Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1558/07.9BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/30/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores: IRC
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
PROVISÕES ECONÓMICAS
PROVISÕES PARA RISCOS GERAIS DE CRÉDITO
Sumário:I - Deve ser ordenada oficiosamente a prova pericial, nos termos do artigo 116.º, n.º 2 do CPPT, quando a perceção e a apreciação de factos exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, sendo necessário o parecer de técnicos especializados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

B…, SA, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa por sua vez apresentada contra a liquidação de adicional de IRC, e de juros, relativas ao exercício de 2003, apenas no respeitante à correção relativa a provisões para riscos gerais de crédito, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2006 8310003245 e na nota de compensação n.º 2006 00000526616, de 05.04.2004, relativo ao exercício de 2003, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida em 1.09.2006 contra o aludido ato tributário, considerando ser aplicável o artigo 34.º, n.º 3, do Código do IRC à reposição de provisões no montante de € 23.794.469,00, porquanto não tendo o Recorrente carreado para os autos prova suficiente que permita demonstrar que aquelas provisões visavam cobrir riscos específicos de crédito sobre clientes, deverá entender-se que as mesmas constituem provisões para riscos gerais de crédito;
2. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto a liquidação adicional não foi emitida pelo facto de os serviços de inspeção tributária questionarem a natureza dos eventos subjacentes à constituição das provisões, mas sim por divergência entre o contribuinte e a administração tributária no enquadramento dado às provisões em questão, para efeitos tributários,
3. Tal como resulta do probatório, designadamente da transcrição do relatório de inspeção constante da alínea D), “(…) o que é contestado é a classificação das provisões ditas “económicas” como provisões para riscos gerais de crédito e a sua consideração como tal, para fins tributários (…)”, fundando-se a correção na circunstância de que “(…) Não se enquadrando as “provisões económicas” no risco específico de crédito, uma vez as mesmas têm como base de incidência créditos vincendos que não podem ser considerados como de cobrança duvidosa (por aos mesmos não se encontrarem associados créditos em mora em percentagem suficiente para serem considerados como tal, de acordo com o nº 4º do Aviso), só podem as mesmas ser enquadradas em riscos gerais de crédito (…)” [cf. alínea D) do probatório];
4. Na verdade, na emissão do ato de liquidação não assistiram quaisquer dúvidas aos serviços de inspeção tributária sobre os factos, os efetivos eventos que estiveram na base da constituição das provisões. Não foi por esse motivo que foi promovida a correção e emitida a liquidação. Independentemente dos factos provisionados, os serviços de inspeção tributária consideraram que as provisões ditas económicas são de enquadrar como provisões para riscos gerais de crédito e foi nesse enquadramento que residiu a divergência entre os serviços de inspeção tributária e o contribuinte.
5. Ora, é manifesto o erro de interpretação do disposto no artigo 34.º, n.º 3, do Código do IRC, conjugado com o n.º 7 do Aviso 3/95 do Banco de Portugal, em que incorrem não só a administração tributária como o Tribunal a quo na sentença recorrida, uma vez que, contrariamente ao entendimento propugnado pela administração tributária, as “provisões para riscos gerais de crédito” não são todas as que não sejam provisão obrigatória para crédito vencido, provisão obrigatória para crédito de cobrança duvidosa, ou provisão obrigatória para risco-país, nos termos do Aviso do Banco de Portugal, não se tratando de um tipo residual de provisões;
6. As “provisões para riscos gerais de crédito” estão definidas e tipificadas no Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, pelo que nos termos do ponto 7.º do Aviso, correspondem a “1% dos valores que constituem a sua base de incidência”, a qual por sua vez corresponde ao “total do crédito concedido pela instituição”, excluindo as demais provisões obrigatórias (crédito vencido, cobrança duvidosa e risco-país);
7. Em face do citado ponto 7.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal, verifica-se o erro interpretativo da administração tributária e do tribunal a quo uma vez que se conclui que não se trata aí, afinal, de um conceito residual aplicável a toda e qualquer provisão que não seja uma provisão obrigatória para risco específico;
8. Aliás, o erro interpretativo do disposto no artigo 7.º do Aviso 3/95 em conjugação com o artigo 34.º, n.º3, do Código do IRC, ressalta com maior evidência se se tiver presente a concreta factualidade subjacente à correção uma vez que as provisões em causa nos autos forma inequivocamente tributadas aquando da respetiva constituição e o que o artigo 34.º, n.º 3, do Código do IRC visa evitar é que que provisões não tributadas na constituição não voltem, aquando da respetiva reposição ou anulação, a furtar-se à tributação;
9. Resulta por demais evidente o erro de interpretação e a violação de lei na aplicação conjugada do disposto no artigo 7.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal e do artigo 34.º, n.º 3, do Código do IRC, uma vez que que as provisões económicas em causa nos presentes autos não podem subsumir-se ao conceito de “provisões para riscos gerais de créditos” tal como definido no artigo 7.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal;
10. Caso não se entenda que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto no artigo 7.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal e do artigo 34.º, n.º 3, do Código do IRC, no que não se concede, e se considere que o fundamento para a manutenção do ato tributário pela sentença recorrida foi de facto a falta de comprovação de que as provisões em causa tiveram na sua base os concretos créditos listados pelo contribuinte, relativos a diversos clientes ainda não em mora ou de cobrança duvidosa mas considerados de risco, então verifica-se a nulidade da sentença por excesso de pronúncia uma vez que o tribunal a quo se pronuncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento;
11. Com efeito, apenas na contestação do Ilustre Representante da Fazenda Pública se veio procurar desviar o objeto do dissídio e questionar que as provisões económicas em causa nos autos tivessem por objeto, na base da sua incidência, os créditos tal como listados e detalhados pelo Impugnante, sendo certo que na ação inspetiva tal não havia sido questionado, fundando-se apenas a correção na asserção de que aquelas provisões ditas económicas são de enquadrar no conceito de “provisões para riscos gerais de crédito”;
12. A circunstância de se tratar de determinados créditos referentes a determinados clientes em algum momento foi questionada pelos serviços de inspeção e à data da emissão da liquidação não havia qualquer dúvida quanto aos eventos/riscos provisionados, mas apenas uma divergência de classificação das provisões;
13. O facto de ter sido ou não com base na listagem de créditos, denominada «relação dos clientes com necessidade de ajustamento de provisões» que as provisões em questão foram constituídas, não integra o fundamento do ato tributário em crise, pelo que o Tribunal Recorrido, ao sustentar a manutenção daquele ato tributário na circunstância de não ter sido comprovado que efetivamente fossem aqueles créditos a base de incidência das provisões, incorre em excesso de pronúncia, da qual deverá resultar a nulidade da mesma;
