Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1241/11.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/15/2023
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PODERES DO JUIZ
CONTENCIOSO DE MERA ANULAÇÃO
Sumário:I - No que respeita à impugnação judicial, o Tribunal terá de pautar a sua atuação na observância da mera legalidade, tendo em vista a anulação de um ato jurídico (tributário/liquidação) da Administração, podendo declarar a invalidade do ato (total ou parcial), sem com tal se substituir à Administração e aos que são os seus poderes.

II - Tal não significa, porém, que o Tribunal nada mais possa decidir para além da declaração de nulidade, inexistência ou anulação, total ou parcial, do ato impugnado.

III - Na impugnação judicial, o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à indemnização por prestação da garantia indevida e à restituição do imposto indevidamente liquidado/suportado, são condenações/decisões que cabem nos poderes do juiz.

IV - No caso, decidida a ilegalidade do indeferimento parcial do pedido de reembolso do IVA, podia e devia o Tribunal pronunciar-se sobre a solicitada restituição e, bem assim, sobre o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, sem que o conhecimento de tais pedidos extravasasse e infringisse os poderes conferidos ao juiz em sede de impugnação judicial, de apreciação da validade do ato contestado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

L…………………., anteriormente designada por H o…………………., sociedade de direito suiço, com o número de identificação fiscal suíço CH …………., que designou como representante fiscal em Portugal L …………….., contribuinte fiscal n.º ………….., apresentou no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa impugnação judicial contra a decisão de indeferimento parcial do pedido reembolso de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 179617/2010, referente ao ano de 2009, no valor de € 6.347,70.

Na p.i de impugnação judicial foi pedida a anulação do ato contestado e o reembolso do imposto suportado, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

O Tribunal a quo, na sentença proferida, decidiu o seguinte:
«I. Julgo a presente impugnação judicial procedente e, em consequência, anulo o acto de indeferimento parcial do pedido de reembolso de IVA apresentado pela Impugnante ………………………….., anteriormente designada por H ……………………., na parte relativa ao montante de imposto liquidado nas facturas que lhe foram emitidas pelo fornecedor Ilha Verde Rent a Car, R ……………….., Lda., no valor de EUR 6.347,70, por vício de violação de lei, com os fundamentos expendidos supra.
II. Julgo sem efeito os pedidos de reembolso de EUR 6.347,70 e de condenação da Administração Tributária ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, absolvendo a Fazenda Pública da instância quanto aos mesmos. »

Inconformada com o segmento da sentença assinalado em II supra, a sociedade Impugnante recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo, nas alegações apresentadas, formulado as seguintes conclusões:

«1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento parcial do pedido de reembolso do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.°…………/2010, referente ao ano de 2009, no valor de €6.347,70, determinando a anulação da referida decisão de indeferimento parcial;

2.ª Não obstante, absolveu a Fazenda Pública da instância no que concerne aos pedidos de reembolso do IVA no valor de €6.347,70 e de condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios incidentes sobre aquele;

3.ª Entende a ora Recorrente que a sentença recorrida incorre, nesta parte, em manifesta ilegalidade, na medida em que, à luz do quadro constitucional e normativo vigente, assim como das circunstâncias concretas e de facto que norteiam a situação sub judice, aqueles pedidos não deviam ter deixado de ser conhecidos pelo Tribunal a quo;

4.ª Em conformidade com o disposto nos artigos 20° e 268°, n.°4, da CRP, encontra-se constitucionalmente consagrado um princípio geral de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva que ultrapassa o tradicional direito de impugnação de atos lesivos abrangendo também a determinação da prática de atos legalmente devidos;

5.ª O processo judicial tributário, à semelhança do processo administrativo, é hoje erigido em torno de um conceito de posição jurídica subjetiva;

6.ª Neste sentido, refere NUNO CEKDEIRA RIBEIRO que "A questão da plenitude do contencioso tributário está hoje, pelo menos até certo ponto, debelada. A proteção das diversas posições jurídicas dos particulares está hoje assegurada, uma vez que foi afastada a filosofia anteriormente vigente que atribuía aos tribunais o mero controlo da legalidade da atuação administrativa. (...) mostra-se necessário encontrar um ponto de compatibilização entre a defesa das posições subjetivas dos contribuintes e o controlo da legalidade administrativa, de modo a que a primeira possa ocupar o lugar que lhe compete e o segundo não seja negligenciado. Assim sendo, sempre que para isso forem chamados os tribunais controlarão a legalidade da atuação administrativa, mas não estão hoje limitados a essa via na proteção dos direitos e interesses legítimos dos contribuintes, podendo optar por outra via que confira uma tutela mais plena, mais intensa, enfim mais eficaz." (cf. «O controlo jurisdicional dos atos da administração tributária», Almedina, 2014, páginas 30 e 42);

7.ª Em face do acima exposto, resulta evidente o erro em que incorreu o Tribunal recorrido na sentença sob recurso, na medida em que, tendo por base o cariz essencialmente anulatório do processo de impugnação judicial, o Tribunal a quo alheou-se da pretensão material do contribuinte no caso sub judice e não proferiu a decisão que assegurava uma tutela mais plena e efetiva da Recorrente;

8.ª De facto, no caso sub judice a tutela plena e efetiva da pretensão do contribuinte só se encontraria assegurada se os pedidos de reembolso do IVA e de pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios - enquanto pedidos que consubstanciam a pretensão jurídica do contribuinte - fossem apreciados pelo Tribunal a quo nos presentes autos de impugnação judicial;

9.ª Assim, uma vez evidenciada que a pretensão da Recorrente compreendia, para além do pedido de anulação da decisão de indeferimento parcial do reembolso, o reembolso do IVA e o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios e, bem assim, demonstrada a plenitude do contencioso judicial tributário, só pode concluir-se pelo erro da sentença recorrida, devendo julgar-se procedente o recurso;

10.ª Esta conclusão não se tem por afastada pelo facto de o centro nevrálgico do processo de impugnação judicial continuar a ser um ato jurídico inválido, nem pelo facto de o legislador ter previsto como meio de reação para a contestação da decisão de indeferimento do pedido de reembolso a impugnação judicial, quando poderia ter optado por um meio de reação no âmbito do qual a plenitude da tutela jurisdicional efetiva fosse mais evidente - como a ação administrativa;

11.ª Com efeito, a escolha do meio de reação "impugnação judicial" em detrimento de outro não é motivo para circunscrever o alcance da tutela jurisdicional efetiva atento o princípio constitucional supra referido;

12.ª De facto, a opção pela forma processual da "impugnação judicial" mais não revela do que a intenção de reservar para a jurisdição fiscal a contestação daqueles atos que comportam especialidade ou propriedade tributária;

13.ª Independentemente do meio de reação pelo qual o legislador tenha optado, o contencioso tributário é indiscutivelmente um contencioso de plena jurisdição, não podendo deixar de se conhecer os pedidos que melhor garantem uma tutela jurisdicional efetiva, célere e plena da pretensão do contribuinte;

14.ª Deste modo, em face de todo o exposto, resulta evidente a ilegalidade da sentença recorrida, na parte em que absolveu da instância a Fazenda Pública, razão pela qual deve determinar-se a sua revogação, proferindo-se nova decisão que julgue os pedidos formulados pela Impugnante, ora Recorrente;

15.ª De facto, entende a Recorrente que outra interpretação que não esta incorre, com o devido respeito, em inconstitucionalidade;

16.ª Com efeito, a interpretação dos artigos 108°, n° l e 124°, ambos do CPPT, no sentido de o conhecimento daqueles pedidos se encontrar inviabilizado em sede de impugnação judicial, devolvendo-se o conhecimento dos mesmos à administração tributária, é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, patente nos artigos 20° e 268°, n°4, da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais;

17.ª Trata-se de inconstitucionalidade material, por restrição desproporcionada e desnecessária do direito à tutela jurisdicional efetiva, afetando o conteúdo essencial desta, em clara violação do artigo 18°, n.os 2 e 3, da CRP;

18.ª Na verdade, não existe nenhuma razão de fundo para restringir o alcance do conhecimento do Tribunal no âmbito dos processos de impugnação judicial, designadamente quando se compara com o alcance da condenação no âmbito dos processos de ação administrativa;

19.ª Acresce que, caso se entenda que os mencionados artigos do CPPT não comportam qualquer outra dimensão normativa para além da enunciada, mormente uma dimensão normativa conforme à CRP, ainda assim não deveria ter ficado arredado dos presentes autos o conhecimento daqueles pedidos, por força da aplicabilidade direta do artigo 268°, n° 4, da CRP, enquanto garantia fundamental, sendo possível tal recurso direto ao normativo constitucional para a garantia de uma tutela jurisdicional administrativa e tributária sem lacunas e garantia da existência de meios necessários com vista à sua plena exequibilidade e operatividade;

20.ª Efetivamente, apenas o reconhecimento do direito subjetivo da ora Recorrente ao reembolso do IVA e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios permite conferir um efeito útil à respetiva decisão, promovendo a eliminação da ordem jurídica de um ato ilegal e, bem assim, a reconstituição da situação de facto conforme com as exigências do direito tributário substantivo;

21.ª Ademais, a negação do conhecimento daqueles pedidos configura uma violação ao princípio da economia processual, enquanto refração do artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e do artigo 20° da CRP;

22.ª Acresce que, a adoção do princípio da tutela jurisdicional efetiva apenas se revelará plena e efetiva se for exercida em tempo útil;

23.ª Nestes termos, contanto que existam nos autos elementos bastantes para se proceder à apreciação judicial do pedido de reembolso de IVA e de pagamento de juros indemnizatórios, deverá o Tribunal apreciá-los e decidir sobre os mesmos, sob pena de se protelar na esfera jurídica do lesado a lesão da sua autonomia patrimonial privada;

24.ª Com efeito, o conhecimento imediato daqueles pedidos pelo Tribunal a quo em sede de impugnação judicial assegura a vertente da celeridade da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrada nos artigos 20° e 268°, n° 4, da CRP;

25.ª Face ao exposto, impunha-se pois ao Tribunal a prolação de decisão judicial que contemplasse uma dimensão negativa, de anulação do ato impugnado e, bem assim, uma dimensão positiva, que tome em consideração o pedido de reembolso do IVA e pagamento dos juros indemnizatórios, sob pena de se violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente da garantia de proteção temporalmente adequada;

26.ª Não o tendo feito, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento, nesta parte, razão pela qual deve ser anulada e substituída por outra que conheça dos referidos pedidos, julgando-os procedentes;

27.ª Acresce ainda que dos autos constam todos os elementos que permitiam ao Tribunal decidir sobre o reembolso do IVA e a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios;

28.ª Com efeito, o único fundamento que obstava ao deferimento total do pedido de reembolso do IVA era a circunstância de as faturas não conterem o número de identificação fiscal do adquirente, aspeto que foi ultrapassado na sentença recorrida, encontrando-se demonstrados todos os demais requisitos, como aliás nunca se controverteu nos presentes autos e resulta provado na sentença recorrida (cf., designadamente, os pontos l a 3 da factualidade dada como provada na sentença recorrida);

29.ª Deste modo, sendo evidente que o Tribunal dispunha de todos os elementos de facto que lhe permitiam proferir uma decisão sobre os referidos pedidos, não restam dúvidas de que a sentença incorreu, também com este fundamento, em erro de julgamento, devendo ser objeto de anulação na parte ora objeto de recurso;

30.ª Contra esta conclusão não pode arguir-se, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, que ao proferir uma decisão sobre tais pedidos o Tribunal se imiscui em áreas exclusivas de intervenção da administração tributária;

31.ª Com efeito, desde a revisão constitucional de 1997 que o único limite ao sistema de plena jurisdição é o respeito pelo princípio da separação de poderes, sendo certo que não está em causa nos presentes autos qualquer substituição da administração tributária em juízos de oportunidade ou conveniência;

32.ª Assim, não estando em causa quaisquer juízos de oportunidade ou conveniência, também com este fundamento não estaria vedado ao Tribunal o conhecimento dos referidos pedidos;

33.ª Deste modo, e em face de todo o exposto, resulta evidente a ilegalidade da sentença recorrida na parte em que absolveu da instância a Fazenda Pública quanto aos pedidos de reembolso do IVA e de pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios;

34.ª Razão pela qual, deve julgar-se procedente o presente recurso, de terminando-se a revogação da sentença recorrida, na parte ora objeto de recurso, e a sua substituição por outra que conheça os referidos pedidos e os julgue procedentes, com as demais consequências legais.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte ora objeto de recurso e, por conseguinte, a sua substituição por outra decisão que conheça dos pedidos de reembolso de IV A e de juros indemnizatórios formulados pela Recorrente e os julgue procedentes, com as demais consequências legais, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. A Impugnante é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito suíço, sediada em Zurique (cf. cópia certificada da tradução certificada do registo da Conservatória Comercial do Cantão de Zurique junta entre fls. 77 e 84 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido);

2. A Impugnante não tem qualquer estabelecimento estável na EU (facto admitido por acordo, alegado pela Impugnante no artigo 35º da p.i. e não contestado pela ERFP);

3. Em 23.08.2010, a Impugnante apresentou junto da Direcção de Serviços de Reembolsos da Administração Tributária um "Pedido de reembolso de Imposto sobre o Valor Acrescentado por um sujeito passivo não estabelecido no interior do país" no valor de EUR 1.063.767,16, com referência ao período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2009, aí identificando o seu número de identificação fiscal ("CH …………-"), a natureza da sua actividade ("aluguer de viaturas"), o seu representante fiscal (L …………., com o número de identificação fiscal ……………) e mais declarando que os bens ou serviços adquiridos foram utilizados na sua qualidade de sujeito passivo no âmbito da sua actividade de aluguer de viaturas e que não efectuou em Portugal, no período em causa, qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços (cf. cópia do pedido junta a fls. 10 do PAT apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido).

4. Em 28.02.2011, a Impugnante foi notificada, na pessoa do seu representante fiscal, do projecto de decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso referido no ponto anterior, nos termos do qual se propõe a recusa da restituição de imposto no valor de EUR 12.899,02, com os fundamentos que se transcrevem de seguida, na parte com interesse para a presente decisão, e se insta a Impugnante a, querendo, exercer o seu direito de audição prévia, no prazo de 10 dias:
"€6.347,70 - Todas as facturas relacionadas neste pedido, relativas ao fornecedor lha [sic] V……….., R……………., Lda., Nif …………..não se encontram emitidas de acordo com o n° 2 do artigo 7 do artigo 19° [sic] do Decreto-Lei 186/2009 de 12 de Agosto, na medida que não contêm todos os elementos exigidos no artigo 36° do Código do FVA, ou seja não têm o numero [sic] de identificação fiscal do adquirente (...)" (cf. cópias do ofício n.°G10661, de 23.02.2011, da Direcção de Serviços de Reembolsos, e dos respectivos registo e aviso de recepção, juntas entre fls. 69 e 72 do PAT apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

5. Em 21.03.2011, a Impugnante foi notificada, na pessoa do seu representante fiscal, da conversão, em definitivo, do projecto de decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso, no valor de EUR 12.899,02, referido no ponto anterior, em virtude da falta de exercício do direito de audição prévia (cf. cópias do ofício n.°0613835, de 14.03.2011, da Direcção de Serviços de Reembolsos, e dos respectivos registo e aviso de recepção, juntas entre fls. 73 a 75 do PAT apenso, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

6. Em 24.03.2011, a Administração Tributária emitiu o cheque n.°……………, no valor de EUR 1.050.867,39, à ordem da Impugnante (cf. cópia dos detalhes do pagamento n°…………… junta a fls. 86 do PAT apenso, documento que se dá por integralmente reproduzido, e decorre da informação constante de fls. 87 a 91 dos autos).

7. Em 21.06.2011, a Impugnante apresentou a p.i. da presente impugnação judicial (cf. fls. 2 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido).


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Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.

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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»

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- De Direito

Como resulta claro do relatório inicial, a sentença proferida em sede de impugnação do indeferimento parcial do pedido de reembolso de IVA apresenta dois segmentos na sua decisão. Por um lado, a impugnação judicial foi julgada (i) procedente e, em consequência, foi anulado o ato de indeferimento parcial do pedido de reembolso de IVA apresentado pela L ………………., “na parte relativa ao montante de imposto liquidado nas faturas que lhe foram emitidas pelo fornecedor Ilha ……….. ….., R …………….., Lda., no valor de EUR 6.347,70, por vício de violação de lei”; por outro, (ii) foram julgados “sem efeito os pedidos de reembolso de EUR 6.347,70 e de condenação da Administração Tributária ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, absolvendo a Fazenda Pública da instância quanto aos mesmos.”

A discordância da Recorrente é naturalmente relativa ao segundo segmento da decisão, já que o identificado em (i) é-lhe inteiramente favorável.

Para melhor se perceberem as razões da discordância da Recorrente com o decidido, passamos a dar conta daquele que foi, no essencial, o discurso argumentativo alinhado na sentença. Aí se escreveu, a propósito dos pretendidos reembolso e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, o seguinte:

“(…)

Tal como se aludiu anteriormente, a Impugnante, após explanar, na p.i. deduzida, os motivos que, em seu entender, inquinam a decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso de IVA proferida pela Administração Tributária de ilegalidade, pugna, a final, pela procedência da presente acção, reembolsando-se-lhe o imposto cuja restituição lhe foi negada por esta última, acrescida de juros indemnizatórios, contados a partir do final do sexto mês seguinte ao da apresentação do pedido, de harmonia com o disposto no n.°1 do artigo 2º e do artigo 15.°, ambos do Decreto-Lei n.° 186/2009, de 12.08.

Não obstante a aparente simplicidade do(s) pedido(s) formulado(s) pela Impugnante, impõe-se a este Tribunal, em obediência ao disposto nos artigos 123º e 125º do CPPT, proceder a um reparo prévio, atinente à (in)admissibilidade do reconhecimento judicial dos efeitos a que aquela se arroga.

É que, conforme decorre dos termos conjugados do n.° 1 do artigo 108º e do artigo 124.°, ambos do CPPT, o processo de impugnação judicial consubstancia, ainda hoje, na sua essência, um processo de mera anulação.

(…)

Ora, é inequívoco que o presente meio processual se revela adequado para conhecer do pedido de anulação de um acto de indeferimento parcial do pedido de reembolso de IVA - isso mesmo decorre, de forma expressa, do disposto no n.° 2 do artigo 16º do “Regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de reembolso” anexo ao Decreto-Lei n.°186/2009, de 12.08, aplicável ex vi n.°3 do artigo 2 º do mesmo regime, e, de resto, do n.°13 do artigo 22.º do Código do IVA.

No entanto, atento o estrito escopo anulatório que subjaz ao processo de impugnação judicial, bem como as necessárias limitações que daí decorrem para o julgador, nos termos acabados de expender, facilmente se infere que a presente decisão não poderá, ainda que se venha a reconhecer o vício de violação de lei que é compulsado pela Impugnante, encerrar os efeitos a que esta se arroga, consistentes no reembolso do IVA que lhe foi negado pela Administração Tributária.

(…)

Com efeito, no que tange ao reembolso do IVA titulado pelas facturas do seu fornecedor Ilha Verde, é possível concluir que, com tal pedido, não visa a parte uma qualquer “declaração da sua invalidade jurídica”, nos termos e para os efeitos a que se aludiram supra.

A pretensão em apreço encerra já um juízo condenatório por parte do tribunal que não se compadece com a natureza estritamente anulatória do processo de impugnação judicial, devendo, como tal, ser dada sem efeito, de harmonia com o disposto no n.°4 do artigo 186º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, e a Fazenda Pública absolvida da instância nesse particular.

Já no que respeita ao pedido de condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pelo Impugnante, há que salientar que o n.°1 do artigo 15º do regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-Membro de reembolso a que acima se aludiu, anexo ao Decreto-Lei n.° 186/2009, de 12.08, e aplicável ex vi n.° 3 do artigo 2º do mesmo regime, estabelece serem “devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43° da Lei Geral Tributária, quando não seja cumprido o prazo fixado no n.°1 do artigo anterior para pagamento do reembolso devido” (o qual determina que “O pagamento dos montantes a reembolsar é feito por transferência bancária no prazo máximo de 10 dias úteis a contar do termo do prazo” de 4 ou 6 meses para a prolação de decisão pela Administração Tributária, consoante esta tenha ou não solicitado informações adicionais).

Em concretização do que antecede, preceitua o n.° 3 do artigo 15º do regime em apreço que “os juros são calculados desde o dia seguinte ao termo do prazo de pagamento do reembolso, determinado em aplicação do n.°1 do artigo anterior, até ao dia em que o reembolso seja efectivamente pago” (sublinhado nosso).

Dito de outra forma, o artigo 15º que se vem citando adstringe, assim - e à semelhança do que decorre do n.° 8 do artigo 22º do Código do IVA, na redacção em vigor à data dos factos, bem como da alínea a) do n.° 3 do artigo 43º da LGT -, o direito à percepção de juros indemnizatórios à efectiva concessão do reembolso pela Administração Tributária.

Ora, atentos os considerandos que acima se explanaram a respeito da natureza do processo de impugnação judicial e, bem assim, da sua inaptidão para conhecer do reconhecimento do direito da Impugnante ao reembolso de IVA por si peticionado, facilmente se conclui não ser possível, de igual modo, reconhecer o direito à percepção de juros indemnizatórios que é peticionado pela Impugnante, cujo conhecimento, nos presentes autos, resulta, assim, prejudicado.

Conforme se fez menção, ao tribunal cabe tão-somente proceder “à declaração da (...) invalidade jurídica (por inexistência, nulidade ou anulabilidade)” do acto impugnado, impendendo já sobre a Administração Tributária o dever de “proceder à regulação jurídica substantiva subjacente ao acto impugnado”, reconstituindo a “legalidade do acto ou situação objecto do litígio”, de harmonia com o disposto no artigo 100º da LGT (Jorge Lopes de Sousa, op. cit.).

Significa isto que a eventual procedência do pedido anulatório formulado pela Impugnante nos presentes autos de impugnação judicial carreará à sua eliminação da ordem jurídica, cabendo à Administração Tributária, na prossecução do interesse público e da legalidade que devem nortear a sua actuação, nos termos erigidos constitucionalmente, proferir novo acto, deferindo ou indeferindo o pedido de reembolso de IVA em causa, atentas as limitações que possam decorrer do caso julgado que aqui venha a ser formado, e, se for caso disso, reconhecendo o direito aos juros indemnizatórios a que a Impugnante se arroga, conforme estatui a alínea b) do n.° 1 do artigo 61.° do CPPT.

Motivo pelo qual se conclui que o pedido de condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Impugnante deve, de igual modo, ficar sem efeito, nos termos do artigo 186.°, n.° 4, do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT.

(…)”

Contra o assim decidido, a Recorrente defende-se evidenciando, com maior relevância que:

- os dois apontados pedidos não deviam ter deixado de ser conhecidos pelo Tribunal a quo;

- o princípio geral de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva ultrapassa o tradicional direito de impugnação de atos lesivos, abrangendo também a determinação da prática de atos legalmente devidos;

- o Tribunal recorrido incorreu em erro na medida em que se alheou da pretensão material do contribuinte no caso sub judice e não proferiu a decisão que assegurava uma tutela mais plena e efetiva da Recorrente;

- tal tutela plena e efetiva da pretensão do contribuinte só se encontraria assegurada se os pedidos de reembolso do IVA e de pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios fossem apreciados pelo Tribunal a quo;

- o contencioso tributário é indiscutivelmente um contencioso de plena jurisdição, não podendo deixar de se conhecer os pedidos que melhor garantem uma tutela jurisdicional efetiva, célere e plena da pretensão do contribuinte;

- a interpretação dos artigos 108°, n° l e 124°, ambos do CPPT, no sentido de o conhecimento daqueles pedidos se encontrar inviabilizado em sede de impugnação judicial, devolvendo-se o conhecimento dos mesmos à administração tributária, é inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, patente nos artigos 20° e 268°, n°4, da CRP;

- não existe nenhuma razão de fundo para restringir o alcance do conhecimento do Tribunal no âmbito dos processos de impugnação judicial, designadamente quando se compara com o alcance da condenação no âmbito dos processos de ação administrativa;

- apenas o reconhecimento do direito subjetivo da ora Recorrente ao reembolso do IVA e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios permite conferir um efeito útil à respetiva decisão, promovendo a eliminação da ordem jurídica de um ato ilegal e, bem assim, a reconstituição da situação de facto conforme com as exigências do direito tributário substantivo;

- a negação do conhecimento daqueles pedidos configura uma violação ao princípio da economia processual;

- contanto que existam nos autos elementos bastantes para se proceder à apreciação judicial do pedido de reembolso de IVA e de pagamento de juros indemnizatórios, deverá o Tribunal apreciá--los e decidir sobre os mesmos;

- o único fundamento que obstava ao deferimento total do pedido de reembolso do IVA era a circunstância de as faturas não conterem o número de identificação fiscal do adquirente, aspeto que foi ultrapassado na sentença recorrida, encontrando-se demonstrados todos os demais requisitos, como aliás nunca se controverteu nos presentes autos e resulta provado na sentença recorrida.

- não estando em causa quaisquer juízos de oportunidade ou conveniência, também com este fundamento não estaria vedado ao Tribunal o conhecimento dos referidos pedidos.

Vejamos, então, se, como decidiu o Tribunal recorrido, apenas se lhe impunha, no caso, aferir da validade da decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso do IVA, por lhe estar vedado determinar a restituição do imposto e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios. Posta a questão de outra forma, podia/devia o Tribunal, não apenas aferir da validade da decisão de indeferimento do reembolso, mas também ordenar a restituição do imposto suportado e reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, se para tal se mostrassem reunidos os respetivos pressupostos legais?

Entendemos que a resposta à questão colocada se resolve com facilidade, sem ser necessário, face aos pedidos que aqui estão em causa, entrar em grandes querelas teórica sobre a natureza do contencioso tributário, no sentido de o mesmo ser considerado como de mera anulação ou de plena jurisdição.

Podemos dizer, acompanhando jurisprudência firmada, que em sede de impugnação judicial, a decisão judicial (…) assume um carácter cassatório, de eliminação, total ou parcial, da ordem jurídica do acto impugnado. Mas não pode o juiz condenar a AT na prática de um acto substitutivo daquele e, muito menos, praticar ele tal acto substitutivo. A essa possibilidade obsta, em primeira linha, o princípio da separação dos poderes, com consagração nos arts. 2.º e 111.º da CRP”vide, ac. do STA, de 16/12/20, processo nº 545/13.2BEVIS. Dito de outro modo, e no que respeita à impugnação judicial, o Tribunal terá de pautar a sua atuação na observância da mera legalidade, tendo em vista a anulação de um ato jurídico (tributário/liquidação) da Administração, podendo declarar a invalidade do ato (total ou parcial), sem com tal se substituir à Administração e aos que são os seus poderes.

Partindo desta qualificação, tal não significa que, no âmbito da impugnação judicial, o Tribunal nada mais possa decidir para além da declaração de nulidade, inexistência ou anulação, total ou parcial, do ato impugnado (que, em regra, se apresenta como um ato de liquidação em sentido estrito, o que aqui nem é o caso).

Como não oferece dúvidas, na impugnação judicial, o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à indemnização por prestação da garantia indevida e a restituição do imposto indevidamente liquidado/suportado, são condenações/decisões que cabem, nos termos da lei, nos poderes do juiz. Vejam-se, a este propósito os artigos 30º, 43º e 53º da LGT e o 171º do CPPT.

Referindo-se aos juros indemnizatórios e à indemnização por garantia indevida, pode ler-se no acórdão citado de 16/12/20, o seguinte: “Tem razão a Recorrente quando afirma a natureza meramente anulatória do processo de impugnação judicial (É certo que o legislador entendeu permitir que, em sede de impugnação judicial, o juiz profira condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios [cf. art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT)] e ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia (cf. art. 53.º da LGT e 171.º do CPPT). No entanto, essa possibilidade – justificada por razões eminentemente pragmáticas – situa-se para além do âmbito da apreciação da validade do acto impugnado.).”

Por conseguinte, certos de que a questão aqui em análise não é suscetível de grande controvérsia que reclame considerandos mais aturados, temos por seguro que, no caso, decidida a ilegalidade do indeferimento parcial do pedido de reembolso do IVA, podia e devia o Tribunal pronunciar-se sobre a solicitada restituição e, bem assim, sobre o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, sem que o conhecimento de tais pedidos extravasasse e infringisse os poderes conferidos ao juiz em sede de impugnação judicial, de apreciação da validade do ato contestado. Se outras não fossem, razões de ordem prática assim imporiam.

Aliás, num processo em tudo igual ao que nesta impugnação judicial opôs a Leisure Cars à ATA, embora relativo a um indeferimento parcial do reembolso do IVA de 2007, o TT de Lisboa não hesitou, face à invalidade do indeferimento do reembolso, em ordenar o reembolso do IVA e reconhecer o direito a juros indemnizatórios, sem que tais determinações tivessem suscitado a discordância da Fazenda Pública (vide, o processo º 1338/11.7 BELRS, no âmbito do qual foi proferido acórdão do STA, em 02/12/20, que analisou a (i)legalidade do indeferimento do reembolso).

Face ao exposto, e perante o erro de julgamento cometido, é manifesto que o recurso merece provimento, impondo-se a revogação da sentença.


*

Cumpre, então, apreciar o que decorre do já decidido (e transitado em julgado) pelo TT de Lisboa na sentença que constitui o objeto deste recurso, a tal nada obstando, nos termos do disposto no artigo 665º do CPC.

Comecemos por deixar consignado o decidido em 1ª instância quanto à ilegalidade do indeferimento parcial do reembolso:

“Cumpre, então, apreciar se, no caso concreto, a circunstância de as facturas emitidas pela Ilha Verde não conterem o número de identificação fiscal da Impugnante é ou não motivo justificativo para a recusa do reembolso de IVA peticionado - e, adianta-se já, a resposta a esta questão não pode, in casu, deixar de ser negativa. Senão vejamos:

Tal como resulta do artigo 220.° da Directiva IVA, os sujeitos passivos encontram-se obrigados a, em termos genéricos, emitir uma factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços realizada.

É esta factura que, em termos gerais, habilitará os sujeitos passivos a deduzir o IVA que lhes foi liquidado por força das transmissões de bens ou prestações de serviços realizadas, conquanto aquela seja emitida em obediência aos pressupostos enunciados neste diploma europeu (cf. artigos 168.° e 178.°, ambos da Directiva IVA).

Neste contexto, e na parte com pertinência para a apreciação que se vem a expender, determina o artigo 226.° do diploma europeu a que se vem fazendo referência que "Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes: (...) 4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.°, ao abrigo do qual foi efectuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.°",

Por seu turno, o artigo 227.° da Directiva determina que "Os Estados-Membros podem exigir que os sujeitos passivos estabelecidos no seu território e que aí efectuem entregas de bens ou prestações de serviços indiquem o número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.°, nos casos não referidos no ponto 4) do artigo 226. °".

Cotejando o teor das disposições citadas com o da alínea a) do n.° 5 do artigo 36.° do Código do IVA português, facilmente se conclui que o legislador português lançou mão da prerrogativa que lhe era conferida pelo artigo 227.° da Directiva IVA, ao estatuir, tout court, que as facturas emitidas contenham "Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto" (sublinhado nosso).

Importa agora, no entanto, compulsar o disposto no n.° i do artigo 214.° da Directiva IVA, para o qual remetem o n.° 4 do artigo 226.° e o artigo 227.° do mesmo compêndio legal, nos termos do qual:

"Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para que sejam identificadas através de um número individual as seguintes pessoas:

a) Os sujeitos passivos, com excepção dos referidos no n.° 2 do artigo 9.°, que efectuem, no respectivo território, entregas de bens ou prestações de serviços que lhes confiram direito a dedução e que não sejam entregas de bens ou prestações de serviços em relação às quais o IVA seja devido unicamente pelo destinatário em conformidade cornos artigos 194.° a 197.° e 199.°; -. ....

b) Os sujeitos passivos ou as pessoas colectivas que não sejam sujeitos passivos que efectuem aquisições intracomunitárias de bens sujeitas ao IVA, em conformidade com a alínea b) do n.° l do artigo 2.°, ou que tenham feito uso da opção, prevista no n.° 3 do artigo 3.°, de sujeitar ao IVA as suas aquisições intracomunitárias;

c) Os sujeitos passivos que efectuem, no respectivo território, aquisições intracomunitárias de bens para fins das suas operações relacionadas com as actividades referidas no segundo parágrafo do n.°1 do artigo 9.° que sejam efectuadas fora desse território;

d) Os sujeitos passivos que recebam, no respectivo território, serviços pelos quais o IVA é devido por força do artigo 196.°;

e) Os sujeitos passivos estabelecidos no respectivo território que prestem serviços no território de outro Estado-Membro pelos quais o IVA é devido unicamente pelo destinatário por f orça do artigo 196.°."

Complementarmente, estabelece o artigo 215° da Directiva IVA que "O número individual de identificação para efeitos do IVA inclui um prefixo conforme ao código ISO 3166 alfa 2, que permite identificar o Estado-Membro que o atribuiu" (sublinhado nosso).

Tal como decorre da moldura legal traçada, e independentemente de os Estados-Membros da UE recorrerem ao disposto no artigo 227.° da Directiva IVA para, com isso, consagrarem a obrigatoriedade de o número de identificação fiscal do adquirente dos bens ou serviços constar das facturas emitidas, fora dos casos expressamente previstos no n.° 4 do artigo 226.° do mesmo diploma, certo é que tal número de identificação consiste no número que é atribuído a uma dada entidade por um determinado Estado-Membro da UE, em virtude da ocorrência de uma qualquer circunstância de entre as que se encontram elencadas no artigo 214.° da Directiva IVA.

Ora, atendendo a que, no caso dos autos, resultou provado que:

(i) A Impugnante é uma sociedade de responsabilidade limitada de direito suíço, encontrando-se sediada em Zurique, e não detendo qualquer estabelecimento estável, para efeitos de IVA, em território europeu (cf. factos i. e 2. firmados supra);

(ii) A Impugnante declarou, quando da apresentação do seu pedido de reembolso, não ter realizado, em Portugal, qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços (cf. facto 3. firmado supra); e

(iii) A Administração Tributária estribou a decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso de IVA, na parte ora impugnada, tão-somente na circunstância de “Todas as facturas relacionadas neste pedido, relativas ao fornecedor lha [sic] V …….., R ………., Lda., Nif ……….. não se encontram emitidas de acordo com o n°2 do artigo 7 do artigo 19° [sic] do Decreto-Lei 186/2009 de 12 de Agosto, na medida que não contêm todos os elementos exigidos no artigo 36° do Código do TVA, ou seja não têm o numero [sic] de identificação fiscal do adquirente (...)" (cf. factos 4. e 5. firmados supra), sem que, no entanto, apele ou justifique, por qualquer forma, à circunstância de à Impugnante dever ser atribuído um número de identificação, para efeitos de IVA, nos termos e para os efeitos dos artigos 214.° e 215.° da Directiva IVA, necessário se torna concluir que a menção ao número de identificação fiscal da Impugnante - o qual, como esta alega, com propriedade, lhe é atribuído pela Confederação Suíça, e não por qualquer Estado-Membro da UE - nas facturas emitidas pelo fornecedor ……….., não se revela obrigatória, nos termos e para os efeitos do artigo 226.°, n.° 4, e do artigo 178.°, ambos da Directiva IVA, não podendo, como tal, o reembolso de IVA peticionado por aquela entidade ser-lhe recusado, com base em tal fundamento.

Significa isto que, ainda que a alínea a) do n.° 5 do artigo 36.° do Código do IVA se mostre consentânea com o n.° 4 do artigo 226.° e com o artigo 227.°, ambos da Directiva IVA, a mesma carece de ser interpretada conformemente a este diploma europeu, na parte em que circunscreve a obrigatoriedade de aposição do número de identificação do adquirente dos bens ou serviços nas facturas emitidas aos números de identificação, para efeitos de IVA, atribuídos pelos Estados-Membros da UE, em obediência ao disposto nos seus artigos 214.° e 215.°.

Há, assim, que concluir que, por força do princípio da interpretação conforme que necessariamente deve nortear a aplicação das disposições nacionais que tenham por base normas europeias, a circunstância de as facturas emitidas pelo fornecedor Ilha Verde não mencionarem o número de identificação fiscal suíço da Impugnante não obsta a que as mesmas sejam consideradas como tendo sido passadas em forma legal, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.° i do artigo 19.° do regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de reembolso, anexo ao Decreto-Lei n.° 186/2009, de 12.08, que é compulsado em sede de contestação.

Motivo pelo que se impõe anular parcialmente a decisão de indeferimento parcial do pedido de reembolso apresentado pela Impugnante, na parte ora contestada, no valor de EUR 6.347,70, o que se determina de seguida”.

Face ao decidido e – sublinhe-se – transitado em julgado, temos que, no caso, não podia a ATA invocar o requisito formal da falta de indicação do número de contribuinte do adquirente do serviço na fatura para obstar ao exercício do direito ao reembolso.

Assim, perante a ilegalidade do indeferimento do pedido de reembolso do IVA, determina-se, em consequência, o reembolso do IVA solicitado, no valor de EUR 6.347,70, nos termos peticionados pela Impugnante.


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Prosseguindo.

Na impugnação judicial, a L……………formulou ainda o pedido de juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto no artigo 20º, nº1 do DL 186/2009 (Regime de reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de reembolso), “o reembolso do imposto, quando devido, deve ser efetuado até ao fim do sexto mês seguinte ao da apresentação do pedido”. A contagem de tal prazo, de acordo com o nº2 do mesmo preceito, “tem início na data em que dêem entrada na Direcção-Geral dos Impostos todos os documentos exigidos no n.º 1 do artigo 19.º, ou, quando o pedido seja apresentado por via eletrónica, na data da receção do pedido”.

Por sua vez, o artigo 15º do mesmo diploma prevê o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT, à semelhança do 22º, nº8 do CIVA que estabelece que, findo o prazo de restituição, podem os sujeitos passivos solicitar a liquidação de juros indemnizatórios, de acordo com o mesmo artigo 43.º.

Assim, considerando o que vem dito e tendo presente a procedência da impugnação do indeferimento do pedido de reembolso do IVA e correspondente anulação, resulta clara a inevitável procedência do pedido de juros indemnizatórios (artigo 20º, nº1 do DL 186/2009 e 43º da LGT), contados desde o final do sexto mês seguinte ao da apresentação do pedido de reembolso.

Isto mesmo se decidirá na parte dispositiva do presente acórdão.


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III - Decisão

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:


Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença, na parte recorrida.


Conhecendo em substituição, julgar procedentes os pedidos de restituição do imposto e condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.


Custas pela Recorrida, em 1.ª instância e neste TCA apenas quanto à taxa de justiça devida pelo recurso, pois que não contra-alegou.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15/03/23


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano