Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7532/14.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:IRS
MÉTODOS INDIRETOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - O acto estará fundamentado quando contenha os requisitos gerais e especiais de fundamentação previstos na lei, que impõe se deem a conhecer ao contribuinte não só as razões factuais que motivaram a decisão como também as disposições legais aplicáveis, dito de outro modo, se dê a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na prática do acto.
II - A lei impõe um especial dever de fundamentação na utilização de métodos indirectos, dever esse que é instrumental ao carácter subsidiário da avaliação indireta e à manifesta preferência do legislador pela utilização de métodos de avaliação directa na fixação da matéria tributável, atentas as maiores garantias de rigor que estes métodos fornecem.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco no dia 31.12.2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M........ e L........ (doravante Recorridos), contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), referente ao exercício de 1996, no valor de € 2.124,49 e em consequência anulou a liquidação n.º 53.........

Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES

a) A douta sentença violou os artigos 82° do CPT, 67/2 do CIRS à data em vigor, artigo 38° do CIRS, 66/2 do CIRS, 52° do CIRC, 78° do CPT, 81° do CPT.

b) Como evidenciado pela douta sentença de que ora se recorre: (a) a liquidação de IRS/1996 tem origem em dois procedimentos de inspecção tributária; (b) objecto de despacho pelo subdirector tributário a fixar o rendimento global líquido dos impugnantes, referente ao ano de 1996, em 3.848.807$00; (c) notificado aos impugnantes, que vieram apresentar reclamação da decisão de aplicação de métodos indirectos nos termos do artigo 84° e seguintes do CPT, dando conta já nesse momento, de ter apreendido exactamente o iter cognoscitivo seguido pela inspecção tributária que levou às correções dos valores declarados pelos impugnantes nas respectivas actividades; (d) perfeito conhecimento do iter cognoscitivo e da fundamentação subjacente às correções levadas a cabo de que dão conta os impugnantes na petição inicial que deu origem à presente impugnação, onde procuram, mais uma vez, contraditar os fundamentos subjacentes às correcção ao IRS/1996 levadas a cabo pela inspecção tributária.

e) Assim, conforme evidenciado na análise à escrita do impugnante M........, este exercia no ano de 1996 a actividade de “construção e reparação de edifícios", tendo, no âmbito dessa actividade prestado serviços de construção civil à fábrica da igreja do Sabugal no valor de 2.200.000$00 sem que tenha emitido a correspondente factura e recibo e sem fazer constar esse valor na contabilidade como proveito. Sendo junto, para além da análise efectuada à contabilidade a dar conta da omissão desse proveito, o auto de declarações prestado pelo padre A........, no qual afirma que “a referida importância de 2.200.000$00 ... foi paga em 22 de Maio de 1996, por exigência do empreiteiro, importância esta além do contrato de construção de uma habitação no valor de 22.300.000$00. Da referida importância não foi emitida a correspondeste factura nem o respectivo recibo”. Esgrimindo, depois, os impugnantes a sua argumentação à volta da correcção resultante da omissão deste proveito, juntando um "mapa resumo das facturas da construção da casa paroquial” no sentido de tentar provar que o valor em causa nos autos teria em vista ressarcir os impugnantes do IVA que liquidaram a menos nas facturas emitidas concernentes à obra em causa nos autos (o que, de forma alguma lograram provar), e requerendo a inquirição de testemunhas, desde logo o padre A........, relativamente ao facto subjacente à correcção - a obtenção dum proveito omitido à contabilidade e às declarações fiscais no sentido de evitar a respectiva tributação. Ou seja, os impugnantes têm perfeito conhecimento dos fundamentos subjacentes à correcção efectuada aos proveitos declarados pelo impugnante no âmbito da sua actividade de “construção e reparação de edificios”.

d) Pelo que, é possível afirmar que a deficiência de fundamentação não impediu os impugnantes de acompanhar e conhecer perfeitamente o percurso cognoscitivo seguido pela inspecção na correcção efectuada, sendo tal demonstrado pela argumentação e pelos elementos de prova trazidos aos autos pelos impugnantes.
e) Relativamente às correcções efectuadas no âmbito da actividade levada a cabo por L........, é evidenciado no relatório de inspecção que a impugnante no ano de 1996 exercia a actividade de “pronto a vestir” sendo no âmbito dessa actividade que foram efectuadas as correcções ora em causa nos autos. Sendo também evidenciado que se verificou a necessidade de recurso a métodos indiciários por falta de credibilidade da escrita. Enunciando como fundamentos da falta de credibilidade da escrita a constatação de que a margem de lucro é inferior à que em regra é revelada neste ramo de actividade e aplicando os mesmos fundamentos para recurso a métodos indirectos que também conduziram à aplicação de métodos indirectos ao ano de 1995: a) coeficientes técnicos de consumo de matérias-primas; b) custos com juros e encargos bancários; e) não contabilização de qualquer importância a título de remuneração; d) a “amostragem efectuada em 1996 ao sujeito passivo e constante do processo individual onde se verifica aplicação de uma percentagem que rondará os 30%”. E recorrendo, no respeitante à quantificação da matéria tributável decorrente da aplicação de métodos indirectos, ao resultado da amostragem efectuada à impugnante - junta aos autos e não contestada pelos impugnantes - na qual concluiu, relativamente às mercadorias/produtos vendidos pela impugnante, no exercício da sua actividade e no ano de 1996, que a percentagem de lucro rondaria os 30%. Sendo depois, em sede de comissão de revisão, os fundamentos para aplicação dos métodos indiciários novamente escalpelizados pelo vogal da fazenda pública, concluíndo pela necessidade de justificação do recurso aos métodos indirectos “perante as irregularidades” constatadas e que “os cálculos encontram-se correctos e a margem de comercialização utilizada nas correcções é muito inferior à margem média nacional do sector ... que se situa em 41%”, e que “o argumento apresentado de que as vendas em época de saldos são efetuados a preço de custo, por um lado não é comprovado e por outro nada garante que as venda se processem de forma uniforme ao longo do ano, o que põe em causa a distribuição proporcional das mesmas que ao contribuinte apresenta na sua reclamação”.

f) Ou seja, os impugnantes têm perfeito conhecimento dos fundamentos que conduziram à necessidade do recurso aos métodos indirectos e do critério que levou à aplicação duma margem de lucro de 30% na actividade exercida. Sendo tal constatado quer na argumentação trazida em sede de comissão de revisão — onde são combatidos quer o fundamentos para aplicação de métodos indiciários, quer a margem de lucro aplicada na quantificação da matéria tributável —, quer no âmbito das presente impugnação, onde são novamente esgrimidos os fundamentos para aplicação dos métodos indiciários e o critério de quantificação adoptado.

g) Pelo que, é possível não haverá deficiência de fundamentação, tendo esta sido apreendida pelos impugnantes, permitindo-lhes acompanhar e conhecer perfeitamente o percurso cognoscitivo seguido pela inspecção na correcção efectuada, sendo tal demonstrado pela argumentação e pelos elementos de prova trazidos aos autos pelos impugnantes.

h) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.

(…)

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.”
*

Os Recorridos apresentaram contra-alegações, que remataram com as seguintes
conclusões:

-IV-
CONCLUSAO

1- Ao contrário do que o representante da Fazenda Publica junto da Autoridade Tributária na Guarda tenta provar nas doutas alegações, os relatórios das inspecções tributárias feitas aos sujeitos passivo ora recorridos não mencionam as razões, maxime as de Direito que presidiram às correcções efectuadas através da aplicação de métodos indirectos aos rendimentos dos sujeitos passivos relativamente ao ano de 1996.

2- Com efeito dos relatórios das inspecções não constam os motivos que alegadamente provocam a falsidade dos elementos contabilísticos dos sujeitos passivos determinando por isso a aplicação de métodos indiciários e margem de lucro de 25 a 30% fixada.

3- Os relatórios das inspecções tributárias e novamente as alegações de recurso não especificam os motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.

4- Resulta da Lei que a Administração Fiscal está obrigada, em todos os casos em que recorra à tributação por métodos indirectos, a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação de matéria tributável.

5- Em concreto é exigência legal que se a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte, o recurso àquele método se apresenta como única forma possível de determinar a matéria colectável.

6- A demonstração referida em 5- não consta dos relatórios de inspecções feitas aos sujeitos passivos, ora recorridos.

7- Por tal razão a falta de fundamentação de que carece o acto tributário a que se reporta a impugnação, só pode determinar a nulidade do mesmo.

8- Desta forma não viola a sentença recorrida as normas contidas nos art°s 82 do C.P.T, 67° n° 2 do CIRS à data em vigor, artigo 38°, m 66° n° 2 do CIRS e 52° do CIRC e 81° do C.P.T.”
*

O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

*

Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.

*

Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

As questões sob recurso e que importam decidir, são as seguintes:

- Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao julgar procedente o vício de falta de fundamentação legal do ato de fixação dos rendimentos dos ora Recorridos.

*


II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

IV. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir:

1) Com início em 06-07-1998 e fim em 14-07-1998, foi efectuada uma acção de inspecção ao sujeito passivo L........, incidente sobre IRS e IVA, referente aos exercícios de 1995 a 1996.
Cfr. relatório de inspecção tributária (doravante RIT) constante de fis. 29 a 35 dos presentes autos

2) O sujeito passivo L........ dedicava-se à actividade de "Pronto a Vestir" - CAE: 52410.
Cfr. resulta do RIT a fis. 29 dos presentes autos

3) A acção inspectiva mencionada em 1), culminou com a elaboração do Relatório Final, em 27-07-1998, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, donde constava, além do mais, o seguinte: «
PERIODO DO EXERCICIO DE 01/95 a 12/95
(...)
2.1 A margem de lucro apurada através da escrita do sujeito passivo de 24,78%, parece-me estar um pouco abaixo da média para este sector de actividade que rondará os 30 a 35%, havendo ainda outros elementos que indiciam que a escrita não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, nomeadamente os seguintes:

a) Coeficientes técnicos de consumo de matérias primas.

b) Custos com juros e encargos bancários.

c) Não contabilização de qualquer importância a título de remuneração.

d) Junta-se transcrição de amostragem efectuada em 1996 ao sujeito passivo e constante do processo individual onde se verifica haver a aplicação de uma percentagem que rondará os 30%.

Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciários por falta de credibilidade dos elementos declarados.

(…)

PERIODO DO EXERCICIO DE 01/96 a 12/96

1 - APRECIAÇÃO DA DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO E MARGEM DE COMERCIALIZAÇÃO DECLARADA PELO SUJEITO PASSIVO

DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO

DESCRIÇÃO

A – Vendas 14 017 428$
- Exist. lnic. 4 201 100$
- Compras 12 017 897$
- Exist. Fin. 4 783 600$
B - Cust. Exist. Vend. 11 435 397$
C - Result. Brut. 2 580 031$
D - Margem Comerc. 22,579%

1.1 - A margem de lucro revelada pelos elementos de escrita do sujeito passivo de 22,579% não poderá considerar-se normal para este ramo de actividade e atendendo ao que ficou expresso no ponto 2.1 ao ano de 1995, que rondará os 30%.

