, conforme abaixo se discrimina: 20/05/2016 - € 10.000,00; 13/06/2016 - € 9.000,00; 16/06/2016 - € 9.000,00; 21/06/2016 - € 9.000,00; 12/07/2016 - € 9.000,00; 15/07/2016 - € 9.000,00; 12/08/2016 - € 9.000,00; 22/08/2016 - € 9.000,00; 23/09/2016 - € 9.500,00; 03/10/2016 - € 9.500,00; 19/10/2016 - €9.500,00 (cfr. cópia dos cheques frente e verso, extratos bancários e declarações de quitação juntas à p.i. como documento n.º 12); I. A Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) enviou à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM fotocópia do relatório do Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria - Geral da República ( DCIAP ), ao qual coube a entrada n.º 10.308 , de 25-07-2022, elaborado no âmbito do Procedimento de Averiguações Preventiva n.º 23486 /20 21, tendo em vista o controlo da situação tributária dos aqui A. por suspeita da prática de crime de natureza fiscal, resultante da indiciação e ocultação de rendimentos eventualmente tributáveis (cfr. fls. 237 e ss do p.a.); J. Tal processo teve início em comunicação efetuada pela CGD, com o seguinte teor: “Quadro no original» (cfr. fls. 237 e ss. do p.a); K. A DSIT da AT-RAM realizou então um procedimento interno de consulta, recolha e cruzamento de elementos (Despacho DI202200160, de 22-08-2022), relativo ao período de 2021, por forma a justificar/comprovar a natureza e origem dos valores em causa, bem como para comparar com os elementos declarativos constantes no sistema informático em uso pela administração fiscal (cfr. fls. 229 e ss. do p.a.); L. No âmbito de tal procedimento, e em 16/11/2022, foi realizada uma reunião presencial com o A. e em sua sequência o A. forneceu elementos à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (cfr. fls. 232 e ss. do P.A.); M. Subsequentemente, e pela ordem de serviço n.º OI202200308, tendo como motivo a manifestação de fortuna, de âmbito parcial, em sede de IRS, do exercício de 2021, foi levada a cabo pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, Investigação de Fraude e de Ações Especiais da AT-RAM uma ação inspetiva (cfr. Relatório de Inspeção Tributária - doc. 1 junto com a P.I.); N. Os A. no ano de 2021 declararam um rendimento de € 16 663,08, tendo no mesmo período procedido a depósitos na sua conta bancária junto da CGD no valor total de €119 850,00 (cfr. Relatório de Inspeção Tributária - doc 1 junto com a P.I. e extrato bancário remetido pelo DCIAP a fls. 237 e ss. do p.a.); O. Os A. foram notificados do projeto de Relatório de Inspeção Tributária e exerceram o seu direito de audição prévia relativamente ao referido projeto (cfr. Docs. 2 e 3 juntos com a P.I.); P. A 17/11/2023, os A. foram notificados do teor do relatório final de inspeção (cfr. doc 1 junto com a P.I.); Q. A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira considerou que os elementos trazidos pelos A. não eram suficientes para alterar o seu entendimento, mantendo as correções já propostas, constando do Relatório de Inspeção Tributária, no que diz respeito ao direito de audição prévia, o seguinte excerto: «Texto no original » (cfr. doc. 1 junto com a p.i. – Relatório de Inspeção Tributária) R. A 27/11/2023, os A. apresentaram o presente recurso contencioso da decisão de fixação do rendimento coletável de IRS, do ano de 2021, por métodos indiretos (cfr. p.i.).” X “Factos não provados//Não se provou que:1- Os valores depositados na conta bancária dos A. se tratassem de rendimentos já declarados em sede de IRS ou de rendimentos não sujeitos a tributação; 2- Qual a origem ou fonte dos valores em numerário depositados na conta bancária dos A. durante o ano de 2021; 3- O A. tenha trazido da África do Sul, aquando do seu regresso em 1991, poupanças; 4- Os A. tenham feito poupanças em Portugal; 5- Quais as eventuais quantias guardadas pelos A. em cofres, respetiva origem e destino.” X “Inexistem outros factos não provados com relevo para a decisão da causa.”X “A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme melhor indicado em cada uma das alíneas dos factos provados e tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e n.º 2 do art.º 76.º da Lei Geral Tributária, no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º, 371.º, todos do Código Civil (documentos autênticos) e no n.º1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares). // Quanto aos factos não provados, da prova produzida não resultou com um mínimo de certeza qual o circuito prévio do dinheiro que foi depositado na conta bancária dos A. em 2021. // Com efeito, se é certo que os A. venderam imóveis em 2014, levantaram valores que estavam depositados em 2014 e receberam suprimentos de uma sociedade em 2016, não é possível, só com base nisto, concluir, com o mínimo de certeza exigível, que se tratam sempre dos mesmos valores e que tais valores viriam a ser depositados apenas em 2021. //Com efeito, estamos perante lapsos temporais grandes, respetivamente de 7 e 5 anos, e sendo verdade que obviamente não é proibido guardar dinheiro em casa, impendia sobre os A. um ónus de demonstração que se tratava sempre do mesmo dinheiro e de qual o respetivo circuito. //Isto é, demonstrar que o dinheiro depositado em 2021 resultava ou do dinheiro levantado em 2014 ou dos suprimentos recebidos em 2016.