14. Caso não proceda o supra exposto, e ainda que se entendesse ter a sentença respeitado os parâmetros da questão posta ao tribunal, ao considerar controversa a natureza dos eventos/riscos que estiveram na base da constituição da provisão, no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, sempre procederia o Tribunal a quo a uma errada apreciação da prova produzida, na medida em que os elementos constantes do processo demonstram amplamente a natureza específica dos eventos na base das provisões objeto de correção pela administração tributária;
15. Com efeito, por um lado resulta do mapa de apuramento da provisão para riscos gerais de crédito, com referência a 31.12.2002, que o valor respeitante a esta provisão, calculado de acordo com os limites impostos pelo Aviso n.º 3/95, do Banco de Portugal, ascendia a € 84.788.292,13, constatando-se que a diferença para o saldo total da rubrica #610 é de € 24.408.284,17 (cf. documento n.º 4 junto com a impugnação judicial);
16. Por outro lado, a listagem designada por “relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões”, junta como documento n.º 5 [cf. alínea N) do probatório] da impugnação judicial, permite aferir que o aludido montante de € 24.408.284,17 resulta do somatório do saldo das provisões económicas em 31.12.2002 - € 23.839.119,07 - com o saldo das provisões para créditos reestruturados - € 569.165,10 -, evidenciando ainda a lista de clientes relativamente aos quais foram constituídas as provisões que conduzem ao apuramento do montante total das provisões económicas, assim se demonstrando a natureza específica dos eventos que estiveram na origem da constituição daquelas provisões
17. De notar que foi precisamente o montante de € 23.839.119,07 que foi contabilisticamente reposto em proveitos no exercício de 2003, diminuído apenas do montante de € 44.650, em virtude de correção efetuada no âmbito de inspeção efetuada ao exercício de 2002, da qual resultou a diminuição da provisão naquele montante (€ 23.839.119,07 - € 44.650 = € 23.794.469);
18. O mesmo documento integra ainda a “relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões” com referência a Dezembro de 2003, a qual permite comprovar a natureza concreta e individualizadas dos eventos/riscos provisionados;
19. Em relação ao mencionado documento n.º 5 da p.i. [cf. alínea N) do probatório], que de acordo com o Impugnante corresponde ao detalhe dos créditos objeto da provisão, o Tribunal Recorrido julgou no sentido da ausência de valor probatório, afirmando-se na sentença que “(…) a listagem junta não serviu de base a contabilização das provisões aqui em causa, tendo sido elaborada para ser anexada aos exercício do direito de audição, em sede de ação inspetiva, como bem se nota na informação / contestação da administração tributária (…);
20. No entanto, o Tribunal Recorrido não explicita em que se fundou para concluir pela falsidade do documento junto;
21. O princípio da livre apreciação da prova é contrabalançado pelo princípio da fundamentação e a exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova (cf. artigo 653.º do CPC) constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador pelo que a conclusão do Tribunal a quo de que a listagem de créditos não serviu de base à contabilização de constituição da provisão e foi posteriormente fabricada pelo contribuinte, teria que ser fundamentada sob pena de arbitrariedade;
22. Consequentemente, incumpriu a decisão sindicada o determinado no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, o que conduz à sua nulidade;
23. Do referido documento n.º 5 da p.i. [cf. alínea N) do probatório], contendo listagem dos créditos objeto de provisão, resulta, pois, evidenciado que a provisão em causa foi calculada em função de riscos específicos de créditos sobre clientes, pelo que incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento ao não dar por provado que os créditos objeto de provisão eram créditos concretos;
24. Efetivamente, são aqueles créditos detalhados, cujas parcelas somam o montante da provisão, que suportam o registo da provisão em questão e assim resulta corroborado pelo depoimento da testemunha inquirida no âmbito do processo (cf. suporte áudio do depoimento prestado pela testemunha, minuto 16.22);
25. Resulta ainda comprovado dos documentos constantes dos autos [cf. alínea N) do probatório], assim como do depoimento da testemunha inquirida, que os eventos objetos da provisão aqui em causa são eventos/ riscos concreto, sendo as provisões em questão constituídas por recomendação do departamento de riscos do Recorrente e/ou dos seus auditores externos, em função do risco de incumprimento associado a determinados clientes;
26. De facto, o Recorrente tem implementados rigorosos procedimentos de controlo interno em matéria de risco de crédito no âmbito dos quais estabeleceu a obrigatoriedade de avaliação de cada cliente em função do seu risco específico de crédito, por forma a determinar, em cada caso, a necessidade de constituição de “provisões de cobrança duvidosa” superiores às que decorrem dos normativos impostos pelo Banco de Portugal, dispondo, para o efeito de um departamento de risco, (cf. relatório apresentado ao Banco de Portugal e relatório dos auditores externos, juntos, respetivamente, como documentos n.º 9 e n.º 6 da impugnação judicial);
27. Também da análise do documento n.º 6 da p.i. [cf. alínea O) do probatório] decorre o errado julgamento da matéria de facto porquanto também através daquele documento constante do processo resulta demonstrado que os eventos objetos das provisões económicas aqui em causa eram créditos concretos;
28. As provisões em crise são constituídas com base em propostas do departamento de risco ou pelos auditores externos, em função da atribuição de vários níveis de rating que tem subjacente o grau de risco inerente a cada cliente, calculado com base em informação fornecida pelo mesmo, em informação geral do sector e em bases de dados externas, (cf. suporte áudio do depoimento prestado pela testemunha, minuto 26.51 e documento n.º 5 da impugnação judicial, no qual se encontram evidenciadas aquelas provisões);
29. A natureza dos eventos na base da constituição das provisões em causa nos autos resulta demonstrada não apenas pela prova documental constante do processo [cf. alíneas N) e O) do probatório] mas também pelo depoimento de testemunha, resultando daquele depoimento, de forma complementar, inequivocamente comprovado que se tratavam de créditos concretos aqueles que subjazeram à constituição das provisões em causa nos autos;
30. Resulta, de facto, do depoimento da testemunha que as provisões económicas têm como base créditos de elevado risco de incobrabilidade, perfeitamente identificados, sendo constituídas cliente a cliente (cf. suporte áudio do depoimento prestado pela testemunha, minuto 13.37 e minuto 23.07);
31. Por último, a natureza específica dos eventos provisionados resulta ainda provada pela carta de 21 de Março de 2003 dirigida ao Recorrente pelo Banco de Portugal, que, tendo considerado que respeitando as provisões em causa a situações de risco específico de crédito, impôs a reclassificação e respetiva contabilização das “provisões económicas” em crise como “provisões para outros créditos de cobrança duvidosa” e se encontra junta aos autos (cf. documento n.º 10 da impugnação judicial);
32. De resto, apenas se pode aceitar que o Banco de Portugal haja ordenado a reclassificação contabilística por entender que as provisões em análise respeitam, efetivamente, a riscos específicos de crédito;
33. Em face do exposto e para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 690.º- A do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, não pode o Recorrente deixar de impugnar o probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes e, em conformidade, ser proferida nova decisão que julgue a impugnação judicial integralmente procedente:
i. As provisões cuja dedução fiscal está a ser questionada, não obstante terem sido contabilizadas na rubrica # 690 com a nomenclatura “provisões para riscos gerais de crédito”, consubstanciam “provisões económicas” facultativas referentes a créditos concretos de clientes (cf. documentos n.º 4 e n.º 5 juntos com a petição inicial e depoimento da testemunha inquirida);
ii. As “provisões económicas” são constituídas relativamente a clientes específicos sempre que, por instrução da “área de risco” de crédito do Recorrente (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e depoimento da testemunha inquirida) ou por instrução dos seus próprios auditores (cf. o relatório dos auditores, junto como documento n.º 6 na impugnação judicial) se conclui que um determinado cliente tem um elevado risco de incobrabilidade e que esse risco não se encontra devidamente coberto ao abrigo dos níveis mínimos de provisionamento impostos pelo Aviso n.º 3/95, do Banco de Portugal;
iii. O Recorrente tem implementados rigorosos procedimentos de controlo interno em matéria de risco de crédito, no âmbito dos quais estabeleceu a obrigatoriedade de avaliação de cada cliente em função do seu risco específico de crédito, por forma a determinar, em cada caso, a necessidade de constituição de “provisões de cobrança duvidosa” superiores às que decorrem dos normativos impostos pelo Banco de Portugal, os quais se encontram descritos no relatório apresentado àquela entidade de supervisão, em cumprimento das obrigações de reporte do Impugnante em matéria de “Controlo Interno” (cf. Instrução n.º 72/96, de 17 de Junho, do Banco de Portugal) e que inclui a descrição das regras de “Controlo dos Riscos da Atividade do Banco” e, designadamente, do “Risco de crédito” (cf. relatório anual de controlo interno, junto como documento n.º 9 da impugnação judicial e depoimento da testemunha inquirida);
iv. Para este efeito, o Impugnante dispõe de uma “área de risco”, a qual “(…) assume um controlo permanente e rigoroso dos créditos, através de uma classificação de risco interna, atribuindo rating aos clientes e às operações, designadamente dos clientes classificados em vigilância especial e dos créditos/clientes com prestações/operações vencidas. Sempre que, usando-se critérios de prudência, seja considerado que estas operações/clientes já configuram probabilidade de perda de capital é assegurada a sua transferência para as várias classes de crédito vencido, conforme normas do Banco de Portugal.” (cf. documento n.º 6 junto com a impugnação judicial e suporte áudio do depoimento prestado, minuto 26.51);
v. A referida “área de risco” procede, mensalmente, à análise de “informação sobre a evolução do crédito e juros vencidos ao nível de cliente e sobre a adequação das provisões regulamentares constituídas, propondo provisões adicionais [as designadas provisões económicas], de modo a que a cobertura do risco de crédito seja adequada.” (cf. documento n.º 6 junto com a impugnação judicial e suporte áudio do depoimento prestado, minuto 9.41);
vi. As “provisões económicas” são constituídas tendo por base modelos de rating próprio (nalguns casos adquiridos a entidades externas), em que a atribuição de vários níveis de rating tem subjacente o grau de risco inerente a cada cliente, calculado com base em informação fornecida pelo mesmo, em informação geral do sector e em bases de dados externas, sendo, ainda, consideradas diversas condicionantes do risco, como sejam a análise dos produtos comercializados pelo cliente e do mercado potencial, a qualidade da gestão, a capacidade de acesso ao crédito, a análise da rentabilidade do cliente, a geração de recursos e a solvência do mesmo (cf. suporte áudio do depoimento prestado, minuto 26.51);
vii. As “provisões económicas” em causa têm como base de incidência créditos de elevado risco de incobrabilidade e, como tal, de cobrança duvidosa, ainda que não abrangidos pelos níveis mínimos de provisionamento impostos pelo Banco de Portugal (cf. documento n.º 5 junto com a impugnação judicial);
viii. O Recorrente registou provisões económicas para reduzir créditos concretos e específicos de cliente ao seu valor estimado de recuperação (cf. documento n.º 5 junto com a impugnação judicial e suporte áudio do depoimento prestado, minuto 23.07);
ix. A reclassificação das “provisões económicas” no exercício de 2003 e respetiva contabilização como “provisões para outros créditos de cobrança duvidosa” – o que determinou a reposição em proveitos do montante de € 23.794.469,00 – decorre da imposição do Banco de Portugal, que entendeu que respeitando aquelas provisões a situações específicas de crédito (e ainda que não fosse obrigatória a sua constituição enquanto crédito vencido/cobrança duvidosa nos termos do Aviso n.º 3/95, do Banco de Portugal) não deveriam estar inscritas na rubrica com a designação “provisões para riscos gerais de crédito”, conforme se alcança da carta enviada pelo Banco de Portugal em 21.03.2003, cuja cópia se juntou aos autos como documento n.º 10 da impugnação judicial;
34. Ainda que se considerassem não verificados os apontados vícios, no que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre persistia um outro erro de julgamento, qual seja o de valorar a pretensa falta de prova contra o ora Recorrente;
35. Com efeito, tendo em conta que, aquando da realização da ação inspetiva, a contabilidade do Recorrente refletia já as provisões económicas na conta “#2900291 – provisão para clientes de cobrança duvidosa”, após a sua transferência para esta conta, comprovada pelo documento de suporte ao lançamento contabilístico (cf. documento n.º 4 junto com o direito de audição prévia realizado no âmbito do procedimento inspetivo), cabia à administração tributária provar que os eventos que estavam subjacentes às provisões eram de facto eventos genéricos e não ao Recorrente demonstrar que os eventos tinham de facto natureza específica;
36. Na verdade os montantes registados na conta “#2900291– provisão para clientes de cobrança duvidosa”, a qual tem inquestionavelmente natureza de provisão para riscos específicos de crédito, gozam, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, de uma presunção de veracidade quanto àquela natureza, não apenas por corresponderem à declaração do contribuinte, mas também por se encontrarem registados na contabilidade do Recorrente;
37. Em face da aludida presunção de veracidade das declarações e da contabilidade do Recorrente extraem-se duas consequências: i) o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à correção impende sobre a administração tributária e, ii) as consequências desfavoráveis de não ser feita a prova de que as provisões económicas em causa estavam corretamente inscritas na rubrica # 610 ao invés da rubrica #2900291 onde passaram a estar inscritas, por constituírem verdadeiras provisões para riscos gerais de crédito recaem igualmente sobre a administração tributária (cf. artigo 100.º do CPPT);
38. Competia, pois, à administração tributária a demonstração de que o montante de € 23.794.468,67, reposto em proveitos e deduzido na declaração de rendimentos modelo 22 respeitante ao exercício de 2003 por ter sido anteriormente tributado, constituía uma provisão subjacente à qual estavam de facto riscos gerais de crédito, de acordo com as regras constantes dos Avisos do Banco de Portugal n.º 3/95, n.º 2/99 e n.º 8/2003;
39. Assim, não tendo aquela apresentado quaisquer elementos que permitam concluir que as provisões económicas sub judice constituem provisões para riscos gerais de crédito e, encontrando-se no exercício de 2003 as provisões económicas registadas na rubrica respeitante a provisões para clientes de cobrança duvidosa, permanece a presunção de que aquelas constituem provisões para riscos específicos de crédito;
40. Em conclusão, se persistisse alguma dúvida sobre o facto dos eventos/riscos provisionados serem gerais ou concretos, no que não se concede, não podia essa dúvida ser valorada contra o contribuinte.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida e anulação do ato tributário em crise nos termos
peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO
e a JUSTIÇA!


