Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:761/09.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
PENHORA DE CRÉDITOS;
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário: I - A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução, cumprindo ao devedor declarar se o crédito existe (cfr. art. 856º, nºs 1 e 2 do CPC, atual art. 773º do CPC)
II - A notificação da penhora de crédito ao devedor deve identificar o valor do crédito, através da indicação exata do montante, indispensável para que a certidão da notificação possa assumir a natureza de título executivo, no caso de o devedor não efetuar o pagamento do crédito reconhecido.
III - Não tendo a Recorrente sido notificada do valor do crédito penhorado, para que pudesse reconhecer, negar ou configurar de maneira diferente a existência do crédito, não pode funcionar aqui a aceitação do crédito a que alude o n.º 4, do artigo 856.º do CPC (aplicável no caso).
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a A......................., Lda., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a oposição fiscal deduzida no processo de execução fiscal nº 2062200801002252 e apensos instaurado por dívidas relativas a IVA e coimas no montante de € 122.441,78.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“í. Foi incorretamente julgado o seguinte facto que consta da alínea D) do probatório:
Em Setembro de 2008, o balancete analítico acumulado da executada revelava que a oponente detinha créditos sobre a Executada, no valor de € 18,973,29”.

2. A sentença fundamentou a decisão no doc. 4 junto a fls. 95 a 99 dos autos, que deu por integralmente reproduzido, mas errou manifestamente, pois o que consta do balancete analítico é que a executada detinha créditos sobre a oponente no valor de € 18.973.29 e que a oponente detinha créditos sobre a executada no valor de € 180.009,70 conforme se pode constatar das contas 2111372 (4ª folha) e 2210015 (5ª folha), respetivamente.

3. Impõe-se que a alínea D) do probatório seja alterada e passe a constar que “Em Setembro de 2008, o balancete analítico acumulado da executada revelava que a executada detinha créditos sobre a oponente, no valor de € 18.973,29 e que a oponente detinha créditos sobre a Executada, no valor de 180.009,70

4. Deve ser ainda dado como provado, porque relevante para a decisão da causa, o seguinte facto:
Foi com base nas informações constantes deste balancete. recolhido pela inspeção, que a AT. procedeu à penhora de créditos alegadamente detidos pela executada sobre a recorrente.”
A prova deste facto resulta das passagens do depoimento da testemunha da Fazenda Pública E......................., chefe do SF de Rio Maior à data dos factos [00:47:30 a 01:11:10 — inicio e fim do depoimento] indicadas no corpo desta alegações e muito em especial da seguinte passagem:
EF- “eu tenho também uma aplicação informática que é o SIPA, na altura era o SIPA, em que o inspetor que faz a ação de inspeção recolhe os créditos dos clientes para essa aplicação. Portanto, os créditos apareciam no SIPA e depois também o relatório que foi entregue lá no serviço após uma fiscalização, eu quando quero penhorar créditos, eu peço os relatórios. Do relatório está lá um balancete analítico onde constava que a lbérica da Beira devia à ibérica…” (00:50:02 a 00:50:44).
Este facto resulta, ainda, da afirmação da Fazenda Pública constante do art. 16º da douta contestação.

5. A douta sentença errou também ao decidir que “não se provou que” “Em 12.03.2009, a Oponente tivesse um saldo credor sobre a Executada no valor de € 137.447,99”

6. Ao invés deve considerar-se provado que:
Em 12.02.2009, a oponente não era devedora da executada Aluflex, Ibérica, Tubos flexíveis e rígidos. Lda. e era credora da mesma no valor de 137.447,99 €.

A prova deste facto resulta do extrato de conta corrente de cliente da contabilidade da A..................., Lda, respeitante à ora oponente do qual consta um saldo de zero, resultando ao invés na contabilidade da ora oponente, o extrato de conta corrente que tem como cliente a sociedade A..................., Lda um saldo a favor da oponente de 137.447,99 €.
Estes documentos constam do processo, tendo sido juntos pela oponente no decorrer da audiência de inquirição de testemunhas e não foram impugnados pela Fazenda Pública e os mesmos mostram-se perfeitamente coerentes com os valores de dever/haver constantes do balancete apresentado pela Fazenda Pública com referência a Setembro de 2008, alguns meses antes. Todos os documentos apontam e patenteiam que era a oponente credora da A..................., Lda e não o contrário.
Esta ideia foi ainda confirmada, com toda a clareza, pelos depoimentos das testemunhas A...................[00:17:10 a 00:30:19] e José Henriques Gomes [00:36:27 a 00:37:41], funcionários da sociedade A..................., Lda [...],A primeira, entre outras declarações no mesmo sentido constantes do corpo da alegações referiu especificamente que:
AS- a A..................da beira não nos ficou a dever nada, mas nós ficámos a dever à beira. (24:16) í...) este extrato está a zeros. A a…. ibérica da beira não nos ficou a dever nada, mas nós ficámos a dever 137mil euros. (00:24:29 a 00:24:49)
A J…., por sua vez declarou:
- MANDATÁRIO DA RECORRENTE diga-me uma coisa. O que é que levava daqui? O que é que transportava? (00:37:00 a 00:37:03)
JHG- era tubos flexíveis. (00:37:04 a 00:37:05)
MANDATÁRIO DA RECORRENTE - tubos flexíveis. E o que é que trazia de lá? (00:37:07 a 00:37:09)
JHG - Tubo inox e acessórios. (00:37:09 a 00:37:11)
MANDATÁRIO DA RECORRENTE - E levava mais coisas daqui para lá ou de lá para cá? (00:37:12 a 00:37:15)
JHG- ao contrário. (00:37:16)
MANDATÁRIO DA RECORRENTE - de lá para cá? (00:37:17)
JHG - A nível de valores, portanto, o material de inox é muito mais caro. (...) mas apesar do carro ir pra cima carregado com tubos flexíveis...(00:37:18 a 00:37:26)
MANDATÁRIO DA RECORRENTE - então (...) trazia mais em volume e mais em valor lá de cima... (00:37.30 a 00:37:38)
JHG- Talvez mais em valor. (00:37:39)
Por sua vez, as duas testemunhas apresentadas pela Fazenda Pública nada afirmaram suscetível de pôr em causa os documentos constantes dos autos, bem como as afirmações das testemunhas apresentadas pela opoente e pelo contrário, o senhor Inspetor P..................., confrontado com os documentos terminou o seu depoimento a referir expressamente referindo- se à suposta dívida da recorrente para com a executada que “(02:25:16 a 02:25:25) “a única coisa que eu posso confirmar convosco, não havendo cheques, transferências para encontro de contas é que no dia 12.3.2009 não há divida.” (referindo-se ao extrato da executada, tendo como cliente a recorrente).

7. Caso assim se não entenda, com base nos mesmos depoimentos, deve ser dado como provado que a oponente nessa data não era devedora da executada.

MATÉRIA JURÍDICA E CONCLUSIVA

8. Não emerge de qualquer elemento probatório dos autos, que este hipotético crédito de 292.567,26 € da sociedade A………….., Lda, alguma vez tenha existido, o mesmo se diga de qualquer hipotético crédito no valor de 122.441,778 € nem a própria Representante da Fazenda Pública afirma que tais alegados créditos existam ou tenham existido e a própria sentença recorrida também não dá como provada a existência de tais créditos.

9. Da própria notificação de penhora dos créditos emerge a consciência da exequente da inexistência dos mesmos pois a mesma refere “o saldo credor da executada para com a vossa empresa à data da recepção da presente notificação ou outros que venham a surgir posteriormente”.

10. O que existiu foi apenas e tão só um crédito da sociedade A.................., Lda, no valor de 18.973,29 €, constante do balancete desta sociedade e que motivou a notificação da penhora de créditos à recorrente sendo que, no mesmo balancete constava simultaneamente um débito daquela sociedade para com a recorrente no valor de 180.009,70 €

11. É a própria Fazenda Pública que faz assentar no balancete em causa a existência do crédito e considera reconhecido por presunção o valor do mesmo constante (no valor de 18.973,29 € e não evidentemente no montante de €292.567,26).

12. A AT para um crédito de € 292.567,26 considera reconhecido por presunção o valor de 18.973,29 € (valor do crédito descrito no Balancete da Executada/devedora originária).

13. Na pior das hipóteses para a recorrente, face à própria posição da Fazenda Pública do alegado crédito de 292.567,26, apenas poderiam haver-se como reconhecidos 18.973,29 € a “ratear" pela quantia exequenda no presente processo e pelas quantias exequendas a que respeitam os processos de oposição n°s 610/09.0BELRA e 758/09.1BELRA, no valor de 97.302,73 € e 71.673,40 €, respetivamente, apresentados pela ora recorrente com idêntico fundamento ao dos presentes autos e que respeitam aos valores que perfazem a restante parte do alegado crédito penhorado no valor de € 292.567,26 e que correspondem aos processo executivos n°s 2062200701032950; 2062200801002252; 2061200801028685 e 2062200801046918, referidos na notificação de fls. 606, ofício n° 984, mencionado na al. H) do probatório.

14. Sem conceder, cabe ainda questionar-se à luz do caso concreto e considerando que a ATA ao efetuar a penhora não tinha elementos ao seu dispor que lhe permitissem crer na existência dum crédito a no valor de 292.597,26 € e fez assentar a sua penhora nos dados constantes do balancete analítico donde consta que a oponente era devedora da executada no valor de 18.973,29 € e credora no valor de 180.009,70 €, se será conforme à constituição a interpretação do art. 856º, n° 4 do CPC (art. 773º, n° 4 do atual CPC), implícita na decisão recorrida, segundo a qual o crédito se deva ter por reconhecido, apesar de na notificação da penhora do crédito resultar pressuposto que tal crédito no montante indicado não existe no momento da comunicação, embora possa a existir, no futuro, cabendo responder negativamente a esta interrogação uma vez que tal interpretações é contrária à Lei fundamental porquanto violaria, designadamente, o direito de propriedade privada previsto no art. 62º, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da proporcionalidade, constante do art. 18º, n° 2, e no art. 266º, n° 2, do mesmo diploma e, ainda os princípios da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, constantes deste preceito.

15. Numa interpretação conforme à constituição, o art. 856º, n° 4, do CPC deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento do crédito, na ausência de declaração do terceiro suposto devedor, só opera se o exequente tiver razões para crer que o crédito existe ou, pelo menos, que tal reconhecimento não opera se o mesmo tiver em seu poder elementos donde resulte, segundo o normal acontecer a inexistência do mesmo e ainda que, em caso algum opera se tiver sido efetuado não como crédito atual mas como crédito total ou parcialmente futuro pois ora, como escreve José Lebre de Freitas “A penhora pressupõe a existência do crédito e incide sobre ele, tal como existe.

16. A douta sentença recorrida errou quer de facto, quer de Direito tendo violado os arts 856º, n° 4, do CPC, na redação em vigor à data dos factos e ainda os arts. 18º, n° 2, 62º, n° 1 e 266º, n° 2 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição procedente por provada.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”
* *
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado conclusões nos seguintes termos:

“1. Na tese do Recorrente a decisão recorrida incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto assente como provada e do direito aplicado relativamente à interpretação da lei.

2. Porém, entende esta RFP não se verificar nenhum dos erros invocados, sendo de
justiça que o presente julgado NÃO PROVIDO, e consequentemente, mantida a douta sentença proferida na integra.

Vejamos:
Quanto às considerações preliminares ou introdutórias aludidas pela Recorrente
Antes de nos concentrarmos nas questões propriamente ditas, suscitadas pela Recorrente, impõe-se refutar os aspectos introdutórios pela mesma aludidos no presente recurso.
Assim,
3. Refere a Recorrente que o “hipotético crédito de 292.567,26 € da sociedade A.................., Lda.”, deve entender-se montante até ao qual se pretendia a penhora de créditos da sociedade A..................à sociedade A..................da Beira (doravante designadas desta forma para facilitação da sua nomeação e distrinça).

4. Conforme alegado no ponto 6. das alegações escritas da RFP, onde se pode ler: “Nos termos do artº 224 nº 1 do CPPT e artº 856 do CPC a A..................da Beira, foi notificada da penhora de créditos existentes a favor da Executada A.................., até ao montante de € 292.567,26”.(sublinhado nosso)

5. Donde, entenda-se, a referida notificação da penhora de créditos efectuada à Recorrente pela AT, reconduz-se ao total da dívida exequenda existente em nome da Executada perante a AT, até àquela data e demais que viessem a aparecer, até àquele montante.

6. Ressalva-se aqui que, qualquer crédito existente da Executada perante a Recorrente é indiferente e/ou irrelevante para a AT, porquanto o que está em causa é o saldo da cliente da Executada, ora Recorrente, que uma vez penhorado, tinha de ser entregue ao órgão de execução fiscal até ao referido montante, isto é, só interessa o saldo das contas 21 – contas de cliente – e já não, das contas de fornecedores.

Por outro lado,
7. Pese embora em termos executivos se presuma o reconhecimento do crédito da Recorrente perante a Executada ou a favor desta, nos termos do disposto no artº 123º do IRC, as sociedades comerciais são obrigadas a possuir contabilidade organizada e como tal, aquele valor constitui dívida real de uma empresa para a outra.

8. Relativamente ao ponto 5 da introdução da Recorrente cabe referir que: uma coisa é o reconhecimento da dívida da Recorrente perante a Executada e outra coisa é o valor em dívida da Executada perante a AT, porquanto não podem confundir-se.

9. Á AT não interessa o valor que a Executada tenha eventualmente em dívida perante a Recorrente, ou seja, mesmo por que, não tem de ter em consideração qualquer valor em dívida da Executada perante a Recorrente, já que lhe cabe apenas executar o valor do crédito penhorado à Recorrente, ao abrigo da presunção legal constatada perante a ausência de resposta ou silêncio desta quando notificada pela AT para vir reconhecer o referido crédito perante a Executada.

Feitas as devidas considerações sobre a introdução feita pela Recorrente passaremos de imediato à apreciação dos erros invocados pela Recorrente à da douta sentença.

a) Do erro de julgamento quanto à matéria de facto
10. Conforme resulta do teor das alegações de recurso e respectivas conclusões de recurso, a Recorrente imputa à decisão recorrida, erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada no ponto D. dos factos provados, e à matéria de facto dada como não provada.

11. Com efeito, e designadamente quanto à matéria de facto dada como não provada, refere a sentença recorrida o seguinte:
Não se provou que:
- Em.12.03.2009, a Oponente tivesse um saldo credor sobre a Executada no valor de € 137.447,99 (uma vez que os extractos de conta corrente, juntos a fls.6, 7 e 143 dos autos, bem como as facturas e as 2.as vias dos documentos de “recebimento”, juntos a fls.8 a 29 dos autos, que referem liquidações efectuadas por “encontro de contas” e cheques bancários, realizados já após citação da Executada, A………., no âmbito dos processos de execução fiscal e, à excepção de um, após a acção de inspecção, na qual foi apurado o crédito inscrito documento referido na alínea D. supra, desacompanhados de outros elementos de prova, designadamente cópias dos extractos bancários e dos cheques bancários, bem como o comprovativo do seu depósito na conta, não permitem demonstrar esse facto).»

12. Mais, ambos são documentos retirados da contabilidade da Executada., não tendo a Recorrente demonstrado o eventual encontro de contas que arguiu, designadamente através de prova documental capaz de demonstrar a existência desse encontro de contas com a Executada.

13. Ao documento apresentado em audiência de julgamento pela ora Recorrente, não foi anexado qualquer documento justificativo do saldo de € 137.447,99 e mesmo que tivesse sido apresentado, nunca poderia “mostrar-se perfeitamente coerente com os valores de dever/haver constantes do balancete apresentado pela Fazenda Pública”, já que, a Recorrente, era credora da Executada no montante de € 180.009,70 em Setembro de 2008.

14. Da prova testemunhal produzida pela Recorrente, concluiu, e bem, o douto Tribunal a quo não poder revelar mais do que o mero conhecimento comum das relações comerciais entre empresas (Recorrente e Executada), já que, do depoimento da testemunha A...................resultou inequívoco que apenas tinha conhecimento geral das relações comerciais entre a Recorrente e a Executada, desenvolvendo a actividade de operária na Executada até 1/1/2009, pois que a partir desta data foi transferida, à semelhança de seus colegas de trabalho, para a esfera jurídica da sociedade Recorrente.

15. Como aceitar a sua razão de ciência ao conhecimento da existência ou não de encontro de contas entre as referidas sociedades? Ou, Como pôde afirmar com toda a convicção que “a A..................da beira não nos ficou a dever nada” se já era funcionária de outra empresa? Como é que uma operária também podia trabalhar com facturação e, mais ainda, ter conhecimentos de contabilidade ao ponto de poder fazer a leitura e interpretação um Balancete Analítico ou bem assim, um Extracto de conta de cliente?

16. É clarividente o seu desconhecimento do que consiste um encontro de quando disse que “o verdadeiro encontro de contas era o valor que nós tínhamos que fazer … achar o valor de umas prás outras. Tem que haver facturas para abater este valor”, porquanto, se estamos a falar de encontro de contas o que está em causa são recibos e não facturas por um lado, e por outro lado, só um TOC teria razão de ciência para poder deduzir semelhante afirmação.

17. Donde, bem andou a douta sentença recorrida quanto ao juízo de valor e apreciação do depoimento prestado pela referida testemunha Aldina Santos, ao referir: “As testemunhas arroladas pela Oponente, A..................e José Gomes, operária fabril e motorista, respectivamente, que trabalharam para a Executada, não revelaram ter um conhecimento directo dos valores que se encontram inscritos na contabilidade da Oponente, e responderam aos factos que lhes foram perguntado em termos genéricos, não tendo os seus depoimentos permitido confirmar o facto alegado no artº 5º da p.i., com o esclarecimento constante da acta de inquirição de testemunhas.

Por outro lado,
18. Não pode dar-se como provado o facto pretendido pela ora Recorrente de:
“Em 12.02.2009, a oponente não era devedora da executada Aluflex, Ibérica, Tubos flexíveis e rígidos, Lda, e era credora da mesma no valor de 137.447,99 €”.

19. Em primeiro lugar, passaram cerca de 5 meses entre a produção de um e outro documento, aliás, certamente elaborado com o propósito de fazer crer na inexistência de qualquer dívida da Recorrente perante a Executada, olvidando que mesmo que assim fosse, tinha de o ter referido aquando da notificação para reconhecimento da dívida perante a Executada e qual o seu exacto valor, considerando-se penhorado quaisquer quantias até a montante de dívida exequenda titulada pela Executada nos autos.

20. Mais, da análise, ainda que célere, do extracto de clientes apresentado em audiência de julgamento pela Recorrente, resultou iniludível que o mesmo era ilustrativo de que em dívida à A..................estava, em 30/9/2008, o valor de € 24.555,52 e não € 18.973,29 como consta no Balancete Analítico entregue aos Serviços de Inspecção Tributária aquando da realização da acção inspectiva à contabilidade da referida sociedade.

21. Para haver encontro de contas tinha de haver na contabilidade da Recorrente um recibo de igual valor emitido pela Executada, donde sempre estariam inscritos os respectivos facturas e recibos de uma para a outra, no mesmo valor e data, o que não se verifica dos referidos elementos.

22. Daí entendermos inequívoca e irrefutável a falta de prova pela Oponente da existência de “encontro de contas” que a mesma não logrou demonstrar ter existido, por qualquer forma, entre as duas sociedades.

23. Efectivamente, ocorreu o reconhecimento tácito do crédito pela Recorrente A..................da Beira à Executada A.................., encontrando-se assim consolidado na ordem jurídica, a contar da data do seu reconhecimento tácito perante o órgão de execução fiscal.

24. Mesmo na hipótese de existência de dívida da Executada perante a Recorrente, tal não significaria que a Recorrente ficava desobrigada do pagamento dos valores em dívida, decorrentes dos créditos penhorados à Executada A...................

25. Tal-qualmente, se procedeu ao pagamento desse crédito directamente ao credor, também não se poderia considerar exonerada da dívida em que foi executada pela AT porquanto, quedou-se pelo silêncio à notificação da AT para reconhecer créditos a favor da A.................., mantendo-se a sua obrigação de entrega do valor correspondente a esse crédito à AT.

26. Assim, entendemos resultar inequívoco ter sido devidamente determinada a matéria de facto assente como provada e a matéria de facto dada como não provada, inexistindo o erro invocado pela Recorrente; carecendo de fundamento as alegações da Recorrente nesta parte, devendo, por isso, ser mantida a sentença produzida, julgando-se pelo NÃO PROVIMENTO do recurso nesta parte.

b) Do erro de julgamento quanto ao direito aplicado e sua interpretação

27. Assaca ainda a ora Recorrente, que a sentença sob censura incorre em erro de julgamento por incorrecta interpretação do nº 4 do artº 856º do CPC (na redacção em vigor à data da penhora – 12/2/2009), porquanto deveria ter tido em consideração o crédito de € 292.597,26 a favor da Recorrente por dívidas da Executada.

28. Dispõe o artº 224 nº 1 als.b) e d) do CPPT que a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal, observando-se o disposto no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações e que, deverão ter-se em consideração as seguintes regras: se o devedor não reconhecer a obrigação imediata de pagar ou não houver prazo para o pagamento “depositará o crédito em operações de tesouraria, à ordem do órgão de execução fiscal, no prazo de 30 dias a contar da penhora, e, se o não fizer, será executado pela importância respectiva, no próprio processo(cfr.al.b) art.cit); e, “será advertido na notificação de que não se exonera pagando directamente ao credor (cfr.al.d) art.cit). (sublinhado nosso) (Neste sentido, defende o Cons.Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, Ed.2007, II vol., pg.460)

29. In casu, pese embora a Recorrente não tivesse reconhecido expressamente o crédito existente perante a Executada, certo é, que a lei faz presumir a sua existência e reconhecimento a favor da Executada/devedora originária nos autos nestas precisas circunstâncias.

30. Ademais, sempre o facto de eventualmente ter existido encontro de contas entre as duas entidades, Executada e a ora Recorrente, e desta possuir crédito sobre aquela, redunda em situação completamente alheia à AT, quando o que está em causa é a penhora de créditos que a Executada detém ou detinha sobre a Recorrente à data do reconhecimento do crédito.

31. No mais referindo a sentença sob censura que: «No caso dos autos, como decorre da factualidade assente, a Oponente notificada da penhora de créditos efectuada pela AT, nada disse ou requereu (cfr.alíneas H. e I. dos factos provados).
(…)
… a Oponente não logrou provar que, em Março de 2009, tivesse um saldo credor sobre a Executada no valor de € 137.447,99 (cfr.matéria de facto não provada).»

32. Verificando-se assim que, tem necessariamente de decair a tese da Recorrente, quanto à eventual errada interpretação da lei efectuada pelo douto Tribunal a quo, quando de todo o exposto resulta em absoluto uma correcta interpretação da lei.

33. Logo, rebatidos que ficam os argumentos apresentados pela Recorrente, deverá o presente recurso ser julgado NÃO PROVIDO in totum.

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado não provido, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo, que nenhuma censura merece atento os elementos probatórios constantes dos autos.
Termos em que, V.Exas. farão a costumada JUSTIÇA!”.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo seja negado provimento ao recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado improcedente a oposição à execução fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com base na documentação junta aos autos, na posição assumida pelas partes e no depoimento das testemunhas inquiridas, consideram-se provados os seguintes factos:

A. Correm termos no Serviço de Finanças de Rio Maior, em nome de A..................–Tubos Flexíveis e Rígidos, Lda., os processos de execução fiscal n.º 2062200801002252 e apensos, provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e coimas, dos anos de 2004, 2006, 2007 e 2008, no valor total de € 122.441,78 (cfr informação a fls. 32 e certidões de dívida a fls. 33 a 38 dos autos);

B. A Executada foi citada no âmbito dos processos de execução fiscal referidos na alínea antecedente em 21.01.2008, 28.08.2008, 25.11.2008 e 17.12.2008 (cfr. fls. 43 a 53 dos autos, que se dão por reproduzidas);

C. A Executada/devedora originária não possui bens susceptíveis de penhora, tendo os veículos automóveis que possuía sido alienados à ora Oponente, A..................da Beira – Indústria de Tubos, Lda., e à A….., que pertence aos mesmos sócios daquela (depoimento da testemunha E..................; e quanto à segunda parte, depoimento das testemunhas A..................e J..................);

D. Em Setembro de 2008, o balancete analítico acumulado da Executada revelava que a Oponente detinha créditos sobre a Executada, no valor de € 18.973,29 (cfr. doc. 4 junto a fls. 95 a 99 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido);

E. O referido valor foi apurado durante uma acção de inspecção tributária realizada à Executada, tendo o inspector tributário procedido à inscrição do referido valor na aplicação informática SIPA – cfr. depoimento da testemunha E..................;

F. A Executada, num primeiro momento e até 02.02.2009, teve uma postura de colaboração, tendo apresentado as declarações de IVA em falta e procedido à respectiva regularização – cfr. fls. 83 dos autos e depoimento da testemunha P….;

G. A Executada e a Oponente têm como gerente B..................(cfr. certidões da Conservatória do Registo Comercial, a fls. 91 a 94 e 85 a
87 dos autos, respectivamente);

H. Através do ofício n.º 984, de 12.02.2009, recebido a 16.02.2009, a Oponente foi
notificada de que “(…) deve considerar penhorado à ordem do Chefe de Serviço de Finanças de Rio Maior, o saldo credor da executada para com a vossa empresa à data da recepção da presente notificação ou outros que venham a surgir posteriormente, penhora esta garantir dívidas de IVA e Coimas dos anos 2003 a 2008, em causa nos processos referidos em epígrafe, no montante total de 292.597,26 € (…).
Fica ainda advertida, que não ficará desobrigada pagando directamente à credora, e que, deverá informar este Serviço do valor do respectivo saldo penhorado, enviando cópia do extracto da respectiva conta corrente.
Mais fica notificada, que uma vez vencido o crédito penhorado, deverá efectuar o seu depósito em “Operações de Tesouraria” mediante guia que se junta em anexo.
Não sendo feitas declarações, apresentadas provas, ou efectuado o depósito, será essa sociedade executada, nos próprios autos, para arrematação daquele crédito e acrescido (artigo 854º do C.P.C.)” - cfr. fls. 54 a 56 dos autos, que se dão por reproduzidas;

I. Não tendo respondido ao ofício referido na alínea antecedente foi, por despacho, de 19.03.2009, da Chefe de Finanças de Rio Maior, determinado que a execução prosseguisse contra a Oponente, pelo valor em dívida nos autos à data da penhora, de € 122.441,78 (cfr. fls. 58 dos autos, que se dão por reproduzidas;

J. Através do ofício n.º 1817, de 19.03.2009, recebido a 24.03.2004, foi a Oponente citada, na qualidade de executada, pela importância de € 122.441,78, a que acrescem juros de mora até à data do pagamento – cfr. fls. 59 a 62 dos autos, que se dão por reproduzidas;

K. Em 24.04.2009, deu entrada no Serviço de Finanças de Rio Maior a presente oposição – cfr. fls. 3 dos autos.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
- Em 12.03.2009, a Oponente tivesse um saldo credor sobre a Executada no valor de € 137.447,99 (uma vez que os extractos de conta corrente, juntos a f ls. 6, 7 e 143 dos autos, bem como as facturas e as 2.as vias dos documentos de “recebimento”, juntos a f ls. 8 a 29 dos autos, que referem liquidações efectuadas por “encontro de contas” e cheques bancários, realizados já após citação da Executada, A.................., no âmbito dos processos de execução fiscal e, à excepção de um, após a acção de inspecção, na qual foi apurado o crédito inscrito documento referido na alínea D. supra, desacompanhados de outros elementos de prova, designadamente cópias dos extractos bancários e dos cheques bancários, bem como o comprovativo do seu depósito na conta, não permitem demonstrar esse facto).
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos não impugnados e do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.

As testemunhas arroladas pela Oponente, A..................e José J.................., operária fabril e motorista, respectivamente, que trabalharam para a Executada, não revelaram ter um conhecimento directo dos valores que se encontram inscritos na contabilidade da Oponente, e responderam aos factos que lhes foram perguntado em termos genéricos, não tendo os seus depoimentos permitido confirmar o facto alegado no art. 5.º da p.i., com o esclarecimento constante da acta de inquirição de testemunhas.
As testemunhas arroladas pelo ERFP demonstraram ter um conhecimento directo sobre os factos inquiridos, permitindo o seu depoimento dar por assente os factos constantes das alíneas C., E. e F. supra).”.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a presente oposição à execução fiscal nº 2062200801002252 e apensos tendo para o efeito vertido a seguinte fundamentação:
“(…) No caso dos autos, como decorre da factualidade assente, a Oponente notificada da penhora de créditos efectuada pela AT, nada disse ou requereu (cfr. alíneas H. e I. dos factos provados).
Nessa medida, a execução prosseguiu contra a Oponente, na qualidade de executada, como decorre do disposto nas citadas disposições legais.
Por outro lado, no âmbito da presente oposição, a Oponente não logrou provar que, em Março de 2009, tivesse um saldo credor sobre a Executada no valor de € 137.447,99 (cfr. matéria de facto não provada).
Em conformidade, improcede o alegado vício de ilegitimidade invocado pela Oponente.”.

Dissente do assim decidido veio a Oponente interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese que a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto bem como erro de julgamento de direito.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, concretamente, quanto aos factos que constam da alínea D) dos factos provados bem como o facto considerado como não provado, e, ainda que foi omitido facto relevante para a decisão da causa (cfr. 1 a 7 das conclusões das alegações de recurso).

Vejamos.

Para o efeito, importa verificar se a Recorrente cumpriu os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC, ao consagrar que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. O Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo e/ou gravação dos depoimentos nele realizados, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (vide neste sentido Acórdão do TCA Sul de 13/03/2012, processo n.º 05275/12).

No caso em apreço, as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente permitem concluir que foram integralmente cumpridos os ónus referidos nos artigos 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1, ambos do CPC.

Verifica-se que a Recorrente identificou concretamente os pontos de facto que considera erroneamente julgados, indicou os meios de prova que, na sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados e mencionou também o sentido da decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Conclui-se, assim, que as alegações de recurso apresentadas pela Recorrente respeitam as exigências dos artigos 639.º e 640.º do CPC, necessárias para que este Tribunal Central Administrativo Sul cumpra os poderes que lhe estão atribuídos pelo artigo 662.º do CPC.

Importa desde já salientar que seguiremos de perto o entendimento vertido no Acórdão proferido por este Tribunal em 24/02/2022 no processo nº 758/09.1BELRA em que as partes são as mesmas, e atenta a similitude das alegações, sendo certo que o processo 758/09.01BELRA era uma oposição à execução fiscal nº 2062200801028685 e os presentes autos constituem uma oposição à execução fiscal nº 2062200801002252 e apensos, pelo que, manifestando a nossa inteira concordância com o decidido, e tendo em vista o princípio da economia processual, nos limitamos a transcrever o que ali foi decidido, com as necessárias adaptações.

“A Recorrente sustenta em 1. das conclusões, que o facto que consta da alínea D) do probatório - “Em Setembro de 2008, o balancete analítico acumulado da executada revelava que a oponente detinha créditos sobre a Executada, no valor de € 18.973,29.” - foi incorretamente julgado.

Pretende que a alínea D) seja alterada passando a ter o seguinte teor:
Em Setembro de 2008, o balancete analítico acumulado da executada revelava que a executada detinha créditos sobre a oponente, no valor de € 18.973,29 e que a oponente detinha créditos sobre a Executada, no valor de € 180.009,70.”, assentando o seu pedido no teor do documento n.º 4 junto com a contestação (balancete analítico), indicado pelo tribunal recorrido para prova desse facto e que foi dado como reproduzido, referindo que a sentença errou manifestamente por esse facto não resultar do balancete analítico.

Analisado o documento n.º 4 junto com a contestação da Fazenda Pública (fls. 95 a 99 dos autos de suporte físico), constatamos que a razão está do lado da Recorrente.

Com efeito, consta do balancete analítico, tal como alegado pela Recorrente que a executada, “A..................., Lda.” detinha créditos sobre a ora Oponente, “A..................da Beira Indústria de Tubos, Lda.”, no valor de € 18.973,29, e não o contrário – cfr. Balancete, conta 2111371 (4.ª folha) e 2210014.

No mesmo balancete consta ainda que a Oponente detinha créditos sobre a executada no valor de € 180.009,70 – cfr. Balancete, contas 2210014 (5.ª folha).

Assim, é de deferir a pretendida alteração da alínea D) do probatório.

A Recorrente, por considerar que resulta do depoimento da testemunha E.................., pretende que seja aditado ao probatório o seguinte facto:
Foi com base nas informações constantes deste balancete, recolhido pela inspecção, que a AT, procedeu à penhora de créditos, alegadamente detidos pela executada sobre a recorrente.”

Ora, este facto já consta do probatório, embora com teor diferente, tendo para esse efeito sido considerado o depoimento da identificada testemunha (cfr. alínea E) dos factos dados como provados).

Porém, atenta a alteração da alínea D), importa adequar a redação da alínea E), no sentido de precisar a que valor se refere, isto é, o valor de crédito detido pela executada sobre a Oponente, pois, será apenas esse que tem relevância para a penhora de créditos realizada e que terá sido inscrito na aplicação informática SIPA.

“Por último, pretende a Recorrente que o facto dado como não provado seja eliminado e que seja dado como provado, o seguinte facto:
“Em 12.02.2009, a oponente não era devedora da executada Aluflex, Tubos flexíveis e rígidos, Lda., e era credora da mesma no valor de 137.447,99 €.”

Assenta o seu pedido em documentos juntos aos autos, com a petição inicial e aquando da inquirição de testemunhas, consubstanciados em extratos de conta corrente de cliente das contabilidades da executada “A..................., Lda.” e da Oponente, nos quais consta um saldo a favor da oponente de 137.447,99 €.

Lidos os referidos extratos verifica-se o seguinte:
- o extracto de conta de cliente da executada referente à oponente (cfr. doc. n.º 1 da p.i.) foi emitido em 25/02/2009, refere-se a transações ocorridas entre 28/01/2008 e 05/12/2008, indicando um saldo a favor da oponente de € 186.266,05 em 10/09/2008 (a operação seguinte foi registada no mês de Outubro), e de € 137.447,99 em 05/12/2008 (cfr. fls. 6 dos autos de suporte físico).
- o extrato de conta de cliente da oponente referente à sociedade executada, foi emitido em 12/03/2009, indica um saldo a favor da sociedade executada de € 24.555.52, em 30/09/2008, e de 0,00 € em 18/12/2008. (cfr. fls. 143 dos autos de suporte físico)
Analisados tais extratos em conjugação com o balancete analítico constata-se que de nenhum constam valores atualizados e contemporâneos da realização da penhora (12/02/2009), e os valores constantes dos extratos nas referidas datas não correspondem aos indicados no balancete analítico, considerando a data da emissão deste último.
Assim, para além das discrepâncias, tais extratos não são suficientes, nem idóneos para dar como provado que à data de 12/02/2009 a Oponente era credora da sociedade executada em € 137.447,99 e que não era devedora a esta de qualquer quantia.
O depoimento das testemunhas também por si só é imprestável para prova desta matéria, por lhe caber prova documental.
Em todo o caso, relembramos o que sobre o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente se escreveu na motivação da decisão da matéria de facto:
As testemunhas arroladas pela Oponente, A..................e José J.................., funcionários da Executada, não revelaram ter um conhecimento direto dos valores que se encontram inscritos na contabilidade da Oponente, e responderam aos factos que lhes foram perguntados em termos genéricos, e por isso, o Tribunal entendeu que os seus depoimentos também pouco aditaram.
Daqui resulta que o Tribunal a quo ponderou toda a prova produzida sobre os factos em causa, incluindo a prova testemunhal produzida pela Recorrente.
Nesta conformidade, mantém-se o facto dado como não provado.”,

Face ao exposto procede parcialmente o alegado erro de julgamento da matéria de facto.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, procede-se à alteração das alíneas D) e E) dos factos provados, que passam a ter a seguinte redação:

“D) Em Setembro de 2008, o balancete analítico acumulado da Executada revelava que a Oponente detinha créditos sobre a Executada, no valor de 180.009,70, e que a Executada detinha créditos sobre a Oponente de € 18.973,29 (cfr. Doc. n.º 4 junto com a contestação, fls. 95 a 99 dos autos de suporte físico).

E) Os valores referidos na alínea anterior foram apurados durante uma ação de inspeção tributária realizada à Executada, no suporte documental do balancete analítico acumulado de setembro de 2008, tendo o inspetor tributário procedido à inscrição do valor do crédito da Executada sobre a Oponente na aplicação informática SIPA - cfr. depoimento da testemunha E.................. e ponto 16º da contestação).

Estabilizada a matéria de facto vejamos o alegado erro de julgamento de direito.

Como afirmado supra, seguiremos a fundamentação vertida no Acórdão proferido no proc. 758/09.1BELRA em 24/02/2022, razão pela qual nos limitamos a reproduzir, com as necessárias adaptações, o que aí ficou dito, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil).

“A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida alegando que não emerge de qualquer elemento probatório dos autos, que este hipotético crédito de € 292.567,26 da sociedade executada alguma vez tenha existido, o mesmo se diga de qualquer hipotético crédito no valor de € 122.441.778, nem a Fazenda Pública afirma que tais alegados créditos existam ou tenham existido e a própria sentença recorrida também não dá como provada a existência de tais créditos.
Mais alegou que a própria notificação de penhora dos créditos emerge a consciência da exequente da inexistência dos mesmos, e o que existiu foi apenas um crédito da executada, no valor de € 18.973,29, constante do balancete desta sociedade e que motivou a notificação da penhora de créditos, sendo que a AT para um crédito de € 292.567,29, considera reconhecido por presunção o valor de € 18.973,29, constante do balancete, do qual consta que a Recorrente era credora da executada no valor de € 180.009,70, pelo que no caso concreto a AT no momento em que efectuou a penhora não tinha elementos ao seu dispor que lhe permitissem crer na existência do crédito.
Invocou ainda que numa interpretação conforme a constituição, o artigo 856.º, n.º 4 do CPC deve ser interpretado no sentido de que o reconhecimento do crédito, na ausência de declaração do terceiro suposto devedor, só opera se o exequente tiver razões para crer que o crédito existe, tendo a sentença recorrida violado a referida norma do CPC, na redacção em vigor à data dos factos e ainda os artigos 18.º, n.º 2, 62.º, n.º 1 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.”.

A sentença recorrida fundamentou a improcedência da oposição nos termos acima transcritos.

“A Recorrente é executada no processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos na sequência de penhora de créditos, ao abrigo dos artigos 224.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 856.º do Código Processo Civil (CPC).
Importa, antes de mais, relembrar o regime jurídico da penhora de créditos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 224.º do CPPT (na redacção introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12) que:
A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que todos os créditos do executado até ao valor da dívida exequenda e acrescido ficam à ordem do órgão da execução fiscal, observando-se o disposto no Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações (…).
Por sua vez, o artigo 856.º e segs. do CPC (na redacção aplicável) regula a penhora de direitos.
De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 856.º do CPC a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução, cumprindo ao devedor declarar se o crédito existe.
O n.º 4, do artigo 856.º do CPC dispunha «Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.»
E a alínea f) do n.º 1 do artigo 224.º do CPPT preceitua:
«Inexistindo o crédito ou sendo o seu valor insuficiente para garantir a dívida exequenda e acrescido, o órgão da execução fiscal pode notificar o devedor da penhora de créditos futuros até àquele valor, mantendo-se válida a notificação por período não superior a um ano, sem prejuízo da renovação.»
Dos artigos 224.º do CPPT e 856.º do CPC ressalta que a finalidade da execução é assegurada com a penhora do crédito, após o que tem lugar os actos tendentes à sua confirmação que, no âmbito da execução, se resumem à declaração do devedor, não afectando a legalidade da penhora a existência ou inexistência do crédito.
Significa que quando o terceiro devedor é notificado da penhora de créditos tem que tomar posição sobre esse concreto crédito, reconhecendo-o ou negando-o.
Para o efeito, a notificação da penhora de créditos tem que observar determinado conteúdo.
Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa, os requisitos da notificação são os seguintes:
«A notificação da penhora de crédito ao indigitado devedor deverá ser efectuada com:
- indicação do valor dos créditos do executado abrangidos pela penhora (que é o da dívida exequenda e acrescido) (corpo do n.° 1 deste art. 224.°) ;
- esclarecimento de que esses créditos ficam à ordem do órgão da execução fiscal, devendo as quantias correspondentes serem depositadas em operações de tesouraria, à ordem daquele órgão, no prazo de 30 dias a contar da penhora [corpo do n.° 1 deste art. 224 .° e sua alínea b)];
- indicação de que o devedor não se exonera pagando directamente ao credor [alínea d) do n.° 1 deste art. 224.°]
Todos estes requisitos são indispensáveis para que se considere efectuada a penhora, pela que a sua omissão não constituirá mera irregularidade processual sanável pelo decurso do tempo, tendo antes como efeito que não se considera a penhora como efectuada. O devedor do crédito penhorado não é parte, nem sequer interessado, no processo de execução fiscal, pelo que não podem fazer-se em relação a ele as exigências processuais que podem ser feitas a quem é parte no processo, designadamente diligenciar no sentido de arguir nulidades processuais no prazo legal, para evitar a sua sanação (art. 205.°, n.º 1, do CPC).
Assim, por exemplo, se o devedor a quem não foi feita a advertência de que não se exonera se pagar directamente ao credor vier a efectuar o pagamento a este, considerar-se-á desonerado da respectiva obrigação.» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª Edição, vol. 3, nota 2 ao artigo 224.º, pág. 616).
Na notificação da penhora de crédito ao devedor, o valor do crédito deve estar perfeitamente identificado, através da indicação exacta do montante, sendo também indispensável para que a certidão da notificação possa assumir a natureza de título executivo, no caso do devedor não efectuar o pagamento do crédito reconhecido (vide neste sentido ob cit. pág. 617)”.

No caso em apreço resultou da alínea H) do probatório e documento de fls. 54 a 56 dos autos de suporte físico, que a notificação da penhora à Oponente apenas refere que “(…) deve considerar penhorado à ordem do Chefe do Serviço de Finanças de Rio Maior, o saldo credor da executada para com a vossa empresa à data da receção da presente notificação (…).”

Daqui resulta que o crédito penhorado não foi identificado e individualizado, não bastando a referência genérica de “saldo credor da executada”.

“(…) Não tendo a Recorrente sido notificada do valor do crédito penhorado, para que pudesse reconhecer, negar ou configurar de maneira diferente a existência do crédito, não pode funcionar aqui a aceitação do crédito a que alude o n.º 4, do artigo 856.º do CPC.
Não só a Oponente não está obrigada a tomar posição sobre a existência do crédito, como também a notificação da penhora dos créditos dos autos não assume o papel de título executivo.
A falta de título executivo integra a nulidade insanável prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º do CPPT.
Sendo que as nulidades mencionadas no n.º 1, do artigo 165.º do CPPT são do conhecimento oficioso (cfr. n.º 4 da citada norma).
Prosseguindo.
Resultou provado, de acordo com a alínea I) do probatório, que o Chefe de Finanças de Rio Maior determinou a execução contra a aqui Recorrente pela importância de € 122.441,78.

O despacho que determinou a execução contra a Oponente esclarece que tal importância corresponde ao valor em dívida no processo de execução fiscal à data da penhora, no total de € 122.441,78, sendo € 98.346,11 referentes a quantia exequenda, € 23.094,02 a juros de mora e € 1.001,65 de custas. (cfr. fls. 57 e 58 dos autos de suporte físico).
Como se viu, a notificação de penhora de créditos não pode constituir título executivo, por a mesma não se mostrar regularmente realizada, faltando-lhe requisitos essenciais dos títulos executivos, pelo que carece de força executiva (cfr. artigo 163.º, n.º 1 e) do CPPT).
Porém, a execução fiscal prosseguiu contra a Oponente, como se viu, pelo valor em dívida na execução fiscal, considerando as certidões de dívidas, que constituem os títulos executivos, a partir das quais foi instaurada a execução fiscal contra a sociedade “A..................., Lda.” (cfr. alínea A) do probatório).
Assim sendo, tem que se dar razão à Recorrente.
A Recorrente não está identificada nas certidões de dívida, como devedora da quantia exequenda, pelo que não pode ser responsabilizada pelo pagamento da dívida exequenda, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
Nesta conformidade, tem que se entender que o despacho do Chefe do Serviço de Finanças que Rio Maior que determinou o chamamento à execução da Oponente foi proferido sem que existisse título adequado para o efeito. Pelo exposto, assiste razão à Recorrente, não podendo manter-se a sentença recorrida, impondo-se julgar extinta a execução por ilegitimidade, nos termos do disposto no artigo 204.º n.º 1 alínea b) do CPPT, o que implica a procedência do presente recurso e da oposição à execução fiscal, com a extinção da execução fiscal descrita nos autos contra a aqui Recorrente, ficando prejudicado o conhecimento da existência do direito de crédito da executada suscitado no âmbito do presente recurso.”.

Por tudo o que vem exposto e sem necessidade de mais considerações, concede-se provimento ao recurso e em consequência revoga-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a oposição à execução com a consequente extinção quanto à Recorrente do respetivo processo de execução fiscal.
* *
V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar procedente a oposição à execução.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias.
Lisboa, 26 de setembro de 2024
Luisa Soares
Isabel Vaz Fernandes
Lurdes Toscano