Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 444/10.0BECTB |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/26/2024 |
| Relator: | JORGE CORTÊS |
| Descritores: | AVALIAÇÃO INDIRECTA. OMISSÃO DE DILIGÊNCIA NECESSÁRIA À DESCOBERTA DA REALIDADE DO RENDIMENTO. |
| Sumário: | I. O preenchimento dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável não dispensa a Administração Tributária do dever de esclarecer e precisar os factos que relevam para a quantificação da matéria colectável em causa. II. Para o efeito, é admissível o recurso a todos os meios de prova, bem como a todas as providências de prova, admitidos em Direito. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- Relatório L......... P............. M............, Lda., deduziu impugnação judicial peticionando a anulação do acto liquidação adicional de IRC com o n.º ………………….803, emitido na sequência do acto inspectivo a que foi sujeita, por referência ao ano de 2007, após a Administração Tributária (AT) ter feito correcções à matéria colectável com recurso a métodos indirectos, do qual resultou a pagar a quantia de €30.826,60. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por sentença proferida em 15/03/2021, e incorporada a fls. 354 e ss. (sitaf), julgou a impugnação procedente e, em consequência, anulou a liquidação sindicada. Desta sentença foi interposto o presente recurso, com ampliação da matéria de facto (cfr. artigo 636.º, n.°1 do CPC), em cuja alegação, inserta a fls. 401 e ss. (sitaf), a recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes (que vão por nós numeradas):” 1. (…) 2. A discordância da Fazenda Pública centraliza-se no último segmento da douta decisão sob recurso, mais concretamente o segmento que surge identificado como “iv) preterição de diligências necessárias à descoberta da verdade material”, no âmbito do qual o Tribunal a quo concluiu “que nas circunstâncias do caso concreto, seria exigível à AT realizar as diligências necessárias com vista à descoberta da verdade material, pelo que, não o tendo feito, o ato de liquidação incorre em vício de forma por preterição de formalidade essencial, com fundamento na violação do princípio do inquisitório e da verdade material, determinante da sua anulação. (…)” (nosso destacado). 3. Pese embora o respeito, que é muito, pela douta decisão recorrida, a Fazenda Púbica não se pode conformar com a mesma, por entender que padece de vícios que impedem a sua manutenção no ordenamento jurídico, como sejam: erro de julgamento, resultante de incongruências patentes na decisão sob recurso, da incorreta apreciação da factualidade controvertida e valoração da prova produzida e também da errónea interpretação e aplicação da lei; violação de lei, consubstanciado na inversão das regras do ónus da prova do nº 3 do artigo art. 74º da LGT e violação do principio da igualdade de armas/igualdade das partes, a que se reporta o artigo 20º da CRP; 4. A factualidade que permitiu ao Tribunal a quo concluir pela legalidade da aplicação de métodos indiretos para apuramento da matéria tributável da impugnante, repercutiu-se diretamente na adoção do critério de quantificação, motivo pelo qual, a mesma não poderia ter sido ignorada pelo Tribunal a quo, sob pena de a douta decisão sob recurso revelar incoerências que comprometem a sua manutenção na ordem jurídica. 5. Alegou a impugnante que a AT não poderia ter recorrido aos métodos indiretos, uma vez que não demonstrou quais as razões da existência dos referidos prejuízos fiscais, tendo o Tribunal “a quo” entendido, e bem, que tal demonstração era da responsabilidade da impugnante a quem caberia alegar e demonstrar factualidade que permitisse concluir que os prejuízos fiscais declarados na contabilidade correspondiam à realidade. 6. Mais entendeu o Tribunal a quo que no caso concreto dos autos, a impugnante não alegou, nem demonstrou, qualquer factualidade concreta que, em termos de causalidade adequada, permitisse justificar a acumulação de prejuízos fiscais consecutivos em período superior a 3 anos, sendo de salientar que a existência de queijo deteriorado produzido entre os anos de 2000 a 2003 [cf. alíneas S), T) U) e X) do probatório] não é idónea a justificar os prejuízos declarados nos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007. 7. Pugnando a impugnante pela existência de uma relação direta e causal entre a existência dos prejuízos fiscais que declarou ao longo dos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007 e as 40 toneladas de queijo deteriorado que refere ter acumulado desde, pelo menos o exercício de 2000 (data em que a impugnante alega que o leite que lhe era fornecido pela empresa Recoleite começou a perder qualidade e conduziu à produção de queijo impróprio para consumo que não vendeu) que segundo a impugnante provocaram a inflação do inventário de existências, então, tendo o Tribunal a quo decidido - e bem- que era sobre a impugnante que recaia a apresentação de provas concretas que justificassem os referidos prejuízos, por coerência de raciocínio, o Tribunal a quo teria de concluir que era sobre a impugnante que recaia o ónus probatório de demonstrar o eventual excesso de quantificação da matéria tributável. 8. Se a impugnante alega que existe uma relação de causalidade entre os prejuízos declarados e o queijo deteriorado que terá inflacionado o inventário de existências, não faz qualquer sentido afirmar que a recorrente deve fazer prova dos prejuízos, mas não lhe cabe fazer prova do excesso de quantificação da matéria tributável. 9. Ao ter desvalorizado os factos que levou ao probatório - e dos quais se socorreu para fundamentar a decisão da improcedência do alegado vicio de erro nos pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos - o Tribunal “a quo” revela um raciocínio contraditório que inevitavelmente o impediu de decidir em sentido diferente daquele que decidiu, inquinando a douta decisão de erro de julgamento por errada apreciação dos factos controvertidos e das provas produzidas. 10. A realidade dos presentes autos, bem patente na factualidade assente no probatório, é reveladora de que a impugnante nunca trouxe aos autos quaisquer evidências probatórias que demonstrassem, de forma clara e objetiva, de que forma é que aquelas 40 toneladas de queijo deteriorado, se repercutiram no inventário de 2007, bem como nunca demonstrou quais os reais custos que teve de suportar para conservar em armazém refrigerado para o efeito, as alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado em adiantado estado de putrefação (vide pedido de revisão, a que alude a alínea K) do probatório). 11. Veja-se que estamos perante elementos probatórios na disponibilidade total da impugnante, que apenas teriam de ser por ela reunidos e entregues perante a AT ou perante o Tribunal “a quo” para que assim se pudesse concluir pela veracidade e credibilidade da tese apresentada pela impugnante, ou seja, para que assim se pudesse apurar quais as verdadeiras existências que a impugnante possuía no exercício de 2007 e o seu real valor, e subsequentemente verificar se o critério adotado pela AT era ou não adequado e se conduziu ou não a uma quantificação errada ou excessiva. 12. Todavia, nem em sede de procedimento inspetivo, nem no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, nem em sede de produção de prova testemunhal, a impugnante logrou demonstrar qual era a valorização das referidas 40 toneladas de queijo deteriorado. 13. E não se diga que tal prova se afigurava de difícil concretização para impugnante, como é defendido pelo Tribunal a quo pois a impugnante, melhor do que ninguém conhece os meandros da sua atividade, detendo o conhecimento integral de todas as eventuais vicissitudes que possam ocorrer no desenrolar da mesma, possuindo, melhor do que ninguém, a capacidade de provar e quantificar o impacto das mesmas quer ao nível das suas existências, quer ao nível dos resultados de cada exercício. 14. A propósito da alegada influência das 40 toneladas de queijo deteriorado no valor do inventário de 2007 e sua repercussão na quantificação a que chegou a AT, assume particular relevância probatória– que foi totalmente ignorada pelo Tribunal a quo – o depoimento da testemunha L …………………… que, entre o mais, referiu que “um dos pontos de análise foram as existências dos produtos acabados que existiam e nada na contabilidade permitia verificar se os produtos estavam deteriorados. Não estava refletido na contabilidade a eventual existência de queijo deteriorado” – vide gravação da prova testemunhal do minuto 1:28:53 ao minuto 1:30:18. 15. Mais referiu esta testemunha que “se houvesse queijo deteriorado, se houvesse uma quebra, teria de haver uma regularização aos inventários, ou seja, esse valor teria de ser retirado dos inventários: contabilisticamente tinha de ser tratado como uma perda que existiu em anos anteriores; nos exercícios de 2007/2008 já não seria possível” - – vide gravação da prova testemunhal do minuto 1:30:51 ao minuto 1:31:22. 16. Continuou esta testemunha a referir que “ na descrição dos inventários o que aparecia era a identificação de queijo de vaca, queijo de ovelha …se dos inventários constasse algum queijo deteriorado, deveria dizer pelo menos queijo deteriorado de vaca, ou então separadamente, primeiro aparecia os inventários com o queijo bom e depois poderia aparecer com outro código, com outra referência o queijo que existiria deteriorado (…) as perdas de anos anteriores podem refletir-se nos anos seguintes mas não se refletem nos resultados, pois estes são fechados, dizem respeito a cada ano e a análise que estava a ser feita era de dois anos fechados, tendo a inspeção partido com os dados que estavam na contabilidade”. vide gravação da prova testemunhal do minuto 1:31:09 ao minuto 1:33:59 17. A impugnante quer em sede de procedimento de revisão da matéria tributável – vide alíneas L), M), N), O) e P) do probatório - quer em sede de produção de prova testemunhal- vide alínea Y do probatório, procurou defender a tese segundo a qual manteve as 40 toneladas de queijo armazenadas para poder fazer prova no âmbito de um processo judicial que tinha pendente com a empresa R………. (da qual fazia também parte). 18. Todavia, esta tese é destituída de credibilidade, porquanto, as evidências probatórias constantes dos autos, designadamente, a sentença que foi junta pelo perito da impugnante no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, revela que a mesma foi proferida em 18.05.2007, motivo pelo qual a partir desta data deixou de se verificar a causa impeditiva da destruição do queijo deteriorado e do respetivo tratamento contabilístico, designadamente, ao nível dos inventários de 2007 e 2008 e da quantificação dos custos inerentes a esta situação – vide alíneas M), N), O) e P) relativas às reuniões da Comissão de peritos no âmbito do procedimento de revisão e onde são efetuadas referencias à sentença em apreço. 19. Apesar de já não necessitar de conservar o queijo deteriorado para efeitos probatórios no referido processo judicial, a verdade é que a impugnante manteve armazenado o queijo deteriorado, pelo menos até abril de 2010, sem, no entanto, refletir tal realidade na sua contabilidade e sem apresentar quaisquer explicações plausíveis para esse facto - vide alíneas S), T), e U) do probatório. 20. E quanto aos factos constantes das alíneas S), T), e U) do probatório, os mesmos evidenciam que durante o mês de março e abril de 2010, a impugnante terá enviado para o aterro de resíduos não perigosos de Castrelo Branco, 26.940 Kgs. de queijo impróprio para consumo, ficando sem se saber o que aconteceu aos restantes 13060 Kgs do alegado queijo deteriorado (40000 Kgs (que a impugnante referiu que tinha em armazém) – 26940 Kgs (que terá enviado para o aterro) = 13060 Kgs). 21. Significa isto, que aquando da realização do procedimento inspetivo, que se verificou em 23.07.2009, a alegada necessidade de armazenamento para efeitos probatórios naquele processo judicial já não subsistia. No entanto, a impugnante continuou a alegar que o armazenamento do queijo deteriorado visava a produção de prova no referido processo judicial…teoria que manifestamente falta à verdade dos factos. 22. Tal como resulta das alíneas L), M), N), O) e P), no âmbito do pedido de revisão da matéria tributável, a impugnante alegou, entre o mais, que as 40 toneladas de queijo deteriorado que foi acumulando, e que no seu entendimento, influenciaram o inventário de existências, foi devido à necessidade de proceder à realização de uma peritagem destinada a apresentar em Tribunal. 23. Todavia, cumpre referir que a impugnante nunca apresentou nos presentes autos quaisquer evidencias probatórias que demonstrassem a existência da referida peritagem, nem a sentença que foi proferida em 18.05.2007 e foi junta pelo perito da impugnante ao procedimento de revisão faz qualquer referência a qualquer peritagem e aos resultados da mesma – vide alíneas L), M), N), O) e P) do probatório. 24. De forma plenamente consciente a impugnante tomou a decisão de não refletir na sua contabilidade os custos decorrentes da manutenção do queijo deteriorado nas suas instalações, pois não queria agravar prejuízos que poderiam colocá-la em dificuldades na obtenção de financiamentos, todavia, arroga-se o direito de exigir da AT, a realização de diligências que demonstrem a existência das 40 toneladas de queijo deteriorado que vinha acumulando desde 2000 e que a AT quantifique os custos associados a este facto, fazendo repercutir tais evidências nos seus inventários e a seguir efetuando a quantificação da matéria tributável. 25. Em bom rigor, a AT iria substituir a impugnante no cumprimento das suas obrigações tributárias, designadamente, fazendo constar da contabilidade todos os factos fiscalmente relevantes, in casu, as alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado e os custos associados às mesmas, mas note-se só para efeitos do procedimento de inspeção tributária, uma vez que, conforme foi referido pelo perito da impugnante na reunião de 12.02.2010, a impugnante, por opção não quis refletir na sua contabilidade as 40 toneladas de queijo deteriorado para não dificultar o seu financiamento – vide alínea L) do probatório. 26. Ora, esta atuação da impugnante, porque intencional e consciente tem necessariamente de acarretar consequências para a sua esfera jurídica, não podendo o julgador premiar tais condutas, sob pena de incentivar a sua continuidade por parte da impugnante e constituir uma verdadeira injustiça para todos os contribuintes que são cumpridores das suas obrigações contabilísticas e fiscais 27. Conforme resulta das alíneas N) e O) do probatório, na reunião de 18.02.2020, o perito da impugnante juntou ao procedimento de revisão da matéria tributável uma cópia da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Pinhel e em 22.02.2010, voltaram os peritos a reunir-se, tendo ficado consignado em ata o seguinte: “(…) Questionado pela apresentação ou não da proposta que demonstre o excesso de quantificação, o perito do contribuinte informa que não o pretende fazer, uma vez que pretende discutir esta matéria em Tribunal. 28. Pese embora as diversas oportunidades que teve, quer durante o procedimento inspetivo, quer durante o procedimento de revisão da matéria tributável, para apresentar elementos probatórios que demonstrassem, de forma inequívoca a existência das 40 toneladas de queijo deteriorado, a valorização/quantificação das mesmas, o impacto dessa quantificação no inventário de 2007 e os custos associados à manutenção daquela quantidade de queijo deteriorado nos seus armazéns (em arcas/camaras de refrigeração) a verdade é que a impugnante a única prova que logrou apresentar foi a cópia de uma sentença, proferida no âmbito de um processo judicial que tinha com a empresa R............, datada de 18.05.2007, sendo certo que tal sentença nada provou quanto à existência das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado e nada provou quanto à valorização que tal quantidade de queijo teria, qual o impacto de tal valorização no valor do inventário de 2007 e quais os custos associados à manutenção de tal quantidade de queijo deteriorado nas suas instalações durante tantos anos ( pelo menos desde 2000, data em que a impugnante alega que começou a acumular queijo deteriorado até pelo menos 23.07.2009, data em que decorreu o procedimento inspetivo) - vide alíneas L), M), N), O), e P) do probatório. 29. A impugnante limitou-se a apresentar uma sentença cujo teor sobejamente conhecia – pois a mesma era datada de maio de 2007 e o procedimento inspetivo realizou-se em 23.07.2009 – estando por isso consciente que a mesma não teria qualquer impacto na apreciação da quantificação da matéria tributável efetuada pela AT, uma vez que era totalmente omissa quanto à alegada existência das 40 toneladas de queijo deteriorado e bem assim quanto à valorização desta quantidade de queijo, seu impacto no inventário de 2007 e respetivos custos de manutenção nas instalações da impugnante durante tantos anos. 30. Note-se que o perito da impugnante no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, mais concretamente na reunião que se realizou em 22.02.2010, quando questionado pela apresentação ou não da proposta que demonstrasse o excesso de quantificação, referiu que não o faria, uma vez que pretende discutir esta matéria em Tribunal – vide alínea O) do probatório. 31. Sucede que no âmbito da PI que apresentou, a impugnante também não logrou demonstrar o eventual excesso da quantificação da matéria tributável, porquanto, mais uma vez, a impugnante não trouxe aos autos quaisquer evidências probatórias que demonstrassem de forma clara e objetiva, qual a valorização das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado, qual o impacto que essa valorização teria no inventário de 2007 e quais os custos que a impugnante teve de suportar para manter nas suas instalações aquela quantidade de queijo deteriorado. 32. Note-se que das alíneas S), T) e U) do probatório, resultou provado que a impugnante entre março e abril de 2010, remeteu para o aterro de resíduos não perigosos de Castelo Branco, 26.940 Kgs de queijo impróprio para consumo, sendo certo que os restantes 13060 Kgs. que faltam para perfazer as alegadas 40 toneladas, não se sabe qual foi o destino das mesmas ou se sequer existiriam, uma vez que nada resultou provado - vide alíneas S), T), U), X) e Y) do probatório. 33. No caso concreto dos presentes autos, o Tribunal a quo sob a égide do principio do inquisitório e da verdade material inverteu o ónus da prova previsto no nº 3 do artigo 74.º da LGT e concluiu que no caso concreto dos presentes autos era exigível que a AT realizasse as diligências necessárias com vista à descoberta da verdade material e que não o tendo feito, o ato de liquidação incorre em vício de forma por preterição de formalidade essencial, com fundamento na violação do principio do inquisitório e da verdade material, tendo determinada a sua anulação. 34. Salvo o devido respeito, a decisão sob recurso padece de vicio de violação de lei, por inversão das regras do ónus da prova do nº 3 do artigo art. 74º da LGT. 35. Com efeito, dispõe o nº 3 do artigo 74º da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação” (nosso destacado). 36. Atento o disposto nesta norma, entende a Fazenda Pública que nas circunstâncias concretas dos presentes autos, face à globalidade da prova que foi produzida e que foi levada ao probatório, a impugnante não logrou apresentar provas que fossem adequadas e suficientes para abalar ou pôr em causa o racionalmente justificado critério de quantificação da matéria coletável aplicado pela AT. 37. Com efeito, “de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indiretos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74°, n.° 3, da LGT)”, vide Acórdão do STA de 16-11- 2011, recurso 0247/11. 38. Ora, a prova que foi produzida nos presentes autos, que se encontra evidenciada nas diversas alíneas do probatório, não demonstram, em concreto a inadequação ou errada aplicação do critério utilizado pela AT, porquanto, nunca a impugnante demonstrou qual a valorização que seria atribuída às alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado, qual seria o impacto dessa valorização no inventário de 2007, quais os custos que suportou com o armazenamento dessa quantidade de queijo deteriorado nas suas instalações. 39. Sublinhe-se que no caso concreto dos presentes autos, bastou à impugnante alegar que a inspeção se recusou a verificar a existência de queijo deteriorado para que o Tribunal a quo entendesse que a AT, se escudou nas regras do ónus da prova, não realizou as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, que violou o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material. 40. O Tribunal a quo mercê de uma errónea interpretação e valorização da factualidade que fez constar do probatório, acabou por efetuar uma errónea interpretação e aplicação do nº3 do artigo 74º da LGT, que culminou numa verdadeira inversão do ónus da prova, repercutindo-se de forma decisiva no sentido da decisão sob recurso. 41. Nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC e art. 417.º, n.º 2 do CPC, a inversão do ónus da prova apresenta-se como uma sanção à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do citado art. 417.º, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte recusante podia e devia agir de outro modo. 42. Sucede que no caso concreto dos autos, contrariamente ao entendimento que foi preconizado pelo Tribunal “a quo” a impugnante tinha na sua total disponibilidade os meios para poder fazer prova em Tribunal do eventual excesso de quantificação da matéria tributável. Vejamos: 43. Conforme consta das alíneas H), K), L), M), N), O) e P) a impugnante nunca refletiu na sua contabilidade, nem nos seus inventários a existência das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado que segundo a mesma, vinha acumulando desde 2000, altura em que a empresa R............ terá fornecido leite cuja qualidade se foi degradando até ao ano de 2003 (vide também alíneas W) e X) do probatório). 44. No pedido de revisão da matéria tributável que a impugnante apresentou perante a AT, referiu que as 40 toneladas de queijo impróprio para consumo que foi acumulando, foram armazenadas e conservadas em armazém especialmente refrigerado para o efeito, até que se efetuasse uma peritagem destinada a apresentar no âmbito de um processo judicial que tinha intentado contra a empresa R............ – vide alínea K) do probatório. 45. Note-se que quando a impugnante apresentou o pedido de revisão, já tinha sido proferida a sentença no processo judicial que tinha intentando contra a empresa R............, a qual foi junta pelo perito da impugnante em 18.02.2020, sendo certo que a sentença foi proferida em 18.05.2007 – vide alínea L), M), N), O) e P) do probatório. 46. Posteriormente o perito da impugnante no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, referiu que “a não revelação contabilística do queijo deteriorado foi uma opção da empresa, isto porque o registo na contabilidade iria agravar os prejuízos e colocaria a empresa em dificuldades adicionais na obtenção de financiamento” – vide alínea L) do probatório. 47. Quer no âmbito do procedimento inspetivo, quer no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, a impugnante limitou-se a apresentar justificações que para além de se revelarem inócuas para a prova do eventual excesso de quantificação da matéria tributável, demonstraram, à saciedade, que a impugnante faltou descaradamente à verdade dos factos, porquanto, a alegada necessidade de armazenamento do queijo deteriorado para efeitos probatórios fica completamente descredibilizada pela sentença proferida em 18.05.2007, a qual não evidência qualquer peritagem, nem tampouco ali é feita qualquer referência à existência das referidas 40 toneladas de queijo deteriorado, nem ao impacto da valorização deste facto nos inventários da impugnante, nem aos custos associados ao armazenamento das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado durante tantos anos (pelo menos durante 2000 a 18.05.2007, data da referida sentença). 48. Mas para além da impugnante no âmbito do procedimento inspetivo e no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável não ter efetuado qualquer esforço probatório no sentido de demonstrar o eventual excesso de quantificação da matéria tributável, ficando-se pelas meras alegações e “empurrando” para a AT o ónus probatório que sobre ela recaia, também no âmbito da PI, a impugnante seguiu a mesma estratégia: limitou-se a discordar do critério e da quantificação da matéria tributável efetuada pela AT, sem nunca ter apresentado qualquer alternativa de quantificação que se revelasse, de forma clara e inequívoca mais adequada e próxima à sua verdadeira situação tributária. 49. O Tribunal a quo efetuou uma errada interpretação e valoração da prova produzida nos presentes autos, refletida nas várias alíneas do probatório, que conduziu a uma errónea aplicação da lei, com inevitáveis repercussões no sentido da decisão sob recurso. 50. A impugnante, melhor do que ninguém estava em condições de fornecer à AT ou ao Tribunal “a quo” os elementos que evidenciassem a valorização das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado e o impacto de tal valorização no seu inventário de existências, assim como os custos que teve de suportar para conservar em armazém especialmente refrigerado para o efeito (conforme é referido pela impugnante no pedido de revisão e consta da alínea K) do probatório) as referidas 40 toneladas de queijo deteriorado. Todavia, a impugnante não apresentou quaisquer elementos concretos que demonstrassem de forma inequívoca o eventual excesso de quantificação. 51. Mas as diligências probatórias que estavam ao total alcance e disponibilidade da impugnante para provar o eventual excesso de quantificação não ficam por ali, porquanto, estando legalmente vinculada ao cumprimento do ónus probatório previsto no nº 3 do artigo 74º da LGT, poderia ter acionado os mecanismos que o quadro legal lhe faculta, como seja, a realização de uma perícia singular ou colegial, para assim, provar, não apenas o eventual excesso de quantificação da matéria tributável, mas também demonstrar a sua real situação tributária – vide artigos 116º do CPPT e artigos 467 e segs. do CPC. 52. Sucede, que no caso concreto, a impugnante não apresentou evidências concretas que fossem suscetíveis de descredibilizar o critério adotado pela AT e provar o eventual excesso de quantificação, ficando-se pela lacónica e cómoda alegação de que a AT não realizou as necessárias diligências de prova para a descoberta da verdade material, que no seu entendimento passariam por uma vistoria aos armazéns onde tinha o queijo deteriorado. 53. Mas ainda que por hipótese se equacionasse a realização da referida vistoria, continuava a AT sem saber qual era a valorização das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado, qual era o impacto dessa valorização no inventário da impugnante e quais os custos associados à conservação/manutenção de tais quantidades de queijo durante tantos anos. Ou seja, a realização da vistoria não teria qualquer utilidade ou impacto nas conclusões constantes do RIT, mormente no que se reporta ao critério adotado para a quantificação da matéria tributável. 54. Pese embora a AT deva nortear a sua atuação pela observância do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, a verdade é que não pode nem deve substituir-se à impugnante realizando a prova que que legalmente lhe cabia produzir, tanto mais, quando os meios probatórios estão ao total alcance da impugnante. 55. Face à diversidade de meios probatórios que estavam ao total alcance da impugnante para provar o eventual excesso de quantificação, não poderia o Tribunal a quo sob a égide do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, inverter o ónus da prova previsto no nº 3 do artigo 74º da LGT, pois ao seguir este raciocínio acabou por desvirtuou a ratio legis desta norma e decidir em sentido diverso daquele que resulta efetivamente da prova produzida e do quadro legal aplicável. 56. A inversão do ónus da prova, a que alude o nº 3 do artigo 74º da LGT, sem que no caso concreto estivessem reunidas as condições legais que a justifiquem (vide nº 2 do artigo 344.ºdo CC) inquina a decisão sob recurso de vicio de violação de lei, que impede a sua manutenção na ordem jurídica e impõe a sua necessária revogação. 57. A descoberta da verdade material é transversal a todos os intervenientes processuais, não sendo um dever exclusivo da AT. Quer isto dizer, que não é apenas sobre a AT que recai o dever de efetuar todas as diligências para chegar à verdade material, mas sim sobre todas as partes processuais, in casu, sobre a impugnante. 58. Impondo o nº 3 do artigo 74º da LGT que é sobre o sujeito passivo que recai o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação e não tendo a impugnante efetuado tal prova, sendo certo que tinha ao seu total alcance, as condições e os meios para a poder produzir, impõe-se concluir que a impugnante violou o principio da descoberta da verdade material, porquanto, o ónus probatório a que se reporta o nº 3 do artigo 74º da LGT, tem também ínsito na sua ratio a descoberta da verdade material. 59. Ora, no caso concreto e tal como decorre dos pontos ii) e iii) da decisão sob recurso, o Tribunal a quo, a AT cumpriu o ónus a que se reporta a primeira parte do nº 3 do artigo 74º da LGT, tendo, para tanto, apresentado provas irrefutáveis da verificação dos pressupostos da aplicação dos métodos indiretos – vide pontos ii) e iii) da decisão sob recurso. 60. Tendo a AT no caso em apreço, apresentado provas irrefutáveis da necessidade de aplicação de métodos indiretos para o apuramento da matéria tributável da impugnante e tendo demonstrado a adequação do critério de quantificação, para além do cumprimento do ónus probatório que sobre si recaía, observou, em toda a sua atuação o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material. 61. O Tribunal “a quo” ao inverter o ónus da prova a que alude o nº 3 do artigo 74º da LGT, violou o princípio da igualdade de armas, porquanto, fez recair sobre a AT a produção de prova que estava na total disponibilidade da impugnante e que a mesma poderia ter produzido sem qualquer dificuldade na sua concretização, uma vez que detinha o conhecimento e a capacidade de apresentar em Tribunal não apenas as evidências da existência das 40 toneladas de queijo deteriorado ( veja-se a realização de uma reportagem fotográfica ou de imagem) como também conhecia melhor do que ninguém a valorização daquela quantidade de queijo deteriorado e o impacto da mesma nas existências do inventário de 2007 e bem assim os custos que teve de suportar para conservar em armazém refrigerado para o efeito, durante vários anos, as alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado. 62. O princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses. Ora, o que se verificou nos presentes autos foi que o Tribunal “a quo” fez recair sobre a AT o ónus probatório que recaía sobre a impugnante, acabando, desta forma por beneficiar a impugnante que para além de não possuir organizada a sua contabilidade em conformidade com as regras e princípios contabilísticos e fiscais que devem nortear o desenvolvimento da sua atividade, de forma a possibilitar uma avaliação direta da sua matéria tributável, não efetuou qualquer esforço probatório no sentido de apresentar uma alternativa ao critério de quantificação que foi apresentado pela AT e bem assim não apresentou factos concretos que de forma clara e inequívoca demonstrassem que no caso em apreço ocorreu um eventual excesso de quantificação. 63. Ao decidir, como decidiu o Tribunal a quo, violou o princípio da igualdade das partes, na medida em que para além de inverter o ónus da prova constante da parte final do nº 3 do artigo 74º da LGT, decidiu apenas com base na versão dos factos aportada aos autos pela impugnante, sem levar em consideração a globalidade da prova produzida, as contradições que a impugnante foi deixando transparecer ao longo de todo o percurso que efetua desde o procedimento inspetivo, passando pelo pedido de revisão da matéria tributável até à fase de produção de prova testemunhal. 64. Por outro lado, a impugnante nunca apresentou qualquer outro critério porventura mais ajustado à sua realidade e ainda que o fizesse, não é fundamento para se concluir pela inadequação do critério escolhido pela AT na medida em que represente também ele um esforço de aproximação à realidade, não se podendo perder de vista que a situação real apenas se pode apreender com base nos dados da contabilidade, que o próprio contribuinte tratou de descredibilizar. 65. Em suma, contrariamente ao entendimento que foi preconizado pelo Tribunal a quo cabia à impugnante alegar e provar que ocorreu excesso na quantificação da matéria tributável, o que não foi efetuado. 66. Acresce referir que, tendo em consideração a factualidade que consta do probatório, especialmente a constante da alínea H), K) L), M), N), O) e P), nem sequer se vislumbra como possível que o eventual excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela impugnante. 67. Por outro lado e como se escreveu no Ac. do STA de 17/03/2010, no âmbito do proc.º 01211/09, «Persistindo a situação de non liquet quanto ao excesso na quantificação a que chegou a Administração tributária, a dúvida terá de ser decidida em desfavor da recorrente, que não logrou provar a existência de tal excesso, nem se afigura evidente para este Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo». 68. O Tribunal “a quo” deu como provado o facto constante da alínea Y) do probatório, o qual apresenta o seguinte teor: “A Impugnante conservou e armazenou o queijo impróprio para consumo com vista a fazer prova de prejuízos causados pela má qualidade do leite fornecido pela R............ [cf. depoimentos das testemunhas Virgílio Borges Loureiro e Micaela Proença Rodrigues]. 69. Sucede que em conformidade com a prova que resultou provada no âmbito das alíneas H), K), L), M), N), O) e P) a impugnante terá conservado e armazenado o queijo impróprio para consumo com vista a fazer prova de prejuízos causados pela má qualidade do leite fornecido pela R............, no âmbito do processo judicial nº …./04.5TBPNH, em que a impugnante tinha a qualidade processual de Ré e R............ de Autora. 70. Ora, a prova que resultou dos depoimentos das testemunhas V …………………. e M ……………………., tem necessariamente de ser articulada com as demais evidências probatórias constantes das referidas alíneas H), K), L), M), N), O) e P), impondo-se assim, ao abrigo do preceituado no artigo 662º do CPC, aplicável ex vi, alínea e) do artigo 2º do CPPT e a fim de evitar interpretações dúbias ( pois parece evidenciar que a impugnante conservou e armazenou o queijo impróprio para quaisquer fins probatórios) a sua alteração nos seguintes termos: Y) A Impugnante conservou e armazenou o queijo impróprio para consumo com vista a fazer prova de prejuízos causados pela má qualidade do leite fornecido pela R............, no âmbito do processo judicial nº 12/04.5TBPNH, em que a impugnante tinha a qualidade processual de Ré e R............ de Autora. [cf. depoimentos das testemunhas V ……………….. e M ………………… e alíneas H), K), L), M), N), O) e P) do probatório. 71. Também ao abrigo do referido artigo 662º do CPC, porque se revela essencial à apreciação da matéria controvertida, com repercussões no sentido da decisão, requer-se a ampliação da matéria de facto, nos seguintes termos: “A sentença proferida no âmbito do processo judicial nº 12/04.5TBPNH, não faz referência à existência das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado, nem se pronuncia sobre a valorização destas e respetivo impacto no inventário de existências da impugnante. “ Termos em que - atentos os vícios que ora foram imputados à decisão sob recurso - com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra, que mantenha na ordem jurídica o ato tributário impugnado.» X Não foram apresentadas contra-alegações.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X II- Fundamentação2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:” A) A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas, registada na conservatória do registo comercial desde 20/04/1979, cujo objeto de atividade consiste na «Indústria e comércio de L.........» [cf. fls. 232 a 238 dos autos]. B) Em 28/08/2009, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda remeteram à Impugnante, por correio registado, «Carta Aviso» referente à Ordem de Serviço n.º OI200900473, cujo teor aqui se dá como reproduzido [cf. fls. 5 e 6 do processo administrativo (PA) apenso] C) Em 14/10/2009 o representante legal da Impugnante assinou a Ordem de Serviço n.º OI200900473, emitida 23/07/2009, cujo teor aqui se dá como reproduzido, da qual consta que a ação inspetiva é de âmbito parcial e incide sobre o IRC e IVA do ano/exercício de 2007 (…)» [cf. fls. 9 do PA apenso]. D) Em 28/10/2009 o representante legal da Impugnante assinou a Ordem de Serviço n.º OI200900473, cujo teor aqui se dá como reproduzido, da qual consta que a ação inspetiva é de âmbito parcial e incide sobre o IRC e IVA dos anos/exercícios de 2007 e 2008, e de cujo quadro 5 consta o seguinte: «Altera-se a Ordem de Serviço que lhe foi notificada em 2009/10/14, com os seguintes fundamentos: Alargamento da acção inspetiva ao exercício de 2008, nos termos do n.º 1 do artº 15º do RCPIT, motivado pela necessidade de aferição do lucro tributável declarado, nomeadamente das vendas declaradas face ao stock de produtos acabados e IVA apurado» [cf. fls. 8 do PA apenso]. E) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200900473, a Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA dos exercícios de 2007 e 2008, com início, em 14/10/2009, e conclusão, em 02/11/2009 [cf. fls. 17 a 36 do processo administrativo (PA) apenso]. F) Notificada do projeto de relatório de inspeção tributária a Impugnante exerceu o seu direito de audição, através de carta datada de 07/12/2009, cujo teor aqui se dá como reproduzido, e do qual se destaca o seguinte teor: «(…) foram prestadas informações ao inspector em relação a processos judiciais em curso sobre situações que provocaram prejuízos em termos de produtos fabricados que não foram tidas em conta (…)» [cf. fls. 247 e 248 dos autos]. G) Em 16/12/2009 foi elaborado o relatório final de inspeção tributária, composto pelos anexos I a VII, cujo teor aqui se dá como reproduzido, de cujas conclusões resultaram correções à matéria tributável com recurso a métodos indiretos, designadamente, em sede de IRC do exercício de 2007, no montante de 385.080,49€ [cf. fls. 17 a 55 do PA apenso]. H) Do relatório final de inspeção tributária pode ler-se, além do mais, o seguinte: «(…) II – 2. Motivo, âmbito e incidência A acção inspectiva ao sujeito passivo (…), incidiu nos exercícios de 2007, tendo no seu decurso, sido alargada ao ano de 2008. O procedimento inspectivo foi de âmbito parcial em IRC e IVA e teve origem no facto de o sujeito passivo declarar prejuízos em vários exercícios consecutivos e na acção de controlo de empresas com elevado endividamento perante os sócios. (…) IV – Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos Nos termos do artigo 52º nº 1 do CIRC a aplicação de métodos indirectos efectua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87º a 89º da LGT. No art.º 87º da LGT consta que a avaliação indirecta se pode efectuar em caso de: a) … b) “Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”. c) … d) … e) “Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco”. f) … 1. Prejuízos fiscais declarados O sujeito passivo nos exercícios de 2003 a 2008 apresentou sempre prejuízos fiscais. 2. Análise de alguns indicadores A rentabilidade fiscal apresentada pelo sujeito passivo ao longo dos anos é muito inferior à da média das empresas do mesmo sector do Distrito da Guarda. O rácio do pessoal representa a contribuição dos custos com o pessoal para o volume de negócios. Os valores apresentados pelo sujeito passivo são bastante inferiores aos da média do distrito. Nos exercícios de 2007 e 2008 foram despedidos alguns trabalhadores, pelo que ouve lugar a indemnizações, nos valores de 66.318,00€ e 8.355,85€ respectivamente. Se aos custos com o pessoal forem retirados os valores das indemnizações, uma vez que estes custos podem ser considerados extraordinários, encontramos rácios de pessoal de 3,331 para 2007 e de 3,98 para 2008, o que mesmo assim é manifestamente inferior à médias das empresas do distrito pertencentes ao mesmo sector de actividade. 3. Existências de Produtos Acabados Exercício 2008 V – Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos Rentabilidade fiscal das vendas Valor total das Vendas Lucro Tributável X “Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou.”X “Motivação// A convicção do tribunal quanto aos factos provados assentou na posição assumida pelas partes e na análise dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo apenso, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas, conforme discriminado nas várias alíneas do probatório.//A testemunha M ……………….., apesar de ser sócia da Impugnante, depôs de forma clara, objetiva e isenta sobre os factos aos quais foi inquirida, cuja razão de ciência advém do exercício de funções no sector de controlo de qualidade, não se vislumbrado qualquer razão para duvidar da veracidade do seu depoimento, contribuindo para os factos provados descritos nas alíneas V), W, X) e Y). //A testemunha M ………………. prestou um depoimento convincente e congruente, tendo revelado conhecimento direto dos factos relatados por ter sido funcionário da Impugnante no período em causa, contribuindo para os factos provados descritos nas alíneas V), W) e X). //Também a testemunha V ………………….., professor universitário de microbiologia, prestou um depoimento convincente e congruente, tendo revelado conhecimento direto dos factos relatados, em virtude de, há vários anos, vir a acompanhar o litígio entre a Impugnante e a R............ e ter elaborado um parecer sobre a não conformidade e perda de peso do queijo produzido com os lotes de leite fornecidos pela R............, contribuindo para os factos provados descritos nas alíneas W), X) e Y).// Quanto ao facto provado descrito em Z), foi o mesmo confirmado pela testemunha L ……………………, inspetor tributário que realizou a ação inspetiva.”X Nas conclusões 70) e 71), a recorrente impugna a determinação da matéria de facto. Pretende a alteração da alínea Y) no sentido seguinte:«A Impugnante conservou e armazenou o queijo impróprio para consumo com vista a fazer prova de prejuízos causados pela má qualidade do leite fornecido pela R............, no âmbito do processo judicial n.º ……../04.5TBPNH, em que a impugnante tinha a qualidade processual de ré e R............ a qualidade de autora [cf. depoimentos das testemunhas V ……………… e M ………………]. Pretende também o aditamento do quesito seguinte: “A sentença proferida no âmbito do processo judicial nº ../04.5TBPNH não faz referência à existência das alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado, nem se pronuncia sobre a valorização destas e respetivo impacto no inventário de existências da impugnante”. Apreciação. No que se refere ao pedido referido em primeiro lugar, o mesmo deve ser indeferido. A partir dos elementos probatórios constantes dos autos e da posição processual das partes não é possível afirmar que o armazenamento do queijo em causa por parte da recorrida se deve apenas à necessidade de prova dos prejuízos no âmbito do processo judicial nº 12/04.5TBPNH, que correu termos no Tribunal Judicial de Pinhel. Pelo que se mantém a formulação inicial do elemento em causa, ou seja: «A Impugnante conservou e armazenou o queijo impróprio para consumo com vista a fazer prova de prejuízos causados pela má qualidade do leite fornecido pela R............ [cf. depoimentos das testemunhas V ……………….. e M ……………..]». Motivo porque se rejeita a presente alegação. No que se reporta ao pedido referido em segundo lugar, o mesmo é de rejeitar, porque não corresponde ao teor da sentença proferida no processo judicial nº …/04.5TBPNH, que correu termos no Tribunal Judicial de Pinhel. Com efeito, consta da sentença em referência, como quesito provado, que o queijo produzido pela impugnante com base no leite fornecido pela R............, em razão da sua composição e da existência de germes, implica maiores custos de produção, em razão da pasteurização a temperaturas superiores, bem como que o mesmo tem um período de validade inferior em relação aos queijos produzidos com base em leites com outra composição. O que determina a rejeição da presente alegação. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. X Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:AA) Da sentença referida em M), proferida em 18/05/2007, pelo Tribunal Judicial de Pinhel, Proc. …/04.5TBPNH, na acção instaurada pela “R............ – Recolha de Leite da ……………….., Lda.” (autora) contra a “L......... P............. do M……, Lda.” (ré) consta, designadamente, o seguinte: «Texto no original» BB) As testemunhas inquiridas nos autos afirmaram que, seja o volume de queijo referido na alínea Z), seja os métodos artesanais de fabrico do queijo e de operação da empresa, com elevados custos com o pessoal, justificam, em parte, os resultados negativos obtidos – depoimento das testemunhas da impugnante, V ………………….., Professor Universitário de Microbilogia; M …………………….., Sócio-gerente da empresa à data dos factos; M……………………., sócia e gerente da empresa à data dos factos; M…………………, funcionário da empresa à data dos factos. CC) As testemunhas inquiridas informaram que o queijo referido na alínea Y), com o passar dos anos, perde peso – depoimento das testemunhas da impugnante, V …………………, Professor Universitário de Microbilogia; M …………………………, Sócio-gerente da empresa à data dos factos; M …………….., sócia e gerente da empresa à data dos factos; M ..……………, funcionário da empresa à data dos factos. DD) A testemunha da impugnada, L ……………………, Inspector Tributário, que realizou a acção inspectiva em causa, declarou que a situação do queijo armazenado não relevava no âmbito da acção inspectiva, dado que tal facto não constava dos registos da contabilidade, pelo que não foi considerada. X 2.2. De Direito.2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [conclusões 70) e 71), apreciado supra]. ii) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, porquanto «a impugnante nunca trouxe aos autos quaisquer evidências probatórias que demonstrassem de forma clara e objetiva, de que forma é que aquelas 40 toneladas de queijo deteriorado, se repercutiram no inventário de 2007, bem como nunca demonstrou quais os reais custos que teve de suportar para conservar em armazém refrigerado para o efeito, as alegadas 40 toneladas de queijo deteriorado em adiantado estado de putrefação» [conclusões 1) a 32)]. iii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, consubstanciado na inversão das regras do ónus da prova [conclusões 33) a 48)]. iv) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, caracterizado pela falta de demonstração do excesso na quantificação da matéria colectável por métodos indirectos e na violação do princípio da igualdade de armas [conclusões 49) a 69)]. A sentença julgou procedente a impugnação, determinando a anulação do acto tributário impugnado. Julgou improcedentes os vícios de falta de fundamentação do acto determinativo da realização da inspecção, de falta de fundamentação formal da decisão de aplicação dos métodos indirectos, de erro nos pressupostos para aplicação de métodos indirectos. Por outro lado, considerou procedente o vício de preterição das diligências necessárias à descoberta da verdade material e, com base neste último fundamento, anulou o acto tributário sob escrutínio. Para julgar improcedente o vício referido em penúltimo lugar, escreveu-se na sentença, em síntese, o seguinte: «No caso dos autos, a Impugnante não alega, nem demonstra, qualquer factualidade concreta que, em termos de causalidade adequada, permita justificar a acumulação de prejuízos fiscais consecutivos em período superior a 3 anos, sendo de salientar que a existência de queijo deteriorado produzido entre os anos de 2000 a 2003 [cf. alíneas S), T) U) e X) do probatório] não é idónea a justificar os prejuízos declarados nos exercícios de 2004, 2005, 2006 e 2007. // Deste modo, julgamos que se verifica o pressuposto para aplicação de métodos indiretos previsto no artigo 87.º, n.º 1, alínea e) da LGT, sendo, assim, irrelevante apreciar, nesta sede, os erros que a Impugnante imputa à alegada discrepância entre a rotação de stocks resultante da contabilidade e o rácio de rotação real apurado por amostragem às vendas de produtos fabricados, pela simples razão que, mesmo que assista razão à Impugnante, sempre estaria a AT legitimada a proceder à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos». No que se refere ao vício referido em último lugar, cuja procedência determinou a anulação do acto tributário, escreveu-se na sentença sob escrutínio, em síntese, o seguinte: 2.2.2. No que concerne ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca que a sentença errou na apreciação da factualidade relevante. Afirma que «estamos perante elementos probatórios na disponibilidade total da impugnante, que apenas teriam de ser por ela reunidos e entregues perante a AT ou perante o Tribunal “a quo” para que assim se pudesse concluir pela veracidade e credibilidade da tese apresentada pela impugnante, ou seja, para que assim se pudesse apurar quais as verdadeiras existências que a impugnante possuía no exercício de 2007 e o seu real valor, e subsequentemente verificar se o critério adotado pela AT era ou não adequado e se conduziu ou não a uma quantificação errada ou excessiva»; «[t]odavia, nem em sede de procedimento inspetivo, nem no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, nem em sede de produção de prova testemunhal, a impugnante logrou demonstrar qual era a valorização das referidas 40 toneladas de queijo deteriorado»; «E não se diga que tal prova se afigurava de difícil concretização para impugnante, como é defendido pelo Tribunal “a quo” pois a impugnante, melhor do que ninguém conhece os meandros da sua atividade, detendo o conhecimento integral de todas as eventuais vicissitudes que possam ocorrer no desenrolar da mesma, possuindo, melhor do que ninguém, a capacidade de provar e quantificar o impacto das mesmas quer ao nível das suas existências, quer ao nível dos resultados de cada exercício»; «[a] propósito da alegada influência das 40 toneladas de queijo deteriorado no valor do inventário de 2007 e sua repercussão na quantificação a que chegou a AT, assume particular relevância probatória– que foi totalmente ignorada pelo Tribunal a quo – o depoimento da testemunha L ……………….. que, entre o mais, referiu que “um dos pontos de análise foram as existências dos produtos acabados que existiam e nada na contabilidade permitia verificar se os produtos estavam deteriorados. Não estava refletido na contabilidade a eventual existência de queijo deteriorado” – vide gravação da prova testemunhal do minuto 1:28:53 ao minuto 1:30:18». iii) Em 12/02/2010, no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, «[a]bordou-se também a questão dos fornecedores de leite e os problemas originados com o seu fornecimento à alguns anos atrás (entre 1999 e 2003) levando a empresa a produzir queijo de qualidade inferior em que não foi possível a sua venda, e consequentemente, veio a influenciar os stocks de produtos acabados, desde essa data. // A empresa não deu qualquer tratamento contabilístico a essas ocorrências, nem foram apresentadas na reunião quaisquer dados objetivos. No entanto o perito do contribuinte referiu que a não relevação contabilística foi uma opção da empresa, isto porque o registo na contabilidade iria agravar os prejuízos e colocaria a empresa em dificuldades adicionais na obtenção de financiamento. Dada a não apresentação de elementos concretos relativos ao processo judicial, o perito do contribuinte disponibilizou-se ao faze-lo numa próxima reunião a marcar» (4) (…)». Dispositivo Custas pela recorrente. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1) Elevada à conclusão 23) do presente recurso.(1ª. Adjunta– Ângela Cerdeira) (2 ª. Adjunta - Maria da Luz Cardoso) (2) Alínea F), do probatório. (3) Alínea K), do probatório. (4) Alínea L), do probatório. (5) Alínea M), do probatório. (6) Alínea N), do probatório. (7) Alínea S), do probatório. (8) Alínea T), do probatório. (9) Alínea U), do probatório. (10) Alínea V), do probatório. (11) Alínea W), do probatório. (12) Alínea X), do probatório. (13) Alínea Y), do probatório. (14) Alínea Z), do probatório. (15) Alínea BB), do probatório. (16) Acórdão do TCAS, 16-05-2024, P. 318/08.4BELRS No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 16-11-2011, P. 0247/11 (17) Acórdão do TCAS, de 15-02-2024, P. 35/09.8 BECTB. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 16-11-2011, P. 0247/11 e Acórdão do TCAS, 16-05-2024, P. 318/08.4BELRS. (18) Acórdão do TCAS, 05.09.2019; P. 454/04.6BESNT. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12 (19) Acórdão do STA, de 24/02/2016, P. 0329/14. No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12. (20) “Princípio da verdade material”. (21) “Prerrogativas da inspecção tributária”. (22) “Princípio do inquisitório”. (23) “Meios de prova”. |