Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1623/21.0BELRS
Secção:JUÍZA PRESIDENTE
Data do Acordão:07/07/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO
AÇÃO DE EXECUÇÃO DE JULGADOS
CENTO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA -CAAD
TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA
Sumário:
Votação:DECISÃO SINGULAR
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: DECISÃO

I- RELATÓRIO

B …………………., dizendo-se inconformado com a decisão do Senhor Juiz do Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Tributário de Lisboa (TT de Lisboa) que, no âmbito da execução de julgados por si intentada, com vista à execução da decisão arbitral proferida no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo que aí correu termos com o nº838/2019-T, declarou a sua incompetência em razão do território para conhecer a ação - considerando competente o TAF de Sintra - e ordenou, após trânsito, a remessa dos autos ao Tribunal competente, vem, ao abrigo do disposto no artigo 105º, nº4 do Código de Processo Civil (CPC), requerer a intervenção do Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul para decidir definitivamente a questão da competência territorial.

Tendo em vista a revogação do despacho reclamado, o Reclamante alegou, em síntese útil, o seguinte:

- sustenta que está em causa a execução de uma decisão arbitral do CAAD que determinou a anulação total de uma liquidação de IRS do ano de 2018, sendo errado, como fez o TT de Lisboa, considerar a ação como impugnação judicial, com pedidos próprios deste meio de defesa;

- evidencia o ora Reclamante que, em sede arbitral, foi determinada a anulação total de uma liquidação de IRS, pelo que não podia a AT, subsequentemente ao julgado arbitral, emitir uma liquidação de IRS, relativa ao mesmo ano, da qual consta que tal ato “corresponde à execução da decisão proferida no processo de contencioso identificado”;

- para o Reclamante, a execução de julgado assenta precisamente na circunstância de a ATA ter desrespeitado o julgado arbitral, pois, ao invés de anular a liquidação contestada, emitiu – sem observância das mais elementares regras do procedimento tributário - um novo ato de liquidação, a pretexto de “uma suposta concretização da decisão arbitral proferida no processo nº …./2019-T”;

- defende o Reclamante que a ação de execução de julgado é o meio próprio para obter a anulação de uma liquidação que, sendo emitida em concretização de uma decisão arbitral, não respeitou o determinado no julgado arbitral anulatório.

Assim e em conclusão, sustenta o Reclamante que, estando em causa uma ação para a execução de julgado (arbitral) anulatório, o Tribunal competente é TT de Lisboa, por força do disposto no artigo 85º, nº3 do CPC.

A Administração Tributária e Aduaneira foi notificada, mas nada disse.


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QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão colocada na presente reclamação consiste em saber qual o Tribunal Tributário de 1ª instância territorialmente competente para conhecer e decidir a presente execução de decisão arbitral: se o Tribunal Tributário de Lisboa, como sustenta o Reclamante, por respeito à regra consagrada no artigo 85, nº3, do CPC, que determina que a ação executiva seja intentada no Tribunal com jurisdição no local da arbitragem (CAAD - Lisboa) ou se, pelo contrário, é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, como o entende o Senhor Juiz reclamado por ser esse o Tribunal da área do Serviço de Finanças onde foi emitida a nova liquidação, aqui sindicada.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Com relevo para a apreciação da reclamação emergem dos autos as seguintes ocorrências (documentalmente provadas):

1) Em 2/8/2021, B ……….., apresentou junto do Tribunal Tribuário de Lisboa, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 170.º e 173.º do CPTA, aplicáveis ex vi das alíneas a) e c) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT, do n.º 1 do artigo 146.º do CPPT e do artigo 102.º da LGT, a presente ação de execução da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 838/2019, do CAAD, que anulou integralmente a liquidação de IRS aí impugnada, relativa ao ano de 2018, formulando, a final, os seguintes pedidos:

“a) Ordene a notificação da Fazenda Pública para, no prazo de 20 dias e nos termos do artigo 177.º, n.º 1, do CPTA, deduzir contestação ou anular integralmente a liquidação de IRS n.º ……………318, isto é, sem que a mesma seja substituída pela liquidação de IRS n.º …………….130, cuja anulação também se requer;

b) Não sendo dada execução à decisão arbitral por parte da Fazenda Pública nos termos da alínea anterior nem deduzida contestação, seja dado provimento à pretensão da Exequente, sendo declarada a nulidade do ato de liquidação de IRS contido na demonstração de liquidação de IRS acima identificada, ao abrigo do disposto no artigo 176.º, n.º 5, do CPTA”.

[cfr. pi e 3 docs, procuração e comprovativo do pagamento da taxa de justiça - fls.1/73- SITAF].

2) Por despacho judicial, de 23/11/2022, a Entidade Executada foi notificada para contestar, mas nada disse.

[cfr. fls.75- SITAF].

3) Por decisão de 26/4/2024, o Senhor Juiz do Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Tributário de Lisboa, declarou o TT de Lisboa territorialmente incompetente para conhecer “da presente ação de execução de julgados” e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por entender ser esse o competente.
[cfr. fls.79/88- SITAF].

4) Em 27/2/2024, a decisão referida em 3) foi notificada ao ora reclamante, o qual, em 11/03/2024, fez chegar ao Tribunal reclamação, ao abrigo do artigo 105º, nº4 do CPC.

[cfr., respetivamente, fls.89-90 e fls.93/104-SITAF].

5) Em 19/3/2024, foi proferido despacho remetendo os autos à Presidente do TCA Sul para conhecimento da reclamação.

[cfr. fls.109 -SITAF]


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- De direito

Sob a epigrafe “Incompetência relativa”, dispõe o nº 4 do artigo 105.º do CPC, que “Da decisão que aprecie a competência cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação respetiva, o qual decide definitivamente a questão.”

Trata-se de um mecanismo expedito de resolução de conflitos sobre incompetência relativa.

A decisão que afirma ou que negue a competência relativa de um Tribunal é passível de impugnação. Contudo, “em lugar de a sujeitar ao recurso de apelação previsto no art.º 644.º (cujo n.º 2, al. b), apenas abarca as decisões sobre competência absoluta), o CPC de 2013 prevê a reclamação dirigida ao Presidente da Relação, à semelhança do que está previsto para a resolução de conflitos de competência. Para além da maior rapidez associada a este instrumento de impugnação, colhem-se do novo regime benefícios potenciados quer pela uniformidade de critério relativamente à resolução de questões idênticas, quer pela definitividade do que for decidido” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 148).

Como ensinam os mesmos autores, o que for decidido pelo Presidente do Tribunal da Relação “resolve definitivamente a questão, sendo vedado ao tribunal para onde for remetido o processo recusar a competência que lhe tenha sido atribuída ou endossa-la a um terceiro tribunal, com ou sem invocação de outro fundamento (…)”. [cfr. Código de Processo Civil Anotado, obra citada, p. 149].

Vejamos.

Para decidir nos termos em que o fez, o Senhor Juiz alinhou o seguinte discurso fundamentador que aqui, por simplicidade, se transcreve nas partes consideradas relevantes:

«(…) no caso em apreço, a decisão objeto de execução foi proferida por tribunal ad hoc, a saber, tribunal arbitral; limitado na extensão da sua competência, tribunais que se esgotam na notificação da decisão [Cfr. artigo 23.º do Regime jurídico da arbitragem em matéria tributária (doravante, RJAMT)] e, efetivamente, vistas as respetivas competências, em lado algum se encontra cometida aqueles tribunais arbitrais competência em matéria de execução de decisões [Cfr. artigo 2.º do RJAMT]; o que, de forma reiterada têm reconhecido os respetivos árbitros, asseverando que “[n]ão se inserem no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, as questões relacionadas com a execução de julgados, carecendo o Tribunal Arbitral de competência para determinar, impor ou pronunciar-se sobre a forma como foi concretizada a decisão transitada em julgado.” [Cfr., entre outras decisões, Acórdão no processo n.º 539/2022-T, de 09/02/2023].

Todavia, atente-se que o legislador, consignou que “[a]s decisões proferidas pelo tribunal arbitral são exequíveis nos mesmos termos em que o são as decisões dos tribunais comuns.” [Cfr. artigo 705.º, n.º 2 do CPC]; no entanto, ao contrário do regime da arbitragem voluntária, onde o legislador definiu um modelo de execução da sentença arbitral [Cfr. artigos 47.º e 48.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada em anexo à Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro], quanto ao RJAMT o legislador não só, não definiu o respetivo regime de execução da decisão arbitral, como também, não formulou qualquer remissão específica nesta matéria para aqueloutro regime.

Ainda assim, não pode deixar de operar a remissão ínsita no artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAMT, que delimita como direito subsidiário aplicável “(...) ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos: (...) e) O Código de Processo Civil.”, qua tale afirma-se que também as decisões proferidas pelo tribunal arbitral em matéria tributária são exequíveis nos termos em que o são as decisões dos tribunais tributários.

Sempre se dirá, adiantando razões e simplificando excurso, que da interpretação do princípio/direito à tutela jurisdicional efetiva [Cfr. artigo 20.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa], com manifestação expressa no direito tributário [Cfr. artigo 97.º, n.º 2 da LGT], emana proposição que oblitera a possibilidade de o sistema, enquanto unidade insofismável, conviver com a contingência de ao cidadão que recorre a um tribunal ad hoc, ser cerceada a possibilidade de fazer valer coercivamente o resultado desse petitório.

Assim, vinculados a que a execução em apreço deve observar os termos em que o são as demais decisões dos tribunais tributários; importa aquilatar da competência dos tribunais tributários.(…)”

E depois de transcrever in totum o artigo 49º do ETAF, normativo que define o âmbito da competência dos Tribunais Tributários, continua dizendo:

(…) Da interpretação literal deste normativo, resultaria que não tendo a presente decisão sido proferida por um tribunal tributário, nenhum seria competente, mas, como vimos, tal conclusão não poderia manter-se na ordem jurídica.

Assim, necessariamente nos conduzimos a uma outra conclusão com reflexo imediato no caso em apreço, pois que, encontrando-se em execução decisão relativa à anulação de ato de liquidação, em abstrato, se proferida no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, sempre seria competente para conhecer da execução dessa decisão o tribunal tributário que fosse competente para em primeira instância conhecer da ação de impugnação do ato de liquidação; é o que decorre dos termos conjugados dos subpontos v) da alínea e) e i) da alínea a) do número 1, do citado artigo 49.º do ETAF.

Deste modo, observamos que nos termos do artigo 9.º-A, n.os 1 e 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), “[o]s Tribunais Tributários, ainda que funcionem de modo agregado, podem ser desdobrados (...) em juízos de competência especializada (...) [podendo] ser criados (...) a) o juízo tributário comum; [e o] b) juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais;”.

Dispondo o artigo 49.º-A n.º 1, alíneas a) e b) do ETAF, que “[q]uando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada (...)compete:

a) Ao juízo tributário comum, conhecer de todos os processos que incidam sobre matéria tributária e cuja competência não esteja atribuída ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais tributários;

b) Ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes de execuções fiscais e de contraordenações tributárias.”

Ora, estando em causa, uma execução de decisão de anulação de atos tributários, stricto sensu, questão insuscetível de ser subsumida a um litígio emergente de execução fiscal ou de contraordenação tributária, sem necessidade de mais amplas considerações encontrar-se-ia aquela matéria subtraída à competência desde juízo, não sendo o mesmo competente para dela conhecer.

Ocorre, porém, como já havíamos adiantando, que ao Tribunal não lhe é lícito denegar em singelo a sua competência, pelo que se impõe conhecer qual o Tribunal competente.