A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Pretende a Recorrente ver primeiramente apreciado se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto no artigo 7.º do Aviso n.º 3/95 do Banco de Portugal e do artigo 34.º, n.º 3, do Código do IRC.

E só depois, no caso não obter vencimento quanto a este, saber se a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, se incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, e no que respeita ao ónus da prova a valoração da falta de prova, e ainda erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito no enquadramento dado às provisões para riscos gerais de crédito, para efeitos tributários.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A. No ano de 2003, a “C…S.A.”, anterior denominação do impugnante, era sujeito passivo de IRC, que exercia normal e habitualmente a actividade bancária (Doc. 2 da petição inicial).
B. Em cumprimento da ordem de serviço n.° 01200500392, de 26/07/2005, foi efetuada ação inspetiva de âmbito geral àquela entidade, referente ao exercício de 2003, com início no dia 19/08/2005 (Doc. 2 da PI).
C. Desta ação inspetiva resultou o relatório elaborado no dia 09/02/2006 e junto a fls. 38/69, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido juntamente com os respetivos anexos, no qual se concluiu pela necessidade das seguintes correcções, no montante total de € 26.981.673,70:
i. acréscimo ao lucro tributável do montante de € 23.794.469,00, respeitante a provisões para riscos gerais de crédito;
ii. acréscimo ao lucro tributável do montante de € 3.167.347,16, respeitante a provisões para outras aplicações;
iii. correcção a favor do sujeito passivo, no montante de € 16.268,92, respeitante a provisões para créditos de cobrança duvidosa;
iv. acréscimo ao lucro tributável do montante de € 36.126,46, respeitante a menos- valias (Doc. 2 da PI).
D. Consta o seguinte do relatório:

"III -1. IMPOSTO SOBRE 0 RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS
III -1.1. Provisões não dedutíveis ou para além dos limites legais
III -1.1.1. Provisões para riscos gerais de crédito (art.° 34.°, n° 3)
- Eur. 23.794.469
A rubrica "610 - Provisões diversas - P/ riscos gerais de crédito", constante do balancete global, reportado a 31/12/2002, apresentava um saldo no valor de Eur. 114.196.576,31, dos quais Eur 114.194.764,53 respeitava à actividade sujeita ao regime geral de tributação. Parte desse saldo, mais precisamente € 33.708.731,18, encontrava-se tributado.
No decurso do exercício em análise o Banco efectuou a reposição de uma parte do montante tributado, Eur. 23.794.468,67. Adicionalmente, com a entrada em vigor do Aviso n° 8/2003, de 30 de Janeiro, do Banco de Portugal, o Banco apurou um excesso de provisões para riscos gerais de crédito, no montante de Eur. 17.621.866.
Fiscalmente o Banco procedeu à dedução do valor de Eur 23.794.468,67 e ao acréscimo do valor de Eur 17.621.866 o que se traduziu numa dedução líquida de Eur. 6.172.603, valor incluído no montante de Eur 6.243.335 inscrito no campo 228 do Quadro 07 da D.R. mod, 22.
A Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, veio estabelecer um novo regime de tributação para as provisões para riscos gerais de crédito, constituídas pelas empresas sujeitas à supervisão do Banco de Portugal. Aquele normativo aditou ao artigo 34.° do CIRC o n° 3, nos termos do qual, quando houver reposições de provisões para riscos gerais de crédito são consideradas proveitos do exercício para efeitos fiscais," (...) em primeiro lugar, aquelas que tenham sido custo fiscal no exercício da respectiva constituição”. E apenas quando se tiver esgotado o saldo que foi aceite como custo é que poderão ser deduzidas, para efeitos de apuramento do lucro tributável, as importâncias que tiverem sido tributadas e que portanto não tenham constituído custos fiscalmente aceites. Há assim apenas um diferimento na tributação destes saldos.
O que significa que as reposições das provisões desta natureza, efectuadas a partir do exercício de 2001, serão consideradas proveitos fiscais do exercício até à concorrência do montante destas provisões que anteriormente foi aceite como custo fiscal.
Apenas quando for reposta a totalidade do saldo que foi aceite como custo fiscal, é que poderá ser considerado proveito não fiscal, e portanto ser deduzido no Quadro 07, o montante que, no ano da respectiva constituição, também não foi considerado como custo fiscal.
Nestes termos, tendo em consideração que o saldo acumulado destas provisões, relativo à actividade sujeita, no início do ano de 2003, era de Eur. 114.194.764,53, dos quais Eur. 33.708.731,18 não foram considerados custo fiscal, apenas quando tiver sido reposto o montante referente às provisões consideradas como custos fiscalmente dedutíveis, é que o Banco poderá deduzir na D.R, mod. 22 o valor destas anteriormente tributado.
Face ao exposto, será efectuada uma correcção fiscal, no montante de Eur. 23.794.469 nos termos do n.° 3 do artigo 34.° do CIRC.
Paralelamente são devidos juros compensatórios incidentes sobre o montante da correcção efectuada, nos termos do art.°35.° da LGT em conjugação com o art.° 94.° do CIRC. (...)
A correcção da inspecção tributária refere-se apenas ao impacto dos movimentos das provisões económicas na provisão para riscos gerais de crédito ao passo que o sujeito passivo, na determinação dos ajustamentos devidos, agregou as provisões para créditos de cobrança duvidosa e as provisões para riscos gerais de crédito. O que é contestado é a classificação das provisões ditas “económicas" como provisões para riscos gerais de crédito e a sua consideração como tal, para fins tributários. O Banco demonstra que estas provisões se encontram tributadas, o que nunca foi posto em causa pela inspecção tributária e que as mesmas foram constituídas por opção do Banco, sem qualquer enquadramento no Aviso 3/95 do Banco de Portugal. O Banco pretende igualmente demonstrar que estas provisões visam cobrir riscos específicos da atividade bancária e que por essa razão não podem ser enquadradas no n°3 do art° 34° do CIRC uma vez que esse articulado foi introduzido para assegurar que as provisões, que não visem a cobertura der riscos específicos da actividade, fiquem integralmente tributadas. Entre os custos enumerados no art° 23° do CIRC como fiscalmente dedutíveis, desde que comprovados e indispensáveis para a realização dos proveitos, encontram-se as provisões. Por sua vez a al. d) do n° 1 do art° 34° do CIRC limita a aceitação do custo com provisões às que, “no âmbito da disciplina definida pelo Banco de Portugal tiverem sido obrigatoriamente constituídas pelas empresas sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de instituições de crédito e de outras instituições financeiras com excepção da provisão para riscos gerais de crédito,"
A disciplina das provisões para as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal encontra-se regulamentada na Aviso 3/95, de 30 de Junho, alterado pelo Aviso 8/2003, também de 30 de Junho. De acordo com essa disciplina as entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal são obrigadas a constituir provisões para, entre outras finalidades, risco específico de crédito e riscos gerais de crédito. O risco específico de crédito inclui, de acordo com o n° 2 daquele diploma, o crédito vencido e o crédito de cobrança duvidosa. Um e outro claramente definidos nesse diploma. Os riscos gerais de crédito incluem todo o crédito concedido, mesmo o representado por aceites, garantias e outros instrumentos de natureza análoga, mas excluindo o que tenha sido objecto de provisões para crédito específico e para risco-país (cf. n° 1 do n° 7º). O que corresponde a todo o crédito vivo que não reúna os pressupostos necessários para beneficiar da constituição de provisões para risco específico de crédito, em concreto a provisão para créditos de cobrança duvidosa e a provisão para crédito vencido. Não se enquadrando as “provisões económicas” no risco especifico de crédito, uma vez que as mesmas têm como base de incidência créditos vincendos que não podem ser considerados como de cobrança duvidosa (por aos mesmos não se encontrarem associados créditos em mora em percentagem suficiente para serem considerados como tal, de acordo com o n° 4o do Aviso), só podem as mesmas ser enquadradas em riscos gerais de crédito. E não é o facto de o Banco utilizar percentagens de cobertura que excedem os limites mínimos estabelecidos para a provisão para riscos gerais de crédito que condiciona a qualificação do risco em função do quadro regulamentar das provisões, mas sim os pressupostos nele contidos de qualificação de créditos de cobrança duvidosa. E também não é o facto de o Banco de Portugal ter recomendado a reclassificação dessas provisões como provisões para créditos de cobrança duvidosa que veio alterar o quadro regulamentar subjacente às provisões para créditos de cobrança duvidosa, o qual faz depender a qualificação dos créditos como de cobrança duvidosa da verificação de um conjunto de requisitos constantes do n° 4º do Aviso 3/95, os quais não estão subjacentes aos créditos controvertidos. Também não estamos perante créditos/clientes em relação aos quais o Banco de Portugal tenha determinado a constituição de provisões por níveis acima dos previstos no Aviso 3/95, de acordo com o n° 17° de tal diploma. O Banco de Portugal preconizou antes uma solução que achou por mais conveniente em face de uma realidade detectada e não por si determinada. Assim sendo, não tem razão o Banco quando afirma que estas provisões cobrem riscos específicos de crédito porque tais riscos têm na base créditos qualificados como vencidos e como de cobrança duvidosa, de acordo com os pressupostos estabelecidos para o efeito no Aviso 3/95, designadamente nos n°s 2o,3o e 4o e que, por força do art° 34°, n° 1, al. d) do CIRC, constitui o quadro regulamentar para a Administração Fiscal. E uma vez que tais provisões foram constituídas em percentagem bastante superior à percentagem mínima definida pelo Aviso 3/95, a sua tributação aquando da constituição esteve em conformidade com a lei fiscal. E face ao n° 3 do art° 34° do CIRC o montante de tais provisões será dedutível quando o saldo que não foi tributado, tendo constituído assim um custo fiscal, tiver sido totalmente reposto e considerado como proveito fiscal. Enquanto tal não acontecer o Banco não poderá deduzir quaisquer importâncias que registe como proveitos. Assim, manter-se- á a correcção proposta no projecto de relatório, no montante de Eur. 23.794.469,00" (Doc. 2 da PI).
E. Na sequência do relatório, a administração tributária emitiu a liquidação de IRC com o n.° 20068310003245, datada de 20/02/2006, e a compensação n.° 200600000526616, datada de 05/04/2006, apurando-se de imposto e juros compensatórios em falta o montante global de € 2.249.082,92 (dois milhões, duzentos e quarenta e nove mil, oitenta e dois euros e noventa e dois cêntimos) (Doc. 3 da PI).
F. Dando lugar à demonstração de acerto de contas n.° 200600000081047, da qual resultou o valor a pagar pelo impugnante de € 9.373.442,17 (nove milhões, trezentos e setenta e três mil, quatrocentos e quarenta e dois euros e dezassete cêntimos), com data limite de pagamento no dia 17/05/2006 (Doc. 3 da PI).
G. O impugnante procedeu ao pagamento desta quantia à administração tributária no dia 17/05/2006 (Doc. 3 da PI).
H. No dia 01/09/2006, o impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC n.° 20068310003245 e respetivos juros compensatórios, respeitante ao exercício de 2003 (Doc. 1 da PI).
I. No dia 01/01/2003, a conta “610 - provisões diversas - p/ riscos gerais de crédito" apresentava um saldo de € 114.196.576,31, dos quais € 114.194.764,53 respeitava à actividade sujeita a tributação, tendo parte desse saldo, mais concretamente o montante de € 33.708.731,18, sido anteriormente tributado (Docs. 2 e 4 da Pl).
J. Relativamente a uma parte daquele montante tributado, no valor de € 23.794.468,67, o Impugnante procedeu, contabilisticamente, nesse exercício, à sua reposição em proveitos, apurando um excesso de “provisão para riscos gerais de crédito” no montante de € 17.621.866,00 (Doc. 2 da Pl).
K. O montante de € 23.794.468,67 foi objeto de dedução, por força da reposição de provisão anteriormente tributada, e ao acréscimo de € 17.621.866,00, o que se traduziu numa dedução líquida de € 6.172.603,00, registada na declaração periódica Modelo 22 respeitante ao exercício de 2003 (Doc. 2 da PI).
L. De acordo com o mapa de apuramento da provisão para riscos gerais de crédito, por referência ao mês de dezembro de 2002, os valores respeitantes a esta provisão ascendiam a € 89.788.292 - mínima, e € 114.196.576 - existente (Doc. 4 da PI).
M. No dia 31/12/2002, o saldo da conta “610 - provisões diversas - p/ riscos gerais de crédito”, ascendia a € 114.196.576,31, sendo que € 114.194.764,53 respeitavam à actívidade sujeita ao regime geral de IRC e o remanescente, no montante de € 1.811,78, à actívidade enquadrada no regime de isenção (Docs. 2 e 4 da PI).
N. Em documento intitulado ‘relação de clientes com necessidade de ajustamento de provisões, junto a fls. 86/92 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido’, consta listagem de clientes do impugnante (Doc. 5 da PI).
O. No dia 31/03/2004, a "D... - Serviços Profissionais de Auditoria e Consultoria, S.A.” apresentou relatório sobre a quantificação das provisões económicas adequadas ao risco implícito na carteira de crédito do impugnante, nos termos que constam de fls. 94/104, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 6 da Pi).
P. O impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC n.° 20058310006417 e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2002 (Doc. 7 da PI).
Q. O impugnante deduziu impugnação judicial da liquidação adicional de IRC n.° 20058310006417 e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2002 (Doc. 8 da PI).
R. No dia 01/07/2004, o impugnante remeteu ao Banco de Portugal, em cumprimento da Instrução n.° 72/96, o relatório anual sobre o controlo interno da “C…, S.A”, com os termos que constam de fls. 110/129, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Doc. 9 da PI).
S. No dia 21/03/2003, o Banco de Portugal dirigiu ao “B…, S.A.” a missiva que consta de fls. 121, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dando conta da verificação da existência de um nível de provisionamento para riscos gerais de créditos superior ao mínimo legal, relativamente ao qual os responsáveis do banco informaram tratar-se de provisões relativas a riscos específicos de créditos (ainda não vencidos), em relação aos quais ainda não existe a obrigatoriedade da sua constituição, na qual se conclui que, considerando que na conta da provisão para riscos gerais de crédito não deve ser relevado aquele tipo de provisões, as provisões que se encontrem naquelas condições devem ser reclassificadas como provisões para crédito de cobrança duvidosa (Doc. 10 da PI).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou.


