Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1259/21.5BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/10/2024 |
| Relator: | JORGE CORTÊS |
| Descritores: | CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO |
| Sumário: | I. A contribuição extraordinária sobre o sector energético é uma contribuição financeira, destinada a compensar o Estado pelos custos da regulação do sector energético, pelo que é devida pelos operadores de mercado em causa, em razão do impacto que a sua actividade tem nas necessidades de regulação do sector.
II. O princípio da especificação orçamental das receitas não é posto em crise, na medida em que a receita em referência é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, sede onde pode ter lugar, com mais eficácia, o escrutínio público da recolha e emprego de tais receitas. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RelatórioR……….-Armazenagem, S.A., deduziu impugnação judicial peticionando a anulação do acto tributário de autoliquidação da contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] n.º ………………230, referente ao ano de 2020, no montante de €1.536.838,16, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação reclamado, pedindo ainda a restituição da CESE indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida a fls.671 e ss., Sitaf, datada de 21/03/2022, julgou a presente impugnação judicial improcedente e, em consequência, manteve na ordem jurídica a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a autoliquidação de CESE sindicadas. Inconformada com o decidido, apelou a Sociedade Impugnante para este Tribunal Central Administrativo, tendo com a alegação, inserta a fls.723 e ss., Sitaf, apresentado as seguintes conclusões: A. A Sentença recorrida apreciou a CESE de 2020 por simples remissão, directa ou indirecta, para a jurisprudência do TC já conhecida sobre a CESE, sendo que, porém, essa jurisprudência não é adequada a dirimir a questão dos autos, na medida em que se debruçou sobre a vigência do tributo em períodos que vão apenas de 2014 até 2017 – anos (bastante) anteriores ao que aqui está em causa (2020). Relativamente a qualquer ano posterior a 2017 – incluindo, portanto, 2020 –, o TC ainda não se pronunciou. B. No que tange à apreciação da alegada violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, a mesma jurisprudência do STA convocada a dirimir o litígio não poderá ser aplicada no presente, uma vez que se escuda, por um lado, na qualificação da CESE como contribuição financeira, no que não se concede, e, por outro, chama à colação jurisprudência do TC que não poderá ser aplicada com o alcance e o significado utilizado no Acórdão em referência. Por tudo isto a sentença recorrida incorre em erro de julgamento. C. A CESE foi estabelecida com a intenção de constituir uma medida extraordinária (conforme decorre, aliás, da sua própria designação), no âmbito e a propósito da negociação e cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre o Estado português, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, que vigorou entre 2011 e 2014 (vulgo “programa da Troika”). Assim sendo, era suposto que a CESE vigorasse por um período transitório e limitado. Porém, desde que foi criada, a medida tem vindo a ser prorrogada anualmente, até ao presente, estando já no nono ano de vigência (quase uma década). O período em causa nos presentes autos, 2020, foi o sétimo ano em que a CESE esteve em vigor. D. Quer agora, em 2022, quer no ano aqui em questão, 2020, estamos a falar de momentos por reporte aos quais foram há muito ultrapassadas as circunstâncias que justificaram a permanência excepcional e transitória da CESE na nossa ordem jurídica. De acordo com a jurisprudência mais recente do TC, essas circunstâncias reconduzem-se à situação de emergência financeira que a República Portuguesa atravessou entre o início e meados da década passada. Com efeito, apesar de até ao momento o Tribunal se ter colocado do lado da validade da CESE, não só teve apenas em conta o tributo vigente entre 2014 e 2017 como, das decisões conhecidas, é possível retirar como consequência que, a partir de 2018, a medida deixou de ter justificação constitucional para vigorar (extraordinariamente) no nosso ordenamento. E. A essa luz, tanto os actuais nove anos de duração da CESE quanto os sete que ela já levava em 2020 configuram uma situação óbvia de uso excessivo e inconstitucional do poder do Estado, que requer com urgência uma intervenção que o limite – pelo menos, como última ratio, uma intervenção judicial. É essa intervenção que se requer a este Tribunal, enquanto garante dos princípios constitucionais em que se baseia a ordem jurídico-política portuguesa. F. Segundo o TC, a conformidade da CESE com a Constituição mantém-se apenas enquanto ela puder ser considerada uma medida extraordinária, pelo que saber se ela ainda merece ou não essa qualificação é uma questão central, um critério fundamental que deve orientar a apreciação da sua validade ou invalidade. Ora, à luz da jurisprudência, não faz sentido que, no sétimo ano de vigência da medida, ainda se possa considerar admissível a permanência da CESE na ordem jurídica. É que não é só a urgência da receita gerada que despareceu (em 2020, Portugal não estava já na situação financeira de há onze anos. Nessa altura, aliás, o Governo inclusivamente celebrava há muito o facto de termos ultrapassado essa situação); desapareceu também a urgência de o tributo existir naquelas condições – condições essas que, lembre-se, o TC aceitou porque eram «de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e certo, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados (…), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados à urgência do caso pretendido». G. Pois bem: para o TC (por exemplo, no Acórdão n.º 532/2021), saber se a CESE reveste ou não natureza extraordinária é uma pergunta cuja resposta tem de ser determinada por um “critério conjuntural”, em cada ano de vigência, à luz da “verificação periódica de um certo estado de coisas”. H. No entanto, esta circunstância de a validade da CESE tem de ser apreciada ano a ano, de acordo com a manutenção ou não do contexto que justificou a sua criação, implica que não nos possamos desviar de alguns princípios essenciais. Em primeiro lugar, sob pena de se abrir a porta à maior arbitrariedade possível, ao configurarem-se as razões que justificam a continuidade do tributo na ordem jurídica, não podemos estar permanentemente a pesquisar razões novas que sustentem, por exemplo, a natureza extraordinária da CESE. I. É verdade que, potencialmente e em abstracto, em todos anos, até à eternidade, existirão por certo no Estado português circunstâncias (por exemplo, de índole orçamental) que poderão justificar a necessidade de receitas tributárias acrescidas, de natureza extraordinária; todavia, quando nos debruçamos sobre uma determinada medida concreta, para averiguar se ela é (ou ainda permanece) constitucionalmente válida – desde logo à luz da sua eventual natureza extraordinária – , não nos podemos afastar dos motivos que levaram o legislador a criá-la: é que, se optarmos por esse afastamento, estamos a aceitar que pode deixar de haver – ou deixar de ser impossível averiguar – qualquer correspondência entre a razão de ser do tributo e a necessidade de o exigir especificamente aos operadores económicos que são os seus sujeitos passivos. J. Em vez de estarmos sempre a justificar a CESE com razões novas, ou com razões que, mesmo existindo à data da criação do tributo, não consta dos documentos legislativos ou de qualquer elemento do contexto da sua criação que tenham sido levadas em conta, aquilo a que estamos adstritos é a perguntar se as razões que presidiram à implementação do tributo se mantêm ou não, ou se foram cumpridas com a receita gerada pela medida. Caso contrário, estaremos perante uma medida violadora do princípio da proporcionalidade, por não existir correspondência entre a sua suposta necessidade e os objectivos determinados pelo legislador. K. Nesse caso, só há duas hipóteses: ou a CESE tem de ser expurgada da ordem jurídica ou as suas regras têm de ser alteradas, com – nas palavras do TC – “a implementação de critérios, porventura mais adequados” à vigência do tributo posterior ao momento extraordinário da sua criação. L. De resto, diga-se também, em segundo lugar, que não se pode dar justificações para a CESE que alterem natureza do tributo, a não ser que daí se retirem as devidas consequências, por exemplo e desde logo, considerando que não se trata de uma contribuição financeira, mas sim de um imposto. Lembre-se que a qualificação da CESE como uma contribuição, estabelecida no Acórdão n.º 7/2019, tinha por pressuposto que a actividade dos sujeitos passivos dava causa aos problemas que o tributo visava ajudar a resolver e/ou beneficiavam da actuação do Estado na resolução desses problemas. Porém, se a CESE passar a ser justificada sem apelo a essa ideia de bilateralidade, então é porque é um imposto e tem de ser tratada como tal, de acordo com os princípios que conformam a constitucionalidade da criação de impostos. M. Ora, o único argumento que o TC avança para justificar a validade da CESE até 2017 é o das condições de emergência financeira em que a República Portuguesa se encontrava. Em concreto, o TC justifica a CESE com a situação de rescaldo do PAEF, durante o qual Portugal permanecia num contexto de fragilidade das contas públicas, e a manutenção do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (relativamente à CESE dos anos de 2015 e 2016, podemos referir as Decisões Sumárias n.ºs 358/2021 e 422/2021 e os Acórdãos n.ºs 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021 e 532/2021. Quanto a 2017, podemos citar o Acórdão 736/2021). N. Antes de mais, analisada a jurisprudência em apreço, o que importa sublinhar é que o TC dá apenas uma justificação para a CESE de 2015, 2016 e 2017 – e essa justificação é a necessidade de consolidação orçamental. O. Esta circunstância implica necessariamente que a CESE deve ser considerada como um verdadeiro imposto, na medida em que, se serviu simplesmente para consolidação orçamental, constitui afinal um tributo cobrado para os fins gerais dos impostos, sem qualquer efeito no financiamento de medidas de sustentabilidade do sector energético, seja na redução da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional ou em qualquer outra. Assim, é indispensável a medida ser apreciada à luz dos princípios constitucionais que regem a criação de impostos. P. Aliás, insista-se, a partir de 2018 a CESE perdeu até a ligação à emergência da consolidação orçamental, que nessa altura deixou de se verificar, o que acarreta que deixou de existir qualquer correspectividade especial entre a CESE e uma necessidade do Estado que pudesse justificar, mesmo que temerariamente, a sua vigência extraordinária. Também por este facto se deve concluir, então, que falar hoje da CESE como um tributo bilateral –designadamente uma contribuição especial – é um erro. Q. Com efeito, levando em linha de conta a jurisprudência do TC, tem de se concluir que a CESE deixou de ser uma medida extraordinária em 2018, pois que nesse ano Portugal não só já tinha há muito deixado para trás o PAEF como havia fechado o procedimento por défice excessivo. Por reporte a 2017, o último ano analisado pelo TC, este já só teve como pressuposto da natureza extraordinária da CESE a existência do procedimento por défice excessivo: se este terminou, terá de se concluir que com ele terminou igualmente a validade transitória e excepcional da CESE. Ao contrário do que sucedeu de 2014 a 2017, em 2018 e nos anos seguintes Portugal (incluindo 2020, aqui em apreço) já não estava obrigado pela União Europeia à adopção de medidas orçamentais extraordinárias. Em 2018, o défice foi de 0,5% do PIB, que na altura o Governo celebrou como um «resultado histórico e virtuoso». R. Sendo verdade que em 2020 o défice ultrapassou os 3%, isso ficou a dever-se única e exclusivamente à necessidade de financiar a resposta urgente do Estado à pandemia da COVID-19: ou seja, as necessidades circunstanciais de financiamento não só não resultaram de qualquer factor estrutural como, não tendo elas por responsáveis as empresas do sector energético, não podiam justificar uma medida que sobre estas incidisse especialmente. S. Portanto, se a jurisprudência do Tribunal Constitucional é a que é, nada pode justificar a vigência da CESE em 2020. O Tribunal sinaliza claramente uma aproximação da CESE ao limite do aceitável, já que a razão com a qual o tem identificado a justificação da validade temporária da medida – a emergência financeira de Portugal – não se verifica nos anos seguintes àqueles sobre os quais se debruçou a jurisprudência conhecida. O limite do aceitável, segundo o TC, foi ultrapassado em 2018. T. É por isso que, a partir desse ano, o Governo foi dando sinais formais – nas sucessivas leis orçamentais – de que pretende uma revogação faseada da medida. Fê-lo mediante autorizações legislativas, para sinalizar uma alegada vontade do Estado português de, mais tarde ou mais cedo, remover a CESE do ordenamento jurídico. E fê-lo porque teve a noção do risco de constitucionalidade de o não fazer. U. Porém, ao desaproveitar sistematicamente essas autorizações legislativas, o que o Governo demonstrou é que, em bom rigor, a sua intenção é fazer letra-morta da natureza extraordinária da CESE, que deste modo permanece ainda na ordem jurídica basicamente como foi aprovada em 2014. V. Do exposto resulta que a CESE tem de ser apreciada como aquilo que verdadeiramente é – ou que verdadeiramente era já em 2018: um imposto especial sobre o sector da energia, sem natureza extraordinária. W. Trata-se, sem dúvida, de uma medida inconstitucional. X. A inconstitucionalidade decorre, antes de mais, de a CESE ser um imposto cujas bases de tributação subjectiva e objectiva violam o princípio da capacidade contributiva, concretização do princípio da Igualdade (artigo 13º da Constituição), desenvolvido também, no que respeita à base objectiva, pelo princípio da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104º). Y. Sobre isso, deve começar-se por sublinhar que a Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) – que é o principal problema regulatório que o regime da CESE declara pretender resolver –, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos do tributo). Z. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu igualmente como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo, também aqui, com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares. AA. Quanto ao financiamento de outras políticas sociais e ambientais do sector energético, em geral, que o legislador também inscreveu formalmente no regime como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa. BB. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária do SEN e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental). CC. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos. DD. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular. EE. Posto isto, a CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente. FF. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório. GG. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade. HH. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade. II. Este princípio é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução. JJ. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema. KK. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a Recorrente – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio). LL. Finalmente, ao que antecede acresce que a receita da CESE – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devida e suficientemente orçamentada à luz do princípio da discriminação orçamental, previsto pelo disposto no artigo 105.º, n.º 1, da CRP, e da regra da especificação orçamental, decorrente do artigo 105.º, n.º 3 da CRP e do artigo 17.º da LEO, quer - para o que aqui releva – na Lei do Orçamento do Estado de 2014, quer na Lei do Orçamento do 2020. MM. Com efeito, a receita da CESE, na Lei do Orçamento do Estado para 2014, não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais, concluindo-se que não se encontra inscrita de modo desagregado em nenhum mapa orçamental, do que decorre que, (i) no Orçamento do Estado para 2014 não é possível encontrar a receita da CESE no meio das demais receitas tributárias; (ii) não é, de todo, possível apurar o montante da receita que se previa arrecadar com a CESE; (iii) não foi cumprido o desiderato para o qual foi criada a CESE, isto é, a sua transferência, ainda que parcial, para o FSSSE. NN. Já no que respeita à Lei do Orçamento do Estado para 2020, de acordo com o Tribunal de Contas, a receita da CESE encontra-se englobada no Mapa I, em “impostos diretos diversos”, não sendo, porém, possível, extrair o valor concreto previsto arrecadar com a cobrança deste tributo. Tal valor revela-se apenas extrapolável a partir da referência feita à receita global do FSSSE, no Mapa V – 132 milhões e 140 mil euros. No entanto, a CESE não é a única fonte de receita do FSSSE, pelo que não é possível, sem mais informação, apurar o valor da CESE efetivamente orçamentado neste ano. OO. Nestes termos, é indubitável que ocorreu violação grosseira do princípio da discriminação da regra da especificação orçamental, pois que, embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista nas aludidas Leis do Orçamento do Estado – neste caso, por referência aos anos de 2014 e 2020 –, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam, categoricamente, o disposto na CRP e na LEO. PP. Esta situação (i) permitiu a existência de um crédito orçamental secreto, resultado esse cujo impedimento constitui a razão de ser da previsão do princípio da especificação orçamental; (ii) potenciou a aprovação do orçamento sem que os Srs. Deputados tivessem conhecimento do montante da receita cuja cobrança autorizavam; (iii) não permite a fiscalização da execução orçamental, que compete também aos Srs. Deputados realizar, sacrificando o fator de accountability, também inerente à aprovação parlamentar do orçamento anual. QQ. Nesta medida, a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, uma vez que a votação dos dois orçamentos em crise – e de todos os Orçamentos entre 2014 e 2021 -, foi efetuada sem pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE, o que é passível de permitir a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei – o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina, quer na redação de 2001, quer na de 2015, a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique). Assim, a não especificação da receita em crise, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e, portanto, à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado. RR. Com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no atual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”. Assim, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO, o que está para além da mera inexigibilidade da dívida, sendo mesmo equiparável ao vício de inexistência do tributo. SS. No plano normativo, a violação do princípio da especificação orçamental localiza-se, por referência à CESE, em dois momentos fundamentais (i) no momento da criação do Regime jurídico da CESE, com a aprovação do artigo 228.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, e (ii) no momento em que a sua vigência foi, prorrogada, para o ano 2020, por via do artigo 376.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado para esse ano (e em todos os outros anos, por via das sucessivas Leis do Orçamento do Estado ou de diplomas autónomos de autorização da sua cobrança, como ocorrido em 2016 e 2021). TT. Assim, a violação do princípio da especificação orçamental apresenta-se como uma doença congénita que contamina, em rigor, todas as normas que instituem e regulam a CESE. Do que antecede, suscita-se a inconstitucionalidade e a ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, (i) da norma que instituiu o regime jurídico da CESE, i.e. da norma resultante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013; (ii) da norma que manteve em vigor, no ano 2020, o regime jurídico da CESE, i.e. da norma contida no artigo 376.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2020, de 31 de março; (iii) da norma que se retira do artigo 1.º do regime jurídico da CESE e que define o objeto do tributo; (iv) da norma que se retira do artigo 2.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência subjetiva do tributo; (v) da norma que se retira do artigo 3.º do regime jurídico da CESE e que determina a incidência objetiva do tributo; (vi) a norma que se retira do artigo 6.ºdo regime jurídico da CESE e que determina a taxa aplicável; (vii) a norma que se retira do artigo 11.º do regime jurídico da CESE e que determina a consignação da receita ao FSSSE, bem como (viii) da norma que se retira do artigo 12.º do regime jurídico da CESE e que determina a não dedutibilidade da CESE. UU. Como se crê ter demonstrado, e se escusa de repetir, o alcance e o propósito da previsão de tal princípio e de tal regra são muito mais largos do que julgou – por remissão – o Tribunal a quo, servindo o próprio princípio de Estado de Direito Democrático. Depois, vimos já que, mesmo que a CESE se tratasse de uma contribuição financeira (no que não se concede), tal circunstância não é apta a aligeirar as exigências dos princípios e regras em causa, porque quer a CRP, quer a LEO, apenas se referem a receitas, e depois porque a sua natureza de receita consignada sempre implicaria, pelo contrário, uma maior exigência discriminativa e especificativa. Assim, e contrariamente ao pugnado pelo STA – e, por remissão, pelo Tribunal a quo – da conjugação da (eventual) classificação da CESE como contribuição, da autonomia do FSSSE, dos critérios de incidência da CESE e da previsão das receitas globais do FSSSE do Mapa V, não resulta a suficiência da discriminação e da especificação realizada no Orçamento em questão, primeiro porque ela é absolutamente inexistente e depois porque, acrescentando a esta equação o facto de estarmos perante receita consignada, as exigências são mais – e não menos – apertadas. VV. Em face de tudo quanto antecede, mal andou a sentença recorrida ao decidir no sentido do julgado. Pugna pela procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida e pela procedência da impugnação. X Não foram apresentadas contra-alegações.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X II- Fundamentação2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: 1) R……….. Armazenagem, S.A., ora impugnante, tem sede em território nacional e desenvolve a atividade de armazenamento subterrâneo de gás natural e acessoriamente, a de construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias à sua atividade, de acordo com a concessão de serviço público de que é titular, regulada nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro e o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho – facto não controvertido e cfr. informação constante do documento 1 da reclamação graciosa, de fls. 622 e 623 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 2) No dia 30 de outubro de 2020, a impugnante efetuou a autoliquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (“CESE”) n.º …………230, no montante de € 1.536.838,16, com referência ao período de 2020 – cfr. documento 1 junto com a reclamação graciosa, de fls. 623 e 624 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 3) No dia 30 de outubro de 2020, a impugnante procedeu ao pagamento voluntário da autoliquidação referida em 2), no montante de € 1.536.838,16 – cfr. documento n.º 2 junto com a reclamação graciosa, de fls. 625 da paginação eletrónica; 4) No dia 1 de março de 2021, a impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação referida em 2) junto do Serviço de Finanças de Pombal 1) - cfr. documento de fls. 244 e seguintes da paginação eletrónica (processo administrativo) e cfr. informação constante de fls. 634 da paginação eletrónica (processo administrativo); 5) Através do ofício n.º 193-DJT/2021, de 10 de maio de 2021, enviado por correio registado sob o n.º RF…………….PT, a impugnante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias – cfr. documento de fls. 640 a 642 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 6) A impugnante não exerceu o direito de audição – facto não controvertido e cfr. informação constante de fls. 645 da paginação eletrónica (“processo administrativo”); 7) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 4 de junho de 2021 – cfr. documento de fls. 643 da paginação eletrónica (“processo administrativo”). X “Factos não provados// Com relevância para a decisão de mérito, inexistem factos não provados.”X “Motivação e análise crítica da prova produzida //Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes não só dos presentes autos, mas também do Processo Administrativo, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal”X 2.2. De Direito.2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) Erro de julgamento quanto à não subsistência das razões conjunturais que determinaram a instituição do tributo em apreço, o que leva à sua consideração como imposto inconstitucional, incidente sobre o sector energético [conclusões A) a CC)]. ii) Erro de julgamento por referência à asserção de que o tributo em exame corresponde a um imposto cujo regime de incidência subjectiva e objectiva colide com o princípio da capacidade contributiva [conclusões DD) a GG)]. iii) Erro de julgamento porquanto o regime da CESE incorre na preterição do princípio da proporcionalidade [conclusões HH) a KK)]. iv) Erro de julgamento atendendo a que o regime em referência não observa as exigências postas pelo princípio da especificação orçamental [demais conclusões de recurso)]. A sentença julgou improcedente a presente impugnação, relativa à contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] 2020. Considerou que se trata de uma contribuição financeira, a qual não enferma das inconstitucionalidades orgânicas e materiais que lhe são apontadas pela impugnante. Baseou-se na jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional, do STA, e dos TCAs. Com as alegações de recurso, a recorrente juntou parecer, o qual é de admitir, ao abrigo do disposto no artigo 651.º/2, do CPC. Antes de entramos na apreciação do objecto do recurso, cumpre proceder ao enquadramento seguinte. 2.2.2. A contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] foi criada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2014). O regime legal em apreço (constante do artigo 228.º desta lei) estabelece que o objetivo da contribuição é o de «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético» (n.º 2). O preceito do artigo 376.º da Lei n.º 2/2020, de 31 de março, determinou a manutenção do regime da CESE [RCESE] para o exercício de 2020. A recorrente tem sede em território nacional e desenvolve a atividade de armazenamento subterrâneo de gás natural e acessoriamente, a de construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias à sua atividade, de acordo com a concessão de serviço público de que é titular, regulada nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro e o Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho (1). No que se refere à incidência subjectiva, de acordo com o artigo 2.º/d), do RCESE (2) , a contribuição incide sobre as pessoas singulares ou coletivas que «[s]ejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro» (3). No que concerne à incidência objectiva, determina o artigo 3.º do RCESE (4), que a contribuição «incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: // a) Ativos fixos tangíveis; // b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e // c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior». Determina o artigo 6.º/2 (“Taxas”), do RCESE (5) que, «[n]o caso da produção de eletricidade por intermédio de centrais termoelétricas de ciclo combinado a gás natural, a taxa da contribuição extraordinária sobre o setor energético, aplicável à base de incidência definida no artigo 3.º, é de: // a) 0,285 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada inferior a 1500 horas; // b) 0,565 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada superior ou igual a 1500 e inferior a 3000 horas; // c) 0,85 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada superior ou igual a 3000 horas». No que se reporta ao procedimento e forma de liquidação, a contribuição em causa é liquidada pelo sujeito passivo, através de declaração de modelo específico, que deve ser remetida por transmissão eletrónica de dados até 31 de outubro de 2020, em regra (artigo 7.º/1, do RCESE (6)). No que se refere ao pagamento, a contribuição extraordinária deve ser paga até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração referida, nos locais de cobrança legalmente autorizados (artigo 8.º/1 do RCESE). Por referência à afectação da receita, «[a] receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEG), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, e para o SNGN» (artigo 11º/1, do RCESE]. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2023, de 25/05/2023, «Foi entendimento adotado no [Acórdão n.º 7/2019] que a CESE escapa ao conceito (e regime jurídico próprio) do imposto (por não constituir tributo destinado a satisfazer toda a despesa pública) e da taxa (que se entende contrapartida de uma prestação pública de que beneficia o obrigado tributário), sendo qualificável como contribuição financeira a entidades públicas (v. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015) e, como tal, inserindo-se num tertium genus que não partilha o regime jurídico de nenhuma daquelas duas classes de tributos (v. acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 152/2013, 365/2008 e 613/2008). É a unidade de interesses de grupo, a responsabilidade de grupo e o benefício de grupo, com relação à CESE e aos operadores no setor energético abrangidos pelo âmbito de incidência subjetiva (artigo 2.º do RJCESE), que suportam a conceptualização do tributo em causa como contribuição financeira inserida na lógica comutativa de aquisição de benefício difusa pela ação pública, esta por sua vez assente em responsabilidade de grupo pela situação carecida da atividade que a contribuição é chamada a financiar. // De facto, porque a CESE está legalmente alocada ao financiamento de Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (artigo 11.º, n.º 1 do regime jurídico da CESE) e destinada a financiar “mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético” (artigo 1.º, n.º 2), o tributo compreende-se de acordo com uma ótica interna de despesa, justificando a incidência contributiva sobre os operadores no setor energético por a atividade financiada se repercutir positivamente na sua atividade (bilateralidade genérica, potencial ou difusa). // A atividade do FSSSE está legalmente dirigida à “promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional” (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2014 de 9 de abril e artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 do RJCESE), o que caracteriza o espetro de vantagens para os operadores económicos do setor enquanto benefício grupal decorrente da ação pública financiada (artigo 81.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa). Por sua parte, também a necessidade de intervenção estadual tendo em vista garantir o equilíbrio ambiental e a racionalização na exploração de recursos (artigo 66.º, n.º 2, alíneas d) e f) da Constituição da República Portuguesa), ambos integrados no programa de atividade do FSSSE (cfr. artigo 2.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 55/2014 de 9 de abril), constitui essencialmente uma forma de responder à pressão que a atividade económica dos operadores sujeitos à CESE coloca no respetivo domínio setorial e que, por esse motivo, igualmente lhes aproveita, reforçando a subsunção do tributo à figura da contribuição financeira» (7) . Tendo por base o regime jurídico descrito, a jurisprudência fiscal e constitucional não acolheu a tese da inconstitucionalidade material do tributo em causa, considerando que o mesmo configura uma contribuição financeira. Assim, por exemplo, no Acórdão do STA, de 18/05/2022, P. 0994/20.0BEPRT, afirma-se que «o entendimento segundo a qual o CESE é uma contribuição financeira e as normas que modelam o respetivo regime jurídico não violam os princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos e da proteção da confiança, segurança jurídica e não retroatividade da lei fiscal, foi reafirmado em diversos outros acórdãos deste tribunal (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, de 16/12/2020, de 23/06/2021, de 13/07/2021, de 8/09/2021, de 6/10/2021, de 10/11/2021, de 2/02/2022, processos n.ºs 0387/17.6BEMDL, 0415/16.1BEVIS 0314/18.3BEVIS, 03037/16.4BELRS, 0545/19.9BEPRT e 01587/18.7BEPRT, 01676/19.0BEPRT, 01471/17.1BEPRT, 0810/18.2BESNT). No sentido da não inconstitucionalidade do artigo 12.º do Regime Jurídico da CESE e do artigo 23.º, n.º 1, alínea q), do Código do IRC se pronunciaram, entretanto, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 7 de junho de 2021, de 24 de junho de 2021, de 9 de julho de 2021, e de 22 de Setembro de 2021 (n.ºs 395/2021, 463/2021 e 465/2021, 506/2021 e 732/2021). No sentido da não inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, nas redações de 2014 e de 2016, se pronunciaram, entretanto, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 22 de Setembro de 2021 (n.ºs 735/2021 e 736/2021)». Em síntese, a alegação do carácter extraordinário do tributo em exame não põe em causa a sua configuração como contribuição financeira, cujo afectação à função de regulação do mercado energético justifica a incidência sobre o grupo de operadores económicos do sector, como sucede com a recorrente. Tal regulação serve de garante ao exercício da actividade económica da mesma, o que demonstra a existência do sinalagma de grupo. Em síntese, o regime da contribuição extraordinária sobre o sector energético não viola o princípio constitucional da especificação orçamental, desde logo, porque a consignação da receita ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), retira ao argumento grande parte da sua relevância, porquanto o escrutínio público far-se-á no plano da aferição da aplicação concreta das receitas assim obtidas. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.Custas pela recorrente. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1ª. Adjunta- Isabel Silva) (2ª. Adjunta – Maria da Luz Cardoso) (1) N.º 1 do probatório. (2) Versão conferida pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril. (3) Artigo 2.º/alínea d), do RCESE. (4) Versão conferida pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril. (5) Versão conferida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro. (6) Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro. (7) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 296/2023, de 25/05/2023. (8) N.º 1 do probatório. (9) Acórdão do STA, de 13-12-2023, P. 0240/20.6BELRA. (10) Acórdão do STA, de 08-09-2021, P. 0545/19.9BEPRT. |