//Ónus esse que não foi preenchido. //Perante esta falta de necessária concretização de uma factualidade minimamente concreta, necessariamente também os A. não lograram demonstrar que tais valores não careciam de ser declarados para efeitos de tributação ou que já o tinham sido. // Muito menos é de chamar à colação eventuais poupanças trazidas pelo A., aquando do seu regresso à Madeira, em 1991 (ou antes), não só porque aí já estamos a falar de 30 (ou mais anos) de diferença, como da prova produzida não resultou qualquer certeza sobre essas poupanças ou que valores tinham sido trazidos para a Madeira, porque quer a A. quer as testemunhas que assim depuseram o fizeram com base em depoimento indireto, mais precisamente, com fonte no que lhes tinha dito o A. (isto é, o A. disse à A., e esta, por sua vez, terá contado à primeira testemunha, irmão do A., e a filha sabe que os pais traziam dinheiro de África porque eles lhe contaram - o que, aliás, não é de estranhar, dado que a testemunha nasceu em 1998 e os A. regressaram de África em 1991…).// Por sua vez, também as alegadas poupanças feitas em Portugal não convenceram o Tribunal. //Com efeito, vejamos que os valores declarados pelos A. entre 2008 e 2021, e que variam entre um mínimo de € 4 439,64 (ano de 2013) e um máximo de € 29 823,26 (ano de 2014), apresentando assim uma média anual de cerca de € 16 300 (€ 228 821,63: 14), não são de molde aos A., considerando que têm 3 filhos, dois deles dependentes, fazerem poupanças, que guardavam em cofres, conformem defendem.// De facto, e à luz do sistema vigente em Portugal, de 14 meses de retribuição por ano, estamos a falar de uma remuneração média mensal de cerca de €1.160, entre os dois A., valor que dificilmente se compagina com a existência de 3 filhos e ainda dar para fazer poupanças. //Aqui chegados, cumpre ainda fazer uma alusão à prova produzida em sede de audiência de julgamento. Com efeito, foram produzidas quer prova por declarações de parte, quer prova testemunhal.// Sucede que, do declarado, naquela sede, e não obstante a aparente espontaneidade e credibilidade do declarado (não obstante as testemunhas T……………….e J ……….. não terem a certeza ou não terem referido quem eram os acionistas da sociedade R...................................., S.A., quando eles próprios se encontravam entre os acionistas…), a verdade é que não só estávamos perante pessoas próximas dos A. (e a própria A. no que concerne às declarações de parte), e sobre isto, pode ver-se a título de exemplo o lavrado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13-07-2017, tirado no processo n.º 00259/14.6BEPNF, disponível para consulta in www.dgsi.pt, no sentido de se dever ter especiais cuidados com a prova testemunhal produzida por pessoas com relações próximas com a parte (o que sucede in casu dado que para além da A., as testemunhas tinham todas elas relações muito próximas com os A., algumas de parentesco direto), como, por outro lado, e com exceção do nº de filhos dos A., não foi possível ao Tribunal retirar factos que, não constando já da prova documental existente nos autos, se apresentassem com um grau de verosimilhança que merecessem ser levados a factos provados.// Com efeito, abundaram as afirmações genéricas e vagas, relativas nomeadamente à circunstância dos A., alegadamente, guardarem dinheiro em cofres (sem que fosse possível concretizar com um mínimo de certeza de que dinheiro se tratava, quanto dinheiro, respetiva origem e destino), ou à alegada circunstância de ser hábito os emigrantes portugueses na África do Sul e pessoas próximas trazerem remessas de dinheiro cada vez que se deslocavam pessoalmente a Portugal.//Aliás, a este propósito, a primeira testemunha, M ………….., irmão do A., até disse desconhecer como é o A. trouxe o dinheiro que ganhou na África do Sul para Portugal e que “não faz ideia” como é que o irmão guardava o dinheiro. //Por sua vez, a A., em declarações de parte, tampouco foi capaz de justificar o porquê de se ter levantado dinheiro em 2014 e depositado na mesma conta apenas em 2021, isto é, 7 anos depois.”X Estão em causa os quesitos seguintes: conclusão ss): - O A. declarou, no período compreendido entre 2008 e 2021, rendimentos globais, em sede de IRS, de € 213.088,95; - O A., no ano de 2014, não recebeu apenas € 14.092,58 a título de rendimentos; - No ano de 2014, o A. auferiu € 87.050,00 com a venda de 4 imóveis. conclusão tt): - Entre setembro e dezembro de 2014, os AA. eram titulares de, pelo menos, € 100.450,00 na sua conta bancária da CGD; conclusão ccc): - O A. realizou suprimentos de valor avultado na sociedade R.................................... até 01/01/2016; - A sociedade R.................................... restituiu suprimentos ao A. no valor de €101.500,00, entre 20/05/2016 e 19/10/2016. Apreciação. Os recorrentes pretendem o aditamento à matéria de facto assente dos elementos recenseados. De notar que o ónus de impugnação especificada da matéria de facto não foi observado (artigo 640.º do CPC). Os recorrentes não indicam as alíneas do probatório que pretendem reverter, alterar ou substituir. Não são indicados os concretos meios de prova que sustentam as asserções de facto pretendidas aditar. Tendo em vista a observância dos ónus de alegação e prova que recaem sobre os recorrentes, os quais postulam a identificação concreta do circuito do dinheiro que foi objeto do depósito bancário, sem ter sido declarado à Administração Tributária, os mesmos fazem repousar a sua tese com base na prova testemunhal, não sustentada em documentação que permita rastrear a origem e o destino dos montantes em causa. Os quesitos pretendidos aditar não são suportados nos meios de prova invocados ou são redundantes em relação à matéria de facto assente. Assim sucede com os quesitos da conclusão ss) em face dos elementos das alíneas C) a D) do probatório, salvo quanto ao rendimento declarado pelos recorrentes, nos anos de 2008 a 2021, valores que constam da declaração de IRS, devidamente certificada pela Administração Tributária, os quais devem ser levados ao probatório. Quanto aos quesitos da conclusão tt), os mesmos são redundantes em relação aos elementos das alíneas E) a G) do probatório. No que respeita aos quesitos da conclusão ccc), os mesmos são redundantes em relação ao elemento da alínea H), do probatório. Ouvida a prova testemunhal, cumpre reiterar a motivação da decisão da matéria de facto, quando refere que, «abundaram as afirmações genéricas e vagas, relativas nomeadamente à circunstância dos A., alegadamente, guardarem dinheiro em cofres (sem que fosse possível concretizar com um mínimo de certeza de que dinheiro se tratava, quanto dinheiro, respetiva origem e destino), ou à alegada circunstância de ser hábito os emigrantes portugueses na África do Sul e pessoas próximas trazerem remessas de dinheiro cada vez que se deslocavam pessoalmente a Portugal.//Aliás, a este propósito, a primeira testemunha, M ………………., irmão do A., até disse desconhecer como é o A. trouxe o dinheiro que ganhou na África do Sul para Portugal e que “não faz ideia” como é que o irmão guardava o dinheiro. //Por sua vez, a A., em declarações de parte, tampouco foi capaz de justificar o porquê de se ter levantado dinheiro em 2014 e depositado na mesma conta apenas em 2021, isto é, 7 anos depois». Motivo porque se impõe julgar parcialmente procedente a alegação. Adita-se ao probatório, a alínea seguinte: «S. No período compreendido entre 2008 e 2021, os AA. declararam os seguintes rendimentos globais (Doc. 4 junto com a pi): 2008: € 28.056,00; 2009: € 28.086,97; 2010: € 23.087,60 2011: € 12.903,34 2012: € 8.500,00; 2013: € 4.439,64 2014: € 14.092,58 2015: € 6.288,75 2016: € 16.710,49 2017: € 10.702,04; 2018: € 14.615,60 2019: € 13.687,20 2020: € 15.255,66 2021: € 16.663,08». X 2.2. De Direito.2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [demais conclusões do recurso jurisdicional, não referidas no ponto ii); apreciado supra]. ii) Erro de julgamento quanto à apreciação e enquadramento jurídico da matéria de facto [Conclusões a) a j), q) a dd), nn) a rr), e fff) a dddd)]. A sentença julgou improcedente o recurso judicial da decisão de fixação da matéria colectável do IRS de 2021. 2.2.2. Antes de apreciarmos o objecto do recurso jurisdicional, importa proceder ao enquadramento do regime de avaliação indirecta da matéria colectável aplicado no caso em apreço. Estatui o artigo 87.º/1/f), da LGT, que há lugar à avaliação indirecta quando ocorra «[a]créscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados». A norma dirige-se «à descoberta de rendimentos inominados, sujeitos a IRS». O sujeito passivo evidencia rendimento, pelo consumo ou aumentos do património, de que a administração fiscal tem conhecimento. «A divergência (…) entre o valor do consumo ou do incremento do património e o rendimento declarado constitui fundamento legal para pôr em causa a presunção de verdade da declaração do contribuinte (artigo 75.º, n.