Quanto à motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Do depoimento da testemunha G…, bancária-economista, responsável pelo departamento de contabilidade do impugnante desde 18/08/2003, resultou apenas a confirmação das opções contabilísticas expressas na petição inicial, não relevando por si para a prova de qualquer facto.


II.2 Do Direito

O ora Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por sua vez apresentada contra a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2003.

Nos presentes autos apenas vem impugnada a correção respeitante ao acréscimo ao lucro tributável do montante de € 23 794 469,00, respeitante a provisões para riscos gerais de crédito.

Apesar de a Impugnante e ora Recorrente indicar a ordem em que pretende que os vícios que imputa à sentença sejam conhecidos, iniciaremos a análise pelos vícios cuja procedência determine maior tutela dos interesses e da sua eventual procedência.

Com efeito, defende o Recorrente em primeiro lugar que contrariamente ao que foi entendido pelos Serviços de Inspeção Tributária, as provisões em causa visavam cobrir riscos específicos de crédito sobre clientes, e não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira corrigir essa qualificação considerando que tais provisões são para riscos gerais de crédito.

Antes, porém, vejamos se a sentença é nula por excesso de pronuncia, como alega, por entendermos ser esta a questão que deve ser apreciada em primeiro lugar, uma vez que a nulidade da sentença acarreta o conhecimento em substituição das questões afetadas pelo vício.

Vejamos então: nas alegações de recurso suscita a ora Recorrente a questão de se saber se na sentença recorrida se cometeu a nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 125/1 CPPT.

Nos termos do artigo 125/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Também o artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC), dispõe que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A sentença está ferida de nulidade quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento: não foram colocadas pelas partes e também não são de conhecimento oficioso

A sentença deve, pois, conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, seja como fundamento do pedido formulado pelo autor, seja como fundamento das exceções deduzidas, e bem assim das controvérsias que as partes sobre elas suscitem, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal devem entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, contudo, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis (1), são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

É consabido que sentença não pode condenar em objeto diverso do pedido, nulidade que deriva da violação da regra do artigo 609/1 CPC, nulidade que só se pode verificar em relação a pedidos de condenação e a decisões condenatórias: haverá nulidade se a condenação exceder quantitativamente aquilo que havia sido pedido ou modificar a qualidade do pedido, condenando a parte vencida em objeto diferente do que foi pedido.

O presente recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação deduzida pelo Impugnante, ora Recorrente, contra o ato de liquidação do tributo e dos juros compensatórios, mas apenas no respeitante à correção relativa a provisões para riscos gerais de crédito.

A alegada nulidade diria respeito à apreciação pelo Tribunal Recorrido do argumento colocado pela ora Recorrida, em sede de contestação e que não constaria da fundamentação contemporânea do ato, não tendo os Serviços de Inspeção Tributária levantado a questão (cf. conclusão 11 das alegações de recurso).

Nesta medida, problemática suscitada dirige-se à fundamentação do ato de liquidação e consequente admissibilidade da fundamentação a posteriori e sendo assim, a crítica à sentença cai sim no erro de julgamento. Com efeito, nas conclusões das alegações de recurso o Recorrente argui que o tribunal conheceu de questão que não tinha sido colocada pela Impugnante, mas que apenas foi suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de contestação.

Nesta perspetiva, quanto ao pedido submetido à apreciação do tribunal, não se verifica, pois, nulidade, uma vez que o tribunal se pronunciou sobre o pedido que lhe foi dirigido pelo Impugnante, a saber: o de anulação do ato tributário na parte impugnada.

Anote-se que o mero enquadramento jurídico diverso do pugnado pela parte não integra a nulidade por excesso de pronúncia, antes se baseia no princípio ínsito no n.º 3 do artigo 5.º do CPC (oficiosidade do julgador quanto à matéria de direito) – Apud Acórdão de 19-12-2018 (Revista n.º 301/12.5TCGMR.G2.S1 - 6.ª Secção).

Com efeito, não há excesso de pronúncia se o tribunal para decidir usar de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes, dado o artigo 5/3 CPC o permitir. Muito menos se o tribunal aduz argumentos que a parte não apresentara, já que, uma coisa são as questões e, outra, são os argumentos que suportam a resolução daquelas.

Não é assim causa de nulidade da sentença o mero facto de a contraparte ter convocado ou trazer outros argumentos ou o Tribunal fazer enquadramento jurídico diferente do alegado pelo Impugnante na petição inicial.

Em face do exposto, improcedem as alegações da Recorrente quanto ao alegado excesso de pronuncia: não se verifica in casu a alegada nulidade recaindo todo o alegado no chamado erro de julgamento sobre o qual nos pronunciaremos infra.

Alega ainda a Recorrente que a sentença é nula por falta de fundamentação por não ter seguido as regras legais de elaboração da sentença, nos termos do artigo 668º/1-b) do CPC de 1961 (correspondente ao atual artigo 615º/1-b) do nCPC) - cf. conclusão 22 das alegações de recurso.

Nos termos do já citado artigo 125/1 CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

No que respeita à fixação da matéria de facto, estabelece o artigo 123/2 CPPT: o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

Tradicionalmente, para que a sentença padeça deste vício considera-se necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Assim, a falta de fundamentação como causa de nulidade da sentença não se confunde com o eventual erro da fundamentação de facto e de direito.

Como expende Jorge Lopes de Sousa (2): deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação.

O ora Recorrente alega que a decisão contém uma apreciação arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra o ora Recorrente e identifica as passagens da sentença em que tal se verifica: o Tribunal Recorrido julgou no sentido da ausência de valor probatório, afirmando-se na sentença que “(…) a listagem junta não serviu de base a contabilização das provisões aqui em causa, tendo sido elaborada para ser anexada aos exercício do direito de audição, em sede de ação inspetiva, como bem se nota na informação / contestação da administração tributária (…) – cf. conclusão 19 das alegações de recurso.

Ora, como resulta do excerto transcrito e selecionado pelo ora Recorrente, da sentença consta uma apreciação da prova produzida, em sentido com a qual discorda: diz-se o porquê da não consideração do documento junto, por se ter entendido não ser contemporâneo e não ter servido de base à contabilização efetuada, mas sim elaborado a posteriori.

A sentença recorrida, com efeito, discrimina quais os factos provados com indicação dos meios de prova respetivos a propósito de cada uma das alíneas. Quanto aos factos não provados diz que não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa, e motiva a decisão de facto com base nos documentos e nos depoimentos das testemunhas ouvidas.

Com efeito, nos factos assentes são indicados os elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, os quais são indicados a propósito de cada uma das alíneas do probatório. Na motivação da decisão de facto, diz a sentença recorrida:

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Do depoimento da testemunha G…, bancária-economista, responsável pelo departamento de contabilidade do impugnante desde 18/08/2003, resultou apenas a confirmação das opções contabilísticas expressas na petição inicial, não relevando por si para a prova de qualquer facto.

Verifica-se, pois, que da sentença sob crítica consta a motivação da decisão de facto e foram exteriorizados os fundamentos da decisão de facto. Se ela é ou não suficiente para suportar a decisão tomada é já matéria atinente ao de erro de julgamento de facto, que, aliás, foi também alegado pela ora Recorrente.

Não se verifica, pois, a nulidade arguida.

Na visão do Recorrente e conexionada com a alegada nulidade da sentença arguiu a errada apreciação da prova produzida, na medida em que os elementos constantes do processo demonstram amplamente a natureza específica dos eventos na base das provisões objeto de correção pela administração tributária (cf. conclusões 13 e 14 das alegações de recurso).

Defende, depois, que com base nos documentos juntos e não impugnados, deveriam ter sido dados como provados os factos que enumera nas 9 subalíneas da conclusão 33 das alegações de recurso.

Vejamos então quanto à impugnação da matéria de facto fixada na sentença.

Em regra, quando impugna a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso. Era assim nos termos do invocado artigo 685-B do antigo CPC de 1961, correspondente ao atual artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do nCPC, aplicável ex vi artigo 281º CPPT, cabendo, pois, ao Recorrente especificar: (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

E, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que tenham sido gravadas, incumbe ao Recorrente, transcrevê-las ou indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso [artigos 685-B/2 do CPC de 1961 e artigo 640/2.a) do novo CPC].

Desde já diremos que estes ónus foram cumpridos pelo ora Recorrente, identificando os factos que entende terem sido mal julgados e aqueles que pretende ver aditados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Com efeito, o ora Recorrente nas alegações e conclusões de recurso indica os pontos concretos da matéria de facto que foram dados como provados e contra os quais se insurge, a matéria que foi dada por provada quando o não deveria ter sido e os que foram desconsiderados quando o não deveriam ter sido, indicando os meios de prova em que funda a sua discordância.

Por ter interesse na decisão a proferir chamamos aqui à colação o recente acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 1048/06.7BELSB (disponível em www.dgsi.pt), em que as partes são as mesmas e em que foi impugnada a liquidação adicional de IRC, mas respeitante ao ano de 2002, com o qual concordamos e que seguiremos de muito perto.

Desde já adiantaremos que também ali, quanto à correção de provisões para riscos gerais de crédito / provisões relativas a riscos específicos de créditos (ainda não vencidos), na sentença recorrida se entendeu que a Impugnante não fez a prova que lhe competia, considerando-se a prova documental junta aos autos.

Assim, e tal como se decidiu no citado acórdão:

Relativamente a àqueles documentos, invoca ainda a Recorrente erro de julgamento de facto relativamente à correção de provisões para riscos gerais de crédito que face aos documentos suprarreferidos, se o tribunal a tivesse devidamente dado como provado e valorado, teria concluído que se trata provisões para risco específico de crédito, até porque tal documentação não foi impugnada, pelo que a documentação goza de presunção de veracidade, devendo ser dados como provados os 32 factos enunciados nas várias subalíneas da conclusão 53.º das alegações de recurso que conduzem à procedência da impugnação judicial (cf. conclusões 16.º a 55.º das alegações de recurso).

Resulta dos autos que a correção referente a provisões para riscos gerais de crédito, ora em causa, assentou no entendimento da AT vertido no ponto III.1.1.2. do Relatório de Inspeção. Entendeu-se desconsiderar-se fiscalmente, nos termos do disposto do n.º 3, do art. 34.º do CIRC, o montante de 9.434.534,43€, na medida em que a dedução que a Impugnante fez na declaração modelo 22 do exercício de 2002, respeitante à reposição em proveitos do exercício das provisões em apreço eram indevidas, uma vez que apenas poderia ter sido efetuada quando a totalidade das provisões para riscos gerais de crédito se encontrasse tributada. A Impugnante alegou em sede de audiência prévia que adotou determinado procedimento contabilístico, nomeadamente que procedia à constituição e registo contabilístico em provisões económicas na conta #10 – Provisões diversas – P/riscos gerais de crédito, a par do registo contabilístico das provisões para riscos gerais de crédito. Ainda assim, a AT entendeu ser de manter a correção porque a ora Recorrente não demonstrou que “as provisões ditas “económicas” têm uma base de incidência constituída por créditos vivos que possam, nos termos das alíneas a) e b), do n.º 4 do Aviso, ser consideradas de cobrança duvidosa por forma a pode concluir-se que independentemente do registo contabilístico efetuado, se estava em presença de uma provisão para risco específico e, por conseguinte, sem enquadramento no n.º 3 do art. 34.º do CIRC”.

Ora, resulta claramente do relatório de inspeção, nomeadamente da parte referente à pronuncia sobre o exercício do direito de audição, que a própria Impugnante reconhece que o procedimento contabilístico que adotou não foi o adequado, neste contexto, é de sublinhar que a AT cumpriu o seu ónus da prova ao ter demonstrado suficientemente os pressupostos da correção, nos termos do disposto no art. 74.º, n.º 1, da LGT.

Por outro lado, releva ainda para este efeito o facto de a própria Recorrente admitir, ainda em sede de ação de inspeção, que “poderá existir um valor residual a corrigir, no montante de Euro 44.650,40€, correspondente à diferença entre a reposição de provisões económicas (…) e o valor deduzido na declaração Modelo 22 do IRC do exercício de 2002 (ou seja, Euro 9.434.534,43 – Euro 9.389.884,03), o qual não será objeto de contestação no presente documento”.

Neste contexto, ao longo dos artigos 73.º a 131.º, tenta demonstrar que na conta #610 – Provisões diversas – P/riscos gerais de crédito, se encontram registadas duas provisões de natureza distinta. Nessa tentativa de demonstração a Recorrente invoca diversos cálculos com percentagens, adições e subtrações, valores de créditos vencidos, crédito vivo, garantias, e socorrendo-se de diversos saldos de diversas contas da contabilidade, bem como através da elaboração de quadros, com diversos valores inscritos oriundos de diversas contas da contabilidade, listas de créditos, relativamente às quais foram alegadamente constituídas as provisões, remetendo para diversa documentação contabilística junta aos autos e ao processo administrativo.

Ora, in casu, considerando os factos que a Recorrente teria de provar implicam necessariamente a análise profunda de várias contas da contabilidade da Recorrente, bem como variada documentação contabilística de suporte, bem como diversas operações aritméticas para se poder chegar a uma conclusão sobre o alegado, é manifesto que deveria ter sido requerida pela Recorrente, na p.i., a prova pericial, que visa a perceção/apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui.

Por conseguinte, e ao contrário do que pretende a Recorrente não há que aditar 32 factos à matéria de facto assente, porque o meio de prova adequado seria a prova pericial prevista no art. 467.º e ss do CPC, e não a prova documental, como fica evidenciado com as diversas referências que são feitas a ilações que se retiram de mapas contabilísticos cruzados com registos contabilísticos de diversas contas da contabilidade, ilações tiradas de decomposição de valores inscritos em diversas contas de provisões de diversas natureza, respeitantes a 70 clientes cuja listagem também teria de ser analisada, transições de valores em balanço e saldos, análise de reduções de valores provisionados, reforço de provisões, etc…

Face ao exposto, importa rejeitar a impugnação da matéria de facto, na medida em que o meio prova indicado pelo Recorrente (prova documental) não é a adequada para a prova dos factos relevantes para a procedência da impugnação judicial.

(…)

Efetivamente, resulta da p.i. que a Recorrente não requereu a prova pericial, porém, como veremos infra, in casu, cabia a Meritíssima Juíza a quo ordenar a realização da mesma.

Senão, vejamos.

A prova pericial no processo de impugnação judicial vem prevista no art. 116.º, n.º 1, do CPPT, sendo que o n.º 4 remete para a regulamentação prevista no Código de Processo Civil quanto a este meio de prova, nomeadamente os artigos 467.º e ss (corresponde aos artigos 568.º e ss, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho).

Nos termos do disposto no n.º 1, do art. 116.º, do CPPT poderá “haver prova pericial no processo de impugnação judicial sempre que o juiz entenda necessário o parecer de técnicos especializados.”

Por outro lado, o n.º 2 dispõe que a “realização da perícia é ordenada pelo juiz, oficiosamente ou a pedido do impugnante ou do representante da Fazenda Pública, formulado, respetivamente, na petição inicial e na contestação.”, e nos termos do n.º 3 “poderá também ser requerida no prazo de 20 dias após a notificação das informações oficiais, se a elas houver lugar”.

Portanto, resulta expressamente do n.º 2, do art. 116.º do CPPT que o juiz pode, oficiosamente, ordenar a realização da perícia, quando entenda necessário o parecer de técnicos especializados (n.º 1).

Assim sendo, ainda que a Impugnante não tenha requerido na p.i. a realização da perícia, o juiz sempre o poderá fazer oficiosamente, ao abrigo do n.º 2, do art. 116.º do CPPT, o que de resto está em conformidade com o princípio do inquisitório em processo tributário que impõe ao juiz que realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.

Por outras palavras, o princípio do inquisitório implica que se levem a cabo diligências de prova, quer requeridas pelas partes, quer mesmo oficiosamente, quando sejam úteis, relevante ou necessárias para a descoberta da verdade material.

Efetivamente, o princípio do inquisitório encontra-se consagrado no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, nos termos do qual “[o] tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, encontrando-se previsto, em termos idênticos, no art.º 13.º do CPPT.

No caso dos autos, face à matéria de facto controvertida, deveria ter sido ordenada a realização de perícia, porque relevante para o julgamento da matéria de facto - “(…) o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório.” – ac. do STA de 23/10/2013, proc. n.º 0388/13.

(…)

Mutatis mutandis, a matéria em apreciação nos presentes autos é muito semelhante à que foi apreciada e decidida naqueles, pelo que entendemos que também nos presentes autos, apesar de não vir alegada a violação do princípio do inquisitório, deveria ter sido oficiosamente ordenada a produção de prova pericial.

Com efeito, também nos presentes autos estão em causa factos que o Recorrente teria de provar que implicam necessariamente uma análise profunda de várias contas da contabilidade do Recorrente, bem como variada documentação contabilística de suporte, bem assim diversas operações aritméticas para se poder tirar ilações de mapas contabilísticos cruzados com registos contabilísticos de diversas contas da contabilidade, tirar conclusões de decomposição de valores inscritos em diversas contas de provisões de diversas natureza, respeitantes a mais de 100 clientes cuja listagem teria, também ela, de ser analisada, transições de valores em balanço e saldos, análise de reduções de valores provisionados, reforço de provisões, etc.

Em face do exposto, chegamos exatamente à mesma solução: a sentença enferma de défice instrutório, devendo ser anulada para a realização da perícia, nos termos do n.º 2, do artigo 116.º do CPPT (…) resultando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas [artigo 608/2 CPC aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].


Sumário/Conclusões:

Deve ser ordenada oficiosamente a prova pericial, nos termos do artigo 116.º, n.º 2 do CPPT, quando a perceção e a apreciação de factos exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, sendo necessário o parecer de técnicos especializados.



III - Decisão

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em anular a sentença recorrida, devendo os autos regressarem à 1.ª instância, para a instrução dos autos supra enunciada, e subsequente tramitação, e prolação nova decisão.

Sem custas.

Lisboa, 30 de junho de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora



(1) Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, Vol. V, pág. 143
(2) Aut Cit., CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO: Anotado e Comentado, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, II vol., pág. 360.