Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 8605/24.8BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/30/2025 |
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Relator: | MARCELO MENDONÇA |
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Descritores: | IPDLG; REQUERIMENTO PARA ATRIBUIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA; ART.º 109.º, N.º 1, DO CPTA; FALTA DO PRESSUPOSTO DA INDISPENSABILIDADE; FALTA DE ALEGAÇÃO DE FACTOS CONCRETOS DEMONSTRATIVOS DE UMA SITUAÇÃO DE URGÊNCIA/PREMÊNCIA |
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Sumário: | I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadão estrangeiro requerente da nacionalidade portuguesa, depende da verificação, ante os factos concretamente alegados, do pressuposto da indispensabilidade desse meio processual, isto é, da sua necessidade para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de um direito, liberdade e garantia, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA. II - Tendo presente o pressuposto da indispensabilidade, impõe-se que do caso concreto transpareça uma evidente situação de urgência ou premência, não bastando invocar na petição inicial a ameaça ao exercício de direitos, alegadamente tipificados na CRP como fundamentais, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência à sua situação concreta, dos pressupostos de admissibilidade do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA. III - Faltando a demonstração, nomeadamente, do pressuposto da indispensabilidade, resulta a ausência de idoneidade do meio processual, razão pela qual não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA. IV - Neste caso, não são devidas custas, porquanto, nem o Tribunal a quo concluiu pela manifesta improcedência do pedido, nem a pretensão do Recorrente foi totalmente vencida, uma vez que inexistiu conhecimento do respectivo mérito, sendo, por isso, inaplicável o estatuído no n.º 6 do artigo 4.º do RCP. |
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Votação: | C/ DECLARAÇÃO DE VOTO |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I - Relatório. M… natural da República Federativa do Brasil, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., doravante Recorrido, com vista à intimação do Recorrido para, com urgência, proferir no prazo de 10 dias decisão sobre o pedido de nacionalidade portuguesa do processo n.º 37086/24, para que seja deferida a nacionalidade portuguesa ao requerente com o devido registo, mais requerendo, subsidiariamente, a convolação da intimação numa providência cautelar, nos termos do disposto no artigo 110.º-A do CPTA, na qual requereu a condenação no mesmo pedido, embora a título provisório, ou noutras medidas que o Tribunal entenda mais adequadas, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 03/07/2024, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de recurso inserta no SITAF): “1) O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, ao decidir pelo indeferimento liminar da petição inicial alegando não haver sido apresentados factos da urgência e condenação de custas; 2) Ficou comprovado nos autos através das alegações de facto que o recorrente está prejudicado o seu direito de cidadania portuguesa por conta da ineficácia na análise e proferimento de decisão quanto ao seu pedido de nacionalidade no prazo legal de 90 dias; 3) Logo com a urgência nasce o direito à ver garantido o seu direito a análise célere do seu direito invocado; 4) Acresce que a acção correta é a intimação para proteção de direito, liberdades e garantias, inclusive pelos próprios alegados pelo juízo; 5) Aliás, o cabimento da intimação é o mais correto é o que deve ser aplicado ao caso em tela; 6) Por fim, sendo urgente e tendo cabimento a intimação para garantir o direito fundamental do recorrente, deveria ter o juízo prosseguido com o deferimento da petição inicial e consequente intimação do recorrido na forma dos artigos 8.º n.º 3 e 110.º n.º 1, ambos do CPTA; 7) Além disto o recorrente foi condenado indevidamente a custas do processo, enquanto por conta do rito escolhido deveria por força da lei tr isenção das custas e despesas do processo. 13) No limite, devia o Tribunal a quo ter observado o disposto no nº 1 do Artigo 110º do CPTA, determinando a intimação do recorrido para anexar aos autos o processo administrativo e se quiser apresentar defesa.” O Recorrido, por seu turno, não apresentou contra-alegações, O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso na parte da análise de mérito que consta da decisão recorrida, pese embora entenda que, por erro do Tribunal a quo, deva ser dado provimento parcial ao recurso no que toca à parte da condenação em custas do ora Recorrente. O parecer do MP foi notificado ao Recorrente. Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento. *** II - Delimitação do objecto do recurso.Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao sindicar a matéria da idoneidade do meio processual, incorreu em erro de julgamento ao considerar que, ante o alegado pelo ora Recorrente no articulado inicial, não se verificava o pressuposto da indispensabilidade, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA a quem queira lançar mão do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Importa também sindicar o recurso na parte em que o Recorrente se mostra inconformado com a sua condenação nas custas do processo. *** III - Matéria de facto.A decisão recorrida não fixou factualidade. Tendo presente o objecto do recurso, não se vê qualquer necessidade em fixar factos para a sindicância do mesmo. *** IV - Fundamentação de Direito. Na parte que aqui nos importa perscrutar, vejamos a fundamentação de direito e o dispositivo da decisão recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso: “(…) Incumbe, por isso, ao interessado a alegação e prova da factualidade necessária a caracterizar uma situação de lesão ou de ameaça de lesão do direito que, no caso concreto, considere posto em risco pelo agir administrativo. Neste sentido, tem o Requerente de concretizar e densificar, no requerimento inicial, a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente densificado na Lei Fundamental ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por essa via processual e ainda a ocorrência de uma situação, no caso concreto, que ameace o direito, liberdade e garantia invocado, e que só possa ser evitada através do meio processual urgente da intimação. Dito de outro modo, é o Requerente que tem o ónus de justificar a especial urgência no recurso a este meio, para prevenir a lesão, ou garantir o exercício do direito “em tempo útil”, individualizando os factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício do direito a que se arroga. (…) Ora, no caso vertente, sustenta o Requerente, de forma parca, que apresentou pedido de obtenção de nacionalidade portuguesa, em 25.03.2024, ao qual foi atribuído o n.º de processo 37086/24 e que, desde então, se encontra a aguardar decisão, apesar de ter decorrido o prazo legal previsto no CPA. (…) Tendo presente esta configuração do litígio, de imediato se impõe dizer que no caso concreto não estão reunidos os requisitos legais acima apontados, desde logo porque o requerente não alegou/provou factos concretos que suscitem qualquer situação de urgência carecida de tutela definitiva, para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração, relativamente à decisão do seu pedido/candidatura de nacionalidade portuguesa. Note-se, ademais, que o direito que o Requerente qualifica de fundamental, é relativo à aquisição de nacionalidade portuguesa por efeito da vontade – aquisição em caso de casamento – que, apesar dos prazos que se encontram previstos no Regulamento da Lei da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14/12, para instrução e decisão do procedimento administrativo correspondente ─ e que, refere o Requerente já se encontram ultrapassados no que respeita ao pedido que apresentou junto da entidade pública requerida ─ o direito a obter a nacionalidade portuguesa não está sujeito a prazos, significando que o seu exercício não fica precludido quer pela demora do procedimento administrativo, quer pela que decorre da tramitação de uma ação administrativa, não urgente, de condenação à prática do ato devido. O mesmo é dizer que tal direito não se encontra, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109. º do CPTA, ameaçado na esfera jurídica do requerente e, consequentemente, não carece de tutela urgente (o que, como acima se deixou expresso, também não foi alegado nem demonstrado). A isto acresce que, na falta da exigida urgência, nem sequer se coloca a questão da convolação da petição em requerimento cautelar ─ artigo 110.º - A do CPTA ─ pelo que nos dispensamos de mais considerações sobre o outro pressuposto de admissibilidade da presente ação de intimação: o da subsidiariedade deste meio processual. Atento o exposto, é, pois, evidente que o meio processual urgente que o Requerente elegeu é inadequado para assegurar a sua pretensão, na medida em que não se encontram reunidos os requisitos previstos no já mencionado artigo 109.º do CPTA, porquanto não foram alegados factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é absolutamente indispensável para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito, liberdade e garantia, razão pela qual urge indeferir liminarmente o presente requerimento inicial (cfr. artigo 590.º, n.º 1 do CPC). * Fixa-se o valor da causa em €30.000,01 – cfr. artigo 306.º do CPC, e artigos 31.º, n.º 4, e 34.º do CPTA.Custas pelo Requerente, nos termos do artigo 527.º do CPC, uma vez que não se verifica a isenção objetiva de custas prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do RCP, em face de não estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, que conduziria à isenção. DISPOSITIVO Face ao exposto e atentas as supracitadas disposições legais, indefere-se liminarmente o requerimento inicial. Custas pelo Requerente” *** Desde já adiantamos que, à excepção da condenação do Recorrente em custas, o assim decidido pelo Tribunal a quo, mormente, no que concerne ao julgamento sobre a inobservância do pressuposto da indispensabilidade, é para confirmar.Vejamos. A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA (indispensabilidade e subsidiariedade). Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir a petição inicial, seguindo-se a citação da outra parte, como pode rejeitá-la, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido. “In casu”, foi precisamente o que ocorreu. A Meritíssima Juíza a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias do caso concreto, a decisão liminar de rejeição da p.i. com base no fundamento atrás veiculado: a falta do pressuposto da indispensabilidade. E decidiu bem, como veremos já de seguida. O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos). O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA “em termos intencionalmente restritivos”, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar. Na citada obra, os identificados autores referem que o requerente deste meio processual deve concretizar “na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo de urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade e garantia; impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.” (cf. páginas 929 e 930) – (destaques nossos). A indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias “não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”, “associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação. A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso. Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (destaques nossos). Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra aludida, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaques nossos). No caso dos autos, tendo presente as conclusões de recurso, que, reitera-se, é o que baliza o objecto recursivo, constata-se que o Recorrente, no essencial, limita-se a dizer que está prejudicado no seu direito de cidadania portuguesa por conta da ineficácia dos serviços do ora Recorrido, que demoram na análise e na emissão de uma decisão quanto ao seu pedido de nacionalidade, ultrapassado que foi, segundo afirma, o prazo legal de 90 dias, mais sustentando que tem direito à celeridade de pronúncia pela Administração quanto ao direito invocado, pugnando, assim, pela adequação do presente meio processual. Em primeiro lugar, do que se percepciona das conclusões recursivas, o Recorrente pretende com o presente processo de intimação a protecção de um alegado direito à cidadania portuguesa. Neste sentido, o Recorrente já havia invocado em sede da petição inicial o artigo 26.º, n.º 1, da CRP, que preceitua o seguinte: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.” - (destaques nossos). Neste conspecto, em igual questão, já o acórdão deste TCAS, de 20/06/2024, proferido no processo sob o n.º 4037/23.3BELSB, consultável em www.dgsi.pt, de que o ora signatário no mesmo interveio como Relator, foi entendido o seguinte, conforme excerto que passamos a transcrever: “(…) não tendo o Recorrente, por enquanto, a nacionalidade portuguesa, não pode dizer (para já) que está em crise, sob ameaça, privado ou restringido de qualquer direito fundamental pessoal enquanto cidadão nacional português (nacionalidade que ainda não adquiriu), nomeadamente, os consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, com especial destaque para o direito de cidadania (portuguesa) e o direito de identidade pessoal (enquanto português). Importa frisar que, na perspectiva que ora se cuida, os direitos fundamentais pessoais directamente convocáveis e aplicáveis por força da letra do artigo 26.º, n.º 1, da CRP, são os de cidadania portuguesa e de identidade pessoal e não propriamente o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa. Aliás, neste capítulo, Jorge Miranda e Rui Medeiros, na “Constituição Portuguesa Anotada”, Volume I, 2.ª edição revista, 2017, reimpressa em 2024, da “UCP Editora”, em anotação ao artigo 26.º da CRP, assinalam nas páginas 457 e 458 o seguinte: “A consagração do direito fundamental à cidadania – ou, mais rigorosamente, do direito fundamental à cidadania portuguesa – apresenta, como demonstra desenvolvidamente JORGE PEREIRA DA SILVA (Direitos de cidadania, págs. 79 e segs.) duas dimensões substancialmente distintas. A leitura do direito à cidadania portuguesa em conformidade com o artigo 15.º da DUDH, leitura imposta pelo artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, revela, na verdade, que, não só “ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade” (n.º 2), mas também que “todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade” (n.º 1) e a “mudar de nacionalidade” (n.º 2). Trata-se, em qualquer caso, de direitos com estruturas substancialmente diferentes” (sublinhados nossos). Tendo presente a doutrina supra, no caso dos autos, nem o Recorrente se encontra a ser privado da nacionalidade que possui (segundo alega na p.i., tem nacionalidade brasileira), nem da nacionalidade portuguesa, que ainda não adquiriu. De igual modo, o Recorrente não se trata propriamente de um apátrida ao qual se encontre a ser negada a nacionalidade portuguesa (não se confunda a delonga do procedimento administrativo com qualquer decisão final de indeferimento desse mesmo processo, podendo o ora Recorrente alcançar a almejada nacionalidade portuguesa se para tal cumprir com os requisitos legais), nem ocorre um pedido de mudança de nacionalidade, mas antes de cumulação de nacionalidades. Portanto, nesta dimensão, por não ser o ora Recorrente português, não estão em questão os direitos fundamentais pessoais de cidadania (portuguesa) e de identidade pessoal preconizados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, pois, segundo a obra e autores que temos vindo a citar, em anotação ao n.º 4 do referido comando constitucional, “No que respeita àqueles que são portugueses, o direito fundamental traduz-se, nos termos do artigo 26.º, n.º 4, no direito a não ser privado da cidadania portuguesa ou, com maior rigor, no direito a não ser dela privado através de medidas arbitrárias ou desproporcionais” (cf. páginas 458 e 459) – (sublinhado nosso). E ainda que na mencionada “Constituição Portuguesa Anotada” seja feita a alusão ao “direito fundamental à aquisição da cidadania portuguesa” (cidadania e não nacionalidade, como defende o Recorrente), não deixa tal prerrogativa de ser encarada, todavia, como “um direito positivo, que exige dos poderes públicos a criação de condições jurídicas para a sua efetivação”; “uma norma constitucional não exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário” (cf. página 458) - (sublinhado nosso).” – (itálico nosso). Portanto, sufragando o entendimento plasmado no acórdão supra citado, também aqui, por não ser o ora Recorrente português, não tem fundamento para alegar que está em crise no seu caso concreto um suposto direito fundamental de “cidadania portuguesa”, porquanto, o escudo protector que deriva do artigo 26.º, n.º 1, da CRP, não só não lhe é ainda aplicável, como também do mesmo não resulta qualquer direito fundamental à aquisição da nacionalidade portuguesa. Em segundo lugar, acresce dizer que, conforme a doutrina atrás referida a propósito do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, ao juiz que logo analisa o requerimento inicial tem que advir uma convicção de que, ante os factos concretamente alegados, transparece uma situação de urgência ou premência que importe acautelar de imediato e de modo definitivo, ou seja, não é despiciendo frisar que é dos factos inscritos naquele articulado que há-de emergir a justificação dos já enunciados pressupostos do referido comando legal, aqui importando aquilatar, em especial, o da indispensabilidade, pois foi esse o requisito objecto do julgamento feito pelo Tribunal a quo. Pois bem, compulsadas as conclusões de recurso, cumpre dizer, antes de mais, que no domínio da apreciação ao pressuposto da indispensabilidade não se detecta que o Recorrente tivesse logrado lançar qualquer crítica consistente contra a decisão recorrida, sobretudo, não o fez de um modo devidamente densificado e substanciado, que evidenciasse, ante os factos concretamente alegados em sede da sua petição inicial, onde teria o Tribunal a quo errado ao concluir que inexistia uma situação suficientemente urgente ou premente carecida de protecção imediata pelo presente processo de intimação. Em boa verdade, vistas tais conclusões recursivas, o Recorrente limita-se a arguir genérica e conclusivamente o tal suposto direito fundamental de aquisição da cidadania portuguesa, questão que atrás já foi por nós dilucidada, mais aduzindo que o presente processo de intimação se justifica para, no fundo, debelar a demora da Administração na tomada de uma decisão sobre o seu pedido de nacionalidade, pois afirma na conclusão de recurso 3) que “Logo com a urgência nasce o direito à ver garantido o seu direito a análise célere do seu direito invocado”. Acontece que, a mera invocação da delonga ou do atraso do procedimento administrativo tendente à aquisição da nacionalidade portuguesa não é motivo suficiente, só por si, para justificar o acesso imediato à tutela definitiva que é facultada pelo processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. É preciso algo mais. Impõe-se que, do concretamente alegado, emerjam factos cabalmente demonstrativos de estarmos perante uma situação urgente e premente, que mostrem, no fim de contas, ser indispensável o recurso ao processo de intimação. Ou seja, para além da referência à inércia decisória da Administração e dos incómodos que isso possa acarretar, é necessário que o requerente do processo de intimação alegue factos que permitam ao Tribunal concluir que essa imobilidade administrativa fere o direito fundamental alegado de tal forma que o titular carece de uma tutela principal urgente e imediata, sob pena do exercício do próprio direito ficar irremediavelmente afectado. Ora, como vimos, no caso em apreço, o Recorrente concentra a sua argumentação no atraso da Administração, sem que se perceba, no concreto, de que modo tal inacção administrativa o atinge nefastamente no núcleo essencial de direitos, liberdades ou garantias. E ainda que o Recorrente, visto agora o alegado na petição inicial, tenha dito que, em resultado de tal morosidade, vivencia extrema precariedade e privação dos direitos fundamentais para uma vida digna e que ocorre privação de direitos básicos a qualquer ser humano, tal não passa de uma asserção meramente genérica, vaga e conclusiva, sem qualquer valia para demonstrar o pressuposto da indispensabilidade que subjaz ao processo de intimação que ora cuidamos. E ainda que, no mesmo articulado inicial, assevere o ora Recorrente não poder beneficiar dos direitos de cidadania europeia, vendo-se impossibilitado, como diz, de se inscrever na Ordem dos Advogados de Itália, sempre se adianta que, nada mais tendo sido densificado ou explicado a tal propósito, não se infere que do alegado resulte uma concreta situação de urgência ou premência que importe acautelar pelo presente meio processual. Por conseguinte, o Recorrente, como atrás já demos nota, não conseguiu em sede do recurso, mormente, nas conclusões recursivas, destacar qualquer erro da 1.ª instância sobre a apreciação do pressuposto da indispensabilidade, mostrando-se correcto o entendimento plasmado na decisão recorrida, nomeadamente, nos excertos em que o Tribunal a quo asseverou o seguinte: “(…) Incumbe, por isso, ao interessado a alegação e prova da factualidade necessária a caracterizar uma situação de lesão ou de ameaça de lesão do direito que, no caso concreto, considere posto em risco pelo agir administrativo. Neste sentido, tem o Requerente de concretizar e densificar, no requerimento inicial, a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente densificado na Lei Fundamental ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por essa via processual e ainda a ocorrência de uma situação, no caso concreto, que ameace o direito, liberdade e garantia invocado, e que só possa ser evitada através do meio processual urgente da intimação. Dito de outro modo, é o Requerente que tem o ónus de justificar a especial urgência no recurso a este meio, para prevenir a lesão, ou garantir o exercício do direito “em tempo útil”, individualizando os factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício do direito a que se arroga. (…) “(…) se impõe dizer que no caso concreto não estão reunidos os requisitos legais acima apontados, desde logo porque o requerente não alegou/provou factos concretos que suscitem qualquer situação de urgência carecida de tutela definitiva, para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração, relativamente à decisão do seu pedido/candidatura de nacionalidade portuguesa.” Em suma, mostra-se acertada a decisão recorrida no raciocínio em que considerou, face ao caso concreto, não ser possível extrair a existência de fundamentos factuais que justifiquem a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação, isto é, mostra-se sem erro a ilação de que o Recorrente incumpriu o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade do meio processual. Assim tendo julgado a sentença recorrida, nenhum erro se lhe pode apontar, sendo, com efeito, de confirmar nesta parte. Ademais, a posição aqui propugnada mostra-se apoiada por jurisprudência deste mesmo TCAS, chamando-se à colação o acórdão de 06/10/2022, proferido no processo sob o n.º 1749/22.2BELSB, “in” www.dgsi.pt, num caso semelhante ao ora em análise, ainda que focado em ambos os pressupostos vertidos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, mas que não deixa, ainda assim, de ser elucidativo para o caso em apreço, enfatizando-se o seguinte trecho: “(…) 22. Além do mais, é ainda patente que a autora não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa. 23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que a autora não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional –vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade ao processamento do acto de integração do seu registo de nascimento no registo civil português que só nessa data seja efectuado. 24. Com efeito, a autora não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. 25. Acresce que o direito em causa nos presentes autos (o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa) não é relativo à situação profissional da autora, nem está em causa qualquer situação de incerteza quanto à sua situação civil (designadamente quanto ao seu estado civil), mas antes a aquisição de mais outra nacionalidade pela autora (que já possui a nacionalidade brasileira). 26. De tudo o que se afirmou, resulta inequívoco que a autora não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito à aquisição da nacionalidade portuguesa não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, isto é, que esta acção não é suficiente para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, a autora não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito da acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa oportunamente formulado. 27. Deste modo, bem andou a decisão recorrida ao entender que a questão para a qual era solicitada tutela não podia ser resolvida através do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, visto que não vinha invocada qualquer situação concreta de urgência a exigir uma decisão de fundo no âmbito desse processo. 28. Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 109º, nº 1 do CPTA, ao julgar manifesta a inexistência de um dos pressupostos necessários para a admissibilidade do pedido de intimação, na medida em que tal pronúncia conduziu a que ficasse prejudicado o conhecimento do mérito da pretensão formulada, motivo pelo qual carece de razão de ser a alegação de que a decisão recorrida violou os artigos 3º, nº 1 e 22º, ambos da Lei da Nacionalidade, e os artigos 4º, 16º, nº 1, 18º e 26º, todos da CRP.” - (sublinhado nosso). É de referir, ainda, o acórdão deste TCAS, de 19/03/2024, emitido no processo sob o n.º 2087/23.9BELSB, “in” www.dgsi.pt, salientando-se a seguinte passagem: “(…) Por outro lado e não de somenos importância, a acção de intimação prevista no artigo 109º do CPTA visa a protecção de direitos, liberdades e garantias previstos na CRP e susceptíveis de ser exercidos no território nacional por nacionais portugueses ou estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, por beneficiarem do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º do mesmo diploma fundamental. Sucede que nem a Recorrente é portuguesa, nem se encontra a residir em Portugal, nem a proposta de trabalho que pretende assegurar se enquadra no direito ao trabalho previsto no artigo 58º da CRP, como um direito económico do Capítulo I do Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais [e não como um dos direitos, liberdades e garantias, do Título II, com a mesma epígrafe]. No que concerne à invocada cidadania europeia, no caso, decorrente da titularidade da nacionalidade portuguesa, não se verificando esta na esfera jurídica da Recorrente e não tendo a decisão recorrida conhecido do mérito da causa, nada mais se impõe considerar sobre o assunto. Donde, o direito fundamental alegado, à nacionalidade portuguesa, não se encontra ameaçado e a urgência alegada na petição reporta-se a um direito que, pelas razões expostas, não pode ser considerado um direito, liberdade e garantia consagrado e protegido pela CRP, merecedor de tutela jurisdicional nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º do CPTA. Consequentemente e, repete-se, na falta da exigida urgência, nem sequer se coloca a questão da convolação da petição em requerimento cautelar, pelo que nos dispensamos de mais considerações sobre o outro pressuposto de admissibilidade da presente acção de intimação: o da subsidiariedade deste meio processual. Em face do que, sendo de manter o entendimento do tribunal recorrido de que não se verifica o requisito da indispensabilidade do uso da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o presente recurso não pode proceder.” – (destaques nossos). E ainda, no sentido do ora julgado, referimos o acórdão deste TCAS, de 16/10/2024, proferido no processo sob o n.º 1562/24.2BELSB, e o acórdão deste mesmo Tribunal de apelação, 14/11/2024, tirado no processo sob o n.º 2181/23.6BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt. Finalmente, apreciemos o recurso no que toca à condenação em custas do Recorrente que resulta da decisão recorrida. Aqui, nesta parte, o Recorrente tem razão, pois não é aplicável no caso vertente o artigo 4.º, n.º 6, do RCP. Não são devidas custas, porquanto, nem o Tribunal a quo concluiu pela manifesta improcedência do pedido, nem a pretensão do Recorrente foi totalmente vencida, uma vez que inexistiu conhecimento do respectivo mérito. Neste sentido, entre outros, veja-se o acórdão deste TCAS, de 11/07/2024, prolatado no processo sob o n.º 4898/23.6BELSB, citado no douto parecer do MP, consultável em www.dgsi.pt, do qual, destacamos o seguinte trecho: “De acordo com o previsto no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os processos administrativos urgentes relativos à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estão isentos de custas. Esta isenção não será de aplicar quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido, cf. artigo 4.º, n.º 5, do RCP. E a parte isenta é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respetiva pretensão for totalmente vencida, cf. artigo 4.º, n.º 6, do RCP. Nenhuma destas situações ocorreu no presente caso, o Tribunal a quo não concluiu pela manifesta improcedência do pedido, nem a pretensão do recorrente foi totalmente vencida, uma vez que inexiste conhecimento do respetivo mérito. Como assinala o Ministério Público no seu douto parecer, sem que tenha tido lugar decisão de mérito da causa, mas tão-só a apreciação do meio processual utilizado, que culminou no indeferimento liminar do processo, improcede a aplicação do disposto no artigo 527.º, n.os 1 e 2, do CPC. Tem, pois, lugar a aplicação da isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, al. b), do RCP, independentemente da não verificação dos pressupostos de que depende a sua utilização, e nesta medida terá de ser revogada a decisão objeto de recurso que decidiu em sentido contrário (cf., v.g., os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 03/02/2011, processo n.º 06997/10, e de 23/05/2024, proc. n.º 4906/23.0BELSB, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt)” Tudo visto, cumpre conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida no segmento relativo à condenação em custas, aplicando-se a isenção de pagamento de custas processuais prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP, mais se impondo negar provimento ao presente recurso jurisdicional no demais julgado, sendo de confirmar a sentença recorrida na parte restante. *** Sem custas em ambas as instâncias, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP. *** Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes: I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadão estrangeiro requerente da nacionalidade portuguesa, depende da verificação, ante os factos concretamente alegados, do pressuposto da indispensabilidade desse meio processual, isto é, da sua necessidade para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de um direito, liberdade e garantia, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA. II - Tendo presente o pressuposto da indispensabilidade, impõe-se que do caso concreto transpareça uma evidente situação de urgência ou premência, não bastando invocar na petição inicial a ameaça ao exercício de direitos, alegadamente tipificados na CRP como fundamentais, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência à sua situação concreta, dos pressupostos de admissibilidade do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA. III - Faltando a demonstração, nomeadamente, do pressuposto da indispensabilidade, resulta a ausência de idoneidade do meio processual, razão pela qual não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA. IV - Neste caso, não são devidas custas, porquanto, nem o Tribunal a quo concluiu pela manifesta improcedência do pedido, nem a pretensão do Recorrente foi totalmente vencida, uma vez que inexistiu conhecimento do respectivo mérito, sendo, por isso, inaplicável o estatuído no n.º 6 do artigo 4.º do RCP. *** V - Decisão.Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida no segmento relativo à condenação em custas, mais se acordando, quanto ao demais, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a parte restante da decisão recorrida. Sem custas em ambas as instâncias. Registe e notifique. Lisboa, 30 de Abril de 2025. Marcelo Mendonça - (Relator) Voto o sentido da decisão, com a ressalva de que entendo que o direito à aquisição da cidadania portuguesa assiste aos estrangeiros que aleguem e demonstrem uma ligação a Portugal (por terem conhecimento suficiente da língua portuguesa, ou ascendência/descendência com residência em Portugal ou com nacionalidade portuguesa, ou por terem prestado serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade, ou por serem descendentes de judeus sefarditas, nos termos do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade), constituindo, assim, o direito à aquisição da cidadania portuguesa uma dimensão positiva do direito fundamental à cidadania (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) – cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, O direito fundamental à cidadania portuguesa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 277-279, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, de 24.02.2016 (in https://www.tribunalconstitucional.pt). E, embora o artigo 26.º exija “dos poderes públicos uma atitude interventiva, no sentido de criar as condições jurídicas para a sua efectivação”, e, por não ser uma norma exequível por si mesma, careça de concretização por parte do legislador ordinário, está tal norma constitucional concretizada na Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro), que sujeita a aquisição da nacionalidade portuguesa pelos estrangeiros por naturalização - para além dos demais requisitos constantes do referido artigo 6.º, cuja demonstração se impõe para que a mesma seja concedida - à demonstração de uma ligação a Portugal, assumindo, assim, o direito à aquisição da cidadania portuguesa um conteúdo normativo suficientemente concretizado na lei para ser jurisdicionalmente exigível através da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Ponto é que seja demonstrada por parte do requerente uma ligação a Portugal.Joana Costa e Nora - (1.ª Adjunta) Ana Lameira - (2.ª Adjunta) Declaração de voto Todavia, tal direito à aquisição da cidadania portuguesa não assiste ao autor em virtude de o mesmo não ter demonstrado tal ligação a Portugal, não tendo descrito uma situação jurídica individualizada que caracterize o direito. Joana Costa e Nora |