Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2320/09.0BELRS-A
Secção:CT
Data do Acordão:06/19/2024
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
JUROS DE MORA
TERMO FINAL DA OBRIGAÇÃO
MORA IMPUTÁVEL À EXEQUENTE
Sumário:I – Em sede de acção de execução, a falta de restituição do imposto pago indevidamente confere ao contribuinte o direito a juros de mora desde o termo do prazo de execução espontânea até à emissão da nota de crédito;
II – A falta de restituição dos montantes devidos, concomitantemente com a emissão da nota de crédito por facto imputável à exequente não determina a extensão do período durante o qual são devidos juros de mora.
Votação:Voto de vencido
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

R… SAS, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que, no âmbito da acção de execução da sentença por si deduzida contra a Fazenda Pública, julgou, entre o mais, improcedente o pedido de condenação da Entidade Executada ao pagamento de € 41 236,66 a título de juros de mora calculados até à data de pagamento de IRC indevidamente pago.

Para o efeito, apresentou as suas alegações de recurso terminando com as seguintes conclusões:

«A. O presente Recurso vem interposto da douta Sentença do TT Lisboa de 30.12.2023, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da Entidade Executada, ora Recorrida, ao pagamento de € 41.236,66 a título de juros de mora.
B. Como resulta dos factos provados n.ºs 7 e 19 da Sentença recorrida, a alegada “nota de crédito”, reembolso n.º 20223899592, emitida em 12.07.2022, no valor de € 279.960,56, através de cheque, ficou prescrita, e foi anulada e substituída por reembolso, com o n.º 20234347121, de igual valor, emitido em 13.11.2023, por transferência bancário, como confessado pela própria Executada (cfr. Requerimento da AT de 21.11.2023, com ref.ª 559544).
C. Deve, pois, ser considerada aquela última data, de 13.11.2023, para efeitos de cálculo dos juros de mora devidos e não a data de 12.07.2022.
D. Como resulta provado nos autos, a AT, ora Recorrida, tudo fez apenas para protelar ao máximo o cumprimento da execução da sentença do Tribunal, atrasando o pagamento devido: não pagou no período voluntario de pagamento; depois faltava a morada (que a Recorrida já conhecia, além de existir Mandatário constituído); ainda faltava um IBAN válido (de uma empresa já extinta desde 1997); mas depois de tudo ter sido enviado ainda deixou passar mais 8 meses para proceder à respetiva transferência bancária do pagamento do imposto a restituir.
E. Não existindo qualquer facto imputável ao Recorrente com nexo de causalidade para o atraso verificado.
F. O artigo 43.º/5 LGT deve ser interpretado como exigindo o pagamento efetivo, não se bastando com a mera emissão de uma nota de crédito, não acompanhada do pagamento.
G. Um entendimento contrário levaria à inconstitucionalidade da citada norma, por violação do direito à propriedade privada e ao princípio da Justiça.
H. Não sendo controvertido nos presentes autos que o prazo de execução espontânea ocorreu em 30.04.2022 e tendo ficado confessado nos autos que o reembolso respeitante ao imposto devido só foi corretamente emitido em 13.11.2023, e recebido em 16.11.2023, os juros de mora previstos no artigo acima transcrito contam-se a partir de 30.04.2022 e terminam em 13.11.2023.
I. A inicial nota de crédito de 12.07.2022 não pode ser considerada, pois não foi acompanhada do pagamento, além de ter sido anulada e substituída por uma outra de 13.11.2023.
J. Assim, o cálculo dos juros de mora, tendo em consideração as taxas de juro previstas nos Avisos n.º 396/2022, de 07.01 e 177/2023, de 04.01, e o art. 43.º/5 da LGT, deverá ser o seguinte:

K. Pelo que, tendo sido já paga a quantia de € 5.119,67 a título de juros de mora, são ainda devidos os juros de mora em falta, no montante de € 40.891,58.
L. Finalmente, pelos motivos acima referidos (valor extremamente elevado do remanescente da taxa de justiça e reduzida complexidade do recurso), caso não se venha a considerar o valor atribuído ao recurso pela Recorrente, encontram-se preenchidos os pressupostos do art. 6.º/7 do RCP, para a dispensa do pagamento de remanescente da taxa de justiça, o que se requer por cautela de patrocínio.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de juros de mora, condenando-se a AT ainda a restituir à Exequente a quantia de € 40.891,58 (€ 46.011,25 - € 5.119,67), como é de Lei e de Justiça!»

*




Notificada do recurso interposto, a Fazenda Pública apresentou contra-alegações, rematando-as com as seguintes conclusões:

«A. A sentença recorrida não é merecedora de qualquer reparo, sendo a sua interpretação e conclusão as únicas juridicamente possíveis, atento os factos provados e quadro legal vigente, inexistindo assim qualquer erro que inquine a sua validade.

B. Pelo contrário, são as alegações de recurso que padecem de erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito.

C. Igualmente não podemos deixar de assinalar que as questões suscitadas em sede de recurso quanto aos factos, não antes levantadas, que aventam a possibilidade de a Recorrida nunca ter emitido os reembolsos identificados nos autos e de igualmente não ter elaborado a nota de crédito são difamatórias e, como a Recorrente bem sabe, não correspondem à verdade, pelo que se refutam.

D. Ao invés do pretendido pela Recorrente, os factos dados como provado têm necessariamente que incorporar aos factos que foram provados, via documental, nos autos, e não podem corresponder a não meras pressuposições e/ou interpretações de uma das partes e/ou do Tribunal, sem qualquer relação com a realidade dos factos.

E. Como ficou provado nos autos a Recorrida tentou concretizar o julgado desde maio de 2022.

F. Porém, tais tentativas mostraram-se goradas considerando que o cadastro da Recorrente e da C… não estavam atualizados.

G. Faltava averbar o IBAN do representante da cessação no cadastro do contribuinte cessado, devendo para o efeito ser enviado para a DSRC o original de uma declaração bancária, devidamente autenticada pela Instituição respetiva, a confirmar a titularidade completa do representante de cessação, bem como o IBAN, bem como era necessário averbar a identificação do seu representante fiscal.

H. Era necessário comprovar a identificação dos membros dos órgãos sociais à data do encerramento da liquidação da sociedade, tendo em conta que tal informação não constava da Certidão Permanente remetida.

I. Igualmente se impunha que os membros dos órgãos sociais à data em que ocorreu o Encerramento da Liquidação da sociedade, autorizassem, através de procuração reconhecida por entidade com poderes para o ato, que o representante e único acionista recebesse no IBAN, de que é titular, eventuais créditos em nome da referida sociedade, bem como, nos fosse remetido documento bancário, comprovativo da titularidade do IBAN do representante fiscal.

J. Como a própria Recorrente confessa, a fls. 6 das alegações de recurso, só em agosto de 2023, na pendência da execução de julgados, e depois de várias insistências, é que a Recorrente respondeu à AT.

K. É assim inquestionável que a responsabilidade pelo atraso na execução não pode ser assacado à Recorrida.

L. O n.º 5 do artigo 43.º é claro, os juros de mora à taxa agravada só são devidos no período que decorre entre a data do termo da execução espontânea e a data da emissão da nota de crédito, e não, como pretende a Recorrente, até ao efetivo pagamento.

M. E faz sentido assim o ser, pois os juros de mora à taxa agravada previstos naquela norma não visam, como erradamente entende a Recorrente, ressarcir danos, mas sim sancionar o atraso no pagamento, razão pela qual se admite a possibilidade de os cumular com juros indemnizatórios, como é jurisprudência uniformizada.

N. O ressarcimento dos eventuais danos faz-se com recurso ao pagamento dos juros indemnizatórios, igualmente regulados no artigo 43.º da LGT, e não por via dos juros de mora previstos no n.º 5 daquele artigo.

O. Improcede, assim, a alegada interpretação inconstitucional do n.º 5 do artigo 43.º da LGT.

P. Andou bem a sentença recorrida quando decidiu pela improcedência do pedido de condenação da agora Recorrida ao pagamento de €41.236,66 a título de juros de mora.

Q. Conclui-se, assim, pela total improcedência da argumentação expendida pela Recorrente, e pela inexistência de qualquer erro que inquine a bem elaborada sentença recorrida.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Tributário de Lisboa.»


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O Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pela recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente o pedido de juros de mora por não resultar provada a responsabilidade da executada no atraso verificado na execução do julgado.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. A Exequente apresentou impugnação judicial contra o acto de liquidação de IRS do ano de 1990 emitida em nome da «C…, Lda.», peticionando a sua correcção que correu termos sob o n.º 2320/09.0BELRS neste Tribunal – cf. petição inicial a págs. 1 do processo n.º 2320/09.0BELRS;
2. No âmbito do processo n.º 2320/09.0BELRS referido no ponto anterior foi proferida sentença em 13/04/2021 que julgou a impugnação judicial procedente - cf. sentença a págs. 224 do processo n.º 2320/09.0BELRS;
3. Em 10/02/2022 o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso apresentado contra a sentença referida no ponto anterior – cf. acórdão a págs. 366 do processo n.º 2320/09.0BELRS;
4. O acórdão referido no ponto anterior foi remetido às partes por notificação electrónica de 10/02/2022 - cf. notificações a págs. 397 e 398 do processo n.º 2320/09.0BELRS;
5. Em 20/05/2022 a DF Lisboa remeteu e-mail ao mandatário da Exequente com o seguinte teor: «Para efeitos de envio do reembolso resultante da concretização do Acórdão proferido no processo de impugnação nº 2320/09.0 BELRS, solicita-se que nos informe, com a brevidade possível, qual é a morada da impugnante R… SAS, uma vez que a mesma não consta do cadastro da AT» - cf. e-mail a págs. 92 do SITAF;
6. Em 23/05/2022 o mandatário da Exequente remeteu à DF Lisboa e-mail com o seguinte teor: «Exm.ºs Senhores, Como solicitado, informo abaixo da morada da R…, SAS: R…, SAS Direction J… 13, Q… 92100 Boulogne-B… França» - cf. e-mail a págs. 92 do SITAF;
7. Em 12/07/2022 foi emitida a nota de crédito relativa ao reembolso n.º 2022 3899592 no valor de €279.960,56, relativo a IRC do ano de 1990 a restituir - cf. documento a págs. 94 do SITAF;
8. Em 02/08/2022 a DF Lisboa remeteu e-mail ao mandatário da Exequente com o seguinte teor: «Na sequência dos emails infra, verificamos que, em 2022-07-12, foi emitido o reembolso de IRC de 1990, contudo o mesmo encontra-se suspenso por não existir IBAN válido nos dados da AT. Deste modo e por nos encontrarmos perante um contribuinte cessado, para que se mostre possível à AT efetuar a transferência de créditos existentes ou que possam vir a existir para o sujeito passivo C… Soc. F… Controle Lda., NIF 5…, deve o representante da cessação, R… SAS, solicitar junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, o averbamento do IBAN do representante da cessação no cadastro do contribuinte cessado. Para o efeito, deverá o representante de cessação, R… SAS, enviar para a Direção de Serviços de Registo de Contribuintes, com morada na Av. João XXI, nº 76 - 6º - 1049-065 Lisboa, o original de uma declaração bancária, devidamente autenticada pela Instituição respetiva, a confirmar a titularidade completa do representante de cessação bem como o IBAN» - cf. e-mail a págs. 92 do SITAF;
9. Em 05/10/2022 foi emitido o cheque n.º 7741052142, no valor de €279.960,56, válido até 2022-12-04 – cf. documento a págs. 94 do SITAF;
10. Em 11/10/2022 foi emitida a liquidação de juros indemnizatórios no valor de €522.797,61 calculados sobre a quantia de €279.960,56 desde 1993-04-29 até 2022-07-12 - cf. documentos a págs. 94 do SITAF;
11. Por carta registada de 07/03/2023 o mandatário da Exequente remeteu à Direcção de Serviços de Registos de Contribuintes certificado bancário do IBAN da Exequente, mais requerendo o seu averbamento no cadastro da C… – cf. carta a págs. 112 do SITAF;
12. A presente execução foi apresentada em 31/03/2023 – cf. comprovativo de entrega de documentos a págs. 1 do SITAF;
13. Em 02/05/2023 constava da base de dados da AT que o IBAN da C… ali indicado estava inválido – cf. documento a págs. 100 do SITAF;
14. Por ofício de 21/07/2023 a DF Lisboa requereu ao mandatário da Exequente a prestação de diversos elementos com vista à execução da decisão exequenda – cf. ofício a págs. 127 do SITAF;
15. Em 27/07/2023 foi emitida a liquidação de juros de mora no valor de €5.119,67 relativo ao valor referido no ponto 7. e emitido o cheque n.º 1493919365 no mesmo valor por inexistência de NIB, tendo o valor sido pago em 16/11/2023 – cf. documentos a págs. 137 e 138 do SITAF e factos não controvertidos;
16. Os juros de mora referidos no ponto anterior foram calculados sobre a quantia de imposto referida no ponto 7. desde 30/04/2022 até 12/07/2022, à taxa de 9,02% – cf. requerimentos a págs. 133 e 175 do SITAF;
17. Por ofício de 9/08/2023 a DF Lisboa comunicou ao mandatário da Exequente que o NIB da Exequente indicado foi confirmado como pertencendo à C… – cf. ofício a págs. 128 do SITAF;
18. Em 15/08/2023 foi efectuada transferência bancária do valor de €522.797,61 referido no ponto 10. para o NIB indicado pela Exequente - cf. documento a págs. 135 do SITAF e factos não controvertidos;
19. Em 13/11/2023 foi emitido o reembolso n.º 2023 4347121 no valor de €279.960,56 relativo ao IRC a restituir à Exequente e foi efectuada transferência bancária desse valor para o NIB indicado pela Exequente – cf. documentos a págs. 161 do SITAF e factos não controvertidos.»

*
A título de factualidade não provada exarou-se na decisão recorrida que:
«Nada mais se provou com interesse para a decisão das questões a decidir.»

Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se que:
«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão das questões a decidir com base na posição das partes e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes do processo n.º 2320/09.0BELRS e dos documentos juntos aos autos conforme identificado nos factos provados.»
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III – 2. De Direito

Nos presentes autos está em causa a execução do acórdão deste Tribunal proferido em 10/02/2022 que negou provimento ao recurso apresentado da sentença prolatada no âmbito do processo de impugnação judicial que correu termos sob o n.º 2320/09.0BELRS e que julgou procedente a impugnação judicial (cf. resulta dos pontos 1. a 3. dos factos provados).

No presente recurso está apenas em causa o período durante o qual são devidos juros de mora.

Alega a Recorrente que resulta provado nos autos, que a AT, ora Recorrida, tudo fez para protelar o cumprimento da execução da sentença do Tribunal, atrasando o pagamento devido: não pagou no período voluntário de pagamento; depois faltava a morada (que a Recorrida já conhecia, além de existir Mandatário constituído); ainda faltava um IBAN válido (de uma empresa já extinta desde 1997).

Mais alega que depois do envio dos elementos solicitados ainda decorreram 8 meses para proceder à transferência bancária do pagamento do imposto a restituir concluindo que não existe qualquer facto imputável à Recorrente com nexo de causalidade para o atraso verificado.

O Tribunal recorrido julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros de mora até 16/11/2023 decorreu do entendimento de que o prazo de execução da sentença exequenda culminou no dia 30/04/2022 e que a Entidade Executada emitiu a nota de crédito relativa ao reembolso da quantia de €279.960,56 relativa a IRC à Exequente em 12/07/2022, pelo que o período de tempo considerado no cálculo dos juros de mora (entre 30/04/2022 até 12/07/2022) se encontra correcto, não sendo devidos pelo período peticionado pela Exequente e julgou verificada a inutilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos de restituição da quantia referente a imposto paga indevidamente, a juros indemnizatórios e a juros de mora até 12/07/2022.

A recorrente não se conforma com o segmento da sentença que julgou não serem devidos juros de mora a partir de 12/07/2022 pois considera que os juros de mora deviam ser calculados até à data de pagamento do IRC indevidamente pago (16/11/2023).

Não vem questionado que o trânsito em julgado da decisão exequenda ocorreu em 17/03/2022 (cf. ponto 4. dos factos provados) e que o termo final do prazo de execução voluntário ocorreu em 30/04/2022.

O que está em causa nos presentes autos é a questão de saber se, tendo sido emitida a nota de crédito em 12/07/2022, são devidos juros de mora no período que decorreu desde essa data até ao dia 13/11/2023 data em que foi emitido novo documento de reembolso por ter decorrido o prazo de validade do anteriormente emitido.

A recorrente alega que é à recorrida que é imputável a responsabilidade pela mora no pagamento, e a AT alega que é da responsabilidade da recorrente a impossibilidade do cumprimento do julgado anulatório antes da data em que se verificou, por falta de actualização dos elementos no cadastro do contribuinte.

Vejamos.

Como bem se refere na sentença recorrida, estabelece o artigo 102.º, n.º 2, da LGT que, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea.

Por seu turno, dispõe o n.º 5 do artigo 43º. da LGT que, no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

Vejamos então, o caso dos autos.

O Tribunal recorrido efectuou o enquadramento do regime aplicável e decidiu a questão com a seguinte fundamentação: «(…) Considerando que os actos de execução resultantes da sentença exequenda consistem no pagamento de uma quantia pecuniária a Entidade Executada deveria ter praticado os mesmos no prazo procedimental de 30 dias, contado nos termos do artigo 87º do Código de Procedimento Administrativo, ex vi artigo 175º, n.º 3 do CPTA, ex vi artigo 146º, n.º 1, do CPPT, o qual culminou no dia 30/04/2022.

Nessa medida, na data em que a Entidade Executada emitiu a nota de crédito relativa ao reembolso da quantia de €279.960,56 a título de IRC a restituir à Exequente (12/07/2022 – cf. ponto 7. dos factos provados), já se encontrava decorrido o prazo de execução espontânea da sentença.

(…)

Resulta, ainda, dos pontos 5. a 9., 11. dos factos provados que, em 20/05/2022, a DF Lisboa remeteu e-mail ao mandatário da Exequente requerendo a morada da Exequente, tendo essa informação sido fornecida em 23/05/2022 e que, em consequência, foi emitida em 12/07/2022 a nota de crédito relativa ao reembolso n.º 2022 3899592 no valor de €279.960,56, relativo a IRC do ano de 1990 a restituir, que, em 02/08/2022, a DF Lisboa remeteu e-mail ao mandatário da Exequente informando que aquele reembolso estava suspenso por não existir IBAN válido nos dados da AT, tendo sido solicitado que a Exequente requeresse junto da DSRC o averbamento do IBAN correcto, o que apenas ocorreu por carta registada de 07/03/2023, pelo que no espaço de tempo ocorrido entre 02/08/2022 e 07/03/2023, a Entidade Executada emitiu, em 05/10/2022, o cheque n.º 7741052142, no valor de €279.960,56, válido até 2022-12-04, com o intuito de proceder ao pagamento do valor da nota de reembolso emitida quanto ao valor de IRC a restituir.

(…) cabia à Exequente manter actualizados os dados relativos ao IBAN da C…, pelo que, se à data em que foi emitida a nota de crédito referida, se o IBAN não se encontrava actualizado, esse facto apenas pode ser imputado à Exequente.

(…)

Como vimos, o acto de execução resultante da sentença exequenda culminou no dia 30/04/2022 e que a Entidade Executada emitiu a nota de crédito relativa ao reembolso da quantia de €279.960,56 relativa a IRC à Exequente (12/07/2022), pelo que o período de tempo considerado para cálculo dos juros de mora encontra-se correcto, não tendo razão a Exequente quando refere que os juros de mora deviam ser calculados até à data de pagamento do IRC indevidamente pago (16.11.2023), pelo que o pedido de pagamento de €41.236,66 terá de improceder, verificando-se a inutilidade da lide quanto ao pedido de pagamento de juros de mora na parte relativa ao valor de €5.119,67, porque esse valor foi pago à Exequente na pendência da presente execução.»

E assim é.

Com efeito, os juros de mora destinam-se a compensar o contribuinte pela demora ou atraso no pagamento que lhe é devido e que não é concretizado dentro do prazo de execução voluntária prevista no artigo 175.º, n.º 3 CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 146.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT.

A este propósito pode ver-se o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo datado de 07/06/2017, processo n.º 0279/17, proferido em recurso de Uniformização de jurisprudência:

«(…) os juros de mora, quando devidos, cfr. artigo 102º, n.º 2 (em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea) da LGT, têm como função, também uma função indemnizatória, tal como este Supremo Tribunal explicou de modo suficientemente esclarecedor nos acórdãos indicados pela recorrente: os juros moratórios a favor do contribuinte e os juros indemnizatórios perseguem a mesma finalidade: os indemnizatórios destinam-se “a compensar o contribuinte do prejuízo provocado pelo pagamento indevido da prestação tributária” e os moratórios visam “reparar prejuízos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente”. Estas duas espécies de juros têm, pois, a mesma função, “correspondendo ambos a uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os prejuízos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um determinado montante pecuniário, recte, da prestação tributária. Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes – num caso a liquidação ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre está presente uma obrigação indemnizatória derivada da produção de determinados danos ou prejuízos provocados por aquela indisponibilidade.»

Assim, não sendo concretizado o pagamento que decorre do julgado anulatório até ao termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora entre essa data e a data da emissão da nota de crédito.

Se a AT não dispuser de todos os elementos necessários para proceder a tal restituição, como sucedeu no presente caso, em que as informações constantes dos seus registos não estavam actualizadas, como se descreve em pormenor no excerto supra reproduzido, designadamente por o IBAN não estava actualizado, cessa a responsabilidade da AT pela mora, já que constitui dever do contribuinte manter os seus dados actualizados sendo-lhe, nesse caso, imputável a impossibilidade de concretizar o pagamento.

Não colhe o argumento da recorrente no sentido de que poderia a AT proceder ao envio do cheque para o escritório do mandatário constituído, pois dos autos resulta que ao mesmo não foram conferidos poderes especiais para receber quantias a que o mandante tivesse direito a receber, pelo que se impõe concluir pela improcedência do recurso.

Também não colhe o argumento de que o cheque anulado poderia ter dado lugar à transferência, logo em Abril de 2022. Com efeito, como se refere na sentença «o averbamento do IBAN correcto, (…) apenas ocorreu por carta registada de 07/03/2023» no entanto, em 02/05/2023 constatou a AT que o IBAN indicado estava inválido, conforme decorre do ponto 13 da matéria de facto não impugnado, por inexistência daquele NIB, donde, impunha-se à AT levar a cabo as diligências necessárias para se certificar que o pagamento era efectuado ao credor efectivo (cf. pontos 14 a 17 da matéria de facto), sob pena deste invocar que não foi cumprido o jugado, exigindo o pagamento.

Importa ainda apreciar o pedido formulado «por mera cautela de patrocínio, de dispensa do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

Contudo, atendendo a que a recorrente atribuiu ao recurso o valor de € 41 236,66, que se mostra correctamente calculado, tendo em conta que o recurso visa impugnar apenas a decisão relativa aos juros de mora, nada havendo a determinar quanto ao valor atribuído, não se coloca a questão da dispensa do remanescente.


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IV – CONCLUSÕES

I – Em sede de acção de execução, a falta de restituição do imposto pago indevidamente confere ao contribuinte o direito a juros de mora desde o termo do prazo de execução espontânea até à emissão da nota de crédito;

II – A falta de restituição dos montantes devidos, concomitantemente com a emissão da nota de crédito por facto imputável à exequente não determina a extensão do período durante o qual são devidos juros de mora.

V – DECISÃO


Termos em que, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 19 de Junho de 2024.



Ana Cristina Carvalho - Relatora

Vital Lopes – 1.º Adjunto (com declaração de voto)

Maria Teresa Alemão – 2.ª Adjunta



Voto a decisão mas não a fundamentação pelas razões constantes do recente ac. de 29/05/2024, lavrado no processo n.º 1146/10.2BELRS-A, de que fui Relator.