Neste âmbito, observámos que ao juízo comum foi cometida uma competência que, por simplificação de caraterização, se designa «residual», uma vez que lhe compete “(...) conhecer de todos os processos que incidam sobre matéria tributária e cuja competência não esteja atribuída ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais tributários.”.

Assim, regressando à competência dos tribunais tributários e recuperando a ideia na linha da qual, em abstrato, seria competente para conhecer da execução dessa decisão o tribunal tributário que fosse competente para em primeira instância conhecer da ação de impugnação do ato de liquidação [Cfr. subpontos v) da alínea e) e i) da alínea a) do número 1, do citado artigo 49.º do ETAF], podemos concluir que, uma vez que à luz daquela dita competência residual seria o juízo comum o competente para em abstrato conhecer em primeira instância de pretensão anulatória de ato administrativo tributário stricto sensu, ato de liquidação de receita fiscal estadual, in casu, anulação de ato de liquidação em sede de IRS, é também, o juízo comum do tribunal tributário, o competente para, nesta sede, conhecer da execução de decisão arbitral proferida no âmbito de pretensão anulatória de ato de liquidação em sede de IRS.

Aqui chegados, aludindo a ação à execução de decisão que se reporta a um litígio que não emergente de uma execução fiscal ou de uma contraordenação tributária, a competência material para o seu conhecimento não cabe ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, mas sim ao Juízo Tributário Comum.

Destarte, impor-se-ia, declarar a incompetência material deste Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais para o conhecimento da presente ação, determinando a remessa oficiosa do processo ao Juízo Tributário Comum, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1 do CPPT.

Porém, a tal obsta o facto de se afigurar não ser o Tribunal Tributário de Lisboa o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente ação (…)(sublinhado nosso).

E, para apreciar da competência do Tribunal Tributário de Lisboa, em razão do território, para decidir e julgar a presente ação, deu como assentes os seguintes factos e ocorrências processuais:

“1. O Exequente B ……………….., é “(...) residente nos Estados Unidos, com representação fiscal na Travessa …………… 10 …….., Sintra, ……….. C………..s (...)” [Cfr. «IDENTIFICAÇÃO DA OPONENTE» de folhas 4 do SITAF e demais referências constantes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

2. Em 06-12-2019, B………………..apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem presente processo n.º ……………/2019-T [Cfr. «DECISÃO ARBITRAL» de folhas 24 e seguintes do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

3. Em 07/06/2020, foi preparada notificação da decisão arbitral proferida no âmbito do processo mencionado no ponto anterior [Cfr. folhas 23 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

4. Foi dimanada do Serviço de Finanças de Sintra-1, sito na Av. …………………, .….., 2710-431 Sintra, demonstração de liquidação de IRS, que resultou do cumprimento da decisão arbitral referida no ponto antecedente [Cfr. «DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS» de folhas 72 do SITAF e artigo 16.º da petição, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

5. Em 02/08/2021, o Exequente B……………..apresentou a petição de execução que deu origem aos presentes autos, dirigida ao Tribunal Tributário de Lisboa – Juízo de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais [Cfr. «PETIÇÃO INICIAL PETIÇÃO INICIAL (COMPROVATIVO ENTREGA)» de folhas 1-3 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que, nos termos do artigo 6.º, n.º 2 da Portaria 380/2017, de 19 de dezembro, “[e]m caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários (...)”].(…)”

E, mais adiante, escreveu assim:

“(…) Importa, ab initio, denotar que [a] competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.” [Cfr. artigo 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante, ETAF)].

Sendo ainda de observar, no que releva para a delimitação da competência e áreas de jurisdição dos tribunais administrativos e tributários, ao disposto nos artigos 39.º e 50.º do ETAF, bem como no Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro e respetivo Mapa Anexo.

Ora, nos tribunais tributários “[a] infração das regras de competência territorial determina a incompetência relativa do tribunal (...) onde correr o processo.” [Cfr. artigo 17.º, n.º 1 do CPPT], sendo “[a] incompetência em razão do território (...) de conhecimento oficioso, podendo ser arguida ou conhecida até à prolação da sentença em 1.ª instância, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” [Cfr. artigo 17.º, n.º 2 do CPPT].

Com efeito, no âmbito do Processo de Impugnação, “[o]s processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1.ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local onde se praticou o acto objecto de impugnação (...)” [Cfr. artigo 12.º, n.º 1, do CPPT].

Assim, o tribunal tributário territorialmente competente para julgar em 1.ª instância é o Tribunal Administrativo e Fiscal da área onde foi praticado o ato impugnado, o qual, revertendo ao caso em apreço, foi praticado pelo Serviço de Finanças de Sintra-1 [Cfr. ponto 4. dos factos assentes], pelo que é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o que se determinará a final.(…)” [sentença de fls.79/88- SITAF].


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A decisão reclamada, salvo o devido respeito, não se apresenta um exemplo de clareza, na medida em que discorre sobre a (in)competência material, sem daí retirar conclusão alguma, para depois decidir a incompetência territorial tendo como pressuposto uma conclusão que não chegou a retirar quanto à incompetência material.

Com efeito, tenhamos presente que, na decisão reclamada, o Senhor Juiz afirmou que a competência material para o conhecimento da ação de execução não cabe ao Juízo de Execução Fiscal mas sim ao Juízo Tributário Comum. Apesar de tal afirmação expressa, a decisão nesse sentido foi expressamente afastada, por – nas palavras do Exmo. Senhor Juiz – a tal obstar “o facto de se afigurar não ser o Tribunal Tributário de Lisboa o tribunal territorialmente competente para conhecer a presente ação”.

Assim, na economia da decisão, é unicamente esta questão – a da (in)competência territorial - que está aqui em análise e carece de decisão, ao abrigo do referido artigo 105º, nº4 do CPC. Com efeito, se bem lermos o decisório da decisão reclamada, o mesmo limita-se à questão da competência territorial.

Importa saber, pois, qual o Tribunal Tributário territorialmente competente para conhecer e decidir a presente execução de decisão arbitral, discordando o Reclamante da decisão do Senhor Juiz a quo que julgou territorialmente incompetente o TT de Lisboa, atribuindo a competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

Ora, como decorre do circunstancialismo subjacente à presente reclamação, o Exequente, ora Reclamante, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do qual requereu a anulação integral da liquidação de IRS impugnada. O pedido de pronúncia arbitral foi julgado procedente e, consequentemente, foi determinada a anulação total da liquidação de IRS n.º ……………..318.

Posteriormente, o Reclamante foi notificado da demonstração de liquidação de IRS n.º ……………130, nos termos da qual foi apurado um valor a pagar de € 139.966,47, e da qual consta, a título de fundamentação, que a referida liquidação “corresponde à execução da decisão proferida no processo contencioso identificado, no âmbito do qual foi remetida a V. Exa. a respetiva fundamentação”.

Ora, perante a notificação de tal ato – expressamente proferido na decorrência do julgado arbitral – e, por considerar que, em cumprimento do dever de executar, a AT tinha a obrigação de simplesmente anular na totalidade a liquidação impugnada (sem prejuízo de, “caso a AT considerasse que existia fundamento legal para emitir uma nova liquidação, então deveria iniciar um novo procedimento, com respeito pelos princípios que regem o direito tributário, designadamente, a possibilidade de exercício de direito de audição antes da liquidação”), o ora Reclamante lançou mão da ação de execução de julgado, defendendo que a AT não deu cumprimento ao dever de executar a decisão arbitral.

Pede o Exequente, aqui Reclamante, que a AT anule integralmente a liquidação que foi sindicada (ao invés de a substituir), tal como decorre do julgado arbitral e, assim não sucedendo, pede a declaração de nulidade da liquidação de IRS posteriormente emitida, ao abrigo do disposto no artigo 176º, nº5 do CPTA –Quando for caso disso, o autor pode pedir ainda a declaração de nulidade dos actos desconformes com a sentença, bem como a anulação daqueles que mantenham, sem fundamento válido, a situação constituída pelo acto anulado”.

