Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 383/21.9BEBJA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 10/10/2024 |
| Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
| Descritores: | LIQUIDAÇÃO DE DIREITOS ADUANEIROS FUNDAMENTAÇÃO |
| Sumário: | I - A administração aduaneira, nas decisões que profira, está obrigada ao respeito pelo dever de fundamentação, respeito esse fundamental para assegurar o direito de defesa do administrado e, dessa forma, assegurar a tutela jurisdicional efetiva. II. Não está cabalmente fundamentada a decisão proferida pela administração aduaneira (na sequência da qual foi emitida liquidação de direitos e IVA, por existirem dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado), quando nessa decisão não resulta cabalmente explanada a motivação subjacente à existência de dúvidas fundadas, à não consideração dos elementos adicionais apresentados pelo administrado e ao motivo pelo qual foi tomada uma determinada opção em termos de método adotado, não sendo suficientes meras fórmulas conclusivas. III. A falta de fundamentação só pode ser considerada como irregularidade não invalidante quando foi possível concluir, com a certeza exigível, que a decisão seria sempre a mesma, o que não ocorre quando nem se conseguem alcançar os pressupostos de base da atuação da administração. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tibutária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença, proferida em 27 de Junho de 2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por R..........., na sequência do acto de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra o acto de liquidação de direitos e outros encargos, no valor de € 8 638,41, praticado pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines, no âmbito da importação realizada ao abrigo do DAU n.º 2020PT00067064330794 de 23 de Setembro de 2020 e, em consequência, anulou a liquidação impugnada, e condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Impugnante do valor que pagou com base nessa liquidação, absolvendo-a do pedido quanto ao pagamento de juros indemnizatórios. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, e, em consequência, anulou a liquidação impugnada, condenando ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Impugnante do valor que esta pagou com base nessa liquidação, absolvendo a Autoridade Tributária e aduaneira do pedido quanto ao pagamento de juros indemnizatórios, tendo condenado ainda a Autoridade Tributária no pagamento da totalidade das custas judiciais. 2. Com a devida vénia, a Fazenda Pública não se conforma com tal decisão, considerando que a mesma padece de erro de julgamento em matéria de facto, devendo, por isso, ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação dos autos totalmente improcedente, com todas as consequências legais. 3. O Tribunal recorrido considerou que a liquidação impugnada não se encontra clara e suficientemente fundamentada, nos termos do artigo 153.º do CPA, relativamente aos pontos seguintes: a) A documentação que foi sendo junta ao procedimento pela Impugnante, bem como as explicações dadas sobre os contornos da negociação com o fornecedor, não foram esclarecedoras «para a determinação do valor aduaneiro em causa”; B) O valor faturado das mercadorias em causa «… é não só baixo, mas bastante baixo, uma vez que tal conclusão teve que resultar necessariamente de uma comparação entre esse valor facturado e o valor daqueles valores médios [valores Theseus], sendo certo que ali não se referem quais são esses valores médios, o que não permite validar se os valores declarados são baixos, nem, muito menos se são, ou porque é que são “bastante baixos”»; C) Não foi possível aplicar outro método de determinação do valor aduaneiro, «com o argumento de que não foi possível aceder às características das mercadorias, quando antes daquele projecto de decisão os serviços da Delegação Aduaneira de Sines recolheram, amostras físicas das mercadorias importadas. (Cf. alínea d) da matéria de facto provada)». 4. Pelo que julgou verificado o vício de falta de fundamentação e, em consequência, anulou a liquidação, não tendo conhecido dos demais vícios que lhe foram imputados pela impugnante. 5. A Fazenda Pública não se conforma com tal entendimento, considerando, por seu lado, que a liquidação em causa encontra-se devida e suficientemente fundamentada relativamente a todos os aspetos questionados na douta sentença, conforme se demonstra nos pontos 21 a 44 das alegações. 6. Refere ainda a douta sentença “que a DAS não ponderou e não se pronunciou sobre os argumentos invocados pela Impugnante em sede de direito de audição, «… como evidencia o teor da decisão final que se limita a dizer que o direito de audição foi analisado mantendo-se fundadas dúvidas…». 7. Ora, da leitura do requerimento junto aos autos com data de 22/01/2021, apresentado em resposta ao ofício n.º 31/2021 que enviou à Impugnante a informação n.º 7/2021, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, resultam meras considerações sobre os procedimentos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias importadas e de desalfandegamento, levados a cabo pela DAS. Por conseguinte, não se impunha, em face do que dispõe o n.º 7 do artigo 60.º da LGT, que a DAS tivesse de se pronunciar quanto a essas considerações em sede da fundamentação do ato de liquidação. 8. Todavia, caso se conclua que as autoridades aduaneiras violaram o disposto no n.º 7 do artigo 60.º da LGT, sempre seria de considerar a jurisprudência do Tribunal de Justiça suprarreferida, a qual dita que o Tribunal nacional não deve, ainda assim, anular o ato de liquidação, já que, e pelas razões acima indicadas, na ausência dessa alegada irregularidade, o procedimento não conduziria a um resultado diferente. 9. A douta sentença violou, pois, entre outros, os artigos 153º do CPA e o n.º 7 do artigo 60º da LGT, pelo que a mesma deve ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente, com todas as consequências legais. Termos em que, com o douto suprimento, requer a V. Exas se dignem admitir o presente recurso, julgando o mesmo procedente por provado, e, em consequência, revoguem a douta sentença recorrida, substituindo a mesma por douto acórdão que julgue a impugnação totalmente improcedente, mantendo na ordem jurídica a liquidação impugnada, com todas as consequências legais. Assim decidindo, farão V. Ex.ªs, aliás como sempre, justiça.» **** A Recorrida, R..........., notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:«1. As presentes Contra-Alegações têm por objeto o Recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (“TAF de Beja”), em 27/06/2022, no processo n.º 383/21.9BEBJA, a qual julga procedente a Impugnação Judicial apresentada pela aqui Recorrida do ato de liquidação praticado pela DAS no montante global de € 8.638,41 (oito mil, seiscentos e trinta e oito euros e quarenta e um cêntimos), relativo a direitos aduaneiros e IVA, entendendo que tal ato de liquidação não se encontra devidamente fundamentado, 2. O que por sua vez, determina a anulação do mesmo, obstando ao conhecimento dos demais vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial. 3. Em concreto, decorre da Sentença Recorrida que tal falta de fundamentação é particularmente evidente nos seguintes aspetos: por que motivo a documentação apresentada pela Recorrida não foi suficientemente esclarecedora para dissipar as dúvidas sobre o preço pago; por que motivo o valor faturado (i.e., preço pago pelas mercadorias que corresponde ao valor declarado na importação) é considerado excecionalmente baixo e com base em que critérios; por que motivo não foi possível aplicar um outro método alternativo para determinação do valor aduaneiro; e por que motivo não foram os argumentos invocados pela Recorrida em sede de audição prévia tidos em consideração pela DAS. 4. Em primeiro lugar, alega a Fazenda Pública que o ato de liquidação impugnado se encontra devidamente fundamentado uma vez que a DAS indicou o valor (alegadamente, um valor médio estatístico AMT/THESEUS) com o qual terá comparado o valor declarado pela Recorrida na importação, o qual corresponde, tal como já referido e demonstrado inúmeras vezes, ao preço que pagou pela aquisição das mercadorias em causa (valor transacional). 5. Ora, a este respeito, sempre se dirá que, não obstante tal valor médio AMT/THESEUS ter sido indicado, onde claramente a DAS falhou na fundamentação do ato de liquidação em crise foi na indicação das normas legais que alegadamente justificariam e permitiriam que a suposta diferença entre o valor transacional declarado pelo importador (considerado “excecionalmente baixo”) e um “valor médio AMT” constante de uma base de dados de exclusivo conhecimento da Autoridade Aduaneira, poder ser, por si só, suficiente e legítimo para que a DAS desconsidere o valor transacional como método de determinação do valor aduaneiro, não obstante o importador ter demonstrado que o valor declarado corresponde inequivocamente à totalidade do preço de compra negociado e pago ao fornecedor e, em consequência. 6. Da mesma forma, e na sequência do que se acaba de referir, não indicou igualmente a DAS quais normas legais que alegadamente permitem e legitimam a substituição do valor transacional declarado pelo importador pelo referido valor médio da ferramenta AMT para efeitos de determinação do valor aduaneiro da importação. 7. Sendo certo que a justificação para esta ausência de referência às normas legais que legitimassem o entendimento da DAS é simplesmente o facto de tais normas não existirem, uma vez que a legislação aduaneira, e muito em particular os artigos 70.º e seguintes do Código Aduaneiro da União (CAU), são muito claros no que toca a estabelecer que a determinação do valor aduaneiro para efeitos de cálculo das imposições devidas pela importação de mercadorias é feita, regra geral, com base no valor transacional das mesmas, isto é, com base no preço pago pelo importador ao vendedor, independentemente de tal preço ser reduzido ou não. 8. Em segundo lugar, continua a Fazenda Pública, nas suas Alegações de Recurso, a desconsiderar e ignorar em absoluto o teor e valor probatório da informação e documentação fornecidas pela Recorrida para dissipar as alegadas dúvidas das autoridades aduaneiras. 9. Ora, tal como amplamente demonstrado nos presentes autos e confirmado pela Sentença Recorrida, ao longo do procedimento de liquidação foi junta pela Recorrida documentação diversa (incluindo Ordem de Compra e comprovativo de pagamento), bem como informação sobre os contornos da negociação com o fornecedor, assim se justificando que o valor declarado corresponde efetivamente ao valor pago pelas mercadorias. 10. Sucede que, nas Alegações de Recurso, continua a Recorrente a referir apenas que a Recorrida “não juntou prova bastante para justificar o preço declarado para a mercadoria em questão face ao valor AMT correspondente, nem esclareceu, sem margem para dúvida fundada, a razão de tal preço”. 11. Ora, a este respeito importa esclarecer que não existe, no direito internacional, nem no direito da União Europeia, e menos ainda no direito nacional, qualquer norma que imponha aos importadores o dever/obrigação de explicarem às autoridades aduaneiras uma diferença entre o valor transacional declarado (correspondente ao preço por si negociado e pago – e, assim conhecido) e um “valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que naturalmente desconhecem. 12. O que a legislação prevê é apenas a obrigação de os importadores, sempre que instados a tal, demonstrarem às autoridades aduaneiras que o valor transacional declarado nas importações corresponde ao preço efetivamente pago, 13. Sendo que, para este efeito, podem os importadores – tal como fez a aqui Recorrida – e tendo em vista a cabal demonstração da circunstância de terem efetivamente pago o valor (transacional) que declararam, procurar explicar às autoridades aduaneiras o modo como o preço das mercadorias foi negociado, bem como fornecer todos os documentos e informações inerentes a tal negociação, como sejam as ordens de compra, as fichas técnicas dos produtos e os comprovativos de pagamento. 14. Ora, fornecida que foi toda esta documentação e informação e, adicionalmente, mantida à disposição das autoridades os registos contabilísticos para a consulta e verificações que se identifiquem adicionalmente necessárias. não concebe a Recorrida que a Recorrente entenda não ter sido junta “prova bastante”, 15. Sendo ainda certo que a DAS, em momento algum, solicitou qualquer informação ou documento em concreto que não tenha sido fornecido, ou mesmo procurou aceder aos registos contabilísticos da Recorrida, aos quais pode aceder a todo o momento. 16. Por fim, não se aceita também a argumentação invocada pela Fazenda Pública no que respeita à impossibilidade de utilização de outro método de determinação do valor aduaneiro que não seja o método do último recurso, com utilização dos valores médios estatísticos AMT. 17. Desde logo porque, em primeiro lugar, tendo em consideração as circunstâncias do caso em apreço, não podem as autoridades aduaneiras simplesmente recusar a aplicação do método do valor transacional dado que os pressupostos de tal afastamento não se encontram reunidos. 18. Em segundo lugar, ainda que tais pressupostos efetivamente se verificassem no caso em discussão – o que não se admite e apenas se equaciona por cautela de patrocínio -, sempre seriam as autoridades aduaneiras obrigadas a realizar todas as diligências necessárias à utilização dos outros métodos, não se limitando a remeter tal obrigação para o importador, como aconteceu neste caso. 19. Em conformidade é o próprio TJUE que refere que “tendo em conta essa obrigação de diligência que lhes é imposta na aplicação dessa disposição, as autoridades aduaneiras são obrigadas a consultar todas as fontes de informação e bases de dados de que dispõem”, 20. O que aparentemente não aconteceu na importação em crise, ou se aconteceu, tal não foi demonstrado pela DAS. 21. Por tudo o que se acaba de expor, não resta outra conclusão que não seja a de se confirmar o teor da Sentença Recorrida, e manter a decisão de anulação do ato de liquidação impugnado. Subsidiariamente à cautela, 22. Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, e na eventualidade deste Tribunal vir a dar razão à Recorrente, e bem assim determinar que o ato de liquidação que impugnado se encontra efetivamente bem fundamentado, à luz dos princípios do direito administrativo, fiscal e aduaneiro aplicáveis, sempre se dirá que, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 2 do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo tributário (nos termos do artigo 2.º, e) do CPPT), se impõe a apreciação dos restantes vícios invocados pela Recorrida em sede de Impugnação Judicial, designadamente: a. Da ilegalidade da recusa do Método do Valor Transacional (artigos 57.º a 79.º da petição inicial) b. Da ilegalidade da interpretação do artigo 140º, do AE-CAU ao caso em apreço (artigos 80.º a 141.º da petição inicial) c. Da ilegalidade da utilização dos valores médios (artigos 142.º a 163.º da petição inicial) d. Da ilegalidade da aplicação do Método do Último Recurso (artigos 164.º a 216.º da petição inicial) e. Da inconstitucionalidade e da ilegalidade resultantes da ingerência das autoridades aduaneiras nos negócios celebrados entre privados (artigos 217.º a 247.º da petição inicial) NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DECIDINDO-SE PELA PROCEDÊNCIA DO RECURSO QUANTO À INEXISTÊNCIA DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO, DEVERÃO SER APRECIADOS OS VÍCIOS ARGUIDOS PELA RECORRIDA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, CONCLUINDO-SE PELA ILEGALIDADE DO ATO DE LIQUIDAÇÃO EM APREÇO E A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DO MESMO, COM TODAS AS DEMAIS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!» **** Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que a decisão recorrida deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso interposto pela AT.**** Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando decidiu que o acto de liquidação padecia de falta de fundamentação. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto A sentença recorrida deu como documentalmente provados os seguintes factos: “a) A Impugnante importou mercadorias ao abrigo da declaração de importação n.º 2020PT00067064330794 de 23.09.2020, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines, a qual foi objecto de verificação aduaneira; admitido, doc 2 junto à petição inicial, docs constantes do processo administrativo, nomeadamente, informações oficiais dos serviços b) Em 25.09.2020, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines solicitaram à Impugnante, informações adicionais respeitantes a essa importação, através do ofício n.º 249/2020, com o seguinte teor: c) A Impugnante apresentou nos serviços da Delegação aduaneira de Sines, vários documentos respeitantes àquela operação; Cfr doc 2 junto à petição inicial, admitido no teor do ofício n.º 304/2020 de 30.09.2020 d) Em 29.09.2020., a mercadoria foi submetida a controlo físico no terminal da Delegação Aduaneira de Sines, com recolha de amostras; admitido, ponto 3 do capítulo III da informação prestada em sede de reclamação graciosa e) Em 30.09.2020, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines remeteram à Impugnante o ofício com o n.º 304/2020, com o seguinte teor: f) A Impugnante respondeu a esta notificação, através de requerimento escrito, com o teor que consta do documento 4 junto à petição inicial e que consta do processo administrativo, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, terminando nos seguintes termos: (…) g) A Impugnante prestou garantia no montante que lhe foi exigido, tendo a mercadoria obtido autorização de saída; admitido h) Em 20.01.2021, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines, emitiram a informação n.º 7/2021, respeitante à declaração aduaneira n.º 2020PT00064330794 de 23.09.2020, com o seguinte teor: i) Com data de 20.01.2021, sobre essa informação foi aposto despacho com o seguinte teor: j) A Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre a proposta constante desta informação, através do ofício com o n.º 31/2021 de 21.01.2021; Cfr doc 5 junto à petição inicial, e doc constante do processo administrativo k) A Impugnante exerceu o direito de audição sobre aquele projecto de decisão através de requerimento escrito, com o teor que consta do documento 6 junto à petição inicial e do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta além do mais, o seguinte:
(…)
(…) (…)
(…) Cfr doc 6 junto à petição inicial l) Posteriormente, o Chefe da Delegação Aduaneira de Sines enviou à Impugnante o ofício com o n.º 55, datado de 09.02.2021, com o seguinte teor: m) A Impugnante apresentou reclamação graciosa desta decisão, para o Director da Alfândega de Setúbal; Cfr doc 1 junto à petição inicial, e doc constante do processo administrativo n) Em 22.04.2021, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines proferiam informação sobre esta reclamação graciosa, com o teor que dos documentos que integram o processo administrativo, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais o seguinte: (…) 1 2 - Matéria de Direito 1 - Da ilegalidade emergente do vicio de falta de fundamentação. Os atos. foram devidamente fundamentados notificados ao despachante e ao importador. Os atos administrativos praticados no processo nâo padecem de qualquer ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, As notificações foram efetuadas com a fundamentação exigida nos termos da al. c) do art0 99° do CPPT pelos nossos ofícios n.°s 294/2020 de 25/09/2020. 304/2020 de 30/09/2020. 31/2021 de 21/01/20^1 e 55/2021 de 09/02/2021. com a devida fundamentação dos fatos e de direito por E-mail com recibo de entrega nos termos do disposto no n.° 3 do art ° 38° do CPPT e nâo foram devolvidas. Assim, o ato não padece de ilegalidade ou falta de fundamentação. 2 - Da inconstitucionalidade e da ilegalidade resultante da ingerência das Autoridades Aduaneiras nos negócios celebrados entre privados. A Delegação Aduaneira de Sines, com base no Perfil de Risco PR930202000057, agiu em conformidade, dado qoe os valores declarados eram excecionalmente baixos em relação aos valores médios da União Europeia para a importação de mercadorias similares Sendo este valor mêdio disponibilizado és autoridades Aduaneiras através da ferramenta de monotorizaçâo aufomética (AMT) implementada numa parceria entre a OLAF e o Joint Research Center (JRC) sendo a AMT uma ferramenta de tecnologia de informação que usa os métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatistico. para a detenção de padrões relevantes de fraude aduaneira E assim, importava obter informações adicionais que justifique os valores transacionais extremamente baixos declarados nos termos do artigo 15º do CAU conjugado com o nº 1 do artigo 140º do AE-CAU A obstrução de um dire.lo fundamental constitucionalmente consagrado celebrados entre os privados nâo padece de erros nos termos do artº” 62º e 80º da CRP. porque nas prestações estaduais a Autoridade Tributária e Aduaneira tém responsabilidade no desempenho das funções económicas estatuídas no CAU 1.3 - Parecer 1 - A Delegação Aduaneira de Sines. considerou que os valores transacionais declarados para as mercadorias da declaração de importaçâo n. 2020PT00067064330794 de 23/09/2020. e após análise da documentação apresentada, é excecionalmente baixo para as mercadorias da segunda e terceira adição compostas por: a) -1ª adição. Calçado com sola exterior de borracha, plásticos, couro e parte superior de couro outro com palmilha acabamento de 24cm ou mais. para senhora, outros, em relação ao valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares (PP 6403999890). Valor declarado €17 328.99. valor proposto (base ATM) €38.287,60. Direitos pela diferença €1.467.10. IVA pela diferença €5.157,92 Base Tributável IVA pela diferença €22.425,72; b) - 4ª adição. Calçado com sola exterior de borracha, plásticos, couro e parte superior de couro outro, com palmilha acabamento, de 24cm ou mais. para senhora, outros em relação ao valor estatístico medio da União Europeia para a importação de mercadorias similares (PP 6403999890) Valor declarado €2 673,33, valor proposto (base ATM) €9.042.80 Direitos pela diferença €445.87 IVA pela diferença €1.567.53 Base Tributável IVA pela diferença €6 815.33. Direitos pela diferença €1 912.80 IVA pela diferença €6.725,44 Base Tributável IVA pela diferença €29.241,05. Total da garantia €8 638.41. 2 - Este valor estatístico médio, é disponibilizado âs autoridades aduaneiras através da ferramenta de monitorização automática (AMT). ferramenta de tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões relevantes da fraude aduaneira, implementada numa parceria entre o OLAF e o Joint Research (JRC) 3 - Em função destas dúvidas fundadas, importava obter informação adicional que classificasse os valores transacionais extremamente baixos declarados, nos termos do artigo 15º do Código Aduaneiro da União (Regulamento n.° 952/2013 de 9/10/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho), conjugado com o nº 1, do artigo 140º n.° 1 do Regulamento de Execução (EU) 2015/2447 da Comissão. 4 - Em 21 de janeiro, a Delegação Aduaneira de Sines, solicitou novamente ao importador justificação para os preços desproporcionalmente baixos, bem como informação sobre a eventual aplicação sucessiva dos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro como previsto nos artigos 74° nº 3 do CAU 5 - A documentação apresentada nos termos do artigo 140° n.° 2 do Regulamento de Execução (EU) 2015/2447 da Comissão, não veio trazer qualquer esclarecimento adicional, ou clarificar as dúvidas existentes, dado que. os elementos apresentados não justificavam o valor faturado das mercadorias importadas por se encontrar excecionalmente baixo, em comparação com o valor estatístico médio da União Europeia, para a importação de mercadorias similares. 6 - Não foi apresentada a justificação para os preços desproporcionalmente baixog nem apresentados dados que permitissem passar à aplicação dos sucessivos métodos secundánps de determinação do valor aduaneiro, previstos no artigo 74° n.° 2 do Código Aduaneiro da União Foi garantido, em 07/10/2020, pelo depósito n ° 3/2020/0025520 o valor dos direitos no montante de €1.912,97 o valor do IVA no montante de €6.725,44. no total de €8.638,41 No dia 25/03/2021, o valor proposto com base nos valores médios (AMT) foi cobrado, movimentos de caixa n.° 2021/0003022. para o valor dos direitos e do IVA. A mercadoria teve autorização de salda em 08/10/2020, de cordo com o disposto nos artigos 89° e 195° do CAU. 7- O valor transacional deve refletir o valor económico real da mercadoria importada e ter em conta todos os elementos dessa mercadoria que apresentem um valor económico. 8 - Não tem razão o reclamante, face à impossibilidade de recorrer aos métodos de determinação do valor aduaneiro da mercadoria, a Administração Aduaneira aplicou o método do último recurso previsto no artigo 74° n.° 3 do CAU, porque não invalida que as autoridades aduaneiras mantenham as düvidas fundadas sobre os valores apresentados nos documentos caso esses documentos não permitam justificar o valor transacional declarado, nos termos do artigo 74° n.° 2 do Código Aduaneiro da União 9 - A apresentação da reclamação graciosa é tempestiva. Mas, como a competência é da Direção de Serviços da Tributação Aduaneira remete-se para apreciação. III. CONCLUSÃO Dado o argumentaria acima aduzido, considera-se que não foi apresentada justificação para os preços desproporcionalmente baixos. Assim, face ao exposto, propõe-se o envio à DSTA para os devidos efeitos. À consideração superior. Cfr doc constante do processo administrativo o) Com data de 22.04.2021, sobre esta informação foi aposto despacho com o seguinte teor: “(texto integral no original; imagem)” Cfr doc constante do processo administrativo **** «Não existem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados provados.» **** «A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pela Impugnante, e aos documentos constantes do processo administrativo, nenhuns deles impugnados, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas da matéria de facto provada.» ***** II.2. De DireitoA sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente anulando o acto de liquidação impugnado por falta de fundamentação, considerando prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas. Entende a Recorrente que o acto de liquidação não padece de falta de fundamentação, estando o itinerário cognoscitivo percorrido cabalmente explicitado, de facto e de direito e que a decisão do procedimento não poderia ser outra se não a que foi proferida. Vejamos, pois. Sobre situações em tudo idênticas à dos presentes autos, tanto de facto como de direito, tem-se pronunciado este Tribunal de forma constante e recorrente, de que é exemplo, entre outros, o Ac. de 24-01-2024, proferido no proc. n.º 303/21.0BEBJA, com o qual concordamos inteiramente, e que, por isso, aqui acolhemos, passando a transcrever os fundamentos da decisão ali proferida sobre esta matéria (no mesmo sentido veja-se também, designadamente, os acórdãos proferidos por este TCAS em 15-02-2024 , no proc. 296/20.1 BEBJA, em 15-02-2024, no proc. 105/21.4 BEBJA, em 15-02-2024, no proc. 404/21.5 BEBJA, em 29-02-2024, no proc. 87/22.5 BEBJA, em 29-02-2024, no proc. 310/20.0BEBJA, e em 29-02-2024, no proc. 290/20.2BEBJA, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt): “A questão controvertida respeita a direitos aduaneiros e IVA respetivo. Como decorre do art.° 3.°, n.° 2, da Lei Geral Tributária (LGT), ambos são tributos, sendo, por isso, aplicado este diploma legal ao respetivo procedimento, sem prejuízo, naturalmente, das especificidades que decorram do direito da União Europeia, nomeadamente do Código Aduaneiro da União [CAU - Regulamento (UE) n. ° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013] e respetivos atos delegados [cfr. designadamente o Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015] e de execução [cfr. designadamente o Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015] - cfr. art.° 1.°, n.° 1, da LGT. Nos termos do art.° 1.°, n.° 1, do CAU, este "determina as normas e procedimentos gerais aplicáveis às mercadorias à entrada ou à retirada do território aduaneiro da União", sendo, em termos de procedimento, aplicável a legislação nacional naquilo que não esteja especificamente regulamentado na legislação da União Europeia. Do ponto de vista da fundamentação, não pode, pois, deixar de ser atentar nas exigências previstas no nosso ordenamento interno. Assim, o dever de fundamentação dos atos administrativos em geral insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.° 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual "os atos administrativos (...) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos". Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.° 77.° da LGT, cujos n.°s 1 e 2 determinam que: "1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo". "A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão..." (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.a Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa. Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado. Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos. Compulsada a factualidade assente, não impugnada [a menção ao erro de julgamento quanto à matéria de facto, constante de C) das conclusões, não configura qualquer impugnação da mesma, mas tão-só discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo considerando os factos assentes], designadamente o primeiro pedido de informação adicional remetido à Impugnante, a informação proferida após o exercício do direito de audição e a notificação de cobrança, conclui-se que: a) No documento referido em F) do probatório, é feita menção à existência de um valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares, disponibilizado através de ferramenta de monitorização automática (descrita genericamente, na primeira das informações, como "tecnologia de informação que usa métodos estatísticos avançados, através de um algoritmo estatístico, para a deteção de padrões de fraude aduaneira"); b) É indicada a existência de dúvidas fundadas que implicam a obtenção de informação adicional que justifique os valores transacionais extremamente baixos declarados; c) São, nessa sequência, pedidos elementos adicionais para justificação de tal valor (provas adicionais); d) Após a apresentação de elementos pela Impugnante, é proferida nova informação [cfr. facto K)], na qual a administração aduaneira refere que a documentação / informação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas ser bastante baixo, em comparação com os valores de referência; e) A administração concluiu que continuavam a persistir as dúvidas fundadas quanto ao valor aduaneiro declarado; f) Nessa sequência, após uma menção meramente conclusiva a conceitos de direito (cfr. ponto 3.), é referido que "uma diferença de preço como a constatada parece ser suficiente para justificar as dúvidas da autoridade aduaneira e a rejeição por parte desta do valor aduaneiro declarado das mercadorias em causa"; g) No ponto 7. da referida informação, a administração menciona que a informação facultada pela Impugnante não permite determinar o valor aduaneiro por aplicação das disposições relativas ao método do valor transacional e descreve os diversos métodos existentes, para, a final, afirmar que se aplica o método previsto no art.° 74.°, n.° 3, do CAU, como método de último recurso; h) Na sequência, e por referência ao concreto documento de importação, refere-se: a) "Algumas das mercadoras importadas têm um preço de aquisição unitário por quilograma mais baixo, relativamente aos preços médios declarados para o mesmo tipo de mercadorias, no território nacional, nos últimos 6 meses"; b) Não são exequíveis os métodos referidos nas als. a) a c) do n.° 2 do art.° 74.° do CAU, por inexistir possibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias importadas, referindo-se, ainda, que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica; c) O método previsto no art.° 74.°, n.° 2, al. d), do CAU não pode ser utilizado, porque não há possibilidade de apurar os custos das matérias- primas e das operações de fabrico, utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas; d) Conclui com um projeto de liquidação e com o valor da garantia a prestar; i) A Impugnante foi notificada para se pronunciar, o que fez; j) Foi emitida a notificação de cobrança, na qual se refere que, face à informação complementar prestada pela Impugnante, se mantêm as fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado, concluindo-se, como na informação precedente, pela aplicação do método previsto no art.° 74.°, n.° 3, do CAU e novamente reafirmando-se o valor de liquidação e garantia. Considera a Recorrente que, quanto ao valor anormalmente baixo, tal fundamentação foi dada a conhecer à Recorrida, como decorre dos ofícios e decisão proferida [cfr. factos F), K) e O)]. O Tribunal a quo entendeu que a mera remissão para a fonte dos dados é insuficiente, sendo um juízo meramente conclusivo. E de facto assim é. Com efeito, compulsados todos os elementos juntos aos autos, verifica-se que a administração aduaneira se limita a fazer reiteradamente uma menção a valores estatísticos médios, que nunca densifica se não em termos de valor final global, ficando por perceber quais os elementos concretos e específicos de confronto, a amostragem considerada (se é que foi feita alguma amostragem) e por que motivo conclui como concluiu. Não nos estamos a referir ao cálculo final, que está claramente efetuado, mas sim nas premissas que o sustentaram, carecendo, pois, de pertinência o referido nas conclusões J) e K). Por outro lado, entende a Recorrente que se encontra devidamente explanada a motivação pela qual as explicações e os documentos apresentados pela Recorrida não foram suficientes para afastar as dúvidas. Sem razão. Com efeito, a posição da administração surge de forma que nos parece claramente conclusiva. Não se consegue perceber por que motivo as explicações e os documentos apresentados são insuficientes, na medida em que não está expressa qualquer análise dos mesmos. O exercício do direito de audição, quando traz ao procedimento novos elementos de facto ou de direito, como in casu, carece necessariamente de ser apreciado, apartando-os ou acolhendo-os. Daí que o art.° 6o.°, n.° 7, da LGT, aplicável in casu, que respeita ao dever de fundamentação, ainda que sistematicamente esteja inserido em disposição legal atinente ao princípio da participação, refira expressamente que "[o]s elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão". E, naturalmente, essa tomada em consideração dos elementos apresentados pelo administrado tem de estar vertida na fundamentação do ato. Apenas dessa forma o dever de fundamentação se pode considerar cabalmente cumprido. Este dever não é uma mera formalidade a se; é por respeito ao mesmo que se deve sustentar de forma cabal a posição da administração para, dessa forma, levar ao conhecimento do administrado os fundamentos de facto e de direito que a suportaram na sua decisão. Apenas o cumprimento deste dever assegura o adequado exercício do direito de defesa [princípio geral do direito da União Europeia - cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 18.12.2008, Sopropé, C-349/07, EU:C:20o8:746, n.°s 36 a 38, e de 09.11.2017, Ispas, C-298/16, EU:C:2017:843, n.° 26] por parte do administrado (incluindo o de impugnação judicial), sendo fundamental para assegurar a tutela jurisdicional efetiva, garantida pela nossa lei fundamental, no seu art.° 20.°. Não se põe em causa que pudessem subsistir dúvidas fundadas à administração. No entanto, essa subsistência tem de estar fundamentada. Ora, tal não sucede nos autos, dado que a administração se quedou, como referido, por fórmulas conclusivas, vazias de conteúdo. Assistia à administração o dever de esclarecer por que motivos os elementos juntos pela ora Recorrida não eram suficientes. E tal não ocorreu. Entende ainda a Recorrente, quanto à questão do método secundário que veio a ser adotado, que está perfeitamente esclarecida a opção tomada, na medida em que é convocada a impossibilidade de aceder às caraterísticas das mercadorias e o facto de a descrição das faturas ser demasiado genérica. Ora, neste caso, a administração limita-se a elencar os diversos métodos e a concluir, sem o detalhe exigível, pela impossibilidade de não se aceder às caraterísticas das mercadorias e ao facto de haver uma descrição muito genérica das faturas, não explicando por que motivo os elementos apresentados pela Impugnante, designadamente as fichas técnicas das mercadorias importadas, não respondem ou não permitem ultrapassar as alegadas limitações. Logo, a fundamentação usada não permite sustentar a rejeição do método do valor transacional. Alega ainda a Recorrente que existem regras próprias em matéria de direito de audição. Ora, in casu, tal não se põe em causa. Com efeito, o art.° 22.°, n.° 6, do CAU (aplicável ex vi art.° 29.0 do CAU) faz menção à obrigatoriedade de as autoridades aduaneiras ouvirem o requerente antes da decisão que pretendem tomar [cfr. igualmente o art.° 8.° do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 e o art.° 8.° do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, ambos já referidos supra]. Ora, a decisão recorrida não vai no sentido de não ter sido ouvido o administrado. Vai, sim, no sentido de tal exercício não ter sido minimamente analisado (ou pelo menos externada essa análise), razão pela qual é convocado o disposto no art.° 60.°, n.° 7, da LGT [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-11-2019 - Processo: 9032/15.3BCLSB]. Aliás, veja-se que o próprio n.° 3 do art.° 8.° do Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, vai no sentido de ser registada a posição do administrado tomada na sequência da sua audição, sendo que, tratando-se de procedimento decisório, é para nós exigência consentânea com essa menção a explicação em torno do afastamento dos argumentos, de facto ou de direito, esgrimidos. Ou seja, a questão é que, como aliás já referido anteriormente, os elementos trazidos pelo administrado em sede de exercício de audição foram, ad limine, afastados, sem mais. Não há, como referimos, qualquer fundamentação a este respeito. Finalmente, carece de razão a Recorrente, quanto ao referido nas conclusões X) a DD), onde, no fundo, se apela à teoria do aproveitamento do ato. Sendo certo que a chamada teoria do aproveitamento do ato (há muito acolhida entre a doutrina e a jurisprudência) encontra consagração no art.° 163.°, n.° 5, do Código do Procedimento Administrativo, não se pode afirmar perentoriamente, in casu, que o conteúdo do ato não pudesse ser outro. Ora, a inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma, só ocorre se se puder afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto. Assim, nestes casos, a invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado (Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS)). Neste sentido, aponta a jurisprudência do TJUE, segundo a qual a violação dos direitos de defesa, em particular do direito de ser ouvido, só implica a anulação da decisão tomada no termo do procedimento administrativo em causa se, na inexistência dessa irregularidade, o procedimento pudesse conduzir a um resultado diferente (cfr. os Acórdãos de 14.02.1990, França/Comissão, C-301/87, EU:C:1990:67; de 05.10.2000, Alemanha/Comissão, C-288/96, EU:C:2000:537, de 01.10.2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C-141/08 P, EU:C:2009:598, de 10.09.2013, PPU - G. e R., C-383/13, EU:C:2013:553, de 03.07.2014, Kamino International Logistics e Datema Hellmann Worldwide Logistics, C-129/13 e C-130/13, EU:C:2014:94). A verdade é que, in casu, não se consegue, na concreta circunstância da causa, concluir com a certeza exigível que a decisão seria sempre a mesma, justamente por nem se conseguir alcançar os pressupostos de base da atuação da administração, nos termos já expressos supra. Como tal, não assiste razão à Recorrente.” Concordando inteiramente com a jurisprudência citada, a qual acolhemos, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniformes do direito (cf. art. 8.º n.º 3 do Código Civil), também este Tribunal entende que a liquidação impugnada sofre de falta de fundamentação susceptível de conduzir à sua anulação. Tanto vale para concluir que a sentença que assim decidiu não incorreu em erro de julgamento e, como tal, tem de se manter – o que abaixo, no segmento decisório, se determinará. ***** III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (527.º do CPC).
Lisboa, 10 de Outubro de 2024
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