Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1999/15.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/06/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL
FALTA DE APRECIAÇÃO DOS ARGUMENTOS ARGUIDOS NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA
Sumário:Os argumentos aduzidos pela arguida, na fase administrativa do processo de contraordenação, no âmbito do exercício do seu direito de defesa, não podem deixar de ser apreciado pela entidade administrativa e, ainda que se considere, como se refere no salvatério, que esses argumentos não sejam suscetíveis de, por qualquer forma, alterar, corrigir ou modificar a decisão de aplicação de coima sindicada, em sede de apreciação a administração tem o dever de sobre eles se pronunciar ainda que seja para explicitar as razões porque os não considera.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

C… & C…, LDA., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso judicial da decisão administrativa de fixação da coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, no processo de contraordenação nº 3107201306044689, no montante de € 7.419,74 acrescido de € 76,50 de custas, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea a) do CIVA, ou seja falta de pagamento do imposto, referente ao período 201302, cujo prazo de pagamento terminou em 10-04-2013, e punida nos termos do disposto nos artigos 114.°, n.°s 2 e 5, alínea a) e 26.°, n.° 4, do RGIT - falta de entrega da prestação tributária dentro do prazo.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 16 de dezembro de 2020, julgou procedente o recurso e invalidou todos os atos praticados no processo de contra- ordenação após a apresentação da defesa da recorrente.

Inconformada, a FAZENDA PUBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« I - Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos presentes autos em 15-12-202, a qual concedeu provimento ao pedido formulado pela Arguida, absolvendo-a da responsabilidade contra-ordenacional e anulando a coima € 7.419,74, aplicada no âmbito do processo de contra-ordenação fiscal n.° 31072013060000044689, o qual correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8 e foi instaurado pela falta de pagamento de IVA no valor de € 23.554,74, relativo ao período de 2013/02, o que constitui contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas do n.° 1 do artigo 27.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 41.°, ambos do Código do IVA e do n.° 2 e da alínea a) do n.° 5, ambos do artigo 114.° do RGIT e do n.° 4 do artigo 26.°, também do RGIT.

II - Compulsada a Sentença recorrida, constatamos que a Meritíssima Juiz do Douto Tribunal a quo julgou os presentes autos totalmente procedentes, em virtude de ter considerado que a administração tributária desconsiderou a defesa apresentada pela Arguida ao abrigo do disposto no artigo 71.° do RGIT, o que reputou de ilegal em virtude de, nessa defesa, ter sido invoca matéria relativa a atenuação especial da coima, a qual impunha que fosse obtida pronúncia, previamente à decisão de aplicação da coima, por parte da entidade administrativa.

III - Na sua génese, o presente recurso tem como escopo demonstrar que, contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, os argumentos invocados pela Arguida em sede de defesa apresentada nos termos do disposto nos artigos 70.° e 71.° do RGIT não careciam de pronúncia expressa por banda da entidade administrativa, pois que os mesmos não eram susceptíveis de, por qualquer forma, alterar, corrigir ou modificar a decisão de aplicação de coima ora sindicada.

IV - Na esteira do proclamado no n.° 10 do artigo 32.° da Mater Legis, o artigo 71.° do RGIT, contempla e regula o exercício desses direitos. Trata-se, aqui, de uma faculdade que assiste ao arguido, que a poderá utilizar ou não, verbalmente ou por escrito, isto é, conforme entender e da forma que achar mais conveniente.

V - Ora, se o arguido lançar mão dessa faculdade, a defesa deduzida deverá, necessariamente, ser sopesada na decisão a proferir, assim se assegurando em plenitude o respectivo exercício, cabendo, por outro lado, à entidade administrativa que aplica a coima pronunciar-se sobre a bondade dos argumentos invocados pelo arguido em sede de defesa, deferir ou não a realização de eventuais diligências requeridas e abster-se de as realizar ou de se pronunciar sobre o que não se afigura útil para a descoberta da verdade material, cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.a edição, 2010, Áreas Editora, pág. 481

VI - Ora, na situação sub judice, e como se pode constatar pela análise de fls. 63 dos autos de contra-ordenação referenciados, a defesa da arguida cinge-se à alegação de que se verificam os requisitos previstos no n.° 2 do artigo 32.° do RGIT, não sendo requeridas quaisquer outras diligências probatórios adicionais.

VII - E uma singela leitura de tal defesa não deixa qualquer tipo de dúvidas de que não se verificam os pressupostos legais cumulativos constantes do n.° 1 do artigo 32.° do RGIT, como muito bem a arguida está cônscia, dado que actua mediante intervenção de advogado, o qual possui conhecimento técnico especializado sobre a matéria.

VIII - Desde logo, não foi realizado qualquer tipo de prova de que a situação tributária da arguida se encontra regularizada, não se alcançando dos autos que o obliterado pagamento tenha sido realizado, cfr. fls. 63 dos autos de contra-ordenação. Ou seja, resulta provado que o imposto cuja falta de pagamento originou a infracção tributária ora em discussão não foi pago. Pelo contrário, a entidade administrativa que aplicou a coima constatou que o mesmo se encontra em fase de cobrança coerciva.

IX - E tais factos mereciam a dignidade de constar da matéria factual dada por provada na Sentença recorrida, o que ora se impõe nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 412.° do CPP, ex vi da alínea b) do artigo 3.° do RGIT, por se revelarem decisivos para a boa decisão da causa.

X - Muito bem sabia a arguida, dado que se encontra representada por advogado, o qual possui competência técnica especializada para este efeito, tal argumentação, desacompanhada de qualquer tipo de meio probatório e com claras evidências de que não se verificam os requisitos legais alegados, é perfeitamente despicienda e reputa-se manifestamente improcedente.

XI - Por tais motivos, previamente à tomada da decisão final no referido processo, a entidade administrativa não ponderou a necessidade da realização de diligências instrutórias e, do mesmo passo, não emitiu pronúncia sobre a eventual verificação dos pressupostos que legitimariam a requerida dispensa de aplicação de coima.

XII - Dado que, atento o cariz absolutamente despiciendo e manifestamente improcedente do alegado em sede de defesa, a decisão final de aplicação da coima ora sindicada, independentemente de qualquer análise prévia ou não acerca da argumentação carreada na defesa da arguida, não poderia ter sido outra que não a efectivamente praticada.

XIII - Subscrevendo, aqui, o entendimento vertido no acórdão do STA de 07-07-2010, proc. n.° 0356/10, e contrariamente ao que emana da Sentença recorrida, não era exigido à administração tributária que indicasse as razões pelas quais não foram atendidos os argumentos e elementos apresentados na defesa, pois que o dever de análise e de pronúncia por parte da entidade administrativa não pode ser interpretado de forma tão lata que a obrigue a pronunciar-se acerca de pedidos manifestamente improcedentes e desprovidos do plano jurídico vigente, especialmente em situações como as que ora se sindicam, em que a decisão final de aplicação de coima nunca poderia ter sido outra que não a efectivamente tomada.

XIV - Desta forma, a Sentença recorrida, ao decidir não atribuir qualquer relevância à manifesta improcedência de tudo quanto vem alegado pela arguida em sede do requerimento de defesa apresentado nos termos dos artigos 70.° e 71.° do RGIT, bem como ao julgar absolutamente obrigatório que, perante tal factualidade, a entidade administrativa emitisse pronúncia acerca do mérito de tal defesa, decidiu com errada interpretação das normas legais citadas, não podendo manter-se na ordem jurídica.

XV - Pelo que, atenta a factualidade dada como provada, a Sentença recorrida, ao decidir nos termos em que o fez, estribou-se numa errónea apreciação da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.
TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS
EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE
RECURSO E, EM CONSEQUENCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»

Apesar de devidamente notificada para o efeito, a arguida, não apresentou contra alegações.


»«

Neste TCA Sul, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida.

»«

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1. ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, aplicável “ex vi” do artigo 3.º al. b), do RGIT e do artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, a questão a apreciar prende-se com a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, de facto e/ou direito, por violação do disposto nos artigos 70.° e 71.°, do RGIT.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

« A. Em 08-05-2013, foi levantado, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a arguida, ora Recorrente, o auto de notícia n.° 20130118909/2013, do qual consta, designadamente, o seguinte:

02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO

1. Montante de imposto exigível: 23.554,24
2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00
3. Valor da prestação tributária em falta: 23.554,24
4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2013-04-10
5. Período a que respeita a infracção: 2013/02

6. Normas infringidas: Art° 27 n°l e 41 n°l a) CIVA - Falta de pagamento do imposto (M)
7. Normas punitivas: Art° 114 n°2, n°5 a) e 26 n°4 do RGTT - Falta entrega presc. tributária dentro prazo (M)

03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO

Nome do Autuante: F…

Categoria / Funções do Autuante: Inspector Tributário

Data e Local: Em 8 de Maio de 2013, na Direcção de Serviços de Cobrança do IVA (DSCIVA)

Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou, simultaneamente com a declaração periódica que apresentou dentro do respetivo prazo legal, na data e para o período referido, respetiva mente, em 4 e 5 do quadro 02, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, fazendo-o somente pelo valor referido em 2, também do quadro 02, o que constitui infração ás normas previstas em 6, punível pelas disposições referidas em 7 do mesmo quadro.

Para os devidos e legais efeitos, levantei o presente auto de notícia que vai por mim assinado, não o fazendo, o infrator por não se encontrar presente.

- cf. auto de notícia constante de fl. 54 do processo físico;

B. Na sequência do levantamento de tal auto de notícia, foi instaurado, em 08-05-2013, o processo de contra-ordenação n.° 3107201306044689, no Serviço de Finanças de Lisboa 8 - cf. autuação e ofício, constantes, respectivamente, de fls. 53 e 56 do processo físico;

C. Em 14-05-2013, foi a arguida, ora Recorrente, considerada notificada para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima, através de ofício com o seguinte conteúdo relevante:

FACTOS APURADOS NO PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 23.554,74; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 23.554,74; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2013-04-10; 5. Período a que respeita a infracção: 2013/02, os quais se dão como provados. 
Período Data
Coimas
CódigoArtigoCódigoArtigoTributaçãoInfraçãoMínimo Maximo
CIVAArt.º 27 nº1 e 41 nº1 a) CIVA – Falta de pagamento do imposto(M)RGITArtº 114 nº2, nº5 a) e 26 nº 4 do RGIT – Falta entrega prest. Tributária dentro prazo (M)201302
2013-04-10
€7.066,42
€23.554,74
OBJECTO E FUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO

1.- Fica notificado, nos termos do disposto no artigo 70° do Regime Geral das Infracções
Tributárias (RG1T), aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, de que contra si foi instaurado o processo de contra-ordenação supra indicado, por violação às normas acima referidas, em face dos factos sumariamente descritos no quadro em cima, puníveis entre o mínimo e o máximo assinalado no quadro anterior.

2 - Mais se notifica que no prazo de 10 (dez) dias a contar da presente notificação, que se considera efectuada na data da presente notificação, poderá apresentar DEFESA, escrita ou verbal, (Juntar ao processo os documentos probatórios que entender), a produzir neste Serviço de Finanças podendo fazer-se acompanhar de Advogado.
3 - Se efectuar o PAGAMENTO ANTECIPADO no mesmo prazo, beneficiará da sua redução para o mínimo legal cominado e da redução de custas a metade, nos termos do n°l do art° 75° do RGIT. Estes benefícios dependem da regularização da situação tributária no prazo legal ou no que for fixado, sob pena de o processo de contra-ordenação continuar, com perda desses benefícios,
4 - Poderá ainda efectuar, o PAGAMENTO VOLUNTÁRIO da mesma, nos termos do artigo 78° do Regime Geral das Infracções Tributárias, beneficiando neste caso, da redução de 25% do valor a fixar, não podendo a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo legal respectivo.

- cf. ofício e print da gestão de comunicações da AT, constantes, respectivamente, de fls. 56 e 57 do processo físico;

D. Na sequência do ofício referido no ponto anterior, a arguida, ora Recorrente, apresentou a sua defesa, na qual solicitou, designadamente, a especial atenuação da coima, nos termos do artigo 32.°, n.° 2, do RGIT - cf. artigos 14.° e segs. do requerimento de recurso e informação prestada pelo Escrivão do Serviço de Finanças Lisboa 8, constante de fl. 63 do processo físico;

E. Pelo Escrivão do Serviço de Finanças de Lisboa 8 foi prestada, em 2210-2013, informação com o seguinte conteúdo:
    Infracção: Art° 27 n°l e 41 n°l a) CIVA - Falta de pagamento do imposto (M)
Negligência

Tempo decorrido desde a prática da infracção

Situação Económica e Financeira

Benefício Económico


    Actos de Ocultação

    Frequência da prática


Obrigação de não cometer infracção
Simples

< 3 meses

Baixa

0,00

Não

Frequente

Não


- cf. informação constante de fl. 58 do processo físico;

F. Em 22-10-2013, foi proferida a decisão administrativa de fixação da coima ora recorrida, da qual consta, designadamente, o seguinte: 

Descrição Sumária dos Factos

Ao(A) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos 1 Montante de imposto exigível 23.554.74 2 Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta 23 554,74 4 Termo do prazo para cumprimento da obrigação. 2013-04-10. 5 Período a que respeita a infracção. 2013/02. os quais se dão como provados Número da liquidação L 2013 017004559279.

Normas Infringidas e Punitivas

Os factos relatados constituem violação do{s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n°15/2001, de 05/07 constituindo contra-ordenação(ões ) identificada(s) supra.


Normas Infringidas Normas Punitivas Periodo Data Coima
Artigo Artigo Tributação Infracção

Responsabilidade contra-ordenacional

A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art° 7º do Dec-Lei N° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3ºdo RGIT concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenacão(ões) identificada(s) supra!

Medida da Coima

Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art”27 do RGIT):


Requisitos/Contribuintes
1 C... E C... LDA
Actos de Ocultação
Benefício Económico
Frequência da prática
Negligência
Obrigação de não cometer infracção
Situação Económica e Financeira
Tempo decorado desde a pratica da infracção
Não
0.00
Frequente
Simples

Não
Baixa

<3 meses
DESPACHO

Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79° do RGFT aplico ao arguido a colma de Eur. 7.419,74 cominada no(s) Art(s) Artº 114 n°2, n°5 a) e 26 n“4º, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.

Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com beneficio de redução no prazo de 15 dias (78°/2 RGIT) ou sem benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79º/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertido-o de que vigora o Principio de Proibição de "Reformado in Pejus" (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).

- cf. «decisão da fixação da coima» constante de fls. 59 e 60 do processo físico;

G. Por ofício de 22-10-2013, com o teor essencial abaixo transcrito, foi a arguida, ora Recorrente, notificada da decisão referida no ponto anterior: 


NOTIFICAÇÃO Art° 79° N°2 RGIT

CARTA REGISTADA


OBJECTO E FUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO

1 - Fica notificado, de acordo com o estatuído no n.° 2 do art.° 79.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente notificação, efectuar o pagamento da coima aplicada no processo supra referido por despacho de 2013-10-22, do Chefe do Serviço de Finanças, que se anexa, no montante de 7.419,74 euros, e das custas processuais no valor de 76,50 euros ou, querendo, recorrer judicialmente contra tal decisão, conforme previsto no art.° 80.o do mesmo regime legal, vigorando, neste caso, o princípio da proibição da Reformatio in Pejus (a sanção aplicada não será agravada salvo se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível);

2 - Mais fica notificado de que se efectuar o pagamento voluntário da coima no decurso do prazo de 15 (quinze) dias a contar da presente notificação, beneficia da redução para 75% do montante mencionado no ponto anterior, conforme previsto no n.° 2 do art.º 78.° do RGIT, não podendo no entanto o valor da coima a pagar ser inferior ao montante mínimo legal respectivo, acrescido do valor das custas processuais acima indicadas. Porém, o pagamento voluntário da colma não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei e se, até à decisão, não tiver regularizado a situação tributária perde o direito à redução e o processo prossegue para cobrança da parte da coima reduzida, conforme previsto nos n.°s 3 e 4 do art.º 78.º do RGIT.

3 - Findo o prazo de 20 (vinte) dias sem que se mostre efectuado o pagamento ou tenha sido apresentado recurso judicial contra a decisão de aplicação da coima, proceder-se-á à cobrança coerciva da coima e das custas processuais referidas no ponto 1, mediante processo de execução fiscal, conforme previsto no artigo 65.º do RGIT.

4 - Pode consultar os elementos do processo e a legislação citada na Internet, utilizando a sua senha de acesso, no endereço http://www.portaldasfinancas.gov.pt ou no serviço de finanças instrutor do processo.
ModalidadeC/Pagamento VoluntárioPrazo
15 dias
Montante a pagar7.142.92
S/Pagamento Voluntário
16° ao 20° dias
7.496,24

- cf. ofício constante de fl. 61 do processo físico;

H. Em 26-11-2013, foi remetida ao Serviço de Finanças de Lisboa 8, via fax, o requerimento do presente recurso de contra-ordenação - cf. carimbo a fl. 2 do processo físico.