1.2. - Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciários por falta de credibilidade da escrita.

CORRECÇÃO DE VOLUME DE NEGOCIOS E LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA

2. - Tomando como base o custo das existências vendidas do montante de 11 435 397$ declarados pelo sujeito passivo e aplicando a margem de comercialização referenciada no ponto 1.1, teremos:

2.1 -
BASE TRIBUTA VEL CORRIGIDA
Cust.E. V. x Margem Com. = Base Trib. corrig.
11435 397$x30% =3430 619$
TOTAL BASE TRIBUTA VEL CORRIGIDA
11435397$ + 3430619 = 14 866 016$
(…)”
Cfr. relatório de inspecção constante de fis. 29 a 35 dos presentes autos

4) Com início em 15-07-1998 e fim em 23-07-1998, foi efectuada uma acção de inspecção ao sujeito passivo M........, incidente sobre IRS e IVA, referente aos exercícios de 1995 a 1996.
Cfr. relatório de inspecção tributária (doravante RIT) constante de fis. 18 a 23 dos presentes autos

5) O sujeito passivo M........ dedicava-se à actividade de "construção e reparação de edifícios" - CAE: 45212.
Cfr. resulta do RIT a fis. 18 dos presentes autos
6) A acção inspectiva mencionada em 4), culminou com a elaboração do Relatório Final, em 23-07-1998, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, donde constava, além do mais, o seguinte:

“(…)

PERIODO DO EXERCICIO DE 01/96 a 12/96

1 - APRECIAÇÃO DA DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO E MARGEM DE COMERCIALIZAÇÃO DECLARADA PELO SUJEITO PASSIVO.

DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO

DESCRIÇÃO



1.1- A Margem de lucro revelada pelos elementos de escrita do sujeito passivo de 68,1% poderá considerar-se normal para este ramo de actividade e no exercício em curso, já que:

a) O sujeito passivo no ano de 1996 em apreciação prestou diversos serviços de construção civil à Fábrica d…, tendo recebido a devida retribuição em Maio de 1996, da importância de 2 200 000$00 (dois milhões e duzentos mil escudos), não tendo emitido a competente factura e respectivo recibo.
(Junta-se auto de declarações prestadas pelo sr. Pde A........, presidente da
Fábrica da Igreja do Sabugal).

1.2 - Não há necessidade de recorrer a métodos indiciários.

(...)"
7) Em resultado das conclusões extraídas da acção de inspecção foram processados os "Mapas de Apuramento", modelo DC2, deles constando correcções ao volume de negócios dos impugnantes M........ e L........, referente ao exercício de 1996, no montante de Esc. 2.417.696$00 e 1.170.111$00, respectivamente.
Cfr. fis. 44 a 47 dos presentes autos
8) Em 19-02-1999, foi elaborado PROJECTO DE DECISÃO de fixação de rendimentos aos impugnantes relativo ao exercício de 1996, com o seguinte teor:

"Com base no relatório efectuado pelos Serviços de Fiscalização Tributária o qual faz parte integrante deste projecto de decisão, faço a aplicação de MÉTODOS INDIRECTOS para apuramento do Rendimento Global Líquido no montante de 3.842.807$00 (três milhões oitocentos e quarenta e dois mil oitocentos e sete escudos).

FUNDAMENTAÇÃO:

Sujeito Passivo A:

Conforme consta do ponto 1.1 da informação dos Serviços de Inspecção Tributária que passa a fazer parte integrante da presente aplicação de Métodos Indirectos o S. P. omitiu prestações de serviços no montante de 1880.342$00 (facturações à fábrica da Igreja do Sabugal).

Sujeito Passivo B:

Para determinação do Lucro Tributável recorreu-se à aplicação de Métodos Indirectos nos termos do art.° 52.° do CIRC por força do arl°. 38°. do CIRS. O montante global das vendas foi presumido em 14.866.016$00 em face da aplicação de uma margem de comercialização de 30% sobre o CEVC de 11.435.397$00, resultando num acréscimo ao Resultado Líquido de 848.588$00."

Cfr. fis. 13 e 13v0dos presentes autos

9) Com base nos fundamentos constantes do projecto de decisão referido na alínea anterior, foi, pelo Subdirector Tributário (por delegação de competências do Director de Finanças da Guarda), exarado despacho fixando o rendimento global líquido dos impugnantes, referente ao ano de 1996, em Esc. 3.848.807$00.
Cfr. fis. 13 e 13v0 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido

10) Os impugnantes foram notificados do acto de fixação de rendimentos mencionado na alínea anterior, mediante ofício registado com avisão de recepção com o n.° 2827, datado de 16-03-1999.
Cfr. fls. 12 dos presentes autos

11) Em 14-04-1999, os impugnantes apresentaram junto da Repartição de Finanças de Sabugal, dirigida à Comissão de Revisão do Distrito da Guarda, reclamação da decisão de aplicação de métodos indirectos “nos termos do artigo 84° e seguintes do Código de Processo Tributário”, com os fundamentos constantes de fis. 3 a 4 do processo administrativo (PA) apenso os presentes autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

12) Consta da Acta da Reunião da Comissão de Revisão constante de fls. 8 do PA apenso (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que no dia 25-10- 1999, reuniu-se na Direcção Distrital de Finanças da Guarda, "a comissão de revisão referida no Art.° 84° do CPT, presidida pela Sra C........., Chefe de Divisão, pelo vogal - Sr. J........., Perito da Fiscalização Tributária de ia Classe, nomeados nos termos do Art.° 860 do CPT, pelo vogal do contribuinte Sr. P.........", para apreciação da reclamação referida em 11), não tendo os vogais logrado obter acordo.

