Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 134/23.3BCLSB |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 09/12/2024 |
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Relator: | VITAL LOPES |
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Descritores: | DECISÃO ARBITRAL OMISSÃO DE PRONÚNCIA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO |
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Sumário: | I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil. II - A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. III - Não ocorre violação do contraditório, se o Tribunal Arbitral fundadamente dispensa a produção da prova requerida e a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, por pretensamente desnecessárias e inúteis. IV - O desacerto do ajuizado quanto à desnecessidade de produção da prova requerida ou quanto à dispensa da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, por inutilidade, a verificar-se, ou integra erro de julgamento ou nulidade processual secundária, vícios não sindicáveis na impugnação da decisão arbitral. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO M… – I… COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L.n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida em 20 de Agosto de 2023 no processo n.º 596/2022–T, pelo Tribunal Arbitral Singular constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD). A impugnante apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões: « ». A impugnada Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões: « ». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo emitido pronúncia sobre o mérito da impugnação. Com dispensa dos vistos legais por simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. 2 – FUNDAMENTAÇÃO De facto 1. Extracta-se do pedido de pronúncia arbitral o que nele se alega a propósito da questão da falta de fundamentação dos actos tributários impugnados: « 1. Da falta de fundamentação 69.º Principie-se por referir que não pode manter-se a tributação da Requerente nos moldes efectuados pela administração aduaneira visto que os atos de liquidação de ISV bem como as respectivas liquidações de juros compensatórios padecem do vício de falta de fundamentação.70.º Por outras palavras, entende a Requerente que as liquidações de ISV e respetivos juros compensatórios objeto do presente pedido de constituição de tribunal arbitral se encontram inquinadas, desde logo, de vício formal, uma vez que o relatório de inspeção não contém a fundamentação legalmente exigida.71.º Como regra geral, determina o artigo 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”), que a decisão de procedimento tributário, designadamente a que precede a liquidação adicional do imposto, é sempre fundamentada.72.º O n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT esclarece que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo” (sublinhado nosso).73.º Estabelece, por sua vez, o artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) que, no âmbito da inspeção tributária e aduaneira, o relatório de inspeção deve conter “a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados, ou a declarar, sujeitos a tributação, com a devida menção e junção dos meios de prova, bem como a fundamentação legal de suporte das correções efetuadas” [cf. artigo 62.º, n.º 3, alínea i), do RCPITA; sublinhado nosso].74.º Trata-se, de resto, da consagração no domínio do direito adjetivo tributário do princípio constitucional consagrado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa: “(…) os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”.75.º Significa isto que, qualquer correção que venha a ser efetuada pelos serviços de inspecção aduaneira deverá conter a respetiva fundamentação, a qual estará necessária e materialmente associada à decisão de procedimento, e que não deverá deixar de ser clara, congruente, suficiente e expressa.76.º Tal entendimento tem sido unanimemente propugnado pela jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, neste sentido, atente-se exemplificativamente no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo acolhido no acórdão de 23.04.2014, proferido no processo 01690/13, segundo o qual “A exigência legal de fundamentação do acto tributário decorre dos artigos 268º da CRP e 77º da LGT. (…) Esta exigência (i) Permite ao contribuinte conhecer o percurso cognoscitivo e volitivo que levou a Administração Tributária a decidir naquele sentido e não noutro, podendo aquele conformar-se com o acto ou impugnar o mesmo pela via administrativa ou judicial, (ii) Obriga a Administração Tributária a ponderar os factos e a uma melhor aplicação do direito de modo a convencer o administrado da validade dos seus fundamentos e da decisão. Podemos falar em fundamentação em sentido formal e fundamentação em sentido material. A primeira traduz-se na exigência de indicação de factos que levaram a administração a decidir em determinado sentido e deve ser suficiente, clara e congruente, de modo a poder ser entendida pelo administrado; caso contrário, estaremos perante um vício de forma, tendo como consequência a anulação do acto que, não obstante, poderá ainda ser renovado sem o vício. A segunda tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio acto; a sua falta conduz também à anulação do acto, o qual não pode ser renovado.”77.º Neste contexto, o relatório final de inspeção notificado à Requerente não contém a fundamentação que de acordo com o regime legal aplicável deveria ter sido aduzida, revelando-se manifestamente insuficiente.78.º Efetivamente, não bastava aos serviços de inspeção aduaneira concluir (erradamente como adiante se demonstrará) que “Foram objeto de incorreta declaração das emissões de CO2, oitenta e seis veículos marca Kia matriculados no terceiro quadrimestre de 2018”.79.º E nem se invoque que o capítulo III do relatório de inspeção, com a epígrafe “Controlos efetuados”, contém a fundamentação legalmente exigida.80.º Não contém!81.º Não é efetuada qualquer subsunção das normas jurídicas que se convocam aos factos.82.º Os serviços da administração aduaneira não demonstram de forma clara, congruente, suficiente e expressa de que modo é que a Requerente terá incumprido com o regime transitório que altera o artigo 4.º do Código do ISV, previsto no Despacho n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto, alterado pelo Despacho n.º 375/2018, ambos proferidos pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.83.º É necessário um elevado esforço interpretativo para compreender quais as características que a administração aduaneira releva, bem como os documentos que se encontram a ser comparados no âmbito do controlo efetuado.84.º Esforço esse que não é exigível ao homem médio.85.º Ora, tal atenta contra o princípio – rectius dever – de fundamentação que impende sobre a AT!86.º A fundamentação utilizada pela AT não permite à Requerente alcançar o iter cognoscitivo que a levou a emitir as liquidações adicionais ora em apreço.87.º Por esse motivo, constata-se a insuficiência de fundamentação dos atos tributários sub judice.88.º Efetivamente, não são demonstrados quais os motivos que levaram a administração aduaneira a concluir que o regime transitório constante do Despacho n.º 348/2018-XXI não é aplicável na situação vertente e, por conseguinte, que legitimam a emissão das liquidações adicionais de ISV ora contestadas.89.º Ao que acresce que se identifica, ainda, obscuridade e contradição na parca fundamentação expendida pela administração aduaneira.90.º Com efeito, a título de exemplo refira-se que, no que concerne à análise das FAM/HT 2015100037770099 e FAM/HT 2015100037760128, sem prejuízo de ter sido indicado que para efeitos do Despacho n.º 348/2018 foi aplicada a informação correspondente à FAM/HT 2015100037760068, a administração aduaneira identifica ao invés, na sua análise, a FAM/HT 2015100037700062 (cf. p. 8 do doc. n.º 6).91.º Ora, não se compreende se tal se deve a mero lapso ou se a análise foi efetuada tendo em consideração a FAM/HT errada, o que gera dúvidas quanto à fundamentação e às conclusões obtidas pela administração aduaneira.92.º Saliente-se, ainda, que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), “Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.93.º No caso sub judice, atento o dever geral de fundamentação expressamente consignado nos preceitos acima indicados, não pode deixar de concluir-se que a correção em apreço não se encontra devidamente fundamentada.94.º Para que se cumprisse o dever de fundamentação formal, a fundamentação dos atos tributários devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão final emitida.95.º E para isso, a fundamentação teria de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos abstratos ou conclusivos, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.96.º Assim, sendo desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pela administração aduaneira deve concluir-se que houve preterição de formalidade legal.97.º Verifica-se, por conseguinte, vício de forma que afeta a legalidade dos atos tributários em crise, o qual, apenas por este singelo motivo, deve ser declarado ilegal, por violação do disposto nos artigos 77.º da LGT e 125.º, n.º 2, do CPA, com as demais consequências legais.(…)» (sublinhados da nossa responsabilidade) 2. Destaca-se da decisão arbitral, os segmentos pertinentes para apreciação das nulidades invocadas: « 1. Da falta de fundamentação A Requerente alega, em primeiro lugar, que os serviços da administração aduaneira não demonstraram de forma clara, congruente, suficiente e expressa de que modo é que a Requerente terá incumprido com o regime transitório que altera o artigo 4.º do Código do ISV, previsto no Despacho n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto, alterado pelo Despacho n.º 375/2018, ambos proferidos pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Considera que não foram demonstrados pela Requerida quais os motivos que levaram a administração aduaneira a concluir que o regime transitório constante do Despacho n.º 348/2018-XXI não é aplicável na situação vertente e, por conseguinte, que legitimam a emissão das liquidações adicionais de ISV ora contestadas. Em consequência, verifica-se um vício de forma que afeta a legalidade dos atos tributários em crise, o qual, apenas por este singelo motivo, deve ser declarado ilegal, por violação do disposto nos artigos 77.º da LGT e 125.º, n.º 2, do CPA, com as demais consequências legais. Na resposta, a Requerida afirma que, à luz do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, só́ ocorre falta de fundamentação da decisão, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razoes de facto e de direito da respetiva decisão, o que não se verifica nos presentes autos. Analisados os argumentos apresentados, na petição inicial, pela Requerente, constata-se que os fundamentos que lhe foram dados a conhecer se revelaram suficientemente percetíveis, tal sendo comprovado pela argumentação deduzida no âmbito do pedido de constituição de tribunal arbitral, em que a Requerente manifesta conscientemente a sua vontade em não se conformar com “(...) atos de liquidação de ISV e respetivas liquidações de juros compensatórios emitidos na sequência do procedimento inspetivo no âmbito da DI202100056, notificados através do Ofício n.o NIF-2682, de 30/06/2022, melhor identificados na tabela infra, no montante de € 57.250,47 (...)”, requerendo a sua ilegalidade. Ora, atendendo a que a Requerente foi notificada do Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção para efeitos do exercício do seu direito de audição prévia, o que fez; foi notificada, em 29.12.2021, pelo Ofício 6360, de 27.12.2021, da Alfandega do Jardim do Tabaco, do conteúdo do Relatório Final e da decisão e nota de liquidação, com a demonstração do cálculo do ISV e dos respetivos juros compensatórios, disponível no Portal das Finanças, objeto do presente processo de impugnação. Da leitura da petição inicial resulta claramente que a Requerente compreendeu o sentido e fundamentos da decisão, o que lhe permite concluir que não se verifica o vício de fundamentação alegado. Conforme alegado pelas partes, o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa determina que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Ao nível dos atos tributários, o artigo 77.º, da LGT determina que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. O artigo 62.º, n.º 3, alínea i) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) determina que o relatório de inspeção deve conter “a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados, ou a declarar, sujeitos a tributação, com a devida menção e junção dos meios de prova, bem como a fundamentação legal de suporte das correções efetuadas”. Tal fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão. (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA de 11/12/2002, no Rec. n.º 01434/02). Sendo certo que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido” (Ac. STA de 30.01.2013 – Proc. n.º 0105/12). Devem, pois, os Requerentes ter acesso a todos os elementos de facto e de direitos que determinaram a decisão de indeferimento. Tal não significa que a AT esteja obrigada a pronunciar-se sobre todas os argumentos apresentados pelos Requerentes, desde que se pronunciem expressamente sobre as questões arguidas. Da análise do processo administrativo e da presente impugnação é claro que a Requerente compreendeu os pressupostos de facto de direito que sustentaram a liquidação efetuada, pelo que improcede o vício de falta de fundamentação alegado.». (sublinhados da nossa responsabilidade). 3. É este o segmento pertinente do teor do despacho de 29/03/2023, que dispensou a realização da diligência de prova requerida pela impugnante: « DESPACHO No caso, as questões controvertidas são intrinsecamente questões de direito, não vislumbrando o tribunal qualquer facto controvertido relevante. Assim sendo revela-se ao Tribunal totalmente inútil e/ou desnecessária a requerida diligência instrutória porquanto não se antolha a existência de factos essenciais probandos - Cfr artigo 130º, do CPC, ex vi artigo 29º, do RJAT. II - À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do citado princípio da proibição da prática de atos inúteis (artigo 130º, do CPC), fica dispensada a reunião do Tribunal com as partes, ficando as partes notificadas para apresentar, no prazo simultâneo de 20 (vinte) dias, alegações escritas, formulando as respetivas conclusões. III – (…). IV – (…).». 4. A Requerente (ora impugnante) respondeu ao despacho arbitral referido supra, em 3., nos termos que se reproduzem: « «Imagem em texto no original» ». De direito Como se deixou consignado no paradigmático acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB, «O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT). Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil. No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada. Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso. Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo. Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A. Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos. Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT). Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT. Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes: 1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; 2-Oposição dos fundamentos com a decisão; 3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; 4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil. E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.). Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º 09156/15. Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em análise. Os vícios apontados à decisão arbitral são os seguintes: (i) omissão de pronúncia porquanto a decisão arbitral não se pronunciou, dando indevidamente por prejudicada, sobre a questão da falta de fundamentação do recurso a métodos indirectos, em termos que não possibilitam à requerente, ora impugnante, a apreensão dos motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e dos critérios de avaliação utilizados; (ii) violação do contraditório na medida em que não foi realizada a diligência de prova requerida e foi dispensada a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT). A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras». Como pedagogicamente se deixou escrito no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02/16/2005 proferido no proc.º 05S2137, «(…) a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC (actual 608.º), nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes. Todavia, como já dizia A. Reis, “Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.”, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas – A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (Proferido no proc. n.º 387740/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha), não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso. A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC (actuais 608/2 e 615/1 al. d)). A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005 (Proferidos, respectivamente, nos processos n.º 733/05 e 734/05, de que foram relatores, também respectivamente, os Ex.mos Conselheiros Salvador da Costa e Ferreira de Sousa, in Sumários de Acórdãos, n.º 90, pág. 35 e 54, respectivamente)» (fim de cit.). Tendo em conta as considerações expostas e olhando o que se deixou vertido acima em sede factual, é manifesto que a decisão arbitral sob escrutínio não enferma da nulidade, por omissão de pronúncia, que lhe é assacada. Com efeito, tendo em conta os vícios imputados aos actos tributários no pedido de pronúncia arbitral – e que aliás a impugnante elenca nas alegações da presente impugnação – constata-se que nada foi invocado com relação à falta de fundamentação formal ou material do recurso a métodos indirectos. Pelo contrário, o que a requerente (ora impugnante) invoca em sede de vício de forma é que “Os serviços da administração aduaneira não demonstram de forma clara, congruente, suficiente e expressa de que modo é que a Requerente terá incumprido com o regime transitório que altera o artigo 4.º do Código do ISV, previsto no Despacho n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto, alterado pelo Despacho n.º 375/2018, ambos proferidos pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”, e foi sobre essa concreta questão que o Tribunal Arbitral se pronunciou, como se apreende desta passagem da decisão arbitral e da apreciação que foi feita e está transcrita acima na matéria factual: « A Requerente alega, em primeiro lugar, que os serviços da administração aduaneira não demonstraram de forma clara, congruente, suficiente e expressa de que modo é que a Requerente terá incumprido com o regime transitório que altera o artigo 4.º do Código do ISV, previsto no Despacho n.º 348/2018-XXI, de 1 de agosto, alterado pelo Despacho n.º 375/2018, ambos proferidos pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Considera que não foram demonstrados pela Requerida quais os motivos que levaram a administração aduaneira a concluir que o regime transitório constante do Despacho n.º 348/2018-XXI não é aplicável na situação vertente e, por conseguinte, que legitimam a emissão das liquidações adicionais de ISV ora contestadas.». Não ocorre, por conseguinte, omissão de pronúncia, na medida em que o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre a questão da falta de fundamentação nos precisos termos em que foi colocada ao tribunal. Improcede a arguida nulidade por omissão de pronúncia. Quanto à invocada preterição do contraditório, também não acompanhamos a impugnante. A violação do contraditório que se prevê no art.º 28.º, n.º 1 alínea d) do RJAT é o que contende com o princípio estruturante do processo civil e arbitral plasmado no art.º 3.º, n.º 3 do CPC com correspondência no art.º 16.º, alínea a) do RJAT e ocorre quando às partes não seja conferida a possibilidade de se pronunciarem sobre quaisquer questões de facto ou de direito suscitadas, mesmo oficiosamente, no processo. No fundo, do que se trata de evitar e prevenir é a prolação de decisões surpresa. O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio. Ora, como se constata do vertido em sede factual, o Tribunal Arbitral não proferiu qualquer decisão surpresa. A dispensa de produção da prova requerida está justificada em razões de inutilidade face às questões a decidir, entendidas como exclusivamente de direito; se tal juízo se mostra erróneo e afinal a prova sempre apresentava interesse para a boa decisão da causa, tal poderá integrar erro de julgamento – que está vedado a este Tribunal sindicar – mas não inquina a decisão arbitral de nulidade por preterição do contraditório, que aliás, até foi exercido pela requerente e ora impugnante sobre o despacho arbitral que decidiu a dispensa de produção de prova. Quanto à decisão de dispensa da reunião do Tribunal com as partes a que alude o art.º 18.º do RJAT, fundada em razões de inutilidade e num contexto em que não vem invocada a preterição de contraditório sobre questões novas suscitadas na resposta da entidade requerida ao pedido de pronúncia arbitral, que é o caso, de duas uma: ou a omissão do acto ou formalidade prescrita foi susceptível de influir no exame ou na decisão da causa e está-se perante uma nulidade processual secundária, ou não, e a omissão degrada-se em mera irregularidade (art.º 195.º do CPC, ex vi do 29.º, alínea e), do RJAT). Porém, como julgamos incontroverso, as nulidades/ irregularidades processuais não são sindicáveis em sede de impugnação da decisão arbitral. A omissão de actos ou formalidades prescritas na lei poderá conduzir, é certo, a que a parte não tenha possibilidade de se pronunciar sobre questões factuais ou jurídicas novas, mas nessa eventualidade, o vício subsistente é o de preterição do contraditório. Este último segmento da impugnação também não logra procedência. 5 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral. Condena-se a Impugnante em custas. Registe e Notifique. Lisboa, 12 de Setembro de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Tânia Meireles da Cunha ___________________________________ Sara Diegas Loureiro |