Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:133/11.8 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ARTIGO 23.º DO CIRC
OFERTAS A CLIENTES
PRESUNÇÃO DE VERDADE DECLARATIVA
FITO ESTRATÉGICO, ORGANIZACIONAL E DE PRODUTIVIDADE
Sumário:I - No âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode ser coadjuvada pela prova testemunhal.
II - Um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa.
III - Estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
IV - Face à presunção da verdade declarativa que goza a escrita do contribuinte (artigo 75.º da LGT), tendente a infirmá-la, a AT tem de provar que as verbas corrigidas não estão diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, não podendo limitar-se a juízos conclusivos.
V - Estando demonstrado o fito estratégico, organizacional, de otimização e delineação de resultados, tal determina que tais despesas estão, inteiramente, alocadas ao escopo societário da Recorrida, reputando-se como indispensáveis para a obtenção de proveitos e para a manutenção da fonte produtora, donde subsumíveis no artigo 23.º do CIRC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “B…, LDA”, contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e da correspondente liquidação de juros compensatórios (JC), relativa ao exercício de 2007, no montante de €22.185,85 e €1.988,82, respetivamente, tudo perfazendo o valor global de €24.174,67.

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A. No caso das correções efetuadas, inconforma-se a Fazenda Pública com os segmentos da decisão e sua fundamentação, que estão na base decaimento da Fazenda nos presentes autos impugnatórios.

B. Entendeu a douta sentença recorrida dar por provado que essas despesas foram contraídas com vista à aquisição de artigos para oferta a clientes, suportando-se no depoimento das testemunhas arroladas pela própria Impugnante, seus funcionários, vendo nessa circunstância, inclusivamente, um fator de credibilidade.

C. Incorreu, porém, e salvo o devido respeito, num erro de julgamento: o de atribuir credibilidade às testemunhas arroladas pela Impugnante, pela especial relação profissional que tinham com esta, quando as regras da experiência comum o que nos dizem é que essa relação profissional comunga de uma dependência económica que permite ou pode permitir minar a própria credibilidade dos depoimentos, sendo certo que o que dita a credibilidade dos depoimentos, é o teor dos próprios – nomeadamente, a segurança a coerência ou inconsistência com que os mesmos são prestados.

D. Não é plausível na ótica desta Representação e à luz das regras da experiência comum, testemunhas afirmem que estes produtos se destinavam a clientes, mas não se recordem ou sejam incapazes de indicar um único cliente que tenha ousado receber esta oferta.

E. Pelo que, havendo um registo contabilístico inquinado pelo gorar da presunção de boa-fé suportado na inexistência de uma lista dos destinatários e ofertas correspondentes, bem como testemunhos sem crédito que ousem suportar a convicção de que as referidas ofertas se destinavam a clientes, forçosamente se teria de concluir que não ficou demonstrada a indispensabilidade desse custo para a realização dos proveitos, nos termos do art. 23º, do CIRC.

F. A sentença recorrida, não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo que a posição sufragada supra e a insuficiente fundamentação da decisão recorrida – não deixará de julgar procedente o presente recurso, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!


***

A Recorrida, devidamente notificado para o efeito, contra-alegou tendo concluído da seguinte forma:

“A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do Recurso interposto pela FP da Sentença Recorrida que considerou integralmente procedente a impugnação judicial da liquidação de IRC emitida pela AT referente ao exercício de 2007 e que determinou a sua anulação na parte que respeita às correções propostas referentes às ofertas a clientes relevadas como gasto pela Recorrida para efeitos fiscais e que a AT desconsiderou nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.

B. Muito embora a FP não formule o seu pedido de forma clara e adequada, das conclusões deduzidas (que delimitam o objeto de tal recurso) parece resultar que a FP apenas questiona a matéria de facto assente, imputando à Sentença Recorrida um erro de julgamento (por erro na apreciação e valoração da prova testemunhal).

C. No que aqui releva, o Tribunal a quo considerou provadas as ofertas feitas a clientes pela Recorrida no valor agregado de € 94.361,32 (que corresponde à soma dos valores parciais indicados nas diversas subalíneas da al. H) da factualidade assente), com base na apreciação e valoração quer da prova documental – em particular os docs. n.ºs 6 a 118 juntos à p.i. que incluem (i) os comprovativos de pagamento (pela Recorrida) da oferta escolhida pelo cliente (no montante correspondente ao desconto adicional concedido pelas vendas feitas à farmácia em causa), assim como (ii) da carta ao cliente (a farmácia) a agradecer a preferência (demonstrada pelo maior volume de vendas) e a enviar os comprovativos de que a oferta foi concedida -, quer da prova testemunhal, em particular do depoimento da testemunha S….

D. Tendo considerado que estava devidamente demonstrado que a Recorrida fez ofertas a clientes no valor total de € 94.361,32 (cf. al. F) e H) dos factos assentes), o Tribunal a quo decidiu pela ilegalidade das correções propostas pela AT referentes a ofertas efetuadas pela Recorrida aos seus clientes nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, e, portanto, pela anulação parcial (na medida do montante de tais ofertas) da liquidação impugnada.

E. É com esta decisão do Tribunal a quo que a Recorrente não se conforma, interpondo o presente recurso por entender que a Sentença Recorrida enferma de “erro de julgamento, dado que da prova produzida e levada aos autos da presente impugnação, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida” (cf. ponto 1 do Recurso).

F. Lidas detalhadamente as alegações de recurso e as suas conclusões e desconstruindo a argumentação da Recorrente, conclui-se que o que a FP impugna é a decisão da matéria de facto, já que se no seu entender o Tribunal a quo (i) deu como provadas as ofertas a clientes; e (ii) errou na valoração que fez da prova testemunhal para concluir por tal facto, de onde se retira, num silogismo lógico (e na tentativa de retirar algum efeito útil das alegações e conclusões da FP), que a FP entende que o referido facto foi erradamente dado como assente com base naquela prova testemunhal.

