Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2158/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:NOTIFICAÇÃO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO
ART. 43.º DO RCPITA
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - Tendo em conta o teor da norma do art. 43.º do RCPIT, é essencial saber qual foi o motivo da devolução da correspondência para, do mesmo passo, saber se poderia ou não funcionar a presunção ali prevista;
II – Havendo dúvidas quanto a determinados documentos juntos pela parte a quem incumbe o respectivo ónus da prova, os artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT impõem, ainda assim, ao tribunal o dever de tentar afastar tais dúvidas, “realizando ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”;
III – Se o Tribunal recorrido nada fez, tendo-se limitado a constatar a falta de um elemento, concluindo pelo não funcionamento da presunção da notificação, há défice instrutório conducente à anulação da decisão.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 19 de setembro de 2023, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A......... e M........., ora Recorridos, contra a liquidação de IRS, n.º ..........35, relativa ao exercício de 2007, e dos correspondentes juros compensatórios, materializada pela nota de demonstração de acerto de contas n.º 2010 00001545929, no valor apurado de imposto a pagar de € 55.593,90.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«I) A questão que se coloca no presente recurso consiste em aferir da legalidade da liquidação de IRS ora impugnada analisando, em concreto, se esta padece de vício de forma, por falta de notificação do relatório final de inspeção tributária.

II) O Ilustre Tribunal a quo julgou procedente a impugnação considerando que “consta dos autos a indicação de que a carta registada contendo a notificação do relatório final de inspeção foi devolvida ao remetente, mas nem os serviços da inspeção tributária, nem a Fazenda Pública lograram demonstrar o motivo da devolução, o que por si só, afasta a presunção de notificação ínsita no art.º 43.º do CPPT.

III) Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto entende existir erro de julgamento em matéria de facto, materializado em patente défice instrutório, conforme procurará demonstrar.

IV) Conforme consta do ponto 17 do probatório: “Em 05/03/2010 foi elaborado o ofício 018915, pelos serviços da Inspeção Tributaria da Direção de Finanças de Lisboa, remetido aos impugnantes, por via postal registada, sob o registo “RC373717135PT”, para o seu domicílio, sob o assunto “Relatório de Inspeção Tributária – Artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) e Artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT) (…).”

V) A carta referida no ponto antecedente foi devolvida ao remetente – cf. fls. 336 do PA em apenso, cfr. ponto 17 dos factos provados.

VI) Considerou o Tribunal a quo que não se tendo apurado o motivo da devolução da carta que continha o relatório de inspeção tributária, urgia concluir pela falta de notificação do referido relatório de inspeção e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação subsequente.

VII) Para o efeito, salientou o douto Tribunal que “(…) o único elemento de prova da devolução da notificação, constante no PA apenso e elencado no ponto 18), é uma mera fotocópia da parte da frente do envelope que foi dirigido aos impugnantes, que contém a menção ao registo “RC373717135PT”, mas da qual não consta o motivo da devolução”.

VIII) Salvo o devido respeito, cremos verificar-se uma evidente violação do princípio do inquisitório, o qual se mostra plasmado no artigo 99.º da LGT.

IX) Estatui o n.º 1 do artigo 62.º do RCPIT, na redação vigente à data dos factos, que “Para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária.”, resultando do n.º 2 do mesmo preceito que o mencionado relatório deve ser notificado ao contribuinte por carta registada, considerando-se concluído o procedimento inspetivo na data da notificação.

X) Ora, conforme resulta dos pontos 7) e 17) do probatório, elaborado o relatório de inspeção tributária, procedeu a AT à notificação do mesmo através da respetiva remessa, por correio postal registado (identificado sob o n.º RC373717135PT), para o domicílio fiscal dos Impugnantes.

XI) Resultando, ainda, do ponto 18) probatório que a carta em causa foi devolvida ao remetente.

XII) Em matéria de notificações, estatui o artigo 43.º do RCPIT que se presumem notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.

XIII) Refira-se a este propósito a doutrina que dimana do acórdão do STA, de 13.03.2013, p. 01394/12, disponível em www.dgsi.pt, nos termos da qual “Em face do disposto no art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, não há que convocar o disposto no art. 39.º, n.º 5, do CPPT (a norma prevista naquele preceito encontra-se numa relação de especialidade relativamente à prevista neste) em ordem a indagar dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples.”

XIV) Uma vez aqui chegados, e revertendo ao caso dos autos, tendo presente o teor do sobredito artigo 43.º do RCPIT, é inquestionável a relevância e, por isso, a utilidade da indagação sobre o motivo da devolução da carta ao remetente.

XV) Resulta da douta sentença recorrida que somente se mostra junto aos autos a fotocópia da parte da frente do envelope que foi dirigido aos Impugnantes e devolvido à AT, da qual consta a menção ao registo RC373717135PT, mas não consta a menção ao motivo da devolução.

XVI) Ora, revelando-se tal prova insuficiente, porquanto da mesma não consta a indicação do motivo da devolução da carta, atento o postulado do princípio do inquisitório e do irrenunciável dever de descoberta da verdade material que ao titular do processo incumbe prosseguir, deveria o Tribunal a quo, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurassem úteis à descoberta da verdade material, in casu, à descoberta do motivo da devolução.

XVII) Preceitua o n.º 1 do artigo 99.º da LGT que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigure úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”

XVIII) O sobredito preceito legal, bem como o artigo 13.º do CPPT, consagram o princípio da investigação ou do inquisitório, que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender úteis e necessárias para a descoberta da verdade material.

XIX) Impõe-se ter presente que o princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.

XX) No caso dos autos, a AT logrou cumprir o ónus que lhe competia ao alegar e demonstrar ter remetido o relatório de inspeção tributária, por correio postal registado, identificando o respetivo n.º de registo com a junção aos autos do respetivo talão dos CTT, dirigido ao domicílio fiscal dos Impugnantes.

XXI) Alegou, ainda, que, apesar da carta ter sido devolvida, deveriam os Impugnantes ser considerados notificados.

XXII) Contudo, por lapso foi junta aos autos apenas parte da frente do envelope que contem somente a indicação do remetente, do destinatário e respetiva morada, do n.º e data do registo postal e que comprova a devolução da carta, mas que não tem aposto o motivo da devolução.

XXIII) Ora, não ignorando o Tribunal que na esmagadora maioria das vezes o motivo da devolução das cartas, atestado pelos funcionários dos serviços postais, consta do verso dos envelopes, salvo o devido respeito, ter considerado que estávamos perante uma mera insuficiência de prova facilmente superável.

XXIV) E, nessa medida, ter, em observância do princípio do inquisitório, oficiado os serviços distribuidores postais para que estes viessem prestar os esclarecimentos e produzir a prova adicional que o Tribunal considerasse oportuna, nomeadamente, vir aos autos informar o motivo da devolução ao remetente da carta remetida sob registo postal cujo n.º constava, quer do talão dos ctt, quer da frente do envelope, o que não se verificou, em claro prejuízo da descoberta da verdade material e da realização da justiça.

XXV) Mais, considerando que a informação sobre o motivo da devolução da carta é da competência dos serviços postais e que a mesma, por norma, consta de vinheta aposta no verso dos envelopes objeto de devolução, e uma vez que não constava dos autos o verso do envelope em causa, mas apenas a parte da frente, deveria o Tribunal ter solicitado à AT que fizesse a respetiva junção aos autos, por forma a apurar o motivo da devolução da correspondência em causa.

XXVI) Temos, assim, que tinha a Mma. Juiz a possibilidade de ordenar a realização de diligências que permitissem verificar o motivo da devolução da carta, circunstância cujo apuramento se mostrava relevante para a boa decisão da causa.

XXVII) À Mma. Juiz a quo, no exercício do poder-dever consagrado pelo princípio do inquisitório (cfr. Artigo 13.º do CPPT, artigo 99.º, n.º 1 da LGT), independentemente da prova produzida ou deixada de produzir pelas partes, incumbia o dever de realizar, ou ordenar a realização, das diligências que entendesse úteis à descoberta da verdade material.

XXVIII) Efetivamente, conforme resulta do douto acórdão do STA de 23.10.2013, p.0388/13, disponível em www.dgsi.pt, e é uniforme, pacífica e reiteradamente entendido pela demais jurisprudência dos Tribunais Superiores “(…) a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria, acarretando, consequentemente a anulação da sentença por défice instrutório, com vista a uma correto e definitivo apuramento dos factos. (…)”

XXIX) Ora, in casu, salvo o devido respeito, resulta patente que o Tribunal a quo não deu cumprimento ao princípio do inquisitório, pelo que urge concluir que o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença encontra-se inquinado por défice instrutório existindo probabilidade da prova em falta demonstrar um cenário factual diferente, com repercussão no sentido da decisão da causa.

XXX) Pelo que a douta sentença recorrida não deverá manter-se na ordem jurídica, porquanto enferma de erro de julgamento em matéria de facto, materializado em evidente défice instrutório, em violação do disposto no artigo 13.º do CPPT.

XXXI) Face ao supra exposto entende a Fazenda Pública que o ato tributário ora impugnado se deve manter na ordem jurídica, porquanto não enferma da ilegalidade que lhe assacou a douta sentença recorrida, afigurando-se que a atuação da Administração Tributária foi conforme à lei e pautou-se pelas normas legais em vigor à data dos factos tributários.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, e atento aos fundamentos expostos, deve o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente

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Os Recorridos, A......... e M........., notificados para o efeito, não contra-alegaram.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, com as consequências legais.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se houve erro de julgamento em matéria de facto por violação do princípio do inquisitório, ou seja, se a decisão recorrida padece de deficit instrutório.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A decisão recorrida julgou demonstrada a seguinte factualidade:

«1) Em 10/05/2008, A........., NIF 12……. e M……, NIF 12….., aqui impugnantes, submeteram a declaração de IRS relativa ao ano de 2007, identificada com o n.º 3344-I5965-34 com os anexos A, B, G e H - cf. fls. 385 a 392 do Processo Administrativo (PA), em apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2) No anexo A “Trabalho Dependente ou Pensões”, da declaração de IRS de 2007, os impugnantes declararam o seguinte:

“(...)
(...)” - cf. fls. 385 a 392 do PA, em apenso.

3) No anexo B “Rendimento da Categoria” no campo “Outras prestações de serviços e outros rendimentos”, da declaração de IRS de 2007, os impugnantes declararam que o Sujeito Passivo A, A….., obteve o seguinte rendimento:
“(...)
(...)” - cf. fls. 385 a 392 do PA, em apenso.

4) No anexo G “Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, da declaração de IRS de 2007, os impugnantes declararam o seguinte:
“(...)

(...)” - cf. fls. 385 a 392 do PA, em apenso.

5) Na sequência da apresentação da declaração do ano de 2007, foi emitida a liquidação de IRS n.º ..........99, no valor apurado de imposto a receber de € 3.225,85 – cf. informação a fls. 78 do PA, em apenso.

6) Em cumprimento das ordens de serviço n.º OI200902368 e OI200902369, de 21 de Abril de 2009, foi realizada uma ação inspetiva externa, de âmbito parcial, com vista à fiscalização da situação tributária dos impugnantes, em sede IRS, aos exercícios de 2006 e 2007, que teve na sua origem o cruzamento de dados e a constatação de que o sócio gerente, entre 1990 e 2007, figurou como administrador em 274 empresas a atuar no ramo imobiliário – cf. Relatório da inspeção tributária (RIT) a fls. 96 a 112 do PA, em apenso;

7) Pelo ofício 31807 de 22/04/2009, dos Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi remetido aos impugnantes, por via postal registada, para a morada “Estrada do Lumiar, BL. 5, 13, 3º Dto, 1600 Lisboa”, a “carta aviso”, da qual consta que estes iriam ser objeto de uma ação de inspeção, em sede de IRS, aos exercícios de 2006 e 2007 – cf. Anexo 1 do RIT, a fls. 114 do PA, em apenso.

8) A morada constante do ponto anterior constitui o domicílio fiscal dos impugnantes - cf. Anexo 2 do RIT, a fls. 118 a 120 do PA, em apenso.

9) Em 30/06/2009 foi assinada pelo impugnante a ordem de serviço OI200902369, referente ao IRS do ano de 2007– cf. doc. de fls. 165 dos autos em suporte físico.

10) Através do oficio 106779, de 10/12/2009, remetido aos impugnantes por via postal sob o registo “RG254743248PT”, os serviços da inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, comunicaram-lhe que o procedimento de inspeção foi alargado por novo período de 3 meses, em face da complexidade na análise e comprovação das operações praticadas e da necessidade de recolha de informações junto de entidades bancárias – cf. ofício a fls. 170 a 173, dos autos em suporte físico.

11) Pelo ofício 006266, de 22/01/2010, os serviços da inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, comunicaram aos impugnantes, por via postal simples, a conclusão dos atos inspetivos com remessa das notas de diligências – cf. a fls. 176 dos autos em suporte físico.

12) Pelo oficio 007351, de 27/01/2010, dos serviços da inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi remetido aos impugnantes, para o seu domicílio fiscal e por via postal registada, o projeto de relatório da inspeção tributária, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias para o exercício do direito de audição – cfr. anexo 15 do RIT, a fls. 331 do PA em apenso;

13) A carta referida no ponto antecedente foi devolvida ao remetente com a indicação “objeto não reclamado” – cf. pág. do RIT junto com o PA.

14) Em 18/02/2010, foram elaboradas as conclusões do relatório final de inspeção (RIT), do qual consta, quanto ao exercício de 2007, designadamente, o seguinte:
“(…)




(…)


“( texto integral no original; imagem)”

(…)

(…)


“( texto integral no original; imagem)”

(…)


“( texto integral no original; imagem)”

“( texto integral no original; imagem)”

(…)


(…)

(…)”- cf. Relatório de inspeção (RIT) a fls. 95 e seg. do PA, em apenso.

15) Em 22/02/2010, a Chefe de equipa dos serviços da inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, elaborou parecer sobre o relatório mencionado no ponto antecedente, no seguinte sentido:

“(…)

Confirmo o teor da informação elaborada.

As diligências efetuadas na sequência da acção inspetiva externa, que decorreu no cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI200902368 e OI200902369, e visou o controlo da situação tributária dos contribuintes A......... (suj.Passivo A) e seu cônjuge M......... (suj.passivo B) e respetivo agregado familiar, em sede de IRS e com incidência os anos de 2006 e 2007, permitiram detetar as seguintes situações irregulares:

1) Reenquadramento dos ganhos obtidos na alienação de participações sociais

Os elementos recolhidos no decurso da ação inspetiva, nomeadamente no sistema informático da DGSI, nas conservatórias do registo comercial e junto de entidades (pessoas singulares e coletivas) relacionadas com os contribuintes, permitiram concluir que estes, nos anos em análise e à semelhança do que já vinha sendo prática nos anos anteriores, desenvolveram a atividade de constituição de sociedades por quotas e posterior venda das mesmas, declarando os ganhos obtidos, como sendo rendimentos da categoria G do IRS.

Conforme ficou demonstrado no capitulo III da informação, a natureza dos ganhos auferidos contraria a definição do que são rendimentos enquadráveis na categoria G (Mais valias), prevista no art.º 10.º do CIRS, entendidos pelo legislador como ocasionais ou fortuitos, na medida em que, resultam de uma atividade desenvolvida com caráter de regularidade, que implica o ato administrativo de constituição de uma empresa, e a logística subsequente para a sua alienação, tendo como objetivo pré definido, a obtenção de lucro. Assim sendo, consideramos os rendimentos obtidos em 2006 e 2007, nos montantes de 198.500,00€ e 206.600,00€, respetivamente, enquadráveis na categoria B, nos termos do disposto nos artigos 3.º e 4.º do CIRS. Pelo facto de os contribuintes estarem abrangidos pelo regime simplificado de tributação, previsto no n.º 2 do artigo 31.º do CIRS, aos mesmos serão aplicados os coeficientes de 0,65 em 2006 e 0,70 em 2007.

2) Rendimentos da Categoria E – Adiantamento por conta de lucros

Os contribuintes são sócios da empresa C.......... Lda e auferiram importâncias, que se assimilam a adiantamentos por conta de lucros, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 5.º, nº1 e alínea h) do n.º 2 do CIRS, consubstanciam rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS – (categoria E). Todavia, de acordo com o disposto no artigo 71.º, n.º 3 alínea c) daquele diploma legal, os rendimentos desta natureza, estão sujeitos a tributação à taxa libratória de 20%, pelo que os mesmos não serão engobados, ficando sujeitos a tributação em sede própria.

- As correções efetuadas totalizam 129.025,00€ em 2006 e 144.620,00€ em 2007 e determinam que o rendimento tributável declarado seja alterado para 166.637,52 e 185.727,75, respetivamente. (...)” - cf. fls. 91 do PA em apenso.

16) Em 25/02/2010, o Chefe de Divisão dos serviços da inspeção tributária da Direção de Finanças proferiu despacho sobre o relatório final da inspeção, no sentido de concordância com o parecer da Chefe da equipa e com o teor das conclusões – cf. RIT a fls. 90 do PA, em apenso;

17) Em 05/03/2010 foi elaborado o ofício 018915, pelos serviços da Inspeção Tributaria da Direção de Finanças de Lisboa, remetido aos impugnantes, por via postal registada, sob o registo “RC373717135PT”, para o seu domicílio, sob o assunto “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA – ARTIGO 77.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62.º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA (RCPIT)”, do qual consta o seguinte:

“(…)

Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 62.º do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordens de Serviço acima referenciada:

· Da alteração efetuada nos termos do n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS, sem recurso a métodos indiretos, nos seguintes termos:

(…)

A decisão referida no ponto anterior tem por base os factos, motivos e fundamentos expressamente desenvolvidos no referido Relatório.

(…)” – cf. ofício a fls. 334 do PA em apenso.

18) A carta referida no ponto antecedente foi devolvida ao remetente – cf. fls. 336 do PA em apenso.

19) Em 19/02/2010, foi introduzido o documento de correção (DC) à declaração modelo 3 de IRS, do ano de 2007, submetida pelos impugnantes, através do qual foi retirado o anexo G e inserido o anexo B, em nome do sujeito passivo B, M……, com o rendimento de € 103.300,00, no campo 403, do quadro 4 – “outras prestações de serviços e outros rendimentos”, e ainda, corrigido o valor do rendimento declarado pelo sujeito passivo A, A........., no mesmo campo do quadro 4 do anexo B, para o valor de € 113.026,00 – cf. DC a fls. 368 a 377 do PA, em apenso.

20) Em 26/04/2010, foi emitida em nome dos Impugnantes, a nota de cobrança n.º 2010 225985, que reflete a liquidação de IRS nº ..........35, referente ao ano de 2007, no montante de € 55.208,07, com data limite de pagamento voluntário a 02/06/2010, a liquidação de juros compensatórios n.º 2010 588574, no valor de € 3.611,68, e o estorno da liquidação inicial de IRS n.º ..........99, no valor de € 3.225,85, perfazendo o valor global de € 55.593,90 - cf. nota de demonstração de compensação a fls. 82 do PA em apenso e doc.2 junto com a PI.

21) As liquidações referidas no ponto antecedente foram remetidas aos impugnantes por via postal registada, no dia 30/04/2010 – cf. fls. 83 do PA, em apenso.

22) Em 23/06/2010 foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) ……90, pela quantia exequenda de € 55.593,90, que se encontra no estado de suspenso por prestação de garantia – cf. histórico do PEF a fls. 88 do PA, em apenso.

23) O impugnante fazia alguns negócios no ramo do imobiliário, normalmente, por meio de licitações em vendas judiciais e constituía sociedades para adquirir os imóveis - cf. depoimento das testemunhas D.........., T.......... e R...........

24) O impugnante procedia à cessão das quotas das sociedades, quando alguém estava interessado nos imóveis – cf. das testemunhas D.........., T.......... e R...........

25) O impugnante constituía sociedades e passado algum tempo vendia as quotas dessas sociedades, mas no intervalo entre a constituição da sociedade e a alienação das quotas, adquiria para a nova sociedade um prédio rústico, de baixo valor patrimonial, que direta ou indiretamente lhe pertencia, ficando esse prédio no ativo da empresa e mais tarde vendia esse imóvel a outra sociedade da qual também era titular, o que permitia a obtenção de isenção para efeitos de IMT – cf. depoimento da testemunha S...........»


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Com relevância para a decisão da causa não se provou que os impugnantes tenham sido notificados do Relatório Final da Inspeção Tributária, do exercício de 2007.
Não existem outros factos provados ou não com relevância para a presente decisão.»

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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:

«A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados e no processo administrativo, conforme é especificado em cada um dos pontos da matéria de facto provada, bem como a prova testemunhal produzida em audiência.

Os factos 23) e 24), foram dados por provados com base no depoimento das testemunhas arroladas pelos impugnantes, D.........., advogado, foi estagiário do impugnante, que também é advogado. Referiu que mantem uma relação de amizade com o impugnante e que enquanto advogado já encaminhou clientes, interessados na aquisição de imóveis, para os ofícios do impugnante, tendo relatado um caso concreto, ocorrido na zona de Fátima.

A segunda testemunha trabalhou como secretária do impugnante, por cerca de 20 anos. Referiu que acompanhou a parte administrativa dos negócios, tendo conhecimento dos anúncios para licitação em vendas judiciais, e depois, na preparação da documentação até à elaboração dos contratos de cessão de quotas das sociedades.

A terceira testemunha, também é advogado, foi estagiário do impugnante e nesse âmbito acompanhou vários dos negócios efetuados pelo impugnante. Confirmou que o impugnante constituía sociedades para adquirir imóveis, geralmente, em vendas judiciais. Afirmou que o impugnante vendia as sociedades com o imóvel “dentro”.

Quando confrontado com o facto de o impugnante ser titular da C.........., que tem por objeto a compra e venda de imoveis e a necessidade de criação de novas sociedades para albergar os negócios, referiu que era para não misturar negócios. A C.......... concentra a maioria do património do impugnante, era a da “casa”, e as outras eram para os negócios.

O facto 25) foi dado por provado com base no depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, que foi a inspetora tributária que levou a cabo a ação de inspeção, que incidiu sobre o IRS dos impugnantes, nos anos de 2005 a 2007. Relatou que a constituição de sociedades pelo impugnante e todo o procedimento subsequente, tinha em vista a obtenção da isenção de IMT. Afirmou que no caso, existia sempre a constituição de uma sociedade, a aquisição de um imóvel de reduzido valor patrimonial, a venda desse imóvel, e a venda das quotas dessa sociedade. No intervalo entre a constituição da sociedade e a venda das quotas, a sociedade constituída, adquiria um prédio (que era da esfera do impugnante, ou de alguma sociedade que lhe pertencesse, de forma direta ou indireta), ficava com esse imóvel no ativo durante alguns meses e depois vendia esse imóvel a outra sociedade criada pelo impugnante.

No momento da cessão de quotas a sociedade alienada não tinha ativo nem passivo, mas beneficiava da possibilidade de fazer aquisições de imoveis com isenção de IMT, uma vez que no ano transato já havia praticado uma operação que lhe conferia esse direito.

O facto dado por não provado resultou da concatenação do facto 18), com a total ausência de prova no sentido de demonstrar que após a devolução da carta que continha a notificação do relatório final de inspeção, a AT tenha efetuado outras diligências, no sentido de promover a notificação do relatório final de inspeção tributária do exercício de 2007 aos impugnantes.”»


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Tendo em conta os fundamentos da impugnação e a matéria julgada provada no tribunal recorrido, e levando em consideração que a decisão sobre essa matéria de facto se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal considera necessário completar alguns factos, necessários para apreciação dos fundamentos da impugnação e corrigir ou eliminar outro, o que faz, de acordo com o art. 662.º, n.º 1, do C.P. Civil, nos seguintes termos:

O ponto 17. do probatório passa a ter o seguinte teor:
17. Em 05/03/2010 foi elaborado o ofício 018915, pelos serviços da Inspeção Tributaria da Direção de Finanças de Lisboa, remetido aos impugnantes, por via postal registada, sob o registo “RC373717135PT”, para o seu domicílio fiscal, sob o assunto “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA – ARTIGO 77.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62.º DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA (RCPIT)”, do qual consta o seguinte:
(…)”

O facto considerado não provado – “que os impugnantes tenham sido notificados do Relatório Final da Inspeção Tributária, do exercício de 2007” – por não se tratar de um facto, mas de uma conclusão a retirar de factos concretos, não se pode manter, razão pela qual se dá o mesmo como não escrito.


II.2. De Direito

A sentença recorrida julgou procedente o alegado vício de falta de notificação do relatório final da acção de inspecção, concluindo que “A violação das normas relativas à notificação do relatório final de inspeção, a que se refere o art.º 62.º do RCPIT, eivou de ilegalidade formal todo o procedimento administrativo subsequente, no qual culminou a liquidação adicional de IRS, do ano de 2007, determinando a anulação, por vício de forma, do ato praticado a final (cf. art.º 163.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art.º 4.º, al. e) do RCPIT).
Para tanto, entendeu que “Decorre da norma citada que o relatório final da ação de inspeção deve ser notificado ao contribuinte por carta registada.
No caso dos autos, informa-nos o probatório que a AT elaborou o relatório final da ação inspetiva e por ofício datado de 05/03/2010, foi remetida aos impugnantes uma notificação através da qual lhes foi dado a conhecer o relatório de inspeção tributária, nos termos do art.º 77.º da LGT e art.º 62.º do RCPIT. Esta notificação foi dirigida aos Impugnante para o seu domicílio fiscal, por carta registada sob o registo “RC373717135PT” [ponto 17) dos factos provados].
Ficou ainda provado que a referida carta veio devolvida, porém, não se apurou o motivo da devolução [ponto 18) dos factos provados].
Já vimos que nos termos do disposto no artigo 43°, n.°1 do RCPIT presumem-se notificados os sujeitos passivos contactados por meio de carta registada em que tenha havido devolução da carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada.
Porém, não é essa agora a situação dos autos.
Na realidade, consta dos autos a indicação de que a carta registada contendo a notificação do relatório final de inspeção foi devolvida ao remetente, mas nem os serviços da inspeção tributária, nem a Fazenda Pública lograram demonstrar o motivo da devolução, o que por si só, afasta a presunção de notificação ínsita no art.º 43.º do CPPT.
De salientar que o único elemento de prova da devolução da notificação, constante no PA apenso e elencado no ponto 18), é uma mera fotocópia da parte da frente do envelope que foi dirigido aos impugnantes, que contém a menção ao registo “RC373717135PT”, mas da qual não consta o motivo da devolução.
Não se tendo apurado se a carta foi devolvida por não ter sido levantada, ter sido recusada ou o destinatário estar ausente em parte incerta, não se presume a notificação dos impugnantes, ao abrigo do art.º 43.º do RCPIT.
Não obstante a disposição legal ínsita no n.º 2 do artigo 62º do RCPIT consagrar preferência pela notificação do relatório final de inspeção através de carta registada com aviso de receção, dever-se-á entender que a notificação pessoal do mesmo é permitida pelo legislador, atentas as necessidades práticas e de celeridade que se impõem ao procedimento de inspeção (nº1 do artigo 38º do RCPIT).
Assim, após a constatação que a notificação do relatório final de inspeção, efetuada através de carta registada, veio devolvida, cabia aos serviços da inspeção tributária proceder à notificação pessoal dos impugnantes, de acordo com o previsto no nº1 do artigo 38º do RCPIT.
Não há evidência nos autos que tal tenha sido feito.
Também não há evidência que os impugnantes tenham sido notificados no seu domicílio, através dos formalismos legais previstos para a citação com hora certa, nos termos do disposto no artigo 240.º, do Código de Processo Civil (CPC), vigente à data dos factos, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT.
Não existe nos autos qualquer elemento que ateste a válida notificação aos impugnantes do relatório final de inspeção, razão pela qual, foi o facto dado como não provado.
Ademais, em sede da diligência de inquirição de testemunhas, a Fazenda Pública providenciou pela junção de documentos, designadamente, para prova da notificação aos impugnantes do relatório final de inspeção tributária, juntando cópia do ofício de remessa e do talão de registo, mas, incompreensivelmente, nada juntou para prova da efetiva receção de tal documento.
Ou seja, em resumo, a sentença recorrida entendeu que, não se tendo apurado se a carta contendo o relatório final de inspecção foi devolvida por não ter sido levantada, ter sido recusada ou o destinatário estar ausente em parte incerta, não se presumia a notificação, ao abrigo do art.º 43.º do RCPIT, não tendo a AT, a quem competia a prova da notificação, juntado o verso da carta, contendo o motivo da devolução da mesma, não se podia considerar notificado o relatório de inspecção, o que inquinava a validade da liquidação dele resultante.

A FP, no seu recurso, como se viu, entende ter havido défice instrutório por parte do Tribunal, já que “tendo presente o teor do sobredito artigo 43.º do RCPIT, é inquestionável a relevância e, por isso, a utilidade da indagação sobre o motivo da devolução da carta ao remetente”, e que “atento o postulado do princípio do inquisitório e do irrenunciável dever de descoberta da verdade material que ao titular do processo incumbe prosseguir, deveria o Tribunal a quo, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurassem úteis à descoberta da verdade material, in casu, à descoberta do motivo da devolução.”, o que não aconteceu, “pelo que urge concluir que o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença encontra-se inquinado por défice instrutório existindo probabilidade da prova em falta demonstrar um cenário factual diferente, com repercussão no sentido da decisão da causa.”, “Pelo que a douta sentença recorrida não deverá manter-se na ordem jurídica, porquanto enferma de erro de julgamento em matéria de facto, materializado em evidente défice instrutório, em violação do disposto no artigo 13.º do CPPT.

Vejamos, pois.
No caso concreto está em causa a apreciação da validade da notificação do relatório final de inspecção tributária.
De acordo com o probatório (pontos 14. a 18.), tal relatório foi enviado, por carta registada, para o domicílio fiscal dos Impugnantes ora Recorridos, tendo tal correspondência sido devolvida ao remetente. Não foi apurado, contudo, o motivo da devolução uma vez que a FP apenas juntou aos autos a frente do envelope contendo a dita correspondência, da qual nada constava nessa matéria.
Tendo em conta o acto aqui em causa, são de aplicar as regras que regulam a notificação ao sujeito passivo do relatório final no procedimento de inspecção, pelo que a aludida notificação, nos termos dos arts. 38.º e 62.º n.º 2 do RCPIT, podia ter sido realizada, como foi, por carta registada, para o domicílio fiscal do sujeito passivo, o que, de resto, não é posto em causa.
Ora, como se viu, no caso, a carta enviada para o domicílio fiscal do sujeito passivo foi devolvida, nada se sabendo sobre o motivo da devolução.
Tenha-se presente que, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do RCPIT, na redacção vigente, “Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.
Face a esta inequívoca norma legal, a jurisprudência dos tribunais superiores tem reiteradamente afirmado que a notificação do relatório no procedimento de inspecção tributária encontra-se especialmente regulada no RCPIT e perante este diploma é irrelevante a devolução da carta registada em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, sempre que essa devolução haja ocorrido porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para reclamar a carta na estação dos correios, não o fez – neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 13/03/2013, no recurso nº 01394/12, de 28/01/2015, no recurso nº 0803/14, de 15/06/2016, no recurso nº 01863/13 e de 17/10/18, no recurso 347/10.8BEPRT 0615/17.
Como se deixou dito no acórdão proferido no recurso n.º 01394/12, “Assente que ficou que a notificação podia ser efectuada por carta registada, não faz sentido esgrimir com a devolução da carta em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, uma vez que essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada. Na verdade, o art.º 43º, nº 1, do RCPIT, diz: «Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.
(…)
Não há sequer, contrariamente ao que parece sustentar a Juíza do Tribunal a quo, que invocar aqui o disposto no nº 5 do art.º 39º do CPPT, pela simples razão de que, no que respeita à presunção de notificação no caso em que esta é a efectuar por carta registada, o RCPIT dispõe de norma própria, o que parece significar que o legislador quis optar por um regime diferente, porventura menos rigoroso, do que o estabelecido no CPPT para a generalidade dos actos em matéria tributária (lex specialis derrogat legi generali).
Nem se diga que o CPPT, porque é ulterior ao RCPIT, terá derrogado o regime neste previsto. Desde logo, porque art.º 7.º do CC dispõe, no seu n.º 3, que «[a] lei geral não derroga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador».
Depois, porque o RCPIT, após a entrada em vigor do CPPT, conheceu alterações e o art.º 43.º, n.º 1, do RCPIT, manteve-se inalterado.
Finalmente, porque está garantida ao destinatário a possibilidade de ilidir a presunção, afastando assim qualquer dúvida quanto à conformidade constitucional desta solução.” (recurso n.º 01394/12).

Acontece, porém, que, no caso, não estando demonstrado o motivo da devolução, também não está demonstrado que foi deixado o aviso ao destinatário.
Ou seja, tal como defende a FP, tendo em conta o teor da norma do art. 43.º do RCPIT, era essencial saber qual tinha sido o motivo da devolução para, do mesmo passo, saber se poderia ou não funcionar a presunção ali prevista.

A sentença recorrida entendeu que nem os serviços da inspecção tributária, nem a Fazenda Pública lograram demonstrar o motivo da devolução, o que, por si só, afastaria a presunção de notificação ínsita no art. 43.º do CPPT e que “a Fazenda Pública providenciou pela junção de documentos, designadamente, para prova da notificação aos impugnantes do relatório final de inspeção tributária, juntando cópia do ofício de remessa e do talão de registo, mas, incompreensivelmente, nada juntou para prova da efetiva receção de tal documento
Ou seja, entendeu, e bem, que o ónus da prova da notificação competia à FP, mas, esquecendo as normas dos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, que estabelecem o princípio do inquisitório e o dever de o tribunal “realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, perante a apresentação por parte da FP do talão do registo e da parte da frente do envelope, nada mais ordenou, sendo do conhecimento comum que, por norma, é no verso de tal envelope que é aposta a mensagem dos CTT contendo o motivo da devolução da correspondência.
E, portanto, apesar de o ónus da prova competir à FP, a verdade é que, perante os documentos por ela juntos, não esclarecedores, e sendo plausível, existindo a parte da frente do envelope, poder, também, existir o seu verso, sempre competeria ao Tribunal afastar tais dúvidas e ordenar a sua junção ou tentar obter a informação quanto ao motivo da devolução da correspondência através dos CTT.
Nada disso foi feito pelo Tribunal recorrido, que se limitou a constatar a falta desse elemento, concluindo pelo não funcionamento da presunção da notificação e, consequentemente, pela não prova da notificação do relatório final de inspecção, com reflexo na validade da liquidação dele resultante, tendo determinado a sua anulação, considerando prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos da impugnação.

Face a tudo o que vem dito, tem, pois, razão a Recorrente, havendo um evidente défice instrutório por parte do Tribunal a quo, procedendo, por isso, o seu recurso.
Nesta circunstância, há que ordenar a baixa dos autos para os fins apontados, ou seja, para que possam ser efectuadas as diligências pertinentes de molde ao esclarecimento dos motivos da devolução ao remetente da correspondência contendo o relatório de inspecção, os quais são essenciais para a boa decisão da causa, e, caso se justifique, apreciar os restantes fundamentos da impugnação, cujo conhecimento foi considerado prejudicado.

*****

III. DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em concedendo provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para que se proceda à sua instrução nos termos apontados e prolação de nova decisão.

Sem custas.


Registe e notifique

Lisboa, 11 de Julho de 2024


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[Teresa Costa Alemão]


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[Tânia Meireles da Cunha]



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[Rui A. S. Ferreira]