Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:343/06.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/13/2019
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores: IRS;
AJUDAS DE CUSTO;
ÓNUS DA PROVA,
Sumário:1) As ajudas de custo, atribuídas ao trabalhador, têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado.



2) O ónus de prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária.

3) No cumprimento do ónus da prova que sobre si recai, não basta à recorrente lançar a suspeita sobre a falta de aderência à realidade da documentação apresentada pelo contribuinte; importava concretizar os indícios invocados de sobreposição de despesas ou de pagamentos com a mesma finalidade, tendo em vista a descaracterização dos pressupostos das despesas compensatórias em apreço.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M......... e M........., vieram deduzir acção administrativa especial do indeferimento do recurso hierárquico, interposto do indeferimento da reclamação graciosa, versando sobe a liquidação adicional de IRS, do ano de 1994, no montante de € 7.060,21, tendo, posteriormente, sido convolada a acção administrativa especial em impugnação judicial.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 29 de Maio de 2018, julgou procedente a impugnação.

Nas suas alegações, a recorrente FAZENDA PÚBLICA, formula as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso vem reagir da douta sentença proferida em 2018-05-29, no processo n.º 343/06.0BELRS, que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 1994, no valor de € 7.060,21 (sete mil e sessenta euros e vinte e um cêntimos).

B. A RFP não se conforma com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, por entender que reclamaria uma qualificação jurídico-tributária distinta da julgada no Tribunal a quo.

C. No ano de 1994, o Impugnante marido exercia as funções de administrador na sociedade C........., S.A.

D. O Impugnante marido era titular de “cartão prestige” associado a uma conta de depósito à ordem da C........., S.A., com que pagava as despesas de alimentação, de portagens e de combustíveis. As despesas que não eram possíveis de pagar através do “cartão prestige”, eram reembolsadas ao Impugnante marido pela C........., S.A.

E. A par do seu vencimento, o Impugnante marido recebia ajudas de custo pagas 14 (catorze) vezes no ano, todas do mesmo valor.

F. Em 1994, encontrava-se em vigor o Decreto n.º 49408, de 24 de novembro de 1969, que aprovou o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho, vulgarmente designado por Lei do Contrato de Trabalho ou “LCT”.

G. Nos termos do artigo 82.º do LCT, as prestações de caráter regular (constantes no valor do seu pagamento) e periódico (constantes na frequência do seu pagamento), pagas pela entidade patronal ao trabalhador, que pela sua regularidade e periodicidade são suscetíveis de gerar a expetativa da sua manutenção na esfera jurídica do trabalhador, constitui retribuição.

H. O n.º 3 do artigo 82.º do LCT consagrou uma presunção (ilidível) que toda e qualquer prestação realizada da entidade patronal ou trabalhador constitui retribuição.

I. A existência de uma contrapartida específica e individualizável, diferente da remuneração do trabalho ou da sua disponibilidade, afasta a presunção constante do n.º 3 do artigo 82.º da LCT.

J. Não integra o conceito de retribuição (a) as prestações que não verificam o conceito de retribuição, por lhes faltarem os pressupostos da regularidade e da periodicidade, e, como tal, não beneficiam da presunção constante da norma; (b) as prestações que verificando os pressupostos da regularidade e da periodicidade, correspondem a uma liberalidade da entidade patronal, não sendo suscetível de gerar a expetativa da sua manutenção ao trabalhador; e (c) as prestações que, verificando os pressupostos da regularidade e da periodicidade e suscetíveis de gerar a expetativa da sua manutenção, são realizadas com fundamento numa causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho.

K. As ajudas de custo constituem meros reembolsos de despesas assumidas pelos trabalhadores, não tendo, por isso, um carácter remuneratório, nos termos do artigo 87.º da LCT.

L. Assim, por carecer dos pressupostos da regularidade e da periodicidade, as ajudas de custo podem ficar excluídas do conceito de retribuição. Ainda que verifiquem o conceito de retribuição, por serem regulares e periódicas, as ajudas de custo podem ter uma causa específica e individualizável (reembolso de despesa) que afasta a presunção do n.º 3 do artigo 82.º da LCT, não constituindo retribuição.

M. Pode suceder as ajudas de custo integrarem formal e materialmente o conceito de retribuição por o seu pagamento, sendo regular e periódico, não ter como propósito o reembolso de uma despesa, no seu todo ou em parte.

N. A análise efetuada supra recolhe elementos doutrinais e jurisprudenciais aplicáveis à LCT, ao Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, e ao atual Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, dado que o regime da retribuição e das ajudas de custo, ora relevantes, se mantiveram estáveis ao longo da evolução legislativa.

O. O conceito de “retribuição” e de “ajudas de custo” são conceitos próprios do direito laboral, devendo o intérprete, na utilização destes conceitos em sede de direito tributário, atender ao significado que o direito laboral atribui aos conceitos.

P. Nem de outra forma poderia ser, atendendo a que o Direito Tributário pretende tributar as operações materiais, atendendo à sua substância, não à sua forma, cf. o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

Q. A “retribuição”, qualificada como tal em sede de Direito Laboral, é tributada como rendimento do trabalho dependente nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, na redação em vigor em 1994.

R. As “ajudas de custo”, qualificadas como tal em sede de Direito Laboral, são tributadas em sede de IRS quando excedem o montante legalmente previsto, nos termos da alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, na redação em vigor em 1994.

S. As prestações pagas 14 (catorze) vezes no ano, sempre no mesmo montante, e que acrescem ao reembolso de despesas e à utilização de “cartão prestige” da entidade patronal, não constituem “ajudas de custo”.

T. Em primeiro lugar, porque não subsistem despesas incorridas pelo Impugnante marido que devam ser reembolsadas.

U. Em segundo lugar, porque o pagamento da prestação é feito de forma independente da existência de despesas para reembolsar, i.e., o pagamento ocorre mesmo que não haja reembolsos de despesas a realizar. Não existe, assim, uma causa específica e individualizável diferente da remuneração do trabalho para a realização destes pagamentos e que permita afastar a presunção constante do artigo 82.º da LCT.

V. Em terceiro lugar, porque cada trabalhador trabalha apenas 11 (onze) meses no ano (acresce o período de férias), sendo impossível a realização de despesas durante 14 (catorze) meses num ano que só tem 12 (doze) meses.

W. Em quarto lugar, porque a prestação paga a título de “ajudas de custo” tem o mesmo valor da prestação paga com a designação de “vencimento”.

X. Nestes termos, as prestações pagas ao Impugnante marido e objeto de liquidação adicional de IRS têm a natureza de “retribuição”, estando sujeitas a IRS nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Código, na redação em vigor em 1994.

Y. A qualificação das prestações como “retribuição” obsta à relevância de documentos internos da C........., S.A., porque incompatíveis com aquela qualificação.

Z. Não é aplicável o limite legal previsto na alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS, na redação em vigor em 1994, porque esse limite legal só é aplicável às prestações pagas com a natureza de “ajudas de custo”, i.e., que constituem reembolsos de despesas.

AA. Nestes termos, a liquidação impugnada não merece censura, porque qualificou devidamente os rendimentos do Impugnante marido.

BB. A sentença recorrida, com a devida vénia, ao julgar procedente a presente impugnação judicial, não qualificou devidamente os rendimentos do Impugnante marido, em violação do disposto no artigo 82.º e 87.º da LCT, e,

CC. Consequentemente, não aplicou de forma devida o disposto no artigo 2.º do Código do IRS e no artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e de Justiça.»


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Os recorridos, apresentaram as suas contra alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1 - Por d. Sentença de 29/05/2018 foi julgada procedente a impugnação e, em consequência, determinada a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 1994.
2 - Para tanto considerou o Tribunal a quo que os fundamentos indicados pela Administração Tributária para a liquidação adicional de IRS impugnada não se verificavam ou não ficaram provados, não existindo fundamento fáctico-legal para a correcção efectuada.
3 – In casu, não ficou demonstrado nos autos que as quantias pagas ao Impugnante a título de subsídio de deslocação e ajudas de custo não se destinassem efectivamente a reembolsar despesas por este suportadas ao serviço da C........., S.A., empresa da qual era administrador.
4 – Também não ficou demonstrado – como falsamente alega a Fazenda Pública em sede de alegações de recurso – que essas quantias acrescessem ao reembolso de despesas e à utilização de cartão prestige da entidade patronal, i,.e, que o Impugnante tivesse auferido outros valores para suportar as mesmas deslocações e despesas – o que não é verdade.
5 – Nem tampouco ficou demonstrado que as quantias pagas tivessem excedido o limite legal previsto de modo a deverem ser tributadas em sede de IRS.
6 – Donde, a liquidação adicional padece de ilegalidade por falta de fundamento legal.

Termos em que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a d. Sentença recorrida, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA!»

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) Na sequência de acção inspectiva levada a efeito pelos competentes serviços da Administração Tributária à sociedade C........., S.A., foi emitida aos Impugnantes a liquidação adicional de IRS n.º 5323442..., relativa ao ano de 1994, no valor total de Esc.: 1.415.445$00, com data limite de pagamento em 26/01/2000, por a Administração Tributária não ter considerado os valores relativos a subsídio de deslocação e de ajuda de custo pagos ao Impugnante pela sociedade “C........., S.A.”, na qual exercia funções de administrador, por motivo de se tratarem de remunerações acessórias (cfr. Relatório de inspecção tributária e liquidação no procedimento de reclamação graciosa (RG) apenso);

2) A fundamentação da correcção referida no ponto anterior baseou-se nos registos contabilísticos das remunerações das ajudas de custo aos órgãos sociais da sociedade, por se tratarem de documentos internos, que não identificam os dias das deslocações, hora de partida, hora de chegada e sem assinatura das pessoas beneficiárias daquelas importâncias, por a importância processada por administrador ser constante ao longo do ano e ter sido processada 14 vezes no ano (cfr. RIT);

3) O impugnante apresentou também documentos externos de despesas, por si suportadas, relativas a portagens, hospedagem e combustíveis, para ser reembolsado pela sociedade (Cfr RIT);

4) Em 10/02/2000 os impugnantes procederam ao pagamento da quantia de Esc.: 987.865$00, relativa à liquidação identificada no número 1 supra, efectuada ao abrigo do Dec.-Lei n.º 125/96, com benefício de redução de juros compensatórios (cfr. RG apenso);

5) Os Impugnantes residiam em Lisboa e a sociedade C........., S.A. tinha instalações e sede em Leiria (cfr. RIT);

6) Em 17/04/2000 os Impugnantes deduziram reclamação graciosa da liquidação adicional (cfr. procedimento RG apenso);

7) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22/10/2004 do Chefe de Divisão, no entendimento que os encargos alvo de correcções não eram verdadeiros subsídios de deslocação e ajudas de custo, não tendo sido apresentado boletins itinerários emitidos pelo trabalhador e no mais com a fundamentação constante do relatório de inspecção tributária (cfr. procedimento RG apenso);

8) Em 30/11/2004, os Impugnantes deduziram recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa (cfr. procedimento recurso hierárquico (RH) apenso);

9) O recurso hierárquico foi indeferido por despacho de 23/02/2005 di Director de Finanças Adjunto (cfr. procedimento de RH apenso);

10) Em 16/12/2005 os impugnantes apresentaram, por correio, a presente impugnação (cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos).

Factos não provados

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Motivação

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e dos processos apensos, que não foram impugnados.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento ao considerar como ajudas de custo as quantias declaradas como tal pelo Recorrido marido, e que a AT considerou como sendo retribuições de trabalho, o que motivou a liquidação adicional de IRS, relativo ao ano de 1994.

Nos presentes autos, vem sindicada sentença proferida a fls. 195/202 (tal como vem indicado no rosto da mesma), que julgou procedente a impugnação deduzida por M…… e M…….., contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 1994.

Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença amparou-se na seguinte fundamentação:

“(…)O facto de se tratar de deslocações regulares cremos ser normal no âmbito da actividade da empresa e perspectivando que o Impugnante reside em Lisboa e que a sociedade tem instalações em Leiria e que os clientes estão espalhados pelo país.

Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 24/10/2000, processo n.º 3978/2000, sumariado nos seguintes termos:

«(…) 3. O facto de as importâncias atribuídas a título de ajudas de custo revestirem carácter de regularidade e continuidade não implica, necessariamente, que tenham deixado de constituir uma compensação por despesas suportadas pelo trabalhador em favor da entidade patronal e que tenham passado a ser um correspectivo da sua prestação de trabalho.

4. Não tendo a A.F. demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender, sem mais, que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS.» (disponível em http://www.dgsi./pt).

Deve notar-se ainda que não pode proceder-se a correcções às declarações dos contribuintes com base em meras presunções ou suspeitas, antes devendo resultar de dados de facto objectivos (artigo 66.º n.º 4 do CIRS).

De acordo com a redacção do art. 2.º do CIRS:

2 – As remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multa e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.

3 – Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...)

e) – As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais, (...).

Numa outra abordagem dos preceitos legais que ao caso cabem, resulta que, para que as importâncias recebidas pelo trabalhador relativas à utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal sejam tributadas é necessário que essas importâncias excedam os limites legais fixados anualmente para os servidores do Estado.

Ora, na nota de fundamentação subjacente à liquidação nada se refere quanto a terem sido ultrapassados os limites legais fixados para esse ano.

Acresce que a Administração Tributária não demonstrou a falsidade das declarações vertidas nos documentos, designadamente nas “notas de encargos de viagem” juntos ao procedimento de reclamação graciosa, nem que o Impugnante tenha auferido outros valores para suportar as mesmas deslocações documentadas em tais documentos (nota de encargos de viagem) ou que as mesmas tivessem excedido o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado (vide neste sentido Ac. STA de 06/03/2008, processo n.º 01063/07, disponível em http://www.dgsi./pt).

Por último, dir-se-á que a lei não limita os meios de prova e aderindo à posição dos Impugnantes, à data dos factos não era exigível a emissão de boletins itinerários (vide neste sentido Ac. do TCAS de 03/06/2009, processo n.º 3085/09, disponível em http://www.dgsi./pt).

Assim, face à formulação do artigo 2.º do CIRS e ao que acaba de se explanar, e dado que os montantes auferidos não ultrapassam os limites legais, tem de se concluir que a liquidação adicional padece da ilegalidade apontada. (…)”

No caso dos autos, verificamos que, em síntese, os argumentos em que a Recorrente alicerça o presente recurso são os seguintes:

i) As importâncias foram processadas 14 vezes por exercício, uma por mês, com excepção do mês de Dezembro, em que foram feitos 3 processamentos;

ii) Foi atribuído ao recorrido, enquanto administrador da empresa, o cartão Prestige, o qual tinha como finalidade o pagamento de várias despesas, como seja, alimentação, portagens, combustível;
iii) O recorrido apresentou documentos externos de despesas por si suportadas, com vista a ser reembolsado pela empresa.

iv) A prestação paga a título de ajudas de custo tem o mesmo valor da prestação paga com a designação de “vencimento”.

Concluindo a Recorrente que, tais quantias, auferidas pelo recorrido, revestem a característica de remuneração, estando sujeitas a IRS nos termos do artigo 2º do CIRS.

Sobre situação semelhante, relativa aos mesmos recorridos e relatório de inspecção, embora referente ao ano de 1995, já se pronunciou este TCAS, em Acórdão proferido em 27/10/2016, no âmbito do processo nº 09632/16, sendo idênticas as questões ali tratadas, pelo que, acolhendo a fundamentação do mesmo, permitimo-nos transcrever o seguinte segmento do Acórdão:

“(…) Estabelece o artigo 2.º/1, do CIRS, que: «Consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de: // a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalhou ou outro a ele legalmente equiparado. Nos termos do n.º 3 do preceito, «Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: // (…) // e) As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício».

Sobre a matéria constituem pontos firmes os seguintes:

1) «As ajudas de custo, atribuídas ao trabalhador, têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no art.º 2.º, n.º 3, al. d) do CIRS. // O ónus de prova de tal excesso, como da verificação da falta dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, recai sobre a Administração Tributária» (1).