º 1, da LGT) e [a AT] praticar a avaliação indirecta da matéria tributável» (1), a qual importa a «fixação de um rendimento que, em princípio, e salvo se houver elementos que permitam fixar rendimento superior, será a diferença entre o acréscimo de património ou o consumo evidenciados e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação» (2) (n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT). Está em causa tributação presuntiva assente na existência de acréscimos patrimoniais não declarados e cuja fonte não é, alegadamente, esclarecida pelo contribuinte. No que respeita ao ónus da prova da ilegalidade do acto que fixa a matéria colectável em apreço «não basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa (e, muito menos, se essa demonstração se refere a ano anterior) detinha meios financeiros que lhe permitissem, total ou parcialmente os [depósitos] realizados, sendo também necessário demonstrar quais os concretos meios financeiros que afectou à realização desses [depósitos], sob pena de não se poder ter como justificada a manifestação de fortuna evidenciada (cf. n.º 3 do art. 89.º-A da LGT, que exige ao contribuinte a “comprovação […] de que é outra a fonte das manifestações de fortuna» evidenciadas)”» (3). Ou seja, o ónus da prova de que os meios financeiros mobilizados ou de que as entradas financeiras obtidas não carecem de ser declarados, dado que não são tributáveis, postula a análise dos concretos movimentos financeiros e a demonstração da origem dos fundos em presença, caso a caso, movimento a movimento, de forma a tornar perceptível o rastro do dinheiro. Não basta ao cumprimento do ónus da prova em apreço o suscitar da dúvida (fundada ou não) sobre o acerto da fixação da matéria colectável. É necessária uma alegação e demonstração concretas, facto a facto, fluxo a fluxo, do circuito económico-financeiro dos recursos em causa, de forma a que resulte comprovada a fonte do rendimento, a qual, por não ser passível de declaração, justifica a exclusão da tributação. No caso, perante a comprovação do desvio, previsto no preceito do artigo 87.º/1/f), da LGT, entre o rendimento declarado do agregado familiar e o património evidenciado, impõe-se aos contribuintes/recorrentes a demonstração da origem concreta dos depósitos bancários em apreço. «Para cumprir o seu ónus probatório, o sujeito passivo tem de provar não só que possuía meios financeiros necessários à realização da “manifestação” tipificada, como também que esses meios foram efetivamente afetos na realização dessa “manifestação” conforme tem entendido a nossa jurisprudência, nomeadamente o STA» (4). Vejamos, então, os fundamentos do presente apelo jurisdicional. 2.2.3. Para julgar improcedente o presente recurso judicial, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte: «os A. não lograram por um lado demonstrar o circuito relativo ao dinheiro por si depositado em 2021, conforme se levou ao probatório. // Dito de outro modo, impunha-se aos A. demonstrar todo o circuito do dinheiro previamente ao seu depósito em 2021, não bastando alegar o reembolso de suprimentos em 2016 ou os valores levantados em 2014. // Com efeito, face ao alegado, distam 5 e 7 anos…e se é certo, como já se disse, que não é proibido guardar dinheiro em cofres, a verdade é que impendia sobre os A. o ónus de demonstrarem com exatidão o circuito desde aqueles levantamentos ou reembolsos até ao seu depósito, o que não aconteceu. // Acresce que a referência à existência de cofres foi genérica e vaga, sequer se tendo provado que se trata do mesmo dinheiro nas diferentes situações, e qual o valor que esteve nos cofres e de quando a quando. // Isto é, quanto a este ponto, e relativamente ao valor dos depósitos, era necessário que os A. reconstituissem desde a origem dos valores, identificando a sua fonte, e demonstrassem todo o percurso seguido pelo dinheiro até finalmente os valores serem depositados na sua conta bancária. // O que os A. não lograram fazer. // Por outro lado, há ainda um outro ónus, também incumprido pelos A. // É que os A. não alegaram, e muito menos demonstraram, que os valores depositados não careciam de ser declarados em sede de IRS». 2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), os recorrentes consideram que a sentença fez uma incorrecta aplicação dos ónus a prova, a ter em conta na situação em exame. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.Custas pelos recorrentes. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1) José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 370/371.(1º. Adjunto – Carlos Araújo) (2º. Adjunto – Rui Pereira) (2) J. G. Xavier de Basto, IRS, cit., pp. 370/371. (3) Acórdão do STA, 06-03-2014, P. 0189/14. (4) Acórdão do TCAN, de 13-07-2017, P. 00259/14.6BEPNF. (5) Alíneas C) a H), do probatório. (6) v. matéria de facto não provada. (7) Alínea B), do probatório. |