Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2237/09.8BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/19/2023 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | OPOSIÇÃO NOTIFICAÇÃO REGISTO SIMPLES CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO |
Sumário: | I - A opção pelo registo simples (como aqui aconteceu), em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT.
II – No caso, a AT não logrou provar que notificou a liquidação de IRC ao Executado, ora Recorrido, pelo que sempre a dívida exequenda (que tem subjacente tal liquidação) seria inexigível. III - Acresce que a notificação da liquidação de IRC de 2004 teria que ser efetuada até 31/12/08, termo do prazo de caducidade do direito à liquidação, o que aqui não se demonstra ter ocorrido. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por P ………….. LLC relativamente à execução fiscal n.º …………………603, do Serviço de Finanças de Loures 4, instaurada com vista à cobrança coerciva de dívida de IRC do exercício de 2004, no montante de € 8.230,00. A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões: 4.1 – O presente recurso, visa reagir contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, julgando procedente a impugnação deduzida, e em consequência, condenar a Fazenda Publica a anular a liquidação adicional impugnada. 4.2 – Em 18-05-2008 a oponente apresentou uma declaração de substituição modelo 22 referente aos rendimentos de 2004, tendo por conseguinte sido emitida uma liquidação adicional de IRC no montante de €8.230,00; 4.3 - Para a notificação dessa liquidação foi expedido, em 26-11-2008, um oficio registado para a Rua C..................... “A S.......................”, nº 22, 9º andar, em S................, domicilio fiscal da representante fiscal da oponente, tendo sido confirmada informaticamente à oponente em 27- 11-2008; 4.4 - Por ofício que consta dos autos, vêm os CTT admitir a hipótese de o ofício identificado no ponto 3.6, ter sido, por erro daqueles serviços, introduzido noutro receptáculo postal. 4.5 - Dispõe o nº 1 do artigo 39º do CPPT ”As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.” 4.6 – Para se poder extrair a presunção prevista no artº.39, nº.1, do C.P.P.T., é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. 4.7 - Da matéria assente pelo Tribunal a quo, consta que a Administração Tributária enviou, de facto, a liquidação adicional subjacente ao processo executivo ora em crise, pelo que a correcta efectivação do envio se encontra verificada. 4.8 - O que aqui está em causa é a correcta recepção da mesma liquidação / notificação. 4.9 - A comprovação da não efectivação da notificação na data presumida, cabe ao notificando, pois a lei consagra uma presunção júris tantum, incumbindo a este provar que a recebeu posteriormente ou que a nunca recebeu. 4.10 – No caso sub judice, vieram os CTT, juntar um ofício em que alegam admitir “a possibilidade do referido registo ter sido, por erro, introduzido noutro receptáculo postal”. 4.11 - Ora, não pode tratar-se as situações jurídicas factuais com meras suposições, ou “adivinhações”, ainda mais quando se tem duas declarações contraditórias proferidas pela mesma entidade. 4.12 – E é precisamente para estas situações que existem as presunções. 4.13 - Não tendo a oponente, ora recorrida, conseguido elidir a presunção que sobre ela recaía, nomeadamente ter demonstrado de forma inequívoca que não recebeu a notificação da liquidação subjacente aos presentes autos, e por ter a AT cumprido todos os requisitos legais a que se encontrava obrigada, cfr o disposto no nº 1 do art. 39º do CPPT, conjugado com o nº 2 do art. 110º do CIRC, duvidas não sobejam que a notificação foi efectivamente enviada 26/11/2008 considerando-se notificada no 3º dia útil após o registo. 4.14 – Assim sendo, dispõe o nº 1 do art. 45º da LGT que: “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”. 4.15- Temos que, no caso sub judice, o prazo de caducidade se inicia em 01-01-2005, pois trata-se de um imposto periódico relativo ao exercício de 2004, tendo a respectiva liquidação que ser notificada à contribuinte até 01-01-2009. 4.16 – Conforme consta dos autos, foi comprovado pela Fazenda Publica, e aceite pelo Tribunal a quo, que, em 26-11-2008, a Fazenda Publica expediu oficio registado, para o domicilio fiscal da contribuinte, oponente, ora recorrida, destinado a notificá-la da liquidação efectuada, pelo que, a Autoridade Tributária se pode prevalecer da presunção consagrada no nº 1 do art. 39º do CPPT, isto é, da presunção da notificação daquele oficio três dias após a sua expedição, isto é, em 29-11-2008 e portanto, dentro do prazo dos quatro anos de caducidade, que terminariam, como supra determinado, em 01-01-2009. 4.17 – E, nem se diga, que a recorrida logrou elidir tal presunção, pois que, aquilo que apenas juntou aos autos foi um oficio dos CTT, que no máximo, pode colocar em causa a credibilidade da própria instituição, pois se, por um lado, informaticamente diz que o oficio foi entregue no dia seguinte, dia 27-11-2008, por outro, admite, que o pode ter colocado noutro receptáculo postal. 4.18 - Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal a quo neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada na errada interpretação dos factos, violando o direito aplicável, no caso concreto o nº 1 do art. 39º da LGT conjugado com o nº 2 do art. 110º do CIRC e o artº 45º da LGT. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA. * Não há registo de contra-alegações. * O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento do recurso. * Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão. * II – FUNDAMENTAÇÃO - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: “a) Em 18/05/2008, a ora oponente P……………….LLC apresentou, uma Declaração de Substituição modelo 22, referente aos rendimentos que auferiu no ano de 2004 - facto admitido por acordo. b) Na sequência da apresentação daquela Declaração de Substituição, foi emitida em 19/11/2008, à ora oponente, uma liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 2004, no montante de € 8.230,00 (oito mil, duzentos e trinta euros), cuja data limite de pagamento voluntário terminava em 29/12/2008 - nota de cobrança, com demonstração da liquidação de fls. 18 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. c) Para notificação dessa liquidação foi expedido, em 26/11/2008, um ofício registado, com o n.° RY…………….PT, para a rua C..................... “A S.......................”, n.° 22, 9.° andar, em S................, domicílio fiscal da representante fiscal da oponente, tendo sido confirmada informaticamente a sua entrega à oponente em 27/11/2008 - pesquisa de objectos dos CTT de fls. 24 e sistema electrónico de citações e notificações de fls. 21, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos. d) Em 20/01/2009 foi instaurado pelo serviço de finanças de Loures -4, contra a ora oponente, o processo de execução fiscal n.° ………………603, para cobrança coerciva do tributo id. em 4.1.b), no valor de € 8.230,00 e acrescidos (oito mil, duzentos e trinta euros) - autuação do PEF e certidão de dívida de fls. 23 e 24 do PEF, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá como reproduzido. e)A ora oponente foi citada para os termos da presente execução em 26/02/2009, na citada morada sita na rua C..................... “A S.......................”, n.° 22, 9.° andar, em S................ - ofício de citação de fls. 29 e aviso de recepção de fls. 31 do PEF, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. MAIS SE PROVOU QUE: f) Os CTT admitiram a hipótese de, o oficio registado, id. em 4.1.c), expedido em 26/11/2008 para a rua C..................... “A S.......................”, n.° 22, 9.° andar, em S................, destinado a dar conhecimento à ora oponente da liquidação adicional de IRC no valor de € 8.230,00 e subjacente à dívida exequenda, ter sido, por erro daqueles serviços, introduzido noutro receptáculo postal - documento de fls. 12 e 13 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos. * 4.2 Factos não provados: 1- Não se provou que a ora oponente tivesse recepcionado o ofício id. em 4.1.c), destinado a dar-lhe conhecimento da liquidação de IRC em data anterior à sua citação, o que ocorreu em 26/02/2009. 4.3. Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos documentos juntos aos autos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, os quais não foram impugnados por qualquer das partes, sendo que, o facto elencado em 4.1.a) não é controvertido e encontra-se admitido por acordo das partes. Quanto ao facto não provado, a convicção do Tribunal decorreu dos seguintes considerandos: não obstante a A.T. ter a seu favor a presunção consagrada no artigo 39.°, n.°l do CPPT, isto é, presumir-se a notificação da carta registada, três dias após a sua expedição, a oponente conseguiu elidir a presunção, ao ter junto aos autos o ofício dos CTT que admitem ter depositado o oficio enviado pela AT noutro receptáculo, tanto mais que, segundo informa a oponente recebe na sua morada (n.°22 da rua C..................... “A S.......................”) correspondência vária do lote 22 da mesma rua”. * - De Direito
A sentença proferida nos autos de oposição foi julgada procedente e, consequentemente, foi extinto o processo de execução fiscal a ela subjacente. Para assim concluir, a Mma. Juíza considerou, em síntese, que: “(…) Dispõe o artigo 38.°, n.°l do CPPT que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (...), acrescentado o n.°3 do mesmo preceito legal que “as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes (...) são efectuadas por carta registada”. No mesmo sentido rege o n.°2 do artigo 110.° do CIRC. Ora, a liquidação em causa, conforme decorre do probatório, resulta da declaração de substituição apresentada pela própria oponente, pelo que, a Lei se basta com o envio de uma carta registada para o domicílio fiscal do contribuinte, destinada a notificá-lo daquela liquidação. E, nos autos, foi comprovado, pela Fazenda Pública que, em 26/11/2008, expediu ofício registado, para o domicílio fiscal da contribuinte, ora oponente, destinado a notificá-la da liquidação efectuada, pelo que, a Autoridade Tributária se pode prevalecer da presunção consagrada no artigo 39.°, n.°l do CPPT, isto é, em princípio a oponente teria que se considerar notificada daquele ofício três dias após a sua expedição, isto é, em 29/11/2008 e portanto, dentro do prazo dos quatro anos de caducidade, que terminariam em 01/01/2009. Contudo, conforme decorre do probatório, a ora oponente logrou elidir a presunção consagrada no n.°l do artigo 39.° do CPPT, nos termos do n.°2 daquela disposição, pois que se encontra junta aos autos a informação de fls. 12, subscrita pelos CTT, no sentido de poder ter existido erro na introdução da correspondência postal com o n.