2) «Se no procedimento a administração tributária não logrou obter elementos factuais que demonstrem ou indiciem seriamente que as quantias abonadas pela entidade patronal ao trabalhador não se destinam a compensá-lo por despesas que suportou em virtude de comprovadas deslocações em serviço, não pode considerar que essas quantias constituem rendimento para efeitos de tributação em IRS e deve abster-se de corrigir o rendimento tributável declarado e proceder à consequente liquidação adicional» (2).
«Atenta a sua natureza, tais despesas [ajudas de custo], à luz de critérios de razoabilidade e de normalidade, são as que, por princípio, se circunscrevem à deslocação, estadia e alimentação pelo que, quaisquer outras, susceptíveis de serem abrangidas pelo conceito, pela sua excepcionalidade, caberá serem demonstradas por quem se arrogue o direito a elas» .

3) «Tendo a AT apurado elementos certos e precisos para proceder ao acréscimo do rendimento da matéria tributável, indiciadores dos necessários pressupostos para que as verbas atribuídas ao trabalhador não possam integrar o conceito de ajudas de custo, antes constituindo remuneração do trabalho, cujo ónus probatório a seu cargo assim cumpriu, cabe por sua vez ao impugnante demonstrar que as mesmas se integram em tal conceito, por representarem uma correspectividade entre uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o mesmo foi obrigado a efectuar na sequência de deslocações ocasionais que teve de efectuar ao serviço da entidade patronal».

No caso em exame, do probatório resulta que: o Recorrido residia em Lisboa e a sede da empresa “C........., S.A.” se situava em Leiria; apresentou também documentos externos de despesas, por si suportadas, relativas a portagens, hospedagem e combustíveis, para ser reembolsado pela sociedade; e que a fundamentação da correcção efectuada pela AT se baseou nos registos contabilísticos das remunerações das ajudas de custo aos órgãos sociais da sociedade, por se tratarem de documentos internos, que não identificavam os dias das deslocações, horas de partida e de chegada e sem assinatura dos beneficiários daquelas importâncias e por a importância processada por administrador ser constante ao longo do ano e ter sido processada 14 vezes no ano.

Em face dos dados coligidos nos autos, as alegações de que o impugnante apresentou despesas, com vista a ser ressarcido pela empresa e a de que usava o cartão prestige não logram reverter o juízo probatório vertido na instância.

Na sentença recorrida considerou-se que o facto de se tratar de deslocações regulares era normal no âmbito da actividade da empresa e na perspectiva de o Recorrido residir em Lisboa e a sede da sociedade ser em Leiria, bem como pela circunstância de os clientes estarem espalhados pelo país.

Concluiu-se que a regularidade e continuidade das importâncias atribuídas a título de ajudas de custo não implicava, necessariamente, que tivessem deixado de constituir uma compensação por despesas suportadas pelo trabalhador em favor da entidade patronal, apoiando-se em Acórdão deste TCAS. Ora, as conclusões a que chegou a sentença recorrida não foram infirmadas pela Recorrente, nas suas alegações de recurso.

Como se disse no Acórdão que vimos citando (e referente ao ano de 1995), no cumprimento do ónus da prova que sobre si recai, não basta à recorrente lançar a suspeita sobre a falta de aderência à realidade da documentação apresentada pelo contribuinte; importava concretizar os indícios invocados de sobreposição de despesas ou de pagamentos com a mesma finalidade, tendo em vista a descaracterização dos pressupostos das despesas compensatórias em apreço. Ónus que a recorrente não observou..(…)”

Efectivamente, não colhendo a AT elementos, em sede do procedimento inspectivo, que demonstrem, inequivocamente, que os abonos recebidos pelo Recorrido não tinham fim compensatório, não poderia extrair a conclusão de que se tratava de remunerações, uma vez que tal equivale ao afastamento da presunção, sem prova suficiente (conforme resulta da interpretação conjugada dos artigos 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º, n.º 2, do CC), da veracidade das declarações dos contribuintes, reconhecida no artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

Acresce, por outro lado, a circunstância de a Recorrente não ter logrado demonstrar em que medida os montantes pagos a título de ajudas de custo ultrapassaram os limites legais previstos na alínea e) do nº3 do artigo 2º do CIRS, situação em que seriam considerados rendimentos de trabalho dependente.

Não o tendo feito, é de considerar que a sentença recorrida não merece reparo, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2019


(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Benjamim Barbosa)