*

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

*

A matéria de facto provada resultou da convicção do Tribunal fundada na análise dos documentos constantes dos autos.

»«

Do direito

Conforme deixamos autonomizado na delimitação do objeto do recurso, a questão que nos cumpre apreciar cinge-se à de saber se a sentença recorrida, ao decidir não atribuir qualquer relevância ao alegado pela arguida no âmbito do exercício do seu direito de defesa apresentado nos termos dos artigos 70.° e 71.° do RGIT, o fez com errada interpretação das normas legais citadas.

Alega a recorrente (FP) que “… o presente recurso tem como escopo demonstrar que, contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, os argumentos invocados pela Arguida em sede de defesa apresentada nos termos do disposto nos artigos 70.° e 71.° do RGIT não careciam de pronúncia expressa por banda da entidade administrativa, pois que os mesmos não eram susceptíveis de, por qualquer forma, alterar, corrigir ou modificar a decisão de aplicação de coima ora sindicada.” – concl III

Considera que “… a defesa da arguida cinge-se à alegação de que se verificam os requisitos previstos no n.° 2 do artigo 32.° do RGIT, não sendo requeridas quaisquer outras diligências probatórios adicionais.” - concl. VI

E acrescenta que: “… não foi realizado qualquer tipo de prova de que a situação tributária da arguida se encontra regularizada, não se alcançando dos autos que o obliterado pagamento tenha sido realizado, cfr. fls. 63 dos autos de contra-ordenação. Ou seja, resulta provado que o imposto cuja falta de pagamento originou a infracção tributária ora em discussão não foi pago.” – concl VIII

Concluindo no sentido que “… atento o cariz absolutamente despiciendo e manifestamente improcedente do alegado em sede de defesa, a decisão final de aplicação da coima ora sindicada, independentemente de qualquer análise prévia ou não acerca da argumentação carreada na defesa da arguida, não poderia ter sido outra que não a efectivamente praticada.”

Atentemos agora ao discurso fundamentador alicerçado pela Mma juíza a quo na sentença recorrida e que é o seguinte:

“(…)

Invoca a Recorrente que a defesa por si tempestivamente apresentada «foi absolutamente ignorada» na decisão recorrida e que esta não levou «em consideração os elementos avançados pela recorrente, no seu exercício do direito de defesa, tendo-se limitado a autoridade administrativa a nem sequer elencar tais argumentos, sem tecer quaisquer considerações críticas acerca dos mesmos», concluindo que lhe «foi negado [...] o real e efetivo exercício do direito de defesa», pelo que deve tal decisão ser declarada nula (cf. pontos 12, 18, 20 e 21 das conclusões do requerimento de recurso).

Sobre o direito de defesa rege o artigo 71. ° do RGIT, que preceitua o seguinte:

«1 - A defesa do arguido pode ser produzida verbalmente no serviço tributário competente.

2 - Após a apresentação da defesa, o dirigente do serviço tributário, caso considere necessário, pode ordenar novas diligências de investigação e instrução.

3 - Durante a investigação e instrução o dirigente do serviço tributário pode solicitar a todas as entidades policiais e administrativas a cooperação necessária».

O citado artigo é corolário da garantia expressamente consagrada no artigo 32.°, n.° 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos da qual «[n]os processos de contraordenação [...] são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa». O legislador constituinte explicitou claramente que a garantia de defesa dos arguidos em processos de contra-ordenação subdivide-se em dois direitos, os quais têm de ser escrupulosamente respeitados sob pena de violação de tal garantia, ou, se se quiser, do direito de defesa em sentido amplo. Tais direitos são - di-lo o comando constitucional - os direitos de audiência e de defesa. O facto de a norma constitucional distinguir e autonomizar estes dois direitos inculca a ideia de que a garantia de defesa do arguido só será cabalmente respeitada se for dada oportunidade àquele de ser ouvido e também de, efectivamente, se defender. Ou seja, à luz da Constituição, a defesa do arguido é mais ampla do que a sua (mera) audição.

Em anotação ao citado artigo 70.° do RGIT, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, referem que «o direito de defesa não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências» (cf. Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, Áreas Editora, 4.a edição, 2010, p. 481).

Encontra-se provado nestes autos que a AT notificou a arguida, ora Recorrente, para exercer o seu direito de defesa (cf. letra C do probatório), o que sucedeu em data que se presume tempestiva, porquanto, pese embora não conste dos autos informação sobre a data da defesa, a Recorrente refere que a mesma foi exercida tempestivamente (cf. ponto 12 das conclusões do requerimento de recurso) e a própria AT refere, na informação que prestou a estes autos (cf. fls. 63 do processo físico), que a representante da arguida apresentou «defesa a solicitar a especial atenuação da coima”, não estando, no entanto, reunidos os pressupostos para tal.

Todavia, do probatório consta igualmente o teor da informação prestada pelo Escrivão do Serviço de Finanças de Lisboa 8 previamente à aplicação da coima, e, bem assim, o teor da decisão recorrida e da respectiva notificação enviada à arguida, ora Recorrente (cf. letras E, F e G do probatório). Em nenhum desses documentos é feita qualquer referência à defesa apresentada pela arguida. Assim, pese embora tenha sido dada a possibilidade à arguida de exercer o seu direito defesa, o que aquela fez, a verdade é que, ao não ponderar os argumentos aduzidos nessa defesa, ou, pelo menos, ao não exteriorizar tal ponderação, a AT violou esse direito, inviabilizando o seu pleno exercício. Com efeito, resultou provado que a arguida, ora Recorrente, requereu, na sua defesa, designadamente, a especial atenuação da coima, nos termos do artigo 32.°, n.° 2, do RGIT (cf. letra D do probatório), pelo que se impunha que o autor da decisão recorrida ponderasse as circunstâncias mencionadas naquele normativo à luz do caso concreto, a fim de decidir pela atenuação, ou não, da coima. Não tendo realizado essa ponderação, ou, pelo menos, não a tendo exteriorizado, assim omitindo as razões, de facto e de direito, que a levaram a não acolher o que expressamente lhe foi requerido pela arguida, a AT coartou o direito de defesa daquela. Neste conspecto, foi inútil a arguida exercer o seu direito de defesa, uma vez que essa defesa não teve a virtualidade de conformar o sentido da decisão de aplicação da coima, não tendo sequer sido tida em conta na ponderação da medida da coima. Na verdade, no presente caso, o exercício do direito de defesa pela arguida traduziu-se no cumprimento de uma mera formalidade.

E não se diga que assim não é porque da informação prestada pelo Escrivão do Serviço de Finanças de Lisboa 8 (cf. fl. 63 do processo físico) em 14-01-2015 - mais de um ano após o proferimento da decisão de aplicação da coima -, consta a referência de que «[c]onsiderando que o imposto não foi pago, e se encontra em cobrança coerciva, não estão reunidos os requisitos para poder beneficiar da atenuação especial da coima, pelo que o pedido foi indeferido». Com efeito, conforme tem sido sobejamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores, a fundamentação deve ser contemporânea do acto, não sendo admissível a fundamentação a posteriori (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 28-10-2020, processo n.° 02887/13.8BEPRT; 04-10-2017, processo n.° 0406/13; 27-01-2016, processo n.° 043/16; e do TCA Sul de 28-02-2019, processo n.° 29/03.7BTSNT, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

É quanto basta para concluirmos que a decisão recorrida cerceou o direito de defesa da Recorrente.

Sobre idêntica questão pronunciou-se o STA no acórdão de 06-02-2019, proferido no processo n.° 02740/15.0BELR (disponível em www.dgsi.pt), do qual destacamos o seguinte excerto: «Repugna-nos, porém, que a completa desconsideração pela AT da defesa atempadamente apresentada pelos arguidos em processos de contraordenação tributários não tenha valor negativo idêntico ao que a lei expressamente atribui à omissão da notificação para defesa, sobretudo à luz da garantia constitucional expressamente prevista no n.° 10 do artigo 32.° da Constituição da República - de audiência e defesa nos processos de contraordenação -, que, assim o entendemos, não pode legitimamente bastar-se com a possibilidade formal de exercício desses direitos mas que, na prática, pode ser assumida como mera formalidade desprovida de substância, insusceptível de influir no conteúdo da decisão de aplicação da coima, informaticamente precondicionada. Choca à nossa consciência que a sanção jurídica para tal desconsideração, sem razão que a justifique, não seja a nulidade do acto praticado, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (cfr. o n.° 3 do artigo 63.°do RGIT), daí que entendamos que não pode subsistir na ordem jurídica o acto que pôs termo ao procedimento administrativo sancionatório — a decisão de aplicação da coima —, sem que a AT explicite a razão pela qual a defesa apresentada pela arguida não foi por ela considerada» (negrito e sublinhado nossos).

À luz da jurisprudência citada, com a qual concordarmos e para a qual remetemos na íntegra, em obediência ao disposto no artigo 8.°, n.° 3, do Código Civil, torna-se forçoso concluir, apelando ao mais elementar senso jurídico ancorado nas garantias de audiência e defesa em processo contra-ordenacional, previstas no artigo 32.°, n.° 10, da CRP, pela nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário em causa nestes autos. Com efeito, ao não verter na decisão final do procedimento contra- ordenacional as razões, de facto e de direito, por que decidiu não atenuar especialmente a coima, conforme havia sido expressamente requerido pela arguida na defesa apresentada, a AT violou a garantia de defesa da arguida, ora Recorrente.

Destarte, perante a inexistência de norma expressa no RGIT que sancione tal conduta da autoridade administrativa com a nulidade, é ao intérprete-julgador que cumpre o suprimento dessa lacuna, o que entendemos dever ser feito com recurso ao CPP, já que o RGCO é omisso em matéria de nulidades.

Atento o exposto, entendemos que a desconsideração da defesa apresentada pela arguida é, à luz do artigo 32.°, n.° 10, da CRP, analogicamente equiparável às previsões normativas dos artigos 119.°, alínea c) e 120.°, n° 2, alínea d) do CPP, pelo que concluímos pela nulidade insuprível do processo de contra-ordenação. Com efeito, concordamos com Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, que, sobre a alínea c) do artigo 119.° do CPP, escrevem que «embora nesta norma se preveja como nulidade insanável a ausência do arguido ou seu defensor quando a lei exigir a respectiva comparência, o objectivo evidente desta obrigatoriedade de comparência é a concessão ao arguido da possibilidade de exercer os seus direitos de defesa que a lei e a CRP impõem que lhe seja concedida e, por isso, esta norma deve ser interpretada extensivamente como visando todas as situações em que não foi concedida ao arguido, antes de lhe ser aplicada uma sanção, possibilidade de exercer direitos de defesa que obrigatoriamente lhe deve ser proporcionada» (cf. Contra-Ordenações, Anotações ao regime Geral, Áreas Editora, 6.a Edição, 2011, pp. 380 e 381).

Consequentemente, nos termos do artigo 122.°, n.° 1, do CPP, é inválida não só a decisão de aplicação da coima, como são inválidos todos os actos praticados após a apresentação da defesa da arguida, ora Recorrente.” – fim de citação

Na página 15

O assim decidido não nos merece qualquer censura, pelo contrário revemo-nos in totum na fundamentação o suporta e aqui acolhemos.

Na verdade os argumentos aduzidos pela arguida, na fase administrativa do processo de contraordenação, no âmbito do exercício do seu direito de defesa, não podem deixar de ser apreciados pela entidade administrativa e, ainda que se considere, como se refere no salvatério, que esses argumentos não sejam suscetíveis de, por qualquer forma, alterar, corrigir ou modificar a decisão de aplicação de coima sindicada, em sede de apreciação a administração tem o dever de sobre eles se pronunciar ainda que seja para explicitar as razões porque os não considera, situação que, in casu, não ocorreu.


Aqui chegados entendemos, no sentido em que o faz a sentença recorrida, que a desconsideração dos argumentos apresentados pela arguida no exercício do seu direito de defesa para além de ter cerceado esse direito, aniquila com a nulidade a decisão que aplicou a coima, traduzindo-se na nulidade insuprível do processo de contraordenação tributária, subsumível no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alínea c), ambos do mencionado RGIT.

Assim e sem necessidade de maiores considerações, julgamos improcedentes todas as conclusões e nega-se provimento ao recurso.

III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Sem custas (artigo 94.º n.º 4 do RGCO).

Registe e notifique.

Lisboa, 6 de dezembro de 2022


Hélia Gameiro Silva – Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta
(assinado digitalmente)