G. Sucede que a FP não chega verdadeiramente a questionar ou impugnar qualquer dos factos que constam da factualidade assente da Sentença Recorrida – embora pareça querer ver retirado esse ponto do probatório que sente que lhe é inconveniente de que as ofertas foram feitas pela Recorrida a clientes -, não demonstra quais os meios de prova que, constando dos autos, imporiam uma decisão de facto diferente e menos ainda que decisão deveria a este propósito ter sido proferida pelo douto Tribunal a quo, ónus que se lhe impunha nos termos do artigo 640.º do CPC, pelo que o Recurso da FP revela não uma verdadeira desconformidade ou vício na matéria de facto na decisão recorrida, mas antes uma mera discordância com o sentido da decisão (cf. acórdão proferido por este douto Tribunal no processo n.º 8160/14.7BCLSB, de 14/03/2019, quando decide que “A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão”).

H. Termos em que deve o Recurso ser necessariamente rejeitado por falta de especificação dos concretos pontos de facto que entende mal julgados e dos elementos de prova juntos aos autos que imporiam decisão diversa, em desconformidade com o artigo 640.º do CPC aplicável ex vi al. e) do artigo 2.º do CPPT.

I. Mesmo que assim não se entenda, e o Recurso seja admitido pelo Tribunal ad quem – no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona -, sempre deverá, em qualquer caso, ser julgado integralmente improcedente, pois não encontra qualquer amparo na lei e a Sentença Recorrida não padece de qualquer erro de apreciação nem merece reparo, razão pela qual deverá ser mantida na ordem jurídica.

J. Desde logo porque, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, do CPC aplicável ao processo tributário ex vi al. e) do artigo 2.º do CPPT, o juiz tem liberdade de apreciação da prova produzida em juízo e in casu os factos em causa foram igualmente comprovados por documentos – cf. documentos n.ºs 6 a 18 juntos à p.i., que aliás não foram contestados pela FP e que a Sentença Recorrida (fundamentando adequadamente), indica expressamente como suporte para os factos que deu como assentes -, servindo a prova testemunhal como mera confirmação da prova documental carreada aos autos, a qual deverá portanto ser admitida (como bem ensina JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Quando haja alguma prova documental (princípio de prova por escrito), já deve ser admitida a prova testemunhal que a complete” (in A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, pág. 251) e ser inatacável já que adequadamente valorada e sopesada (cf. acórdão proferido por este douto Tribunal no processo n.º 1295/11.0BESNT, de 14/02/2019: “Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção”).

K. Acresce que a FP não analisa em detalhe o depoimento testemunhal prestado pela testemunha e de tal depoimento retira que os gastos não foram suportados pela Recorrida em ofertas a clientes, questionando ao invés de forma geral e abstrata a credibilidade da testemunha apresentada pela Recorrida nos autos, tentando através da descredibilização da testemunha apelar a uma nova valoração da prova testemunhal produzida.

L. Ora, não apenas não é verdade que o facto de manter com a Recorrida uma relação profissional condicione as testemunhas ou as leve a ter uma propensão para não dizer a verdade em juízo (que é o que sub-repticiamente sugere a FP), como a FP não suscitou qualquer problema de credibilidade das testemunhas em sede própria, na medida em que não sublinhou este seu entendimento quer na audiência de inquirição das testemunhas – momento próprio para suscitar qualquer questão relacionada com a prova testemunhal produzida - na contra-instância realizada às testemunhas ou deduzindo incidente de contradita, quer em sede de alegações finais, nas quais poderia ter analisado a prova testemunhal proferida e ter suscitado tais reservas e, portanto, ao não o ter feito, não é nesta sede recursiva que pode, sem mais, invocar vícios da prova testemunhal produzida e peticionar a sua desconsideração para efeitos de eleição da factualidade assente (cf. acórdão proferido por este TCA Sul no processo n.º 04723/09, de 09/12/2010: “O recurso da sentença não é a altura própria para, ex novo, se pôr em causa uma testemunha ou o seu depoimento, pois para tanto consagra a lei os incidentes da impugnação (art. 636º do CPC) e da contradita (art. 640º do CPC), deduzíveis em plena audiência de discussão e julgamento e destinados a impedir a admissão da testemunha ou a abalar a credibilidade do seu depoimento”).

M. De onde se conclui que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada da prova testemunhal produzida, não correspondendo à verdade que nada se diga na Sentença Recorrida sobre “a segurança, a coerência ou a inconsistência com que os mesmos [depoimentos] são prestados” (cf. ponto 8 do Recurso), pois, muito pelo contrário, e numa posição que acompanhamos e reproduzimos, o Tribunal a quo expressamente decide que o depoimento foi feito “de forma convincente, convergente, espontânea” e que a testemunha “revelou possuir conhecimento direto dos factos que relatou” (cf. pág. 8 da Sentença Recorrida), e a própria testemunha confirmar que “os produtos se destinavam a clientes” (cf. ponto 9 do Recurso) e explicar o procedimento aplicado às ofertas a clientes pela Recorrida era o único propósito e finalidade da prova testemunhal produzida e tal propósito foi devidamente alcançado, tendo o Tribunal a quo apreendido de forma cabal “a prática comercial da Impugnante em conceder descontos aos seus clientes, em que parte do desconto era efectuado directamente na factura de compra, e parte do desconto (valor mais reduzido) era acumulado em valor que era convertido em ofertas, a pedido dos clientes” (cf. pág. 8 da Sentença Recorrida), pelo que não houve uma qualquer omissão ou faux pas do Tribunal a quo na apreciação e valoração da prova testemunhal produzida.

N. Do exposto necessariamente se conclui que não apenas este não é o meio, nem o modo processual adequado para colocar em causa a credibilidade da testemunha e do seu depoimento - pelo que tal alegação é inadmissível - como além disso, e ainda que houvesse de ser admitida tal alegação (que não pode ser nos termos detalhados supra), a valoração do depoimento feita pelo Tribunal a quo é imaculada e não merece censura, pelo que sempre deveria manter-se, improcedendo as conclusões B, C e D do Recurso da FP.

O. Por sua vez, a alusão feita à contabilidade da Recorrida (que alegadamente não gozaria da presunção de boa-fé por inexistir uma lista dos destinatários das ofertas) é desacompanhada de qualquer fundamentação e é de muito difícil compreensão, já que a própria AT, precisamente com os elementos que solicitou e lhe foram facultados no decurso do procedimento de inspeção produziu essa lista, que consta do Anexo II ao relatório final de inspeção, ao que acresce o facto de, desejando a AT invocar a falsidade dos registos contabilísticos da Recorrida ou lançar dúvidas sobre o seu conteúdo, necessariamente é à FP que cabe essa prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, a qual obviamente não logrou efetuar nos autos e não é agora em sede de Recurso que poderá fazê-lo.

P. Num passo posterior, mesmo que devesse desconsiderar-se tal depoimento – no que não se concede atendendo ao que se vem expondo - manter-se-ia integralmente o facto assente na al. H) da fundamentação de facto da decisão recorrida - que as ofertas identificadas no anexo II do relatório de inspeção (no valor de € 94.361,32) foram atribuídas pela Recorrida aos seus clientes pelos valores aí elencados, pois:

9 Se bem entendemos a conclusão E. do recurso apresentado pela FP, cuja redação de qualquer forma, por dúbia, deixa a questão em aberto.

(i). a ser admitida a apreciação do Recurso (no que não se concede), a conclusão sempre seria a de que a prova testemunhal foi devidamente valorada pelo Tribunal a quo, não merecendo reapreciação diversa nesta sede de recurso;

(ii). em qualquer caso, a prova testemunhal produzida é meramente complementar, e os factos relevantes estão provados por documentos, o que não é posto em causa pela FP.

Assim, ainda que fosse diferentemente valorada (ou mesmo desconsiderada) a prova testemunhal, tais factos continuariam assentes por decorrerem indiscutivelmente da prova documental junta aos autos;

(iii). A alusão feita à contabilidade da Recorrida (que alegadamente não gozaria da presunção de boa-fé por inexistir uma lista dos destinatários das ofertas) é desacompanhada de qualquer fundamentação e é de muito difícil compreensão, já que a própria AT, precisamente com os elementos que solicitou e lhe foram facultados no decurso do procedimento de inspeção produziu essa lista, que consta do Anexo II ao relatório final de inspeção;

(iv). Acresce que todo o excurso argumentativo em que se baseia o presente recurso assenta no alegado erro de julgamento em que incorre o Tribunal a quo ao considerar provado que o montante da correção na origem do ato anulado respeita a ofertas a clientes, quando tal facto não é controvertido e não foi fundamento do ato impugnado, constituindo por esse motivo esta alegação uma alteração do fundamento das correções efetuadas neste sede que não é, em qualquer caso, admissível, por se tratar de fundamentação a posteriori, que não caberia ao presente Tribunal conhecer.

Q. Concluindo que os factos F) e H) se mantêm, outra não podia ser a solução jurídica que não a conferida pelo Tribunal a quo ao presente dissídio jurídico, e que admite que as ofertas a clientes efetuadas no âmbito da prática comercial da Recorrida (que ademais, e como bem refere a decisão recorrida, “representam 0,05% do valor das mercadorias vendidas, pelo que não resulta ser excessivos” - cf. Sentença Recorrida, pág. 11, § 4) são relevantes para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código do IRC e é, portanto, ilegal a correção proposta pela AT na origem da liquidação em crise, que deverá ser anulada, improcedendo por esse motivo (se houvesse de ser apreciado) o Recurso interposto pela FP.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser rejeitado por omissão do ónus de especificação no recurso de matéria de facto que impendia sobre a Recorrente nos termos do artigo 640.º do CPC.

Mesmo que assim não se entenda – o que por mero dever de patrocínio se admite, sem conceder –, apreciando-se o Recurso na sua totalidade, este deve em qualquer caso ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, devendo manter-se consequentemente a Sentença Recorrida, que não merece qualquer censura.”


***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão do mérito:

A) A sociedade Impugnante exerce a actividade de comercialização e distribuição de medicamentos e produtos vendidos em farmácia [não controvertido – artigo 1.º da p.i. e fls. 6 do relatório de inspecção].

B) No ano de 2007 a Impugnante declarou venda de mercadorias no montante de €155.077.972,12 [cf. relatório de inspecção a fls. 120 dos autos].

C) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200708660, de 07.12.2007, foi despoletada uma acção de inspecção à Impugnante, com vista a proceder à análise externa em sede de IRC, relativo ao ano de 2007 [cf. fls. 4 do relatório de inspecção a fls. 289 do PAT em apenso].

D) Através do ofício n.º 061912, de 21.07.2010 da Direcção de Finanças de Lisboa foi a Impugnante notificada do teor do projecto do relatório de inspecção [cf. documento 3 junto à p.i. a fls. 49 a 98 dos autos].

E) A 11.08.2010 foi pela Impugnante apresentado requerimento através do qual exerceu o direito de audição prévia [cf. documento 4 junto à p.i. a fls. 99 a 108 dos autos].

F) A 27.08.2010 foi elaborado relatório final em sede da acção de inspecção identificada no ponto anterior onde consta nomeadamente:

“(…)
III 2 – Correcções em sede de IRC
III - 2.1. - EXERCÍCIO DE 2007
III - 2.1.1- Conceito de indispensabilidade de custos adoptado pela Administração Fiscal
Nas correcções efectuadas neste domínio, existe um ponto comum, que se prende com o facto de se não considerarem alguns custos como indispensáveis à realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, de acordo com o preceituado no art.° 23° do CIRC. O artigo referido enumera, sem carácter taxativo, diversos encargos que poderão ser aceites como custos ou perdas do exercício. E dizemos "poderão" porque o facto de constarem do elenco exemplificativo do artigo não significa só por si, que esses custos seja indispensáveis à formação do rendimento.
Na esteira da jurisprudência actual e dominante,
" (..) é necessário comprovar a ocorrência e a indispensabilidade de tais gastos e, é imperioso ligar a insubstituível necessidade de assumir esses encargos com a realização dos proveitos ou ganhos em cada exercício ou com a manutenção da fonte produtora, isto é, com a continuidade dá-a pessoa colectiva, exercendo a actividade a que se propôs.
Resulta, pois, do exposto, além da necessidade de comprovação, no sentido de demonstração da efectiva realização, ser condição para que se assuma determinado encargo como um custo fiscal que o dispêndio em causa seja absolutamente necessário, se apresente como habitual, à obtenção de proveitos ou ganhos ou, particularmente, à manutenção da unidade produtiva, sendo certo que esta, em princípio, subsistirá na medida em que se realiza proveitos compatíveis." (Ac. TCAN de 12-10-2006 Proc° 249/04).
Ou seja, a prova da indispensabilidade do custo é independente da questão da veracidade da escrita correctamente elaborada ao abrigo das normas de contabilidade, uma vez que os custos podem ter ocorrido sem que isso acarrete de imediato a aceitação dos mesmos.
A nosso ver, e conforme a doutrina e a jurisprudência têm vindo a defender, o facto de um custo ser indispensável liga-se necessariamente à actividade desenvolvida pelo contribuinte, e prende-se sempre com a distinção que tem de ser feita ao saber se o custo incorrido foi no interesse colectivo da empresa.
" (...) consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora Para que esses custos relevem fiscalmente têm de estar afectos à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre os custos e os proveitos da empresa, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximalista de resultados.
(...)
«Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. [...] o gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção dos ingressos e que e presente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de
uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. Cit., 136). (in Ac. TCAN de 11.01.20007, Proc. 70/01).
Consideramos assim, que ficou claro o conceito de indispensabilidade de custos adoptado pela Administração Fiscal que serve de base à rejeição de alguns dos valores registados pelo sujeito passivo e que são objecto de análise nos pontos seguintes.
III - 2.2- Conta 62218 - Artigos para oferta
Da análise à amostra efectuada às contas da empresa verificámos que o contribuinte registou na conta 62218 — Artigos para Oferta a oferta de, entre outras, televisores, LCD's, estores, cortinados, tapetes, pinturas, pagamento de viagens, alojamento, estadias, estacionamento a nado (embarcação), etc. Estas ofertas, de acordo com a informação facultada pelo sujeito passivo e manuscrita nos respectivos documentos de suporte, de um modo geral, destinaram-se aos clientes (farmácias).
Tratam-se, portanto de encargos destinados aos farmacêuticos e que têm como objectivo custear viagens de laser, despesas em arte e decoração, entretenimento e laser. Não estando provada a indispensabilidade dos custos em causa, nos termos referidos, como lhe competia, como decorre do n°1 do artigo 23° do Código do IRC, e atento o conceito de indispensabilidade de custos adoptado pela AF, conforme ponto III - 2.1.1 deste relatório, não podem os mesmos ser tidos em conta na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efectivo.
Face ao exposto, não é aceite como custo fiscal o montante de €97.258,07 relativo a ofertas, pela sua natureza e valor, uma vez que não foi demonstrado a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora. Junta-se relação e documentos a título exemplificativo, respectivamente, em Anexo II — Pg. 22 e Anexo III —
Pag. 24 a Pg. 30. Tendo em conta que os valores registados nesta conta foram objecto de tributação autónoma a uma taxa de 5% nos termos do n° 3 do art° 81° (actual alínea a) do n°3 do art.° 88°) do CIRC temos que proceder à respectiva regularização de IRC a favor do sujeito passivo no valor € 4.862,90.
(…)
VII - DIREITO DE AUDIÇÃO FUNDAMENTAÇÃO
O contribuinte exerceu o direito de audição, depois de ter sido notificado (oficio n° 061912 de 21-07-2010 em Anexo VIII) nos termos do Art. 60° da Lei Geral Tributária (L.G.T.) e do Regime Complementar Inspecção Tributária (R.C.P.I.T.), tendo exercido o seu direito de audição por escrito em 2010/08/10, na pessoa dos seus procuradores Drs. F…, P…, M…, C… e M…, advogados, todos da U… SLP — Sucursal em Portugal para o qual juntou procuração (Anexo
IX).
2. - Na audição o sujeito passivo veio contestar parte das correcções constantes do projecto de conclusões da acção inspectiva, à excepção da referida no ponto 111.2.1.3 - conta 622274- Kms viatura própria, tendo sucintamente argumentado o seguinte:
(…)
Depois de analisados os argumentos do sujeito passivo no exercício do direito de audição não podemos deixar de comentar o seguinte:
Quanto à indispensabilidade dos custos e de acordo com o disposto no art. 23° do CIRC é determinante que a empresa prove que os bens que contabilizou como "ofertas a clientes" foram indispensáveis para a realização e manutenção da fonte produtora, o que face aos argumentos invocados pelo sujeito passivo não foi demonstrado. Aliás, não havendo qualquer indispensabilidade "ex lege" ainda que se considerem como enquadráveis no n°1 do art° 23° do CIRC, não dispensa a prova de tal indispensabilidade tal só seria possível se fosse demonstrado claro e inequivocamente que tais custos se concretizariam em proveitos.
É de lei que o sujeito passivo provasse tal requisito independentemente de identificar os respectivos beneficiários, dado se concluir que não existe qualquer conexão entre a relação dessas ofertas com a actividade exercida pelo sujeito passivo uma vez que nenhuma prova foi feita nesse sentido, não tendo sido possível aferir da sua indispensabilidade para a realização de proveitos.
A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação,
normalidade, i.e, ligação a um negócio lucrativo, sendo que a falta da verificação de tais quesitos poderá gerar dúvidas sobre o seu enquadramento e dedutibilidade para efeitos fiscais, nomeadamente sobre sua causuação se desenrola ou não na esfera empresarial.
Do exposto decorre que para um custo seja relevante para efeitos fiscais tem de ser afecto à exploração, devendo existir uma relação casual entre tal custo e os proveitos gerados. Ora, na petição, o sujeito passivo não evidencia esta realidade.
Efectivamente, o corpo do n°1 do art.° 23° do CIRC, apenas permite a desconsideração fiscal dos custos extra-empresariais, i.e., daqueles que não apresentaram qualquer afinidade com a actividade da empresa, daí ter sido adequado o tratamento dado a esses custos.
Mais, ainda, cabendo ao sujeito passivo o ónus da demonstração da indispensabilidade, não apenas no sentido da alegação da subscrição do custo ao interesse/ objecto societário da empresa, mas no sentido da comprovação da sua contribuição adequada para a formação dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora.
Assim, o sujeito passivo foi muito limitado na sua exposição dos factos aquando do exercício do direito de audição, não tendo comprovado nem justificado a conexão entre o custo efectivo e os destinatários de tais ofertas contribuíram ou não para a geração de proveitos sujeitos a imposto, indispensabilidade essa que é condição geral para a dedutibilidade dos custos ou perdas nos termos do já citado art.° 23° do CIRC.
Como ficou exposto no ponto III — 2.1.1. deste relatório a prova da indispensabilidade do custo é independente da questão da veracidade da escrita elaborada ao abrigo das normas de contabilidade, uma vez que os custos podem ter ocorrido sem que isso acarrete de imediato a aceitação dos mesmos.
Não se pode deixar de salientar, que a identificação da atribuição das referidas ofertas, não é transparente, uma vez que a identificação dos beneficiários nos documentos de suporte aos custos limita-se a uma "simples nota manuscrita", sem comprovativo do respectivo beneficiário.
Por tudo o que foi referido não fica comprovado a indispensabilidade das despesas efectuadas com a aquisição de tais ofertas, para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, indispensabilidade essa que é condição geral para a dedutibilidade dos custos ou perdas nos termos do art. 23°do CIRC.
De facto, consubstanciando-se os encargos em causa, traduzidos em ofertas de bens, viagens de laser, despesas em arte e decoração, entretenimento e laser não ficou comprovada a sua conexão com os requisitos estabelecidos no art. 23° do CIRC, pelo que se mantiveram as correcções indicadas no projecto de conclusões de relatório, por ter sido impossível comprovar clara e inequivocamente se as operações em apreço obedeciam a tais requisitos.
3. Do cotejo das afirmações do presente exercício do direito de audição verifica-se que as mesmas consubstanciam um raciocínio argumentativo, pois os elementos a que se ancora são apenas teóricos. A Administração fiscal limitou-se a concluir perante a evidência dos factos.
Em conclusão as correcções indicadas no projecto de conclusões do relatório da acção de inspecção mantiveram-se.
(…)
Anexo II
(…)” [cf. fls. 50 a 98 dos autos e do processo administrativo tributário em apenso].

G) A 27.09.2010 foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional de IRC n.º 2010 8310005223, referente ao exercício de 2007, que demonstração de acerto de contas n.º 2010.6547317, no montante de €24.174,47, com data limite de pagamento a 10.11.2010 [cf. fls. 46 a 48 dos autos].

H) As ofertas identificadas no anexo II do relatório de inspecção, em F) supra, foram atribuídas pela Impugnante às suas clientes, pelos seguintes valores:

i) À Farmácia B…, ofertas no valor de €3.239,88 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 170 e 171 dos autos].

ii) À Farmácia C…, ofertas no valor de €20.459,10 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 172 a 206 dos autos].

iii) À Farmácia D…, ofertas no valor de €1.189,43 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 207 a 209 dos autos].

iv) À Farmácia E…, ofertas no valor de €1.949,81 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 210 a 212 dos autos].

v) À Farmácia L…, ofertas no valor de €2.237,39 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 213 a 220 dos autos].

vi) À Farmácia T…, ofertas no valor de €16.319,31 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 221 a 241 dos autos].

vii) À Farmácia O…, ofertas no valor de €5.515,00 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 248 a 252 dos autos].

viii) À Farmácia P…, ofertas no valor de €678,00 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 253 dos autos].

ix) À Farmácia do M…, ofertas no valor de €792,07 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 254 a 255 dos autos].

x) À Farmácia N…, ofertas no valor de €426,62 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 256 a 257 dos autos].

xi) À Farmácia F…, ofertas no valor de €10.300,00 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 258 a 260 dos autos].

xii) À Farmácia G…, ofertas no valor de €9.380,00 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 261 a 262 dos autos].

xiii) À Farmácia H…, ofertas no valor de €5.789,97 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 263 a 268 dos autos].

xiv) À Farmácia de I…, ofertas no valor de €8.130,00 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 269 a 277 dos autos].

xv) À Farmácia J…, ofertas no valor de €3.283,00 [prova testemunhal e documentação constante de fls. 278 a 282 dos autos].

I) A 08.02.2011 foi apresentada a petição inicial que deu origem à presente acção [cf. fls.3 dos autos].


***

Ficou consignado, ainda, na decisão recorrida que:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


***

No atinente à motivação da matéria de facto resulta que a mesma se fundou “[n]o exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.

Foram ouvidas pelo tribunal as duas testemunhas arroladas pela Impugnante. S…, delegada comercial que exerceu funções na sociedade Impugnante desde 19.09.2005, tendo deposto de forma convincente, convergente, espontânea, revelou possuir conhecimento directo dos factos que relatou, enunciando a prática comercial da Impugnante em conceder descontos aos seus clientes, em que parte do desconto era efectuado directamente na factura de compra, e parte do desconto (valor mais reduzido) era acumulado em valor que era convertido em ofertas, a pedido dos clientes. I.., director comercial da Impugnante desde 2008, não revelou ter qualquer conhecimento directo sobre os factos ocorridos em 2007.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2007, e respetivos JC.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida:

Ø Incorreu em erro de julgamento de facto, por errada valoração da prova testemunhal e documental, importando, assim, aferir dos requisitos do artigo 640.º do CPC;

Ø Padece de erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, por ter decidido que os custos com ofertas a clientes, no valor de €97.258,07, se subsumem normativamente no artigo 23.º do CIRC, porquanto se encontra provada a sua indispensabilidade.

Apreciando.

A Recorrente começa por evidenciar que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que consignou como provado que as despesas visadas foram contraídas com vista à aquisição de artigos para ofertas a clientes, suportando-se, tão-só, no depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrida, concretamente dos seus funcionários, cuja credibilidade não pode ser avalizada atenta, desde logo, a especial relação profissional que comungam e consequente dependência económica.

Advoga, adicionalmente, que à luz das regras da experiência comum, não é verosímil que as mesmas afirmem que os produtos se destinavam a clientes, e no âmbito do seu escopo, mas não se recordem ou sejam incapazes de indicar um único cliente que tenha ousado receber esta oferta.

Dissente a Recorrida, relevando, desde logo, que a Recorrente não impugna a matéria de facto em ordem aos requisitos contemplados no artigo 640.º, do CPC, limitando-se, tão-só, a mera manifestação de inconformismo com a decisão recorrida.

Mais advogando, de todo o modo, que o juiz tem liberdade de apreciação da prova produzida em juízo e in casu não ocorreu qualquer erro na apreciação quer da prova documental, quer da prova testemunhal, estando a mesma devida e claramente motivada.

Ora, atentando nas conclusões coadjuvadas com as suas alegações de recurso, resulta, desde logo, que a Recorrente não impugna a matéria de facto -em ordem aos requisitos estabelecidos no artigo 640.º do CPC- decorrente da prova documental e testemunhal não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, ou mesmo qualquer supressão limitando-se, como visto, a sindicar -genérica e conclusivamente- a prova testemunhal, e sua concreta credibilidade, mas sem daí extrair uma cominação e sem a devida particularização quanto ao probatório dos autos.

Aduza-se, em abono da verdade, que não são permitidos recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo(1).

Não podendo, nessa medida, a Recorrente limitar-se a evidenciar que a prova testemunhal não é crível, atenta a relação profissional subjacente, quando, de resto, é precisamente essa subordinação e vínculo jurídico que lhe confere razões de ciência válidas e, devidamente, suportadas.

Note-se, ademais, que quando é colocada em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas, não basta a mera alegação que o depoimento não é crível. E isto porque, se a convicção formada pela Recorrente sobre a credibilidade do depoimento da testemunha, não coincide com a convicção do julgador, tem de objetivar-se a ausência de credibilidade ponto da discordância, impondo-se ao Recorrente que indique as razões de ciência em que se firma, e bem assim as passagens da gravação demonstrativas da desconformidade.

De resto, como é consabido os depoimentos das testemunhas quando, críveis, com razões de ciência perfeitamente evidenciados e devidamente ponderados, podem e devem ser valorados na exata medida da convicção do julgador e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

In casu, e contrariamente ao aduzido pela Recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o modo como os depoimentos foram prestados. Com efeito, e conforme resulta, de forma clara e inequívoca, da motivação da matéria de facto, a decisão recorrida enunciou as razões pelas quais entendeu credibilizar ou não os depoimentos, quais as razões de ciência atinentes ao efeito, relevando, designada e expressamente, que depôs de “forma convincente, convergente, espontânea, revelou possuir conhecimento directo dos factos”, não tendo a Recorrente sindicado os mesmos com os devidos trechos que poderiam acarretar uma valoração distinta e inclusive díspar redação, nem, tão-pouco, contraditado e refutado com a devida substanciação.

Não podendo anuir-se, outrossim, com a convocada falta de verosimilhança consubstanciada na falta de precisão e especificação das testemunhas, desde logo atento o contexto bastante abrangente e díspar das ofertas em contenda, e o vasto leque das farmácias suas clientes. Dizendo-se, ademais, e no plano oposto ao propugnado pela Recorrente que, à luz das regras da experiência comum, é perfeitamente plausível e justificável a inexistência de uma clara e inequívoca alocação à visada farmácia, sendo certo que, como visto, tal alocação é materializada pela prova documental, de resto, corporizada no respetivo Anexo II do Relatório de Inspeção Tributária.

Mais importa relevar que, inversamente ao que é evidenciado pela Recorrente, e atentando no recorte probatório dos autos, concretamente, da alínea H) resulta que a asserção atinente às despesas, sua finalidade e concreta identificação dos clientes resultou provada mediante a conjugação de dois meios probatórios, concretamente, prova testemunhal e prova documental.

Logo, per se, a sua alegação encontrava-se radicada em premissas e pressupostos erróneos, sendo certo que atentando na prova documental convocada na visada alínea do probatório, verifica-se que a mesma não só se reporta à competente fatura, mas também ao respetivo meio de pagamento e inerente nota interna que atesta o reembolso com concreta individualização do destinatário.

Acresce, outrossim, que no âmbito da demonstração da funcionalidade da despesa e sua interligação com o escopo empresarial, a prova documental pode ser coadjuvada pela prova testemunhal. De resto, in casu, nem tão-pouco, é controvertida a efetividade e a documentabilidade dos custos em contenda.

Ademais, importa ter presente que há muito que é Jurisprudência assente que se um dado movimento contabilístico não se encontrar comprovado, por um documento externo, ou mesmo se a densificação de uma determinada realidade cuja efetividade não é colocada em crise, tal não pode, sem mais, afastar a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC.(2)

Até porque, à data, a densidade de suporte documental em termos de IRC era, efetivamente, distinta da exigível em sede de IVA, porquanto o facto de uma dada transação não se encontrar suportada num documento externo ou o facto de o mesmo ser incompleto, não preclude liminarmente a dedutibilidade do custo, pois que se admite a prova das características da transação através de qualquer meio.

Como doutrina Rui Duarte Morais, “julgamos ser doutrina e jurisprudência pacíficas, que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito. É que a não aceitação, por razões de índole meramente formal, da dedutibilidade de um custo que efectivamente foi suportado, corresponderia à tributação por um lucro que não existe, a um imposto a que não subjaz a correspondente capacidade contributiva”(3).

E por assim ser, face a todo o expendido anteriormente, conclui-se que inexiste qualquer erro de julgamento de facto, mantendo-se, por conseguinte, a matéria de facto inalterada.


***


Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto cumpre, então, analisar o erro de julgamento por errada apreciação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente advoga que no caso sub judice, não foi demonstrada a indispensabilidade dos custos, atenta, por um lado, a inexistência de uma lista dos destinatários e ofertas correspondentes, e por outro lado, a falta de credibilidade dos depoimentos prestados, tendo, por isso, de concluir-se que as ofertas a clientes não são indispensáveis para a realização dos proveitos, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

A Recorrida dissente, sublinhando, neste concreto particular, que foi produzida a prova atinente à indispensabilidade dos custos, conforme sentenciado pelo Tribunal a quo, e que, de resto, não percebe a argumentação atinente à inexistência de uma lista, quando a própria AT, precisamente com os elementos que solicitou e lhe foram facultados no decurso do procedimento de inspeção produziu essa lista, a qual integra o Anexo II ao Relatório Final de Inspeção.

Ademais enfatiza que, as alegações recursivas atinentes à própria existência e natureza das despesas, não podem ser devidamente valoradas por redundarem em fundamentação a posteriori, legalmente não admissível.

Resumidas as posições das partes, atentemos, ora, na fundamentação da decisão recorrida que esteou a procedência e consequente anulação das correções visadas.

“Resulta provado nos presentes autos que no exercício de 2007 a Impugnante declarou a venda de mercadorias no montante de €155.077.972,12 [cf. al. B) dos factos assentes].

Mais resulta provado, quer em sede de procedimento de inspecção quer nos presentes autos, que a Impugnante procedeu a ofertas a clientes no montante de €94.361,32, ofertas essas que se traduziram no custear de viagens de lazer, despesas em arte e decoração, entretenimento e lazer [cf. al. F) e H) dos factos assentes].

Conforme ficou demonstrado nos autos, as ofertas aqui em análise consubstanciavam uma estratégia comercial com vista a atrair e a manter os clientes que mais compras efectuavam, resultando assim inequívoca a relação entre as ofertas e os proveitos gerados. Estas ofertas correspondem a 0,05% do valor das mercadorias vendidas, pelo que não resulta ser excessivos.

Efectuada que foi a correlação entre as despesas suportadas com as ofertas aos clientes e os proveitos obtidos por essa via, resulta demonstrado o nexo de causalidade entre o custo e o proveito gerado.

Estamos assim perante o normal desenvolvimento do objecto social da sociedade Impugnante.”

Ora, analisando a aludida fundamentação nenhuma censura merece a decisão recorrida, porquanto realizou uma correta análise do regime jurídico vigente com a devida transposição para o caso vertente.

Senão vejamos.

Atentemos, ora, na fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária, porquanto, como é consabido, só a fundamentação nele gizada releva para efeitos de justificação das correções realizadas.

Conforme descrito no probatório -não devidamente impugnado-mormente, na alínea F), a AT avançou como fundamentação para a realização das correções atinentes às ofertas a clientes, o seguinte:

- Foi registada na conta 62218, a contabilização de artigos para oferta;
- Estas ofertas, de acordo com a informação facultada pelo sujeito passivo e manuscrita nos respetivos documentos de suporte, de um modo geral, destinaram-se aos clientes (farmácias).
- Tratam-se, portanto, de encargos destinados aos farmacêuticos e que têm como objetivo custear viagens de lazer, despesas em arte e decoração, entretenimento e lazer.
- Não estando provada a indispensabilidade dos custos em causa, nos termos referidos, como lhe competia, como decorre do n°1 do artigo 23° do Código do IRC, e atento o conceito de indispensabilidade de custos, não podem os mesmos ser tidos em conta na determinação para efeitos fiscais de um lucro real efetivo.
- Só seria possível provar essa indispensabilidade se, inequivocamente, tais custos se concretizassem em proveitos;
- A identificação da atribuição das referidas ofertas, não é transparente;

Como visto, do teor do Relatório Inspetivo, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.º do CIRC, e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal, assentou, apenas, na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos.

Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real.

Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, dispunha o artigo 23.º do CIRC, à data da prática dos factos tributários, sob a epígrafe de “custos ou perdas” que:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora nomeadamente os seguintes:

a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;

c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;

e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta;

f) Encargos fiscais e parafiscais;

g) Reintegrações e amortizações;

h) Provisões;

i) Menos-valias realizadas;

j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável. (…)”

A lei, de facto, não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa, numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento e por último, tem de existir um nexo de indispensabilidade entre os encargos e os proveitos para a obtenção de proveitos e/ou para a manutenção da fonte produtora.

Sendo que indispensabilidade não é sinónimo de razoabilidade. “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro (...) o Fisco filtra as decisões da empresa em face do escopo da organização, quer sobre o crivo imediatístico (subsunção dos actos ao ramo ou ramos de actividade estatutariamente definida) quer, sobretudo, em função do fim mediato (obtenção de lucros através dessa actividade, com vista à sua posterior repartição entre os sócios). (...) «Reprime os actos desconformes com o escopo da sociedade, não inseríveis no interesse social, sobretudo porque não visam o lucro, mediante a preclusão da dedutibilidade fiscal dos inerentes custos(4)”.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (5).

Em termos de ónus probatório, importa, ainda, relevar que impende, a montante, sobre a AT pôr em causa a indispensabilidade dos custos, competindo ao sujeito passivo, após essa sindicância, demonstrar que os custos cumprem, efetivamente, esse desiderato.

Uma vez convocado o regime jurídico e tecidos os considerandos de direito que para os autos relevam, vejamos, então, se o Tribunal a quo incorreu nos erros de julgamento que lhe são assacados.

De relevar, desde já, que o juízo de entendimento da AT, refletido no Relatório de Inspeção Tributária, reconduz-se à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência.

Senão vejamos.

A AT evidencia que “[n]ão havendo qualquer indispensabilidade ex lege ainda que se considerem enquadráveis no nº1 do artº 23.º do CIRC, não dispensa a prova de tal indispensabilidade tal só seria possível se fosse demonstrado claro e inequivocamente que tais custos se concretizariam em proveitos.” (sublinhado nosso).

Ora, tal juízo de valoração não pode proceder porquanto assenta numa versão finalística do custo, em que se exigiria, errada e ilegalmente, uma concreta materialização do proveito.

Com efeito, um custo será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Logo, a AT apenas pode desconsiderar os custos que não se inscrevem no objeto social e no âmbito da atividade do sujeito passivo, ou seja, os que foram contraídos para a prossecução de objetivos alheios.

Está, portanto, “[a]rredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos (Criticando esse entendimento restritivo da indispensabilidade, ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, pág. 243 e segs., e TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 131 a 133, e A Dedutibilidade dos Custos em Sede de IRC, Fisco n.º 101/102, Janeiro de 2002, pág. 40.).(6)”

In casu, como visto, a decisão recorrida entendeu que, não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, e uma vez efetuada a correlação entre as despesas suportadas com as ofertas aos clientes e a atividade empresarial, as mesmas subsumem-se no normativo 23.º do CIRC.

E, de facto, face aos considerandos expendidos e transpondo os mesmos para o recorte probatório dos autos, o aludido entendimento não merece crítica, na medida em que fazendo uma incursão no acervo fático dos autos, não devidamente impugnado, ter-se-á de concluir que não tendo sido colocada em causa a efetividade das despesas, estando as mesmas, devidamente, suportadas em documentos idóneos, evidenciado o fee pago e os fins para os quais a Recorrida o suporta, e alocando-o ao objeto societário da mesma, tais despesas devem ser integralmente dedutíveis, como custos fiscais.

De relevar, outrossim, que pese embora se infira do teor das alegações recursivas- ainda que de forma não absolutamente clara- que a Recorrente sindique, ora, a própria efetividade e natureza das despesas tais alegações em nada podem relevar na medida em que consubstanciam fundamentação a posteriori, não admissível (7).

Ressalvando-se, ainda neste particular, que pese embora a Recorrente aluda à inexistência de uma lista dos destinatários e ofertas correspondentes, a verdade é que não se perceciona o alcance de tal alegação, não só porque essa lista foi corporizada pela própria Inspeção Tributária, integrando, de resto, o Anexo II do Relatório de Inspeção Tributária, como a mesma se encontra refletida no probatório.

Acresce, outrossim, que qualquer “falta de transparência”, teria de ser devidamente substanciada, não podendo simplesmente a entidade fiscalizadora ater-se a um juízo, eminentemente, conclusivo, sem que sejam densificados os motivos atinentes a essa qualificação, e sem que sejam requeridos elementos visando, justamente, suprir qualquer deficiência, mormente, em termos de clareza.

Note-se que face à presunção da verdade declarativa que goza a escrita do contribuinte (artigo 75.º da LGT), tendente a infirmá-la, e inversamente ao preconizado em E), a AT tem de provar que as verbas corrigidas não estão diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, não podendo limitar-se a juízos conclusivos.


Quando, ademais, e conforme dimana inequívoco da alínea H) da factualidade assente -não devidamente impugnada- existe um “rasto” documental atinente a todo o circuito da despesa. Com efeito, e no sentido ajuizado pela Recorrida, os documentos que suportam a prova dos autos abarcam justamente, “(i) os comprovativos de pagamento (pela Recorrida) da oferta escolhida pelo cliente (no montante correspondente ao desconto adicional concedido pelas vendas feitas à farmácia em causa), assim como (ii) da carta ao cliente (a farmácia) a agradecer a preferência (demonstrada pelo maior volume de vendas) e a enviar os comprovativos de que a oferta foi concedida.”

De relevar, outrossim, que resulta patenteado no probatório, mormente, da conjugação das alíneas A), B), e H), sedimentado com a própria motivação da matéria de facto, que as visadas despesas tinham como ratio a promoção e incremento de produtividade, delas dimanando que uma existia uma prática comercial da Impugnante em conceder descontos aos seus clientes, em que parte do desconto era efetuado diretamente na fatura de compra, e outra parte, era acumulado em valor que era convertido em ofertas, a pedido dos clientes.

Há, portanto, um fito estratégico, organizacional, de otimização e delineação de resultados, sendo, ademais, de ressalvar e na linha do ajuizado pelo Tribunal a quo e que, ora, se secunda, que em termos de quantum tais despesas não apresentam, de todo, um montante expressivo quando concatenado com o resultado financeiro e económico da empresa, não assumindo, assim, um valor percentual superior a 0,05%.

Destarte, tais despesas estão, inteiramente, alocadas ao escopo societário da Recorrida, reputando-se como indispensáveis para a obtenção de proveitos e para a manutenção da fonte produtora.

Ademais, dizem-nos as regras da experiência que a realização de ofertas a clientes, é uma realidade comum na vida das empresas, particularmente, dos grupos farmacêuticos funcionando, não só como promoção dos interesses comerciais, mas como óptica de fidelização dos clientes, donde, com consequente reflexo na correspondente receita.

Acresce, ainda sublinhar, que o controlo a efetuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser feito pela negativa, ou seja, a entidade fiscalizadora só deve desconsiderar como custos fiscais os que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo intrometer-se na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa(8).

Ora, em face do exposto, não tendo sido colocada em causa a efetividade das aludidas despesas, estando as mesmas devidamente suportadas e assumindo, como visto, um propósito empresarial, ou seja, contraídas no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social, conclui-se que as mesmas são indispensáveis para a obtenção de proveitos, porquanto nenhum vício pode ser assacado à decisão recorrida que assim o decidiu.

Destarte, tudo visto e ponderado e sem necessidade de mais considerações, improcedem as razões invocadas pela Recorrente, mantendo-se a anulação decretada pelo Tribunal a quo, por as correções impugnadas padecerem de vício de violação de lei, por errada interpretação dos pressupostos de direito.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 02 de fevereiro de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)



___________________________________

(1) Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31.05.2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07.06.2018.
(2) Vide, designadamente, Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 2951/09, datado de 07.05.2020.
(3) in Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pág. 80.
(4) TOMÁS TAVARES, «Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, página 135
(5) Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.
(6) In Acórdão do STA, proferido no processo nº 0627/16, de 28.06.2017.
(7) vide, designadamente, Arestos do STA, prolatados no âmbito dos processos nºs02887/13, 28.10.2020, 02176/15, de 30.01.2019 e 0208/17, de 22.03.2018.