Interpretando a p.i dirigida ao TT de Lisboa, o que aí está em causa é uma ação de execução julgados e não uma impugnação judicial, na qual vem pedido a anulação de um ato de liquidação que foi emitido em execução do julgado anulatório e que, alegadamente, não respeitou o alcance do julgado arbitral.

Foi por considerar que a p.i apresentada, atenta a causa de pedir e pedido, configurava uma verdadeira ação de impugnação judicial que o Senhor Juiz do Juízo de Execução Fiscal do TT de Lisboa considerou territorialmente competente o TAF de Sintra, considerando que “[o]s processos da competência dos tribunais tributários são julgados em 1.ª instância pelo tribunal da área do serviço periférico local onde se praticou o acto objecto de impugnação (...)” [Cfr. artigo 12.º, n.º 1, do CPPT]” e que “Assim, o tribunal tributário territorialmente competente para julgar em 1.ª instância é o Tribunal Administrativo e Fiscal da área onde foi praticado o ato impugnado, o qual, revertendo ao caso em apreço, foi praticado pelo Serviço de Finanças de Sintra-1 [Cfr. ponto 4. dos factos assentes], pelo que é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra…”.

Mas não é assim, como dissemos, pois – repete-se – está em causa uma ação de execução de julgado de decisão arbitral, com o alcance acima apontado.

Como não oferece dúvidas, reunindo a concordância de todos, o RJAT não contém regras processuais próprias acerca do incumprimento do dever de executar as decisões arbitrais, pelo que, quando a AT não dê cumprimento ao dever de executar a decisão arbitral, terá de ser utilizado o processo de execução de julgados previsto nos artigos 173.º e ss do CPTA, aplicáveis ex vi das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, do n.º 1 do artigo 146.º do CPPT e do artigo 102.º da LGT.

A este passo, tenhamos presente o disposto no artigo 29º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº10/2021, de 20/01, o qual, sob a epigrafe “Direito subsidiário”, dispõe:

“1- São de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:

a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias;

b) As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária;

c) As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários;

d) O Código do Procedimento Administrativo;

e) O Código de Processo Civil”

Conforme é sabido, a execução das sentenças dos tribunais tributários segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos – cfr. artigo 102.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) – pelo que devemos ter presente, desde já, o disposto nos artigos 157.º a 179.º do CPTA e seguintes do CPTA.

Nesta matéria, importa ter presente que, quanto ao Tribunal competente, a regra é a de que a competência recai sobre o Tribunal que tiver proferido a sentença em primeiro grau de jurisdição (cfr. artigo 164º, nºs 1 e 2 e 176º, nºs 1 e 2 do CPTA ). No caso, o primeiro grau de jurisdição pertence ao CAAD que, nos termos expostos, não tem competência executiva.

Cabe, pois, o apelo, por observância com o disposto no 29º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, ao estabelecido no artigo 85º, nº3 do CPC, nos termos do qual “Se a decisão tiver sido proferida por árbitros em arbitragem que tenha tido lugar em território português, é competente para a execução o tribunal da comarca do lugar da arbitragem”.

Nos termos do artigo 4º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, os tribunais arbitrais funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa, o qual tem a sua sede em Lisboa, tal como resulta do artigo 1º dos Estatutos do CAAD.

Assim sendo, há que concluir que a competência territorial para conhecer da presente ação de julgados pertence ao TT de Lisboa, conforme sustenta o Reclamante, e não ao TAF de Sintra, como decidido pelo Mmo. Juiz reclamado.

Face ao exposto, a decisão reclamada não pode manter-se.


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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se deferir a presente reclamação, revogar a decisão reclamada, declarando-se territorialmente competente para os ulteriores termos dos presentes autos o Tribunal Tributário de Lisboa.

Sem tributação.

Notifique.

Lisboa, 7/07/24


A Juíza Presidente,