° RY4718276461 PT em receptáculo postal, que não o do domicílio fiscal da oponente. Logrou pois, a oponente elidir a presunção consagrada no n.°l do artigo 39.°, não se encontrando assim provada a notificação da liquidação, que está na génese da dívida exequenda, antes da citação da ora oponente para os temos da presente execução. Consequentemente, não estando provada a regularidade da notificação do tributo no prazo da caducidade, isto é, até ao dia 01/01/2009, procede a oposição de acordo com o disposto no artigo 204.°, n.°l alínea e) do CPPT, e de acordo com a alínea i) da mesma disposição, por o mesmo não ser exigível”. A Fazenda Pública, tal como resulta da síntese alegatória, discorda do decidido, defendendo que: - para a notificação da liquidação correspondente à dívida exequenda foi expedido, em 26/11/08, um oficio registado para a Rua C..................... “A S.......................”, nº 22, 9º andar, em S................, domicílio fiscal da representante fiscal da oponente, tendo sido confirmada informaticamente à oponente em 27/11/08; - nos termos do nº 1 do artigo 39º do CPPT “As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”; - a AT enviou, de facto, a liquidação adicional subjacente ao processo executivo ora em crise, pelo que a correta efetivação do envio encontra-se verificada; - a comprovação da não efetivação da notificação na data presumida, cabe ao notificando, pois a lei consagra uma presunção juris tantum, incumbindo a este provar que a recebeu posteriormente ou que a nunca recebeu; - a declaração dos CTT, a admitir a hipótese de o ofício de notificação ter sido, por erro daqueles serviços, introduzido noutro recetáculo postal, não chega para afastar a presunção de notificação de que a AT beneficia; - cabia à Oponente ilidir a presunção que sobre ela recaía, demonstrando de forma inequívoca que não recebeu a notificação da liquidação subjacente aos presentes autos, o que não aconteceu; - assim, conclui que a notificação da liquidação de IRC de 2004 respeitou o prazo de caducidade de 4 anos. Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito, lembrando que a matéria de facto, tal como foi fixada, não se mostra impugnada, pelo que a mesma tem-se por estabilizada. Defendia a Oponente que a liquidação correspondente à dívida exequenda não lhe havia sido notificada no prazo legal de caducidade de 4 anos, verificando-se o fundamento previsto na alínea e) do nº1 do artigo 204º do CPPT. O TT de Lisboa, como vimos, reconheceu razão à Oponente, considerando que a mesma havia ilidido a presunção de notificação da liquidação decorrente do artigo 39º, nº1 do CPPT, não se provando, portanto, a notificação do ato tributário no prazo de caducidade de 4 anos, o qual teve o seu termo em 31/12/08. Como vimos também, a conclusão do TT assenta em grande medida na informação prestada pelos CTT no sentido de poder ter existido erro na introdução da correspondência postal com o nº RY ……………….PT, o que encontrou acolhimento na alínea F) dos factos provados e, por seu turno, na fixação da matéria de facto não provada. Comecemos por dizer que não vem posto em causa que a AT tivesse expedido, por correio registado, o ofício para comunicar a liquidação de IRC de 2004, concretamente a correspondência a que coube o nº RY………………..PT, para o domicílio fiscal do representante da Oponente, nem tão-pouco que o prazo de caducidade do direito à liquidação é de 4 anos. O que motiva a oposição da Fazenda com o decidido é a conclusão do Tribunal quanto à circunstância de a Recorrida ter ilidido a presunção de notificação da liquidação de que beneficia a AT. Para a Recorrente, a informação dos CTT, constante da alínea F) dos factos provados, não é suficiente para afastar a dita presunção. Relembre-se que os CTT admitiram a hipótese de o ofício constante da alínea C) do probatório, expedido em 26/11/08, ter sido, por erro daqueles serviços, introduzido noutro recetáculo postal que não o do destinatário do ofício. Em nosso entendimento, o que primeiramente se impõe evidenciar (já que daqui resultam, ou podem resultar, importantes consequências) é que, no caso, a AT optou por notificar a liquidação de IRC através de correio registado simples. Isto mesmo consta do ofício dos CTT a que se refere a alínea F) do probatório, na qual o documento de suporte foi dado por reproduzido. De tal documento consta – para que não restem dúvidas – que “… informamos que o registo mencionado em epígrafe foi depositado no receptáculo postal (caixa do correio) do endereço do destinatário em 2008/11/27, de acordo com a modalidade de serviço escolhida pelo remetente – Registo Simples. (…) este tipo de serviço é sempre depositado directamente no receptáculo postal do destinatário, não carecendo de recolha de assinatura no momento da entrega. Admitimos no entanto a possibilidade de o referido registo ter sido, por erro, introduzido noutro receptáculo postal.” – sublinhado nosso. Ora, como a jurisprudência tem vindo a realçar, a opção pelo registo simples (como aqui aconteceu), em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o ato de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no recetáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT. Por absolutamente esclarecedor, passamos a seguir o acórdão do STA, de 08/01/20, no processo nº 01639/17.0BELRA, no qual se lê: “(…) Assim, e tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam. Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”. E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.). Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007). E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.” São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação: (i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer”. Ora, “o procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo. Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade””. Neste enquadramento, torna-se claro que “a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efectivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade. A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio”. Ao contrário do que acontece com a carta registada, que “coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito””, “no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu receptáculo. Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu receptáculo nenhuma carta”. “No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, embora tirado sobre a conformidade constitucional da via postal simples para efectivar a notificação do cancelamento do apoio judiciário, ponderou-se que “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efectivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa (cfr. Acórdão de 26 de Setembro de 2012, proc nº 279/12) (Neste Acórdão o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída do art. 70º, nº 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente envio de carta, por via postal simples, para notificação de cancelamento do apoio judiciário, proferida com fundamento no disposto no art. 10º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, por violação dos arts. 268º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP. ). Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo a carta com a notificação. E nem se argumente a justificar o mencionado mecanismo, como acontece no Acórdão do TCAS de 29/1/2013, proc nº 6147/12, que “o registo simples traduz uma inovação (Cfr. Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, (…)” . Sem deixar de reconhecer-se a importância da inovação, associada à celeridade e economia, a verdade é que a mesma não pode ser obtida à custa do sacrifício do princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial. Neste sentido, tendo por referência a modalidade de registo através de carta registada, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas no art. 38º, nº 3, do CPPT e nº 1 do art. 39º do CPPT, RUI MORAIS (Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 99.) pondera “que este regime legal tem que ser cuidadosamente aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações intoleráveis. Se, por um lado, se compreende que estando em causa notificações em massa se tenha de limitar, no razoável, o esforço da AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação, pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contestação” do ato notificado”. Em suma, estando nós perante uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento do acto tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio. A prevalecer a tese da interpretação das normas do nº 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que a carta registada pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afectaria a garantia da protecção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP””. – fim de citação. Neste mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STA, proferido no processo nº 0830/17, em 30/05/18 e, bem assim, o acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 1698/12.2BELRS, de 10/02/22. De regresso ao caso dos autos, temos, pois, que, perante o recurso ao registo simples, não pode a AT prevalecer-se da presunção de notificação a que se reporta o nº 1 do artigo 39º do CPPT – “As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo 38.º presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”. Significa isto, portanto, que a AT não logrou provar que notificou a liquidação de IRC ao Executado, ora Recorrido, pelo que sempre a dívida exequenda (que tem subjacente tal liquidação) seria inexigível. Acresce que, como a Recorrente reconhece, a notificação da liquidação de IRC de 2004 teria que ser efetuada até 31/12/08, termo do prazo de caducidade do direito à liquidação, o que aqui não se demonstra ter ocorrido. Assim sendo, como não restam dúvidas – e ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com a da sentença, quanto ao percurso argumentativo – temos por certo que está demonstrada a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade, o que corresponde ao fundamento de oposição invocado na p.i e contemplado na alínea e) do nº 1 do artigo 204º do CPPT. Trata-se de fundamento, tal como decidido, determinante da extinção da execução fiscal, decisão que aqui não pode deixar de ser confirmada. Face a todo o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, julgam-se improcedentes as conclusões da alegação de recurso e nega-se provimento ao mesmo. Vai, pois, a sentença confirmada, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com a que foi seguida em 1ª instância. * III - DECISÃO Termos em que, acordam os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença com a presente fundamentação. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, 19/12/23 Catarina Almeida e Sousa Lurdes Toscano Isabel Fernandes |