13) Consequentemente, em 28-10-1999, foi exarado pelo Presidente da Comissão da Revisão, o seguinte DESPACHO:

"Veio o contribuinte L........, casada, com M........, residente na Rua 5 de Outubro, Concelho de Sabugal, ela com rendimentos da categoria A em 1996 e C pelo exercício da actividade de Comércio a Retalho de Texteis e ele com rendimentos da categoria C, reclamar nos termos do au 0. 84° do Código do Processo Tributário da fixação dos rendimentos globais líquidos de IRS dos anos e montante supra referidos, que lhe foi efectuada pelo Exmo Senhor Director de Finanças da Guarda, com recurso a MÉTODOS INDICIÁRIOS.

A reclamação do contribuinte não contraria, objectivamente, os critérios, métodos e cálculos seguidos pelos serviços de inspecção tributária, caducentes ao apuramento do rendimento global líquido de IRS.

Efectuada a reunião da Comissão de Revisão, com a presença dos vogais, estes não acordaram na quantificação do exercício, conforme consta da acta n° 6 de 25 de Outubro de 1999.

Nos termos do n°. 3 do art°. 87° do C.P. T. e concordando inteiramente com o laudo apresentado pelo vogal da Fazenda Pública, mantenho inalterável os rendimentos globais líquidos, anteriormente fixados, por se julgarem perfeitamente justificados os critérios e métodos utilizados nos cálculos propostos pelos serviços de inspecção tributária, que conduziram ao apuramento do resultado liquido do exercício da actividade desenvolvida pelo reclamante, nos anos de 1995 e 1996.

Fixo o agravamento no montante de 7 500$00 (sete mil e quinhentos escudos), para cada um dos exercícios, nos termos do n° 1 do art° 90° - A do C. P. T..

Notifique-se.

(...)"

(...)"
Cfr. fts. 7 do PA apenso

14) Em 29-10-1999, pelo Subdirector Tributário (por delegação de competência do Director de Finanças da Guarda), foi exarado o seguinte DESPACHO:

"Nos termos do n° 4 do art°. 87° do CPT, confirmo a legalidade da decisão relativa ao objecto da reclamação pro ferida pelo Sr. Presidente da Comissão de Revisão."
Cfr. fis. 7 do PA apenso

15) Os impugnantes foram notificados do teor da acta de reunião da comissão de revisão bem como dos despachos mencionados em 13) e 14), mediante ofício registado com avisão de recepção com o n.° 10364, datado de 03-11-1999.
Cfr. fis. 12 do PA apenso

16) Em 06-12-1999 foi emitida a liquidação de IRS n.° 53........ relativa ao exercício de 1996 no valor global de Esc. 626.405$00 (€ 3.124,49), com data limite de pagamento em 26-01 -2000.
Cfr. fis. 11 dos presentes autos

17) Em 26-04-2000 deu entrada no Serviço de Finanças do Sabugal, a presente impugnação.
Cfr. carimbo aposto no rosto de fis. 2 dos presentes autos

> Mais se provou que:

18) No ano de 1996, a fábrica da igreja do Sabugai entregou ao impugnante M........ a quantia de Esc. 2.200.000$00, sendo Esc. 400.000$00 pela construção de uma marquise que não estava no projecto inicial e o restante respeitante à diferença entre a taxa de 5% de IVA prevista na contratação e as taxas de 16% e de 17% de IVA em vigor, respectivamente, nos anos de 1995 e 1996, para o tipo de obra realizada pelo impugnante.
Cfr. depoimento prestado pela testemunha A........
*

Factos não provados

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.”

*

Motivação

“O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos bem como no depoimento da testemunha A........, padre da paróquia do Sabugal, conforme referido, em concreto, em cada um dos pontos do probatório.

Cumpre salientar que a testemunha referida demonstrou conhecimento directo dos factos, revelando o seu depoimento consistência e congruência com os elementos documentais carreados para os autos.

Os demais depoimentos prestados nestes autos nada revelaram com interesse para a decisão da causa.”
*

II.2 - De direito


II.2 - De direito

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M........ e L........, contra a liquidação de IRS, referente ao exercício de 1996, por falta de fundamentação, anulando a liquidação.

Na sua petição de impugnação os ora Recorridos imputam ao ato impugnado, os

seguintes vícios:

1.Falta de fundamentação legal;
2.Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos.

Entendeu o Tribunal a quo que forçoso é concluir pela insuficiência de fundamentação do ato de fixação de rendimentos dos ora Recorridos, quedando-se prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados.

A Recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Imputam-lhe erro de julgamento quanto aos factos e quanto ao direito.

A tese da Recorrente é de que os ora Recorridos abarcaram perfeitamente o conteúdo e razão de ser do acto tributário em questão, tanto assim, que reclamaram graciosamente e o impugnaram nos termos em que o fizeram (conclusões de recurso f) e g)).

Defende a Recorrente, que, os Impugnantes (Recorridos) têm perfeito conhecimento dos fundamentos que conduziram à necessidade do recurso aos métodos indiretos e do critério que levou à aplicação duma margem de lucro de 30% na atividade exercida. Pelo que, no seu entender, não haverá deficiência de fundamentação, tendo esta sido apreendida pelos Impugnantes, permitindo-lhes acompanhar e conhecer perfeitamente o percurso cognoscitivo seguido pela inspeção na correção efetuada.

Vejamos então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no artigo 640º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do competente acervo probatório, razão pela qual a mesma se encontra devidamente estabilizada.

Atenhamo-nos aos factos que relevam, ou seja, aqueles que antecedem a liquidação impugnada na parte em causa no presente recurso, a saber:

- Com início em 06-07-1998 e fim em 14-07-1998, foi efetuada uma ação de inspeção ao sujeito passivo L........, incidente sobre IRS e IVA, referente aos exercícios de 1995 a 1996.

- O sujeito passivo L........, dedicava-se à atividade de "Pronto a Vestir" - CAE: 52410.

- A ação inspetiva supra mencionada, culminou com a elaboração do Relatório Final, em 27-07-1998, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, donde constava, além do mais, o seguinte:

«PERIODO DO EXERCICIO DE 01/95 a 12/95
(...)
2.1 A margem de lucro apurada através da escrita do sujeito passivo de 24,78%, parece-me estar um pouco abaixo da média para este sector de actividade que rondará os 30 a 35%, havendo ainda outros elementos que indiciam que a escrita não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, nomeadamente os seguintes:

a) Coeficientes técnicos de consumo de matérias primas.

b) Custos com juros e encargos bancários.

c) Não contabilização de qualquer importância a título de remuneração.

d) Junta-se transcrição de amostragem efectuada em 1996 ao sujeito passivo e constante do processo individual onde se verifica haver a aplicação de uma percentagem que rondará os 30%.

Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciários por falta de credibilidade dos elementos declarados.

(…)
PERIODO DO EXERCICIO DE 01/96 a 12/96

1 - APRECIAÇÃO DA DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO E MARGEM DE COMERCIALIZAÇÃO DECLARADA PELO SUJEITO PASSIVO

DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO

DESCRIÇÃO

A – Vendas 14 017 428$
- Exist. lnic. 4 201 100$
- Compras 12 017 897$
- Exist. Fin. 4 783 600$
B - Cust. Exist. Vend. 11 435 397$
C - Result. Brut. 2 580 031$
D - Margem Comerc. 22,579%

1.1 - A margem de lucro revelada pelos elementos de escrita do sujeito passivo de 22,579% não poderá considerar-se normal para este ramo de actividade e atendendo ao que ficou expresso no ponto 2.1 ao ano de 1995, que rondará os 30%.

1.2. - Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciários por falta de credibilidade da escrita.

CORRECÇÃO DE VOLUME DE NEGOCIOS E LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA

2. - Tomando como base o custo das existências vendidas do montante de 11 435 397$ declarados pelo sujeito passivo e aplicando a margem de comercialização referenciada no ponto 1.1, teremos:

2.1 -
BASE TRIBUTA VEL CORRIGIDA
Cust.E. V. x Margem Com. = Base Trib. corrig.
11435 397$x30% =3430 619$
TOTAL BASE TRIBUTA VEL CORRIGIDA
11435397$ + 3430619 = 14 866 016$
(…)”

- Com início em 15-07-1998 e fim em 23-07-1998, foi efetuada uma ação de inspeção ao sujeito passivo M........, incidente sobre IRS e IVA, referente aos exercícios de 1995 a 1996.

- O sujeito passivo M........ dedicava-se à atividade de "construção e reparação de edifícios" - CAE: 45212.

- sua ação inspetiva culminou com a elaboração do Relatório Final, em 23-07-1998, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, donde constava, além do mais, o seguinte:

“(…)

PERIODO DO EXERCICIO DE 01/96 a 12/96

1 - APRECIAÇÃO DA DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO E MARGEM DE COMERCIALIZAÇÃO DECLARADA PELO SUJEITO PASSIVO.

DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADO BRUTO

DESCRIÇÃO


1.2- A Margem de lucro revelada pelos elementos de escrita do sujeito passivo de 68,1% poderá considerar-se normal para este ramo de actividade e no exercício em curso, já que:

a) O sujeito passivo no ano de 1996 em apreciação prestou diversos serviços de construção civil à Fábrica d…, tendo recebido a devida retribuição em Maio de 1996, da importância de 2 200 000$00 (dois milhões e duzentos mil escudos), não tendo emitido a competente factura e respectivo recibo.

(Junta-se auto de declarações prestadas pelo sr. Pde A........, presidente da Fábrica da Igreja do Sabugal).

1.2 - Não há necessidade de recorrer a métodos indiciários.
(...)"

- Em 19-02-1999, foi elaborado projeto de decisão de fixação de rendimentos aos Impugnantes (ora Recorridos) relativo ao exercício de 1996, com o seguinte teor:

"Com base no relatório efectuado pelos Serviços de Fiscalização Tributária o qual faz parte
integrante deste projecto de decisão, faço a aplicação de MÉTODOS INDIRECTOS para apuramento do Rendimento Global Líquido no montante de 3.842.807$00 (três milhões oitocentos e quarenta e dois mil oitocentos e sete escudos).

FUNDAMENTAÇÃO:

Sujeito Passivo A:

Conforme consta do ponto 1.1 da informação dos Serviços de Inspecção Tributária que passa a fazer parte integrante da presente aplicação de Métodos Indirectos o S. P. omitiu prestações de serviços no montante de 1880.342$00 (facturações à fábrica da Igreja do Sabugal).

Sujeito Passivo B:

Para determinação do Lucro Tributável recorreu-se à aplicação de Métodos Indirectos nos termos do art.° 52.° do CIRC por força do art.º 38.º do CIRS. O montante global das vendas foi presumido em 14.866.016$00 em face da aplicação de uma margem de comercialização de 30% sobre o CEVC de 11.435.397$00, resultando num acréscimo ao Resultado Líquido de 848.588$00."

- Com base nos fundamentos constantes do projeto de decisão referido na alínea anterior, foi, pelo Subdiretor Tributário (por delegação de competências do Director de Finanças da Guarda), exarado despacho fixando o rendimento global líquido dos Impugnantes, referente ao ano de 1996, em Esc. 3.848.807$00.

- Em 14-04-1999, os Impugnantes apresentaram junto da Repartição de Finanças de Sabugal, dirigida à Comissão de Revisão do Distrito da Guarda, reclamação da decisão de aplicação de métodos indirectos “nos termos do artigo 84° e seguintes do Código de Processo Tributário”, com os fundamentos constantes de fis. 3 a 4 do processo administrativo (PA) apenso aos presentes autos (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).

- No ano de 1996, a fábrica da igreja do Sabugal entregou ao impugnante M........ a quantia de Esc. 2.200.000$00, sendo Esc. 400.000$00 pela construção de uma marquise que não estava no projeto inicial e o restante respeitante à diferença entre a taxa de 5% de IVA prevista na contratação e as taxas de 16% e de 17% de IVA em vigor, respetivamente, nos anos de 1995 e 1996, para o tipo de obra realizada pelo impugnante.

*
Vejamos de que lado está a razão.

Desde já se adianta que a decisão recorrida não carece de reparo.

Comecemos por estabelecer o respetivo enquadramento normativo.

Como é sabido, o ordenamento jurídico português impõe, em diversas sedes e em normas distintas, a obrigatoriedade de que os atos produzidos pela Administração Pública sejam objeto de uma adequada fundamentação, que permita aos seus destinatários tomarem conhecimento das razões que levaram à sua produção.

Assim, a este propósito o artigo 268º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), veio estabelecer o seguinte:

“3. Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Tal dever (de fundamentação) constava, à data dos factos tributários em apreço, do disposto no artigo 82° do Código de Processo Tributário (CPT).

Nele se prescrevia que “A fundamentação dos actos tributários conterá, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.”

Por outro lado, o artigo 67°, n.°2 do CIRS, relativamente às exigências de fundamentação do acto de alteração dos rendimentos declarados pelo sujeito passivo, dispunha, à data dos factos, que “A fundamentação deve ser expressa através de exposição, ainda que sucinta, das razões de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a sua motivação.”

Destas disposições resulta claro que os atos administrativos e, em concreto, os atos tributários, carecem de uma fundamentação, ainda que sucinta, que permita aos sujeitos passivos, conhecerem as razões, de facto e de direito, que motivaram a produção desses atos, de forma a permitirem o exercício do seu direito de defesa de uma forma efetiva e, acima de tudo, eficiente.

Da legislação acima indicada, resulta que a AT tem a obrigação de fundamentar os seus atos, nomeadamente, os atos de liquidação, de uma forma clara e percetível - mesmo que sinteticamente ou por remissão - e de molde que o sujeito passivo, colocado na posição de um destinatário normal, possa tomar conhecimento das razões de facto e de direito que estão na génese do caminho prosseguido pela Administração.

«No fundo, poderá dizer-se que um acto administrativo estará fundamentado sempre que perante o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele acto, um destinatário normal possa ficar a saber porque se decidiu em determinado sentido» J.M.SANTOS BOTELHO e outros, m Código do Procedimento Administrativo Anotado c Comentado, pág. 624.

A fundamentação será inexistente se não se detetam no acto os fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão; obscura se não deixa perceber porque se decidiu da forma como se decidiu; contraditória quando as razões invocadas se contradizem entre si ou justificariam uma decisão diferente; insuficiente quando não chega para explicar porque se decidiu assim e não de outra forma.

Volvendo ao caso em apreço, constata-se que a AT fixou os rendimentos do ora Recorrido M........, com recurso a correções técnicas, com a seguinte fundamentação:

Conforme consta do ponto 1.1 da informação dos Serviços de Inspecção Tributária que passa a fazer parte integrante da presente aplicação de Métodos Indirectos o S. P. omitiu prestações de serviços no montante de 1880.342$00 (facturações à fábrica da Igreja do Sabugal).”

Sendo que no ponto 1.1 da informação dos Serviços de Inspeção Tributária constava o seguinte:
“a) O sujeito passivo no ano de 1996 em apreciação prestou diversos serviços de construção civil à Fábrica d…, tendo recebido a devida retribuição em Maio de 1996, da importância de 2 200 000$00 (dois milhões e duzentos mil escudos), não tendo emitido a competente factura e respectivo recibo.”

Ora, desde já se avança que, tal fundamentação não cumpre as exigências previstas nos artigos 82° do CPT e 67°, n.º 2 do CIRS.

A fundamentação de todos os actos praticados em matéria tributária que afetam os direitos e interesses dos contribuintes, e em especial a liquidação oficiosa, é uma das garantias consagradas genericamente no artigo 19° alínea b), do CPT e que, de resto já existia nos diversos Códigos fiscais, designadamente no artigo 67° n.° l, do Código do I.R.S., e nos artigos 74°, n.°l, 88°, n.°3, e 90°, n.° 4, do Código do I.V.A.

Com efeito, a fundamentação erigida pela AT limita-se a referir que existiram omissões de proveitos, no montante de Esc. 2.200.000$00, não espelhando as razões (designadamente, as de direito), que presidiram às correções efetuadas.

Isto é, a AT não demonstrou o iter percorrido para chegar às conclusões a que chegou.

É que nas correções técnicas deve ser explicitada a fundamentação de facto e de direito adequada à situação concreta, assim como deve ser demonstrado que a correção resultou de imperativo legal.

Tal, inelutavelmente, não sucedeu, pelo que forçoso é concluir pela insuficiência de fundamentação do acto de fixação de rendimentos, no que a este sujeito passivo concerne.

O mesmo se diga, relativamente à Recorrida L.........

Na sequência de uma ação de inspeção, iniciada em 06-07-1998, com incidência, designadamente, sobre o IRS do ano de 1996, foi elaborado Relatório Final em 27-07-1998 relativamente à ora Recorrida, donde constava, além do mais, o seguinte:

“1. 1 — A margem de lucro revelada pelos elementos de escrita do sujeito passivo de 22,579% não poderá considerar-se normal para este ramo de actividade e atendendo ao que ficou expresso no ponto 2.1 ao ano de 1995, que rondará os 30%.
1.2. — Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciá rios por falta de credibilidade da escrita.

CORRECÇÃO DE VOLUME DE NEGOCIOS E LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IVA

2. — Tomando como base o custo das existências vendidas do montante de 11 435 397$ declarados pelo sujeito passivo e aplicando a margem de comercialização referenciada no ponto 1.1, teremos:

2.1 —
BASE TRIBUTA VEL CORRIGIDA
Cust.E. V. x Margem Com. = Base Trib. corrig.
11435 397$x30% =3430 619$
TOTAL BASE TRIBUTA VEL CORRIGIDA
11 435 397$ + 3430619 = 14 866 016$
(...)
Por sua vez, com base no RIT foi, em 19-02-1999, elaborado Projeto de Decisão de fixação de rendimentos aos ora Recorridos relativo ao exercício de 1996, com o seguinte teor, relativamente à ora Recorrida L........:

"Para determinação do Lucro Tributável recorreu-se à aplicação de Métodos Indirectos nos termos do art.° 52.0 do CIRC por força do art.º. 38°. do CIRS. O montante global das vendas foi presumido em 14.866.016$00 em face da aplicação de uma margem de comercialização de 30% sobre o CEVC de 11.435.397$00, resultando num acréscimo ao Resultado Líquido de 848.588$00."

Como é sabido, a avaliação indireta (na época, com a designação de “indiciária”) é subsidiária da avaliação direta, só podendo ocorrer nos casos expressamente prescritos na lei.

O recurso a métodos indirectos constitui um meio excecional e subsidiário de determinação da matéria coletável através de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha.

Tem por isso caráter excecional, só podendo ser espoletada pela AT nos casos expressamente previstos na lei, e apenas em situações em que se conclua pela impossibilidade em determinar a matéria coletável através da avaliação direta.

Para a fundamentação da tributação por métodos indiciários prescreve o artigo 81° do CPT que a decisão da tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.

Resulta do exposto que na liquidação com recurso a métodos indiciários a Administração Fiscal está obrigada a especificar as razões de facto e de direito pelas quais a contabilidade do contribuinte não lhe merece crédito, e justificar a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, indicando o concreto facto tipificado no artigo 51°, n.° l, do Código do IRC (cfr. artigo 84°, n.° l, do Código do IVA.

A propósito referia SALDANHA SANCHES que “(...) num sistema fiscal dotado de alguma racionalidade e num ordenamento jurídico-tributário que salvaguarde os direitos dos contribuintes, a tributação através de elementos de prova indirecta deve ter um carácter marcadamente excepcional. É, por natureza, uma actuação marcada por alguma incerteza, mesmo quando absorve consideráveis recursos administrativos”, sublinhando ainda que é por ser “marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem de se conservar como a ultima ratio fisci, (…) pois um uso indevido e banalizado conduz necessariamente a uma denegação das garantias que devem acompanhar a sua utilização.” (cf. Sanches, J. L. Saldanha – A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. Lisboa: Lex, 2000, pág. 303).

Esta impossibilidade da comprovação e quantificação directa da matéria coletável deve, tal como a ocorrência de algum dos factos previstos no citado artigo 51°, n.° l, do Código do IRC, ser demonstrada pela AT através de elementos objectiváveis. Por isso, e para que o contribuinte possa apreender as razões que levaram a AT a optar pela determinação da matéria colectável por métodos indiciários e os critérios que seguiu na sua quantificação, essas razões e esses critérios devem transparecer do próprio relatório de fiscalização.

Mas não só. Decidido o recurso a métodos presuntivos, a decisão deve indicar também o critério utilizado na determinação da matéria colectável, designadamente pôr referência a algum dos critérios elencados no artigo 52° Código do IRC.

Dado o seu caráter excecional e a consequente taxatividade dos seus fundamentos, resultava ainda do disposto no artigo 81º do CPT (norma a que viria a suceder o atual n.º 4 do artigo 77º da LGT) que a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificaria os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicaria os critérios utilizados na sua determinação.

Por isso, a AT, em todos os casos em que recorra à tributação por métodos indirectos, está obrigada a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável.

Isto é, o recurso a métodos indirectos sempre exigiria, cumulativamente, a verificação dos factos-pressupostos previstos em alguma das alíneas do n.° 1 do então artigo 52° do CIRC e, por outro lado, que fosse impossível a comprovação e a quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável (n.° 2 do citado preceito legal).

Prescrevia o artigo 81º do CPT que “A decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.”

Em sede de relatório final da ação inspetiva levada a cabo a L........, a AT fundou o recurso a métodos indiciários na seguinte fundamentação:

"1.1 - A margem de lucro revelada pelos elementos de escrita do sujeito passivo de 22,579% não poderá considerar-se normal para este ramo de actividade e atendendo ao que ficou expresso no ponto 2.1 ao ano de 1995, que rondará os 30%.
1.2. - Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciá rios por falta de credibilidade da escrita."
Cumpre salientar que no ponto 1.2 do RlT referente a 1996, vem referido que a margem de lucro não se pode considerar normal tendo em consideração o que ficou expresso no ponto
2.1. do RIT referente ao ano de 1995, sendo que respeitante a esse ano (1995) constava do RlT a seguinte fundamentação: 2.1 A margem de lucro apurada através da escrita do sujeito passivo de 24,78%, paraceme estar um pouco abaixo da média para este sector de actividade que rondará os 30 a 35%, havendo ainda outros elementos que indiciam que a escrita não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, nomeadamente os seguintes:
a) Coeficientes técnicos de consumo de matérias primas.
b) Custos com juros e encargos bancários.
c) Não contabilização de qualquer importância a título de remuneração.
d) Junta-se transcrição de amostra gem efectuada em 1996 ao sujeito passivo e constante do processo individual onde se verifica haver a aplicação de uma percentagem que rondará os 30%. Face ao anteriormente exposto conclui-se haver necessidade de recorrer a métodos indiciários por falta de credibilidade dos elementos declarados.
Ora, como se apreende do relatório, não se cumpre a exigência de fundamentação, ao menos quanto à externação, de modo claro, suficiente e, por imposição constitucional, acessível (cf. artigo 268º, da CRP), dos motivos por que não foi possível a comprovação e quantificação da matéria colectável pelo método directo, isto é, com base nos elementos da contabilidade e escrita da contribuinte.

Como bem salienta o Tribunal a quo na decisão recorrida, “… mesmo indo buscar a fundamentação inserta no ponto 2.1 do RIT referente ano de 1995, tal não é suficiente de molde a dar por cumprida as exigências de fundamentação que, no caso de recurso a aplicação de métodos indirectos ainda são mais apertadas.”

É que, no caso em apreço e com a fundamentação ora transcrita, fica-se sem saber quais dos factos indiciários referidos no ponto 2.1 se verificaram no ano de 1996: se todos, se nenhum ou se algum / alguns dele(s).

Por outro lado, não se especifica os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.

O acto estará fundamentado quando contenha os requisitos gerais e especiais de fundamentação previstos na lei, que impõe se deem a conhecer ao contribuinte não só as razões factuais que motivaram a decisão como também as disposições legais aplicáveis, dito de outro modo, se dê a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido na prática do acto.

Ora, como se referiu já, a lei impõe um especial dever de fundamentação na utilização de métodos indirectos, dever esse que é instrumental ao carácter subsidiário da avaliação indireta e à manifesta preferência do legislador pela utilização de métodos de avaliação directa na fixação da matéria tributável, atentas as maiores garantias de rigor que estes métodos fornecem.

Os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta não estão especificados.

E não há dúvida, por tudo o que acima se explanou, que um destinatário normal não consegue acompanhar as insuficiências apontadas, a metodologia seguida e os motivos que levaram ao recurso aos métodos indiciários.

Pelo que, acompanhamos a decisão recorrida, quando diz:

«(…)

Refira-se que, em todos os casos em que recorra à tributação por métodos indirectos, a AT está obrigada a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável, ou seja, que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se apresenta como a única forma possível de determinar a matéria colectável.

No caso sub judicio, o relatório de inspecção mostra-se completamente desprovido a este respeito, isto é, a AT nem sequer declara ser impossível a quantificação directa e
exacta da matéria colectável.

Por fim, também não se vislumbra como a AT chegou ao critério aplicado, isto é, como chegou à conclusão que, para o sector onde a actividade da impugnante se insere, a margem de lucro média era de 30 a 35%.

Donde forçoso é concluir pela insuficiência de fundamentação do acto de fixação de rendimentos, com recurso a métodos indirectos, no que a este sujeito passivo respeita

Consideramos que a apreciação jurídica e factual do caso em apreço mostra-se correta.

De qualquer modo, ainda que a motivação jurídica da decisão, isto é, o itinerário valorativo seguido pelo autor do acto, fosse cognoscível para o destinatário partindo da motivação factual da decisão, a verdade é que ele tem o direito de saber qual foi a concreta situação de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável que foi levada em consideração pelo autor do acto ao praticá-lo, e essa informação tem de integrar a fundamentação do acto.

Nesta linha de entendimento, entendemos que a decisão de recurso a métodos indirectos não contém a fundamentação legalmente exigida, tal como sustentam os ora Recorridos na sua petição de impugnação.

Atento o exposto, não se vislumbrando nas alegações do presente recurso qualquer argumento válido para afastar este julgamento, resta-nos confirmá-lo, negando provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.

A falta de fundamentação da decisão de utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável inquina de vício de forma as impugnadas liquidações nela assentes, determinando a sua invalidade.

A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação - artigos 89° e 120° al. c) do CPT.

A sentença não incorreu pois no erro de julgamento que lhe vem assacado ao concluir pela falta de fundamentação legal do ato tributário, em relação aos dois Recorridos e, por esse motivo determinar a anulação da liquidação de IRS impugnada.
*

III. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida com a fundamentação supra.


Sem custas, face à isenção legal da recorrente.

Registe e notifique.



Lisboa, 12 de março de 2025.

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[Maria da Luz Cardoso]

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[Sara Diegas Loureiro]

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[Vital Lopes]