Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:439/09.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/06/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO CORRECTIVA
AUDIÇÃO PRÉVIA
SANAÇÃO DO VÍCIO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I - Tendo o contribuinte interposto reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa tido a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.
II - O ónus da prova de que os montantes declarados de retenção na fonte correspondem ao declarado recai sobre o contribuinte, nos termos gerais de direito, posto que se arroga o direito à dedução do seu montante no apuramento da liquidação.
III - A liquidação correctiva operada em revisão oficiosa a favor do contribuinte não está sujeita ao prazo de caducidade fixado no art.º 33.º, n.º 1 do CPT ou 45.º da LGT.
IV - A fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S… visando o acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de IRS n.º 20075000057083, relativa ao exercício de 1995.

A Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por S…e em consequência, anulou a liquidação de IRS n.º 20075000057083, relativa ao ano de 1995.
B. Tendo presente a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, não pode, por diversas ordens de razão, a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na mesma, a qual deverá ser revogada e substituída por outra conforme às normas e princípios jurídicos aplicáveis.
C. No que à matéria de facto considerada diz respeito, entende a Fazenda Pública que deve ser acrescentado o seguinte facto: Em sede de reclamação graciosa, foi o Recorrido notificado por carta registada do projeto de decisão, de indeferimento, através do ofício n.º 1075 de 08.01.2009, para exercer o direito de audição, nos termos da alínea b), n.º 1 do artigo 60.º da LGT, o que fez em 22.01.2009 (cfr. fls.57-58 do processo de reclamação graciosa).
D. Não tendo o Recorrido, feito prova, através de elementos comprovativos dos valores que afirma retidos, nem constando os mesmos da base de dados oficial dos serviços, foi convolado em definitivo o projeto de decisão e indeferida a reclamação graciosa, em 13.02.2009.
E. Não podemos assim concordar com o entendimento do Tribunal “a quo” quando afirma que o Recorrido não foi notificado para exercer o seu direito de audiência prévia, pois conforme já foi referido supra, no âmbito da reclamação graciosa, cujo objeto é a liquidação n.º 20075000057083, o ora Recorrido foi notificado para se pronunciar em sede da mesma, em 22.01.2009.
F. Importa ainda salientar, por um lado, que a revisão oficiosa efetuada, que originou a liquidação referida no ponto anterior, objeto dos presentes autos, veio a corrigir o montante de imposto retido em benefício do Recorrido, pelo que não estava sujeito a direito de audição prévia.
G. Isto é, a decisão da segunda revisão oficiosa foi favorável ao Recorrido, pois foram considerados valores, referentes a retenções na fonte, que não haviam sido considerados na revisão oficiosa anterior, o que resultou num reembolso superior ao anteriormente concedido.
H. Por outro lado, ainda que se entenda que não obstante ser uma liquidação que melhora a situação tributária do Sujeito Passivo sempre estava sujeita a audição prévia importa trazer à colação o entendimento vertido no Acórdão do STA no processo n.º 01391/14, de 25.06.2015 que refere “Tendo o contribuinte interposto reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa tido a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.” (sublinhado nosso)
I. Face ao exposto, devia o tribunal a quo ter decidido que tendo o contribuinte sido notificado para efeitos de direito de audição no âmbito da reclamação graciosa ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação.
J. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei – artigo 60.º, da LGT - devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRS relativas aos anos de 1995, que está aqui em causa.
K. Caso assim não se entenda sempre se dirá que atento o princípio do aproveitamento dos atos administrativos determinaria a sanação destas eventuais irregularidades, porquanto, expurgado os vícios que os inquinam – se a liquidação tivesse sido precedida de audiência prévia - o ato continuavam a ter o mesmo conteúdo decisório do ato impugnado.
L. O princípio do aproveitamento do ato administrativo, que se encontra expressamente consagrado no artigo 163º, n.º 5, do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, mas que, mesmo antes da sua consagração legal, já vinha sendo aplicado pela jurisprudência que o reconhece como um princípio geral de direito, nos termos do qual não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.
M. Assim, é possível concluir, sem margem para dúvidas, que se o Impugnante tivesse sido ouvido antes da liquidação, a sua intervenção no procedimento não poderia ter provocado uma reponderação da situação e, desse modo, influir na decisão final.
N. A degradação de formalidade em formalidade não essencial ocorre quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornou inútil porque independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada, como é o caso dos autos.
O. Ainda que o ato impugnado tivesse sido precedido de audiência prévia, o princípio do aproveitamento dos atos administrativos determina a sanação destas eventuais irregularidades. Expurgado o vício que o inquina, o ato continuaria a ter o mesmo conteúdo decisório do ato impugnado, pois subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade dos atos, conforme supra referido.
P. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da liquidação de IRS de 1995 violou as normas previstas nos artigos 60.º da LGT e 163.º, n.º 5, do CPA.
Q. Assim, face a todos os elementos coligidos nos autos, deverá o presente Recurso ser considerado procedente e em consequência, manter-se na ordem jurídica o ato tributário em apreço por estar em conformidade com os normativos legais supracitados.
R. Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente totalmente improcedente, a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão.
Termos em que, com o mui douto suprimento
de V. Exas., deverá ser considerado
procedente o presente recurso e revogada a
douta sentença na parte recorrida, como é de
Direito e Justiça.
».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão que importa decidir reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pelo efeito invalidante da preterição da audição prévia no procedimento de liquidação.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«1. Em 29 de Abril de 1997, o Impugnante apresentou a declaração de rendimentos Mod 2 de IRS relativa ao ano de 1995 que originou a liquidação nº561328858 emitida em 24 de Outubro de 1997 da qual resultou um reembolso de 103,118,91€, na qual declarou em sede da categoria B de IRS, retenções na fonte no valor de 69.930,31€, pagamentos por conta no valor de 2810,59€, retenções em sede de categoria A no montante de 7.810,63€ e ainda juros retenção poupança no valor de 19.984,18€ ( acordo e cfr. prova documental documento nº1 e seguintes junto com a petição inicial).
2. A 8 de Maio de 2003, os serviços da Entidade Demandada rectificaram a liquidação mencionada no facto provado anterior e emitiram a liquidação nº5760066102 da qual resultou um reembolso de 5.817,75€ tendo sido retirados os montantes das retenções na fonte no valor de 69.930,31€ (acordo).
3. Posteriormente, os serviços da Entidade Demandada procederam à revisão oficiosa por erro imputável aos serviços durante uma acção de análise de listagens pelos serviços da Entidade Demandada no seguimento de um contacto telefónico ( confissão e cfr. prova documental fls 30 e seguintes do processo administrativo).
4. Os serviços no âmbito da revisão oficiosa mncionada no facto provado anterior consideraram que somente constam do sistema informático comprovativos de retenções na fonte na categoria B no valor de 1.763,31€, sendo que, 6, 41€ foram efectuados pela entidade com o nif 503148768 e 1.756,90 € pela entidade com o nif 6000006662 ( cfr. prova documental fls 30 e seguintes do processo administrativo).
5. O Impugnante não foi notificado para exercer o seu direito de audiência prévia ( cfr. processo administrativo).
6. Na sequência do mencionado nos factos provados anteriores foi emitida a liquidação nº 20075000057083 com o seguinte teor: (cfr. prova documental documento nº1 junto com a p.i.)
(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)
7. O Impugnante deduziu reclamação graciosa relativamente à liquidação mencionada no facto provado anterior ( cfr. prova documental fls 29 e seguintes do processo administrativo)
8. A reclamação graciosa referida no facto provado anterior foi indeferida (cfr. prova documental fls 29 e seguintes do processo administrativo).
9. A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.- Bragança a 4 de Dezembro de 1995 efectou os segyintes pagamentos e retenções relativamente ao Impugnante : ( cfr. prova documental fls 122 e seguintes dos autos em suporte de papel)
(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)
10. A Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. informou os autos do
seguinte: ( cfr. prova documental fls 125 e seguintes dos autos em suporte de
papel)
(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)


11. A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P.- Braga informou os autos do seguinte: ( cfr. prova documental fls 131 e seguintes dos autos em suporte de papel)
(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)

12. A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. informou os autos do seguinte: ( cfr. prova documental fls 139 e seguintes dos autos em suporte de papel)

(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)
13. A Escola Superior de Polícia informou os autos do seguinte: (cfr. prova documental fls 131 e seguintes dos autos em suporte papel)
(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)

14. A Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P. informou os autos do seguinte: ( cfr. prova documental fls 150 e seguintes do processo administrativo)
(IMAGEM, VER NO ORIGINAL)
15. A p.i. deu entrada a 6 de Março de 2009 (cfr carimbo aposto na p.i.)
».

Ø Adita-se ao probatório o facto pretendido pela Recorrente, por documentalmente comprovado e relevante para a decisão a proferir:
16. O impugnante foi notificado para audição prévia sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa referida em 7. do probatório, direito que exerceu em 23/01/2009 (cf. fls.59 do apenso instrutor).

Ø Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 do CPC, altera-se oficiosamente o ponto 2. do probatório, dele passando a constar:

2. A 8 de Maio de 2003, os serviços da Entidade Demandada corrigiram a liquidação mencionada no anterior ponto 1., e emitiram a liquidação n.º 5760066102 de que resultou um reembolso de 537,61€, tendo sido retirado o montante de Esc.563.472$00 correspondente a pagamentos por conta e alterada de Esc.15.585.659$00 para 7.810,63€ a parcela correspondente a retenções na fonte (cf. prints de demonstração de liquidação, a fls.32 dos autos e 8 do apenso instrutor).

B.DE DIREITO

Estabilizado o probatório, importa passar à apreciação das demais questões colocadas.

O direito de participação antes da liquidação está previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT e concretiza a directiva constitucional vertida no art.º 267/5 da Lei Fundamental.

A sua preterição constitui, em regra, vício de forma invalidante do acto de liquidação.

No entanto, o n.º 2 do preceito prevê situações de dispensa de participação, nomeadamente, quando as decisões a proferir sejam favoráveis ao contribuinte.

E, como adiante melhor se evidenciará, a liquidação impugnada resultante de revisão oficiosa de que resultou reembolso de 5.817,75€ (Liquidação n.º 2007 5000057083, de 22/05/2007, a fls.7 do apenso, cf. ponto 6. do probatório) é mais favorável ao impugnante se perspectivada na sua relação com a liquidação corrigida n.º 5760066102 de que resultou um reembolso de 537,61€ (cf. ponto 2 do probatório).

Mas mesmo quando assim não se entenda, sempre haveria que dar razão à Recorrente quando, em síntese, sustenta que tendo o impugnante sido ouvido em audição prévia no procedimento de reclamação graciosa, fica sanada a preterição da audição prévia no procedimento da liquidação objecto da reclamação.

Sobre a questão dos autos já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no seu ac. de 06/25/2015, tirado no proc.º 01391/14, em termos que merecem a nossa inteira concordância, não se vendo razões para nos afastarmos da solução ali preconizada, aliás ancorada na melhor doutrina fiscalista.

Como mencionado no citado aresto, reportando-se a uma situação idêntica em que a impugnação judicial fora apresentada na sequência do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o acto tributário de liquidação,

«Como judiciosamente observam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, “Poderá também considerar-se convalidado o acto primário que enferme de vício de violação do direito de audição se o interessado veio a utilizar meios de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) e neles acabou por ter oportunidade de se pronunciar sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau. Em situações deste tipo, quer o acto primário tenha sido mantido quer tenha sido revogado e substituído pelo acto de segundo grau, a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau, pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação. Porém, se a reclamação graciosa e o recurso hierárquico são facultativos e o interessado impugna contenciosamente o acto primário, não ocorrerá qualquer convalidação, subsistindo o vício de preterição do direito de audição, se o acto primário enfermava dele. Isto é, não é apenas por o interessado ter a possibilidade de impugnar administrativamente o acto primário, mas apenas quando tenha deduzido efectivamente uma impugnação e nela se tenha pronunciado sobre as questões sobre as quais era necessário dar-lhe oportunidade de se pronunciar, que se pode considerar convalidado o acto, por ter sido atingida, antes de ser concluída a actividade administrativa, a finalidade visada por lei com a concessão daquele direito”.

Ou seja, porque o ora Recorrido interpôs reclamação graciosa da liquidação adicional e neste meio de reacção administrativa teve a oportunidade de se pronunciar sobre a liquidação adicional e sobre todas as questões relativamente às quais lhe deveria ter sido previamente concedida a faculdade de se pronunciar, devemos considerar que ficou sanado o vício de preterição de formalidade legal por omissão de notificação para exercício do direito de audiência prévia à liquidação. Na verdade, parafraseando os citados Autores, podemos afirmar que a decisão administrativa final acaba por ser o acto de segundo grau (por que foi decidida a reclamação graciosa), pelo que deverá ser em relação a este acto que deverá aferir-se se o contribuinte teve ou não oportunidade de participar na sua formação (fim de cit.).

Pelo que deixámos dito, entendemos que a sentença recorrida, que anulou a liquidação correctiva impugnada com fundamento na preterição do direito de audiência, não fez correcto julgamento, pelo que, concedendo-se provimento ao recurso, será revogada.

Na procedência da apelação, haverá que conhecer, em substituição, dos restantes vícios peticionados, que a sentença deu por prejudicados em vista da solução dada ao litígio e que se prendem com a caducidade das liquidações, o erro nos pressupostos da quantificação das retenções na fonte da Cat. B e falta de fundamentação dos actos tributários.

Começaremos por conhecer da alegada caducidade do direito à liquidação, invocada com relação às liquidações secundárias de 08/05/2003 e de 22/05/2007 (cf. pontos 2. e 6 do probatório).

Em causa está liquidação de IRS relativa ao ano de 1995.

Aplica-se o prazo de caducidade estabelecido no Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pela Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, por força da norma de direito transitório prevista no art.º 5.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro (que aprova a Lei Geral Tributária), segundo a qual, «O novo prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998».

Dispõe o art.º 33.º do CPT:
«Artigo 33.º

Caducidade do direito à liquidação

1 - O direito à liquidação de impostos e outras prestações de natureza tributária caduca se não for exercido ou a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
2 - A instauração da acção judicial, no caso de situações litigiosas, determina a suspensão do prazo de caducidade até ao trânsito em julgado da decisão».

Assim, iniciando-se a contagem do prazo de caducidade de cinco anos a 01/01/1996, é manifesto que tal prazo se completa em 01/01/2001 (cf. art.º 279.º, alíneas b) e c) do Cód. Civil).

Ora, a verdade é que com relação a IRS/1995 foi emitida uma liquidação primária com base na declaração em 24/10/1997 (vd. ponto 1. do probatório) e foram sucessivamente emitidas duas liquidações secundárias, uma em 08/05/2003 (ponto 2. do probatório) e outra em 22/05/2007 (ponto 6. do probatório), esta última, objecto de impugnação administrativa (pontos 7. e 8. do probatório).

Sobre o tema da caducidade e para esse efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, se bem a apreendemos, tem vindo a distinguir entre a liquidação correctiva a favor do sujeito passivo resultante de um pedido de revisão oficiosa ou de anulação administrativa de um anterior acto de liquidação e a liquidação inovadora, que permita fixar um montante superior de imposto ao apurado na primeira liquidação sem que se correlacione com um anterior acto anulatório a que deva dar-se cumprimento.

No primeiro caso, entende-se que o momento a atender para verificar a caducidade do direito à liquidação é o da emissão da liquidação inicial (ou primária), pelo que não pode ter-se como ultrapassado o prazo de caducidade ainda que a liquidação correctiva ocorra para além do prazo de cinco anos (ou de quatro, sendo aplicável a LGT), contado a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

No segundo caso, considera-se que a liquidação adicional (ou secundária) corporiza um acto tributário autónomo e diverso do anterior, tendo-se como verificada a caducidade se, à data da emissão desse novo acto, tiver já decorrido o prazo de cinco anos (ou de quatro, sendo aplicável a LGT), por referência ao termo do ano em que se verificou o facto tributário.

Como se consignou no sumário doutrinal do ac. do STA, de 03/22/2006, tirado no proc.º 01284/05,
«I – No domínio do CPT, o direito do Estado à liquidação dos impostos caducava se a liquidação não fosse notificada ao contribuinte no prazo de 5 anos – art. 33º, 1, do CPT.
II – Praticado tempestivamente um acto de liquidação adicional, que é objecto de reclamação, parcialmente deferida para além daquele prazo de 5 anos, e tendo a administração procedido à correcção que beneficia o contribuinte, muito para além daquele prazo de 5 anos, não ocorre a caducidade do direito do Estado à liquidação.
III – Isto mesmo se a AF praticou um outro acto como consequência daquela correcção».

Na mesma linha decisória, escreveu-se no ac. do alto tribunal, de 10/08/2014, tirado no proc.º 0114/11, destacadamente, o seguinte: «(…) relativamente a esta liquidação resultante da revisão oficiosa prevista no art. 78.º da LGT não são aplicáveis os prazos de caducidade do direito à liquidação. Não o são porque a revisão é favorável ao sujeito passivo (A nosso ver, já assim não seria se a revisão fosse a favor da Administração, caso em que haveria de se respeitar os prazos de caducidade do direito à liquidação. Neste sentido, RUI DUARTE MORAIS, Manual de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 2012, pág. 204.). Na verdade, na situação sub judice não é o exercício do direito à liquidação que está em causa, mas antes a revisão – no caso reforma [cfr. art. 79.º, n.º 1, da LGT («O acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior, reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão».)] – de um acto de liquidação relativamente ao qual não há dúvida que foi praticado dentro do prazo que a lei fixa para o exercício do respectivo direito.
A revisão oficiosa da liquidação «destina-se, em regra, a permitir a reparação de erros cometidos pelos serviços que originaram liquidações ilegais, em desfavor do sujeito passivo/contribuinte» (RUI DUARTE MORAIS, ibidem.). Assim, limitar a possibilidade de revisão da liquidação a favor do contribuinte ao período em que poderia ser exercido o direito à liquidação constituiria uma restrição considerável ao âmbito da revisão e poderia inclusive excluir a possibilidade da revisão (nos casos em que o acto de liquidação tivesse sido praticado no último dia do prazo para o exercício do respectivo direito). Daí que o legislador, avisadamente, lhe fixou prazos próprios que, no caso de revisão a favor do contribuinte, por iniciativa da Administração e com fundamento em erro imputável aos serviços, fixou em quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago. «O que parece ser uma solução razoável: por um lado, deverá decorrer um prazo relativamente longo antes que deixe de ser possível reparar uma ilegalidade imputável à própria administração; por outro, enquanto o tributo não estiver cobrado (o “processo” não estiver encerrado) deverá ser possível a reparação do erro» (RUI DUARTE MORAIS, ob. cit., pág. 206.).».

Transpondo para os autos a jurisprudência tributária citada, constata-se que a liquidação impugnada (e objecto da reclamação graciosa, cuja decisão é também sindicada) foi a emitida em 22/05/2007 e esta resultou de revisão oficiosa da liquidação inovadora emitida em 08/05/2003, que não foi objecto de tempestiva impugnação administrativa ou contenciosa.

E tratou-se de revisão a favor do contribuinte na medida em que veio corrigir a liquidação secundária de 08/05/2003, confirmando o montante dos pagamentos por conta declarados (936,86€ x 3), e alterando de 7.810,63€ para 9.573,94€ o montante de retenções na fonte.

Assim, dado que a liquidação de 22/05/2007 é correctiva da liquidação inovadora de 08/05/2003 e operou em sede de revisão oficiosa a favor do contribuinte, é irrelevante que tenha sido emitida já depois de ultrapassado o prazo legal de caducidade.
Ou seja, a liquidação impugnada de 22/05/2007 não está inquinada do apontado vício de caducidade.

No que em particular respeita ao erro nos montantes apurados de retenção na fonte da Cat. B, no seguimento das diligências probatórias requeridas, foi possível comprovar junto das entidades pagadoras os valores de retenção que constam dos pontos 9 a 14 da matéria assente, os quais deverão ser incluídos na liquidação impugnada, sendo certo que tais valores não foram contestados pela Fazenda Pública.

Nesta matéria, contrariamente ao que pretende o impugnante o ónus da prova dos montantes retidos pelas entidades pagadoras recai sobre o sujeito passivo (art.º 74/1 da LGT), posto que é ele que se arroga o direito à dedução dos montantes retidos no cálculo do imposto devido a final.

Os juros retenção – poupança deverão ser recalculados proporcionalmente às retenções comprovadas e incluídas na liquidação.

No que concerne à falta de fundamentação das liquidações, como já referido a propósito da caducidade do direito de liquidação, apenas cabe sindicar os vícios da liquidação correctiva n.º 20075000057083, emitida em 22/05/2007 (cf. ponto 6 do probatório), uma vez que se encontra precludido o direito de invocar eventuais vícios e irregularidades da liquidação n.º 5760066102, emitida em 08/05/2003 (ponto 2. do probatório).

O dever de fundamentação dos actos administrativos obedece a uma directiva constitucional (art.º 268/3 da CRP) e é uma das vertentes através das quais se concretiza o princípio fundamental da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que o conhecimento das razões que subjazem à prática dos actos possibilita aos tribunais um controlo mais eficaz das decisões da Administração Pública, no quadro da separação de poderes, pilar do Estado de Direito (art.º 2.º da CRP).

Em concretização da directiva constitucional, estabelece o art.º 77/1 da LGT que «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
Pois bem, se analisarmos a informação burocrática da Direcção de Finanças de Lisboa de 07/03/2007, sancionada por despacho de 16/04/2007 do Exmo. Senhor Director de Finanças Adjunto, a que alude o ponto 4. do probatório e que serviu de suporte à revisão oficiosa que deu lugar à liquidação impugnada de 22/05/2007, dela consta, nomeadamente e, entre o mais que se dá por reproduzido, o seguinte: «(…) foram estes Serviços alertados para a necessidade de proceder à revisão oficiosa por duplicação de colecta relativamente ao ano de 1995, em virtude de, por erro imputável aos serviços durante uma acção de análise de listagens para esse mesmo ano, lhe terem sido indevidamente retirados valores referentes a retenções na fonte e aos pagamentos por conta no anexo B que comprovadamente foram efectuados pelo sujeito passivo.
Pela análise às declarações modelo 10 de 1995 que constam em sistema informático, entregues pelas entidades pagadoras de rendimentos profissionais, verifica-se que foram efectuados ao sujeito passivo retenções na fonte na categoria B no valor de € 1.763,31, sendo que, €6,41 foram retidos pela entidade com o NIPC 503148768 e € 1.756,90 pela entidade com o NIPC 600006662.
Quanto aos pagamentos por conta, pela análise às guias modelo 41 constantes do sistema de cobrança de IR, verifica-se que foram efectuados relativamente ao ano de 1995 três pagamentos de € 936,86 cada, pelo que o montante de € 2.810,59 que havia sido declarado no campo 19 do anexo B se confirma.
(…)».

Sendo escopo da fundamentação, como a jurisprudência tributária vem realçando, a de permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa, é manifesto que tal objectivo foi atingido.

Como assim, improcede vício formal de falta de fundamentação assacado à liquidação impugnada.

No que por último concerne aos juros indemnizatórios, estabelece o art.º 43/1 da LGT que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Os juros indemnizatórios terão de ser reportados à liquidação impugnada constante do ponto 6. do probatório, uma vez que nesta liquidação não foram incluídos montantes de retenção na fonte que as entidades pagadoras viriam a confirmar no processo judicial, como consta dos pontos 9. a 14. da matéria assente, com repercussão na importância de reembolso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1. Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;
2. Conhecendo em substituição julgar a impugnação procedente na parte em que se provaram retenções na fonte de entidades pagadoras para além das consideradas pela AT na liquidação correctiva impugnada, com proporcional recálculo dos juros retenção - poupança;
3. Reconhecer ao impugnante o direito a juros indemnizatórios nos termos acima referidos;
4. No mais, julgar a impugnação improcedente.

Custas a cargo da Recorrida, que não são devidas no recurso por não ter apresentado contra-alegações.

Lisboa, 06 de Dezembro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha