Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2556/09.3BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 05/29/2024 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | IRS. MAIS-VALIAS IMOBILIÁRIAS. CIDADÃO RESIDENTE NA UNIÃO EUROPEIA. |
Sumário: | O regime fiscal mais favorável das mais-valias imobiliárias obtidas por cidadãos residentes no território português constitui tratamento discriminatório em relação a cidadãos residentes no espaço da União Europeia e corporiza violação da liberdade de circulação de capitais. Tal violação não é sanada pela existência de um regime de opção pelo englobamento dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- Relatório M ……………………. deduziu reclamação judicial, posteriormente convolada em impugnação judicial (por decisão de 28/5/2010- fls. do sitaf), na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa que apresentara contra o acto tributário de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2004, no montante total de €22.471,14, sendo € 19.997,00 o imposto e € 2.474,14 de juros compensatórios. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 27/5/2019, e inserta a fls. 361 e ss., (sitaf), julgou a impugnação procedente. Desta sentença foi interposto o presente recurso em cuja alegação incorporada a fls. 398 e ss. ( sitaf), a recorrente, Fazenda Pública., formulou as conclusões seguintes:” I) O thema decidendum assenta na legalidade da liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2004 no montante de € 22.471,14, dos quais € 19.997,00 de imposto e € 2.474,14 de juros compensatórios. II) Preceitua a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS que constituem mais valias os ganhos obtidos que resultem, nomeadamente, da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis. III) O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, sendo que quando respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas na al. a) do n.º 1 do art.º 10.º, positivo ou negativo, esse saldo é apenas considerado em 50% do seu valor (cf. n.º 1 do art.º 43.º do CIRS). IV) As mais-valias previstas na al. a) do n.º1 do art.º 10.º do CIRS auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado são tributados à taxa autónoma de 28% (cf. al. a) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS). V) Todavia, os residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos de mais-valias resultantes de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do art.º 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, sendo para efeitos de determinação dessa taxa tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes (cf. n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS, na redação dada por aditamento pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12). VI) Este aditamento dado pela Lei n.º 67-A/2007 visou adequar o sistema tributário nacional à decisão constante do acórdão do TJUE de 2007-10-11, Processo n.º C-443/06, mais conhecido por acórdão Hollmann. VII) O TJUE considerou que a questão que importava elucidar era saber se a disposição constante do art.º 56 do Tratado CE se opunha “a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes de alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, quando essa alienação é efetuada por um residente noutro Estado -Membro, a uma carga fiscal superior àquela que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel” (n.º 22 do acórdão). VIII) De acordo com o acórdão em causa o que releva, do ponto de vista da compatibilidade com o Direito Comunitário, não é, simplesmente, o facto do n.º 1 do art.º 43 do CIRS excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado-membro da UE, mas é sim, decisivamente, o facto de daí poder resultar uma carga fiscal superior à que seria aplicável a um residente para o mesmo tipo de operações. IX) A resolução da questão da incompatibilidade com o Direito Comunitário verificada na situação em apreço assenta no facto de, tal como se afirma no n.º 58 do acórdão do TJUE, “a vantagem fiscal concedida aos residentes, que consiste numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais-valias, excede, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos”. X) O quadro jurídico em que se afere, em relação à tributação das mais valias imobiliárias, a existência de uma “carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objetivamente comparável” (n.º 54 do acórdão) compreende, para além do n.º 2 do art.º 43 do CIRS, as disposições constantes dos artigos 22 nº 1 e 68.º do CIRS, no que respeita aos não residentes e à sua tributação à taxa de 25% (atualmente de 28%). XI) Como resulta dos autos, a impugnante no rosto da declaração de rendimentos de IRS do ano de 2004 não assinalou a opção pela tributação das taxas gerais do art.º 68 do CIRS, nos termos dos n.ºs 9 e 10 do art.º 72 do CIRS, o que implicaria inscrever o total dos rendimentos obtidos no estrangeiro, caso os tivesse, e o respetivo país, no caso concreto, Holanda, pelo que a liquidação de IRS n.º ……………….765 foi feita de acordo com os elementos inscritos pela ora impugnante. XII) Como se referenciou, a AT limitou-se a aplicar a lei e dessa atuação não decorre qualquer questão de interpretação ao nível da inconformidade ou incompatibilidade com o Direito Comunitário, relativamente ao disposto nos n.ºs 9 e 10 do art.º 72.º do CIRS, pelo que não poderia a AT desaplicar uma norma com este fundamento, uma vez que a AT se encontra sujeita ao princípio da legalidade (cf. n.º 2 do art.º 266.º da CRP e art .º 55 da LGT), até porque o disposto no n.ºs 9 e 10.º do art.º 72 CIRS foram aditados na sequência da pronúncia do TJUE, que como se invocou no parecer do CEF, não procedia à extensão ilimitada e incondicional da vantagem resultante do n.º 2 do art.º 43.º do CIRS para os não residentes. XIII) Entende assim a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada. Pugna pela procedência do recurso e pela improcedência da impugnação. X A) O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação oficiosa de IRS e respetivos juros compensatórios n.º ………………765, respeitante ao ano de 2004, no valor total de € 22.471,14, por ter julgado o ato tributário de liquidação oficiosa ilegal, por violação do artigo 56.º do TFUE, condenando a AT na restituição da situação tributária da contribuinte. B) Julgada a procedência daquele vício, entendeu o Tribunal que se tornou desnecessário o conhecimento dos restantes vícios alegados. C) A Fazenda Pública interpôs recurso da mesma, por considerar que, da atuação da AT – que, segundo ela, se limitou a aplicar a lei – não decorre qualquer questão de interpretação ao nível da inconformidade ou incompatibilidade com o Direito da União Europeia e que, por isso a sentença padece de erro na apreciação dos factos relevantes e erro na interpretação da lei. D) Parece resultar das alegações da Fazenda Pública que, esta considera que, eventualmente, a liquidação oficiosa sindicada não deveria ter sido anulada na totalidade ou parece entender que o Tribunal se pudesse substituir à AT na questão da aplicação das taxas. E) Contudo, se a norma ao abrigo da qual foi efetuada a liquidação é ilegal – por confronto com o Direito da União Europeia – então o mesmo tem que ser anulado na totalidade, não merecendo censura a decisão. F) Atento o facto de o contencioso tributário ser de mera anulação, não é possível ao Tribunal substituir-se à AT e aplicar outras taxas de IRS. G) Relativamente à divisibilidade do ato de liquidação, a sua anulação parcial só seria possível caso o vício de que padece afetasse apenas uma parte, H) situação que não se verifica neste caso. I) Em face do que, não se reconhecem na sentença os vícios que imputa a Recorrente pelo que, J) bem andou o Tribunal a quo ao julgar no sentido da procedência da impugnação judicial, julgando verificada a ilegalidade da liquidação por violação do Direito da União Europeia, K) razão pela qual deve ser mantida na ordem jurídica, com as demais consequências legais. L) Ainda assim, mesmo que o Tribunal não julgasse a ação procedente por aquele vício, sempre a liquidação em causa seria ilegal pela verificação dos restantes vícios alegados: caducidade do direito à liquidação; ineficácia do ato tributário de liquidação oficiosa de IRS, por falta de notificação da Representante Fiscal designada e nulidade do processo de execução fiscal, por falta de citação da Representante Fiscal designada. Pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado. X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X II- Fundamentação2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:” A) Em 1994.02.25, a Impugnante declarou residir nos Países Baixos e nomeou representante fiscal A ……………… (cf. fls. 154 a 163 do PA); B) De acordo com a síntese cadastral constante de fls. 167 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida, A ……………………… faleceu em 2003.11.09; C) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 2004.08.06, no 20º Cartório Notarial de Lisboa, constante de fls. 54 do PA- RO e que aqui se dá como integralmente reproduzida, a Impugnante e M ………………….., na qualidade de comproprietárias, transmitiram a título definitivo o prédio misto, sito em P………….., F……….., concelho de L………s, inscrita a parte urbana na matriz predial respetiva sob o artigo ……… e a parte rústica inscrita na matriz predial respetiva sob o artigo 61 da Seção F, mediante a contrapartida de € 200 000,00; D) Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 2005.04.20, no 20º Cartório Notarial, constante de fls. 49 a 51 do PA-RO e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Impugnante e R ……………………. adquiriu a fração autónoma identificada pela letra S do prédio inscrito na predial urbana da freguesia de P ………….., mediante a contrapartida de €100.000,00; a Impugnante declarou ainda que a fração adquirida se destina a sua residência própria e permanente; E) Em 2005.06.03, a Impugnante através de Maria …………………….., que assina na qualidade de representante legal ou gestora de negócios, entregou no Serviço de Finanças de Lisboa-14, a declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2004, acompanhada do anexo G, constante de fls. 14 a 16/81 de doc. nº 005152250 registado em 29-12-2009/11:23:50, que aqui se dá como integralmente reproduzida e da qual se transcreve: a. Anexo G – Categoria G – Mais-Valias e outros incrementos patrimoniais i. (…); ii. Q4 – Alienação Onerosa de Direitos Reais sobre Bens Imóveis (…) – artigo 10/1.a): iii. Linha 401 – Titular A – Realização – Ano: 2004 – Mês: 08 – Valor: € 100 000,00; Aquisição – Ano: 1994 – Mês: 03 – Valor: € 11 750,00 – Despesas e Encargos: € 4 502,00; iv. Identificação Matricial dos Bens – Campo 401 – Freguesia: …………. – Tipo U – Artigo ……….– Quota-Parte: 50%; v. Q5 – Reinvestimento do Valor de Realização de Imóvel Destinado a Habitação Própria e Permanente: vi. (…); vii. Linha 504 – Valor de realização que pretende investir (sem recurso ao crédito) - € 100 000,00; F) Em 2005.09.06, foi emitida a liquidação de IRS nº …………………978 de IRS relativa ao ano de 2004, a zeros, constante de fls. 136 do PA e que aqui se dá como integralmente reproduzida; G) Em 2008.06.24, foi emitida a liquidação adicional de IRS nº ………….765 de IRS, relativa ao ano de 2004, constante de fls. 139 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com valor a pagar de € 22 471,14, dos quais € 19 997,00 de imposto e € 2 474,14 de juros compensatórios; H) Foi enviada carta registada sob o nº RY…………..PT, devolvida ao remetente em 2008.07.01, endereçada a M ……………… e R ………………….., representado por A …………., Rua de S. …………, nº ., 4º ………, em Lisboa (cf. fls.169 a 170 do PA); I) Foi enviada carta registada sob o nº RY……………PT, devolvida ao remetente em 2008.07.01, endereçada a M ……………… e R ………………….., representado por A …………………. Rua de S. ……., nº 18, 4º Es, em Lisboa (cf. fls. 173 a 174 do PA); J) Em 2008.08.22, no Serviço de Finanças de Lisboa-2, foi instaurado o processo de execução fiscal nº ……………854, contra M …………………, para cobrança coerciva da dívida de € 22 471,14 (cf. fls. 119 do PA); K) Em 2009.02.17, na Direção de Finanças de Lisboa, deu entrada pedido de revisão da liquidação de IRS de 2004, constante de fls. 29 do PA- RO e que aqui se dá por integralmente reproduzido; L) Por despacho de 2009.05.06, da Chefe de Divisão, exarado na informação nº 1086/09, da Divisão de Administração II da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares da Direção-Geral dos Impostos, foi ordenada a notificação da Impugnante do projeto de despacho de indeferimento do pedido para os efeitos do disposto no artigo 60º da LGT (cf. fls. 18 do PA-RO); M) Por ofício de 2009.05.08, foi comunicado à Impugnante o projeto de despacho de indeferimento do pedido de revisão da liquidação para exercer querendo, o direito de audição prévia (cf. fls. 16 do PA-RO); N) Em 2009.05.21, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 10 a 14 do PA-RO); O) Por despacho de 2009.06.19, da Chefe de Divisão, por subdelegação (Despacho nº 17557/2008, DR II Série nº 124, de 30/06), exarado na informação nº 1434/09, da Divisão de Administração II da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares da Direção-Geral dos Impostos, foi indeferido o pedido de revisão (cf. fls. 6 do PA-RO); deste despacho transcreve-se: a. Concordo pelo que nos termos e com os fundamentos expostos, convolo em definitivo o projeto de despacho de indeferimento do pedido de revisão ao abrigo do artigo 78/4 da LGT; b. (…); P) Por carta registada com aviso de receção, assinado em 2009.07.30, por Maria ………………, foi dado conhecimento à Impugnante do indeferimento do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2004 (cf. fls. 3 a 4 do PA-RO); Q) Por carta registada em 2009.08.11, a presente ação foi enviada por carta registada à Direção de Finanças de Lisboa (cf. fls. 66/81 de doc. nº ……………. de 29-12-2009 - 11:23:50).” X “Factos não provados// Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.”X “Motivação da decisão de facto //A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.”X 2.2. De Direito.2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa. A sentença julgou procedente a impugnação, determinando a anulação da liquidação adicional de IRS de 2004. Considerou, em síntese, que a «norma do artigo 43.º/2 do Código do IRS, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas a residentes em Portugal, viola o artigo 56º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia». 2.2.2. A recorrente invoca contra a sentença sob escrutínio erro de julgamento quanto ao Direito aplicável, porquanto não existe nenhuma incompatibilidade com o Direito Europeu por parte do regime aplicado, sustenta. Está em causa liquidação adicional de IRS de 2004, não tendo sido aplicado o disposto no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, dado tratar-se de um agregado familiar não residente em território português, mas residente em Estado-membro da União Europeia, tendo sido apurado o imposto a pagar, nos termos do artigo 72.º/1, do CIRS. Apreciação. «Constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)» (1). «O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» (2). // «O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d), do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, apenas é considerado em 50% do seu valor»(3). Por seu turno, estatui o artigo 72.º do CIRS (“Taxas Especiais”) (4), que: «[a]s mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributados à taxa autónoma de 25%, (…)». (n.º 1). Perante o presente quadro normativo, a recorrente sustenta que o aditamento ao artigo 72.º (n.ºs 9 e 10, introduzidos pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12), permitiu resolver a questão da compatibilidade com o Direito Europeu, dado que o contribuinte não residente pode optar pelo englobamento de todos os rendimentos auferidos, em conjugação com as taxas progressivas do imposto. A questão do tratamento nacional imposto pelo Direito Europeu, da tributação em IRS das mais-valias imobiliárias obtidas por cidadãos não residentes em território nacional, mas que residem no território de Estado membro da União Europeia, foi objecto de análise na jurisprudência. Constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte: i) «O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia»(5). ii) «A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou. // Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros. (6) iii) «Às mais-valias imobiliárias obtidas por um não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no artigo 72.º do Código do IRS, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2 do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo, por desconformidade com o artigo 63.º do TFUE» (7). iv) «A legislação nacional ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pela norma comunitária supracitada, sendo o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do TJUE» (8). No plano da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE], no Acórdão de 11/10/2007, P. C-443/06(9), o Tribunal declarou que, «(…) enquanto a um não residente é aplicada uma taxa de 25% sobre a matéria colectável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente permite que este beneficie sistematicamente, a esse título, de uma carga fiscal inferior, qualquer que seja a taxa de tributação aplicável sobre a totalidade dos seus rendimentos, visto que, segundo as observações formuladas pelo Governo português, a tributação do rendimento dos residentes está sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%. // Por consequência, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal tem por efeito tornar a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes, dissuadindo-os de efectuar investimentos imobiliários em Portugal e, consequentemente, operações relacionadas com estes investimentos, tal como a venda de um bem imóvel. // Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.°CE. (…) // Tal como já foi referido nos n.os36 a 38 do presente acórdão, o artigo 43.°, n.°2, do CIRS estabelece, no essencial, uma desigualdade de tratamento fiscal entre residentes e não residentes, ao prever uma tributação diferente para as mais-valias realizadas aquando da alienação de um bem imóvel sito em Portugal. // Contudo, há que distinguir os tratamentos desiguais, permitidos ao abrigo do artigo 58.°, n.°1, alínea a), CE, das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.°3 do mesmo artigo. // Ora, resulta da jurisprudência que, para que uma regulamentação fiscal nacional, como a que está em causa no processo principal, possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (…). // À luz da jurisprudência referida no número anterior, há que verificar, em primeiro lugar, se a diferença de tributação dos rendimentos, consoante as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel sito em Portugal sejam realizadas por residentes ou por não residentes, diz respeito a situações não comparáveis objectivamente. // A este respeito, o Governo português sustenta que as duas categorias de sujeitos passivos se encontram em situações diferentes, o que justifica perfeitamente esta diferença de tratamento. A limitação da tributação a 50% só pode respeitar a residentes, uma vez que estes se encontram sujeitos a uma tabela de taxas progressivas sobre o seu rendimento global. Ao invés, aos não residentes são apenas tributados os rendimentos auferidos no território português. Por outras palavras, o mecanismo previsto por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal visa não penalizar os residentes que se encontram sujeitos a um imposto progressivo, contrariamente aos não residentes. // (…) // Refira-se que, no processo principal, em primeiro lugar, a tributação das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide sobre uma única categoria de rendimentos dos sujeitos passivos, quer sejam residentes ou não residentes; em segundo lugar, diz respeito às duas categorias de sujeitos passivos; e, em terceiro lugar, o Estado-Membro de onde o rendimento colectável provém é sempre a República Portuguesa. // A este respeito, importa em particular esclarecer que, tal como resulta do n.°38 do presente acórdão, o facto de a matéria colectável correspondente às mais-valias realizadas por um residente ser reduzida a metade, conjugado com o facto de a tributação dos seus rendimentos estar sujeita a uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado é de 42%, conduz, nas mesmas condições de tributação relativamente a um não residente, a uma tributação mais gravosa deste último. // Nestas condições, a alegação apresentada, no caso em apreço, pelo Governo português não pode ser aceite. (…) // No que diz respeito, em segundo lugar, a justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, o Governo português invoca a necessidade de garantir a coerência do regime fiscal nacional. (…). // No presente processo, o Governo português sustenta que é necessário levar em consideração a finalidade e a lógica do regime fiscal aquando da realização das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel. A este respeito, o regime fiscal em causa tem por objectivo evitar penalizar os residentes, no quadro da tributação de mais-valias, pelo facto de lhes aplicar uma taxa progressiva. No essencial, existe uma relação directa, para os residentes, entre a vantagem fiscal na tributação das mais-valias, resultante da tributação reduzida a metade, e a taxa de tributação progressiva aplicável à totalidade dos seus rendimentos. // Ora, tal como resulta do n.°38 do presente acórdão, a vantagem fiscal concedida aos residentes, que consiste numa redução de metade da matéria colectável correspondente às mais-valias, excede, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. // Por conseguinte, não há uma relação directa entre a referida vantagem e a sua compensação através de determinada imposição fiscal. // Consequentemente, há que considerar que a restrição resultante da legislação fiscal em causa no processo principal não pode ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal. // Face às considerações expostas, importa responder à questão colocada que o artigo 56.°CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel». No Acórdão do TJUE, proferido em18/03/2021, no P. C- 388/19, o Tribunal declarou que «a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.° 32 do presente acórdão compatível com o Tratado. // Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.°TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável».(10) Em síntese, o regime de tratamento fiscal mais favorável das mais-valias imobiliárias obtidas por cidadãos residentes no território português, na medida em que constitui tratamento discriminatório em relação a cidadãos residentes no espaço da União Europeia, corporiza violação da liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia. Tal violação não é sanada pela existência de um regime de opção pelo englobamento dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, porquanto a própria imposição de tal opção apenas a cidadãos não residentes, como condição de obviar à discriminação, constitui um tratamento discriminatório em face dos cidadãos residentes. Acresce que tal regime não estava em vigor à data do facto tributário (2004). Pelo que se impõe reiterar a jurisprudência assente segundo a qual «[é] incompatível com o direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43 do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional».(11) Ao julgar no sentido apontado, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. Dispositivo Custas pela recorrente. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1ª. Adjunta – Sara Loureiro) (2 ª. Adjunta -Ana Cristina Gomes de Carvalho) (1) Artigo 10.º/1/e), do CIRS. (2) Artigo 43.º/1, do CIRS. (3) Artigo 43.º/2, do CIRS. (4) Versão aplicável à data do facto tributário. (5) Acórdão do STA, de 16.01.2008, P. 0439/06 (6) Acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, de uniformização de jurisprudência, de 09-12-2020, P. 075/20.6BALSB (7) Acórdão do STA, de 12.05.2021, P. 01154/18.5BESNT. (8) Acórdão do TCAS, de 08-05-2019, P. 1358/08.9BESNT. (9) §§38 a 61. (10) Acórdão do TJUE, P. C- 388/19, de 18/03/2021, §§42/47. (11) Acórdão do STA, de 03-02-2016, P. 01172/14. |