Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
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I. RELATÓRIO
R......., a quem sucedeu M........, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito daquele, com demais sinais nos autos, veio impugnar as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2001 a 2003, no total de € 250.217,87.* Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 29 de Julho de 2022, foi julgada improcedente a impugnação.
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Inconformada com a decisão, veio a Impugnante apresentar o presente recuso, formulando as seguintes conclusões:
“III - CONCLUSÕES
“A - A NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA O RECURSO PELA AT AOS MÉTODOS INDIRECTOS:
A) Entende a Recorrente que a AT não poderia ter recorrido à avaliação indirecta quando os prejuízos sejam APRESENTADOS, id est, declarados pelo sujeito passivo.
B) Resulta provado, quanto à omissão de custos e compras tal, e para além de prejudicar a Recorrente, traduziu-se num vício meramente formal uma vez que se encontrava contabilizada a transferência bancária e arquivada a documentação inerente com indicação das facturas a que respeitava assim como o extracto de conta respectivo.
C) Neste preciso ponto a AT não apurou, para além do caso já citado, relativo ao fornecedor de presunto para negra, qualquer outra omissão de compras.
D) No que tange às margens de comercialização limita-se a AT a afirmar, de forma dogmática, que as mesmas são manifestamente diminutas atendendo ao ramo de negócio.
E) Não se diz sequer uma palavra que justifique tão profunda conclusão.
F) Designadamente, não se diz se se buscou justificação para tal em quaisquer rácios do sector em que a Recorrente se encontra incluída.
G) Quanto às entradas e saídas de dinheiro por parte do sócio gerente sem o documentos comprovativos para daí se concluir que os mesmos se traduziam em empréstimos fictícios tal é não só abusivo como absurdo.
H) De há muito se encontra pacificado na jurisprudência e na doutrina que, e quanto a este primeiro ponto, o recurso à avaliação indirecta apenas é possível quando não o for o recurso à avaliação directa.
I) Com todos estes argumentos reunidos e devidamente apreciados, não se mostra provada a reunião dos pressupostos para o recurso à avaliação indirecta apta a preencher o art.° 87.°, al. b) e 88.° a) da LGT.
B) EXCESSO / ERRO NA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
Falta de fundamentação da decisão e excesso na fixação da matéria colectável:
J) Foram os seguintes factos dados como não provados na sentença:
“III.2 - Factos não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
A) tenha existido variação dos preços de compra dos produtos “lagosta”, “lavagante”, “lagostim” e “ananás”, nos exercícios de 2001 a 2003;
B) os coeficientes de ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos “pata negra”, “gambas a la aguillo” e “café”, fossem, respetivamente, de 4,26%, 4,67% e 3,34%.”
K) No entanto, a sentença é contraditória.
L) Pois, se por um lado dá como não provado que existam variações de preços nos produtos de marisco (Lagosta, Lavagante e Lagostim),
M) Logo a seguir diz exactamente o contrário.
N) Reconhece a sentença e cita-se “(...) Salienta-se, porém, que as faturas selecionadas para a comparação, no que respeita aos “mariscos”, apresentam, à exceção de uma, datas de final de ano, momento em que previsivelmente, o preço destes produtos é influenciado pela procura, dada a época de festividades.
O) E ainda acresce que: “Por conseguinte a amostra recolhida não traduz a eventual dinâmica de preços ao longo do período.” sublinhados e negritos nossos
P) Sendo que a variação de preços do marisco é de senso comum.
Pois todos sabemos que oscilam conforme a época do ano e tendo por base vários factores como a época das festividades, verão, maior ou menor quantidade de produto no mercado, entre outros.
R) Mas é inegável que os mesmos não variam.
S) O contrário era aceitar-se como verdadeiro que os preços são fixos - não variáveis.
T) O que é impensável.
U) A ora Recorrente juntou ao processo um relatório apresentado pela J........, Lda., de Maio de 2022.
V) Documentos este que não foi impugnado pela Fazenda Pública e sobre o qual versou o depoimento do seu autor - Dr. J.........
W) Com este trabalho pretendeu a Recorrente demonstrar o erro e excesso na quantificação realizada no relatório de inspecção levada a cabo pela AT.
X) Em concreto, foram alegados e provados diversos erros de quantificação, a saber:
· Quebras globais definidas no relatório de inspecção em 15%
· Utilização de 30 produtos
· Utilização de apenas 1 (uma) factura por cada produto
· Custos das refeições
· Margens de comercialização
· Coeficiente de ponderação relacionado com as margens brutas de comercialização
Y) Esses mesmos erros de quantificação originam um excesso de quantificação, tal como tinha sido alegado.
Z) De facto, resulta do relatório um apuramento de uma diferença total nos anos de 2001,2002 e 2003, para menos, em matéria colectável de € 618.788, conforme página 14 do referido relatório.
• Em 2001, a diferença apurada para menos foi de - € 159.990
• Em 2002, a diferença apurada para menos foi de - € 257.213
• Em 2003, a diferença apurada para menos foi de - € 201.585
AA) O que resultou num valor de IVA liquidado diferente, para menos, num total nos anos de 2001,2002 e 2003, para menos, em - € 74.255, conforme página 14 do referido relatório.
• Em 2001, a diferença apurada para menos foi de - € 29.199
• Em 2002, a diferença apurada para menos foi de - € 30.866
• Em 2003, a diferença apurada para menos foi de - € 24.190
BB) De acordo com o testemunho prestado pelo Dr. J........ foi referido o seguinte a partir do minuto 07,32:
· que não conhece a impugnante nem ninguém da Cervejaria R.........
· que a elaboração do relatório lhe foi pedido pelo mandatário da Impugnante.
· foi-me pedido para fazer uma avaliação crítica para saber se houve apuramento excessivo da matéria colectável.
· apenas foi utilizado o relatório realizado pela AT e os documentos utilizados no relatório.
· não seria expectável uma margem líquida de negócio de 20% num negócio deste género.
· estaria à espera de 10%
· um negócio especial, numa época mais adversa do que a actual.
· pegando nos elementos do relatório procurei fazer uma revisão crítica dos pressupostos que foram utilizados nessa quantificação.
· designadamente quebras e custos das refeições feitas naquele período de 2001 a 2003.
· foi feita uma extrapolação.
· pegámos no cabaz de 30 produtos e desafiar os pressupostos em duas vertentes.
· primeiro como foi determinado o preço de custo.
· e para 3 produtos o coeficiente de ponderação estaria desajustado (presunto pata negra; gambas al aguillo e café).
· no caso do pata negra seria de 4,5% para 8,76%.
· no caso das gambas deveria ter um peso superior na amostragem de 4,5% para 9,17%.
· no caso do café usando os pressupostos da AT chegámos à conclusão que cada cliente consumia 4 cafés .
· Tendo se mudado os pressupostos para 95% das pessoas consumiam café.
· Baixa o ponderador de 4,15% para 1,16%.
· Chegando a margens brutas diferentes daquelas a que chegou o relatório da AT.
· Designadamente de 94,83% em 2001, 99,05% em 2002 e 110,37 em 2003.
· Que aplicadas sobre os custos que são fixos é apurado um valor inferior em cerca de € 619.000 nos três anos.
· E que em sede de IVA liquidado tem um excesso de cerca de € 74.000.
· E por essa via consideramos que há uma estimativa por excesso tendo apurado um valor inferior.
· Os artigos têm flutuação de preços, sazonalidade ao longo do ano.
CC) Tendo sido explicado o que era o coeficiente de ponderação.
DD) De acordo com o testemunho prestado por H........ foi referido o seguinte ao minuto 20,51:
• Os produtos foram seleccionados pelo Sr. R........ que era ele que estava dentro do assunto e eu pedi para ele escolher os produtos mais vendáveis.
• Ele escolheu.
• Fizemos a relação dos produtos.
• Apresentou-me as facturas de compras, preço de custo e o preço de vendas.
• Através do preço de vendas e compras apurou-se a margem.
• E depois acabou-se por se ponderar utilizando o coeficiente de ponderação dado pelo Sr. R.........
• Todos os produtos têm o mesmo peso.
• Eu limitei-me a aceitar tudo o que ele me deu.
Confrontação com o ANEXO VIII do relatório de inspecção tributária (fls. 158 dos autos):
· Foram os produtos seleccionados pelo Sr. R.........
· Exacto, foi o Sr. R........ que me deu esta lista.
· Ele estava à frente do negócio.
· Foi-me apresentando as facturas.
· Para determinar o preço de custo.
· Ele tinha um preçário com o preço de venda.
· O coeficiente de ponderação EU PEDI ao Sr. R........ que necessitava de ponderar estes produtos e foi com a colaboração dele (41,42)
· E ele então foi-me dando as ponderações que ele entendia.
· Os 4,5% são igualmente vendáveis.
· Não fui eu que fui lá buscar a factura e que servi dela para fazer a amostragem.
· Eu não fiz a amostragem por minha vontade própria.
· Fomos em conjunto.
· Dei prioridade a ele porque era o Sr. R........ que estava à frente do negócio e sabia quais os produtos mais vendáveis.
· Para depois então fazer os cálculos com base naquilo que nos informam.
· Escolhia a fatura porque era aquela que me parecia mais correcta, mais exacta.
· Os 30 artigos foi ele que me deu.
· Não sei quantos produtos eram.
· Eu do negócio do marisco não percebo nada.
· O Sr. R........ é que está por dentro do negócio e que me vai dizer quais os produtos mais vendáveis.
· As quebras no produto foram apuradas em 15% que na prática iam resultar num valor maior.
· Ele foi-me dizendo as quebras e eu fui aceitando...
· Para não entrar...
· E fui apurar...
EE) Nas suas declarações reconheceu que não pediu nenhum termo de declarações.
FF) Sendo que nesta data o Sr. R........ já não está vivo para se poder defender.
GG) Quanto ao ANEXO VIII junto com o relatório de inspecção tributária consta que os produtos de refeição Lagosta, Lavagante, Navalheira, Ostras, Sapateira Percebes, Gamba Tigre, Ameijoa, Lagostim e Gamba al Aguillo são todos vendidos em igual percentagem de 4,5%.
HH) O que significa que em 3 anos (2001, 2002 e 2003) se vende a mesma percentagem de 4,5% de Lagosta, Lavagante, Navalheira, Ostras, Sapateira Percebes, Gamba Tigre, Ameijoa, Lagostim e Gamba al Aguillo ?
II) O que não deixa de ser estranho é que a testemunha da AT entendeu que esta contabilidade não é real fidedigna e depois aceita tudo o que lhe é dito como se fosse uma verdade universal sem sequer validar.
JJ) Tal como acima resulta reconhecido pelo inspector tributário este pouca ou nenhuma intervenção teve na inspecção.
KK) De facto, depois de ser ouvido o Sr. Inspector o único pensamento que surge é que não é desta forma que se realiza uma inspecção tributária, violando todas as regras e procedimentos legalmente previstos para garantia dos contribuintes.
LL) Ora, alegadamente refere que foi o Sr. R........ que:
• Escolheu 30 produtos de um universo que se desconhece;
• Não se sabe qual ou quais os critérios utlizados para escolher esses 30 produtos em vez de outros;
• Não se sabe qualquer ou quais os critérios adoptados na selecção de apenas uma factura.
• E porquê aquela e não outra;
• Não se sabe a razão pela qual as quebras terem sido de 15%.
MM) Contudo, para além destes erros na quantificação existem ainda outros mais grosseiros.
NN) Se de um quilo de presunto resultam cerca de 200 gramas de desperdícios (tal como consta do relatório pg. 9) logo são 20% de quebras e não 15% como também consta do relatório.
OO) Outro, foi atribuir 4,5% no coeficiente de ponderação aos produtos de refeição (Lagosta, Lavagante, Navalheira, Ostras, Sapateira, Percebes, Gamba Tigre, Ameijoa, Lagostim e Gamba al Aguillo).
| COEFICIENTE PONDERAÇÃO | |
PRODUTO | Bebidas | Comidas |
Vinho Verde - Casa Penela - 0,75l | 2,50% | |
Vinho Verde - Muralhas Monção - 0,75l | 2,50% | |
Imperial Sagres Barril 50l (0,2l) | 5,50% | |
Vinho BSE 99 - 0,75l | 2,50% | |
Agua Luso - 1/2l | 2,00% | |
Sumol Ananás - 0,25l | 1,00% | |
Whisky Logan 12A (8 Doses) | 2,00% | |
Whisky Ballantimes Finest (8 Doses) | 2,00% | |
Café Mayor Delta / Açucar | 4,50% | |
Presunto "Pata Negra" (dose - 150g) | | 4,50% |
Carne Lombo (dose -100g) | | 3,00% |
Manteiga 20 gr | | 3,00% |
Lagosta | | 4,50% |
Lavagante | | 4,50% |
Navalheira | | 4,50% |
Ostras | | 4,50% |
Sapateira | | 4,50% |
Percebes | | 4,50% |
Gamba Tigre (Ingredientes - 400$00) | | 4,50% |
Ameijoa (dose 300 gr) | | 4,50% |
Lagostim | | 4,50% |
Gamba a Aguillo (300gr) Ingre. 60$00 | | 4,50% |
Vinho Pérola 0,75l | 2,50% | |
Alvarinho Palácio da Breijoeira | 2,50% | |
Alvarinho adega Monção | 2,50% | |
Vinho Ponte de Lima Loureiro 0,75l | 2,50% | |
Manga 300gr | | 2,50% |
Ananáz (4 fatias) | | 2,50% |
Taça Mozart | | 2,50% |
Tarta Whisky ( 7 Fatias) | | 2,50% |
| 34,50% | 65,50% |
PP) Esta quantificação só pode estar errada porque não se vende a mesma quantidade de 10 produtos de refeição.
QQ) E em 3 anos seguidos (2001,2002 e 2003).
RR) Tendo resultados um excesso de quantificação, conforme os fundamentos já expostos nas alegações, e que se resume da seguinte forma:“(texto integral no original; imagem)” SS) Assim, resulta do relatório um apuramento de uma diferença total nos anos de 2001, 2002 e 2003, para menos, em matéria colectável de € 618.788, conforme página 14 do referido relatório.
• Em 2001, a diferença apurada para menos foi de - € 159.990
• Em 2002, a diferença apurada para menos foi de - € 257.213
• Em 2003, a diferença apurada para menos foi de - € 201.585
O que resultou num valor de IVA liquidado diferente, para menos, num total nos anos de 2001,2002 e 2003, para menos, em - € 74.255, conforme página 14 do referido relatório.
• Em 2001, a diferença apurada para menos foi de - € 29.199
• Em 2002, a diferença apurada para menos foi de - € 30.866
• Em 2003, a diferença apurada para menos foi de - € 24.190
TT) Pelo que, ao contrário do decidido na sentença, deveria ter sido dado como provado o seguinte:
a) Ficou provado quais as margens de comercialização da Cervejaria R........ em 2001 a 2003;
b) Ficou provado quais seriam as quebras genéricas de produtos nos exercícios de 2001 a 2003;
c) Ficou provada a existência de 20% de quebras nos pregos;
d) Ficou provada a existência de quebras superiores a 200 gr. em cada quilograma de presunto Pata Negra;
e) Ficou provado que os mariscos vivos apenas fossem pesados, para efeitos de cobrança aos clientes, depois da cozedura;
f) Ficou provado a existência de quebras de 25% dos mariscos, em geral;”
“A) tenha existido variação dos preços de compra dos produtos “lagosta”, “lavagante”, “lagostim” e “ananás”, nos exercícios de 2001 a 2003;
B) os coeficientes de ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos “pata negra”, “gambas a la aguillo” e “café”, fossem, respetivamente, de 4,26%, 4,67% e 3,34%.”
UU) Estamos perante um facto que é grave e que poderá ter repercussões ao nível das decisões dos Tribunais Superiores.
VV) Aceitar como bom, válido, que uma amostragem e consequente quantificação de imposto sejam realizadas com elementos fornecidos exclusivamente pelo próprio gerente e sócio irá chocar, no mínimo, com as decisões dos tribunais superiores.
WW) De facto, ao permitir uma decisão que acolha a tese da AT em que a escolha dos produtos, a indicação dos preços de custo e venda, a indicação da percentagem das quebras dos produtos e, por fim, a indicação da percentagem de representatividade de cada um dos produtos seja realizada pelo gerente e sócio colocará os Tribunais superiores numa situação no mínimo difícil.
XX) No fundo é aceitar que poderá ser realizada uma determinação de imposto sem critérios científicos, obiectivos.
Pelo que deverá ser reapreciada a prova gravada do testemunho prestado pelo Dr. J........ no dia do julgamento gravadas a partir do minuto 07,32 e as declarações prestadas pelo Inspector H........ a partir do minuto 20,51, acima já descritas e serem
E serem dados como provados os seguintes factos:
a) tenha existido variação dos preços de compra dos produtos a 2003;
b) os coeficientes de ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos "pata negra", "gambas a la aguillo" e "café", fossem, respetivamente, de 4,26%, 4,67% e 3,34%. "
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá ser reapreciada a prova, o recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, tudo o mais com as consequências legais, com a qual se fará a costumada
JUSTIÇA”
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A Recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).
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Delimitação do objeto do recurso
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
a) Há erro de julgamento quanto à matéria de facto (conclusão TT).
b) Há erro de julgamento por inexistência dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos (conclusões A a I);
c) Há erro de julgamento na parte em que julgou improcedente o excesso de quantificação (conclusões J a SS, UU a XX);
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Com relevância para a decisão da presente ação de impugnação, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, considero provados os seguintes factos:
1) R......., aqui impugnante, foi sócio gerente da sociedade "Cervejaria R........, Lda", com o NIF 50….., sita na Avenida A........, 1, em Lisboa - cf. Relatório de inspeção (RIT), a fls. 189 e seg. do Processo Administrativo (PA), em apenso;.
2) Em 21/02/2005 foi determinada a realização duma acção de inspeção externa de âmbito geral, à sociedade "Cervejaria R........, Lda", relativa aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, em cumprimento da ordem de serviço ........74, aberta na sequência da informação da Direção de Serviços de Estudos, Planeamento e Coordenação da prevenção e Inspeção Tributaria, para que fossem verificadas as transações cobradas através de cartão de crédito ou de débito relativas ao exercício de 2001 - cf. fls. 192 do RIT, em anexo ao PA.
3) Consta da ordem de serviço ……74 a identificação do sujeito passivo inspecionado, o número da ordem de serviço, a identificação do chefe de equipa e dos dois técnicos incumbidos de realizar os actos de inspeção, a identificação da inspecionada, o âmbito e extensão da inspeção, aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, em sede de IRC, IVA e outros, a identificação do PNAIT 221,1, a indicação de que o critério de seleção foi Nacional, mais tendo sido exarado sobre a mesma em 21 de Fevereiro de 2005 despacho proferido pelo chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa a determinar que se procedesse à inspeção externa - cf. cópia da Ordem de Serviço a fls. 181 do PA, em apenso;
4) Em 17/03/2005, o legal representante da sociedade Cervejaria R........, Lda, assinou a Ordem de Serviço identificada no ponto anterior, da qual consta a alteração da extensão da mesma aos exercícios de 2002 e 2003 - cf. cópia da Ordem de Serviço a fls. 181 do PA, em apenso;
5) Em 20/05/2005 foi concluída a acção inspetiva - cf. cópia da Nota de Diligência a fls. 188 do PA, em apenso;
6) Em 22/06/2005 foi elaborado o relatório de inspeção, nos termos do qual foi determinado a fixação da matéria tributável dos exercícios de 2001 a 2003, por métodos indiretos, do qual consta o seguinte:
"(…)
II- OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO 1NSPECTIVA
A Direcção de Serviços de Estudos, Planeamento e Coordenação da Prevenção e Inspecção Tributária através do Proc. 8.1.10/04 datado de 2004-02-04, remeteu fotocópia da Informação N.º 46/04, para que fosse desencadeada uma acção inspectiva corrente especial aos sujeitos passivos com transacções cobradas através de cartão de crédito ou de débito relativa ao exercício do 2001.
Com o decorrer da acção inspectiva ao exercício de 2001, constatou-se que o contribuinte para além de omitir as prestações de serviços, não contabilizou as comissões pagas á UNICRE procedimento que se manteve nos exercícios de 2002 e 2003.
(…)
1. Caracterização do Sujeito Passivo
1.1 - Características Gerais
A “Cervejaria R........, Lda.” encontra-se enquadrada em IRC no regime geral de tributação pelo exercício de Cervejaria, a que corresponde o CAE 055402, da área do Serviço de Finanças de Lisboa-4 e em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal.
Nos exercícios em análise, a empresa desenvolvia a actividade em instalações arrendadas pertencentes ao sócio gerente, estando aberta ao público das 12h00 à lh00, durante todo ano à excepção do mês de Agosto, e durante a semana encontra-se encerrada às terças-feiras, sendo as tarefas diárias asseguradas pela sócia gerente e por mais 20 empregados. A capacidade do estabelecimento é de cerca de 100 lugares sentados rodando pelo menos duas vezes dia.
Cabe ainda referir, que a sócia gerente e os trabalhadores apenas auferiam o vencimento base não recebendo qualquer subsídio de alimentação.
Os sócios da empresa são os senhores:
• M........, NIF ........63 com funções de sócio gerente
• R......., NIF ........80 com funções de sócio gerente
É gerente da firma a senhora A........., NIF …….18, nomeada para as funções em 02/11/2002 cf acta n°12 que fica a fazer parte dos papeis de trabalho
1.2 - Organização Contabilística/Fiscal/Análise Documental
APRECIAÇÃO GLOBAL:
• O sujeito passivo utiliza o sistema centralizador fazendo passar pela conta "Caixa" todos as receitas e despesas, e releva as suas operações activas e passivas de acordo com o prescrito no POC, sendo a contabilização das operações efectuadas em suporte informático,
• Os documentos recepcionados pela empresa são classificados e lançados nas respectivas contas sendo posteriormente arquivados em pastas de acordo com a seguinte divisão:
- Diários de Caixa e Operações Diversas.
• O sujeito passivo não possui qualquer controlo dos pagamentos efectuados a "dinheiro contado" a alguns fornecedores, como por exemplo a “G........., Lda.” a quem foi pago ao longo do ano de 2001, 37 908 000$00 (€189 084,30), e só em Dezembro desse ano, foi pago 17 199 000$00 (€85 788,25).
Questionada a gerente sobre o motivo desse procedimento, afirmou e consta do Termo de Declarações, que não possui qualquer controle, e que era esse o procedimento adoptado pelo sócio gerente, relativamente a alguns fornecedores. (Anexo I)
• Na sequência da informação solicitada pela Direcção de Serviços de Estudos, Planeamento, e Coordenação da Prevenção Tributária, através do Proc. 8.1.10/04 de 2004.02.04, relativamente ao volume de transações realizadas pela “Cervejaria R........, Lda.” no ano de 2001, pagas através de cartão de crédito ou de débito, efectuou-se o cruzamento entre os valores comunicados pela UNICRE e os que se encontram contabilizados e reproduzidos nas declarações tributarias, não se tendo detectado divergências dignas de registo.
É de realçar, que o sujeito passivo não utiliza o diário de Bancos e por conseguinte não se encontram reflectidos na contabilidade os movimentos bancários. No entanto, o sujeito passivo possui os extratos bancários, com base nos quais se efectuou o confronto entre os valores declarados pela UNICRE e os contabilizados pelo sujeito passivo. (Anexo II)
Acresce, que o sujeito passivo contabiliza os proveitos na sua globalidade, estando neles incluídos não só os proveitos resultantes dos pagamentos efectuados através dos cartões de crédito ou débito da UNICRE como também os da American Express Card, cujos saldos foram controlados através das declarações enviadas pelas respectivas entidades, sendo o remanescente constituído pelas prestações de serviços pagas em “dinheiro contado” de difícil controle, devido ao modo como a contabilidade se encontra organizada (Anexo III).
• A empresa apresentou nos exercícios em análise os seguintes lucros tributáveis, a saber:
2001 - € 21 525,50
2002 - € 25 720,76
2003 - € 39 636,98
No entanto, e tal como atrás se referiu, o sujeito passivo não contabilizou, os custos e perdas financeiras, resultantes das comissões pagas á UNICRE e AMERICAN EXPRESS CARDS nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, relativas às transacções cobradas através de cartão de crédito ou débito.
Ora, se o sujeito passivo nos três exercícios em análise, tivesse contabilizado como devia as comissões atrás referidas (Anexo II), em vez de lucro tributável teria apurado prejuízos para efeitos fiscais, ou seja:
“(texto integral no original; imagem)”
(…)
(…)” – cf. RIT a fls. 289 a 318 do PA, em apenso;
7) Em 30/06/2005, o chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, proferiu despacho sobre o relatório inspetivo melhor identificado no ponto antecedente, com o seguinte teor:
“(...)
Concordo.
Confirmo os procedimentos havidos, as correcções propostas e o parecer do chefe de equipa.
Procedo à fixação dos valores das matérias colectáveis para efeitos de sujeição a IRC, para os exercidos dos anos de 2001, 2002 e 2003, determinados em resultado da aplicação de métodos indirectos, nos montantes de, respectivamente, 501.982,76 €, 642.987,67 € e 676.937,74 €.
Procedo à fixação dos montantes de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em falta, para os anos de 2001, 2002 e 2003, nos montantes de, respectivamente, 72.004,18 €, 80.409,59 € e 81.575,54€, em resultado da avaliação indirecta das respectivas bases tributáveis.
Remeta-se o auto de notícia ao serviço de finanças competente.
Remeta-se a ficha estatística à DSEPCPIT.
Notifique-se o contribuinte.
(...)" - cf. fls. 289 do PA, em apenso.
8) Em 07/07/2005, foi elaborado o ofício 43111, pelos serviços da Inspeção Tributaria da Direção de Finanças de Lisboa, remetido à sociedade "Cervejaria R........, Lda", por via postal registada, para "Notificação do Relatório de Inspeção Tributária (artigo 77.° da lei geral tributária - LGT e artigo 61.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária - RCPIT)", do qual consta o seguinte:
"(…)
Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do artigo 77.° da LGT e do artigo 61.° do RCPIT, do Relatório de Inspeção Tributária e do teor do despacho que sobre ele recaiu, que se anexa como parte integrante da presente notificação, relativamente ao seguinte:
• foi fixada matéria tributável de IRC, por métodos indiretos nos termos dos artigos 87.° a 90.° da LGT, por remissão do art.° 52.° do Código do IRC nos seguintes exercícios:
ANOS/EXERCÍCIOS MATÉRIA TRIBUTÁVEL FIXADA (*)
2001 501982,76 EUR
2002 642987,67 EUR
2003 676937,74 EUR
(*) Os prejuízos fiscais não são dedutíveis, nos termos do art.° 47.° do CIRC.
• foi fixado o IVA, por métodos indiretos, nos termos dos artigos 87.° a 90.° da LGT, por remissão do artigo 84.° do Código do IVA, no montante global de 233989,31 distribuído pelos seguintes anos:
ANO (S) IMPOSTO EM FALTA (*)
2001 72004,18 EUR
2002 80409,59 EUR
2003 81575,54 EUR
(*) Os valores referentes aos períodos - mensal ou trimestral - encontram-se discriminados no relatório anexo.
(...)" - cf. fls. 183 PA, em apenso.
9) Em 02/08/2005, deu entrada no Serviço de Finanças de Finanças de Lisboa 4, do pedido de revisão da matéria tributável, em sede de IRC e de IVA, relativamente aos exercícios de 2001 a 2003, no âmbito do qual foi realizada a reunião de peritos, em 07/10/2005, não tendo sido possível chegar a acordo entre os peritos da Impugnante e da Fazenda Pública, conforme resulta da ata n.° 40/05, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fls. 392 do PA, em apenso;
10) Em 02/11/2005, o Diretor de Finanças de Lisboa proferiu a decisão no procedimento de revisão da matéria coletável, no sentido da manutenção da matéria tributável apurada pelos serviços da Inspeção Tributária, fixando os seguintes valores:
Exercícios | IRC
Lucro Tributável | IVA |
2001 | 501 982,76 € | 72 004,18 € |
2002 | 642 987,67 € | 80 409,59 € |
2003 | 676 937,74 € | 81 575,54 € |
- cf. fls. 403 a 410 do PA, em apenso.
11) Em 03/12/2005, foram emitidas, em nome da “Cervejaria R........”, as liquidações adicionais de IVA e de Juros Compensatórios, a seguir indicadas, com data limite de pagamento voluntário de 28/02/2008:
Período | IVA - LA | Valor | JC | Valor |
jan/01 | 5333327 | 6 270,52 | 5333328 | 1 470,74 |
fev/01 | 5333329 | 5 839,53 | 5333330 | 1 337,17 |
mar/01 | 5333331 | 6 703,58 | 5333332 | 1 496,46 |
abr/01 | 5333333 | 5 940,35 | 5333334 | 1 289,63 |
mai/01 | 5333335 | 6 638,78 | 5333336 | 1 404,33 |
jun/01 | 5333427 | 6 365,17 | 5333428 | 1 308,61 |
jul/01 | 5333429 | 6 401,17 | 5333430 | 1 277,95 |
ago/01 | 5333337 | 1 195,27 | 5333338 | 231,75 |
set/01 | 5333339 | 5 781,94 | 5333340 | 1 084,47 |
out/01 | 5333341 | 5 990,75 | 5333342 | 1 091,47 |
nov/01 | 5333343 | 6 473,17 | 5333344 | 1 140,87 |
dez/01 | 5333345 | 8 410,09 | 5333346 | 1 430,64 |
jan/02 | 5333347 | 7 365,52 | 5333348 | 1 213,39 |
fev/02 | 5333349 | 6 135,25 | 5333350 | 975,42 |
mar/02 | 5333351 | 7 445,92 | 5333352 | 1 140,96 |
abr/02 | 5333353 | 6 617,71 | 5333354 | 973,44 |
mai/02 | 5333355 | 7 486,13 | 5333356 | 1 059,54 |
jun/02 | 5333357 | 6 842,85 | 5333358 | 925,19 |
jul/02 | 5333359 | 6 866,98 | 5333360 | 890,26 |
ago/02 | 5333361 | 1 005,11 | 5333362 | 124,52 |
set/02 | 5333363 | 6 891,09 | 5333364 | 811,45 |
out/02 | 5333365 | 7 582,62 | 5333366 | 850,71 |
nov/02 | 5333367 | 7 003,67 | 5333368 | 744,12 |
dez/02 | 5333369 | 9 166,69 | 5333370 | 917,67 |
jan/03 | 5333371 | 7 219,44 | 5333372 | 685,35 |
fev/03 | 5333373 | 6 876,82 | 5333374 | 611,94 |
mar/03 | 5333375 | 7 717,04 | 5333376 | 646,96 |
abr/03 | 5333377 | 7 407,06 | 5333378 | 596,62 |
mai/03 | 5333379 | 7 374,43 | 5333380 | 570,56 |
jun/03 | 5333381 | 7 039,97 | 5333382 | 519,99 |
jul/03 | 5333383 | 7 382,59 | 5333384 | 521,03 |
ago/03 | 5333385 | 848,39 | 5333386 | 57,09 |
set/03 | 5333387 | 6 836,03 | 5333388 | 436,76 |
out/03 | 5333389 | 7 627,31 | 5333390 | 462,24 |
nov/03 | 5333391 | 6 958,39 | 5333392 | 396,53 |
dez/03 | 5333393 | 8 288,07 | 5333394 | 445,97 |
€ 233 995,40 | € 31 141,80 |
Total | € 265 137,20 |
- cf. fls. 57 a 65 do PA, em apenso.
12) Em 21/12/2005 a "Cervejaria R........", foi notificada das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referidas no ponto antecedente - cf. "print" da consulta das liquidações a fls. 109 a 180 do PA, em apenso.
13) Em 04/04/2006 foi instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 4, o Processo de execução fiscal (PEF) ………60, em nome da "Cervejaria R........", na quantia exequenda de € 265.137,20, por falta de pagamento das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, mencionadas em 11) - cf. tramitação do PEF a fls. 66 do PA, em apenso;
14) Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4, de 19/09/2007 foi determinada a preparação da reversão das dívidas de IRC e IVA, dos períodos de 2001 a 2003, contra o impugnante, no valor total de € 366.027,09 – cf. fls. 413 e 414 do PA, em apenso;
15) Em 13/10/2007, o PEF ……60, foi extinto por pagamento – cf. tramitação do PEF a fls. 66 do PA, em apenso.”
*** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
“III.2 – Factos não Provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
A) tenha existido variação dos preços de compra dos produtos “lagosta”, “lavagante”, “lagostim” e “ananás”, nos exercícios de 2001 a 2003;
B) os coeficientes de ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos “pata negra”, “gambas a la aguillo” e “café”, fossem, respetivamente, de 4,26%, 4,67% e 3,34%.”
*** A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“Motivação
A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram, bem como do relatório de conclusões da perícia efetuada no âmbito do presente processo, conjugada com a prova testemunha produzida.
Não relevou o depoimento da testemunha indicada pelo impugnante, J........., consultor financeiro, que é o autor do documento elaborado em Maio de 2022, denominado “relatório de peritagem-critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos”, junto aos autos pelo impugnante.
Não obstante ter sido o autor de tal documento, o certo é que esta testemunha referiu expressamente que não viu a contabilidade da sociedade “Cervejaria R........”, o seu trabalho partiu do relatório de inspeção, utilizou os documentos que constam dos anexos ao relatório, referindo ainda que todas as informações de que partiu a sua análise foram-lhe transmitidas por quem solicitou o trabalho.
Esta testemunha referiu ainda, que para determinação da matéria tributável do caso concreto, o método indireto é o mais válido, tendo em conta a debilidade da contabilidade.
Quanto ao documento da autoria desta testemunha, não tendo a natureza ou o valor de meio de prova, não põe em causa as conclusões do relatório da perícia colegial efetuada nos autos, consubstancia apenas um esclarecimento técnico, emitido por um profissional legalmente habilitado a pedido do impugnante, sujeito à livre apreciação do tribunal.
A testemunha arrolada pela Fazenda Pública, foi o inspetor tributário que efetuou a ação de inspeção e autor do respetivo relatório. Referiu que a ação inspetiva foi acompanhada pelo sócio gerente Sr. R........ e pelo Técnico oficial de contas, sendo que foi aquele sócio quem indicou os produtos mais vendáveis, apresentou a listagem dos preços de compra e de venda e os coeficientes de ponderação de cada um dos artigos, que permitiram chegar aos cálculos constantes do relatório da inspeção.
Este depoimento foi relevante para aferir dos elementos levados em consideração para a realização da avaliação indireta, no que respeita à falta de contabilização das comissões pagas à Unicre, à falta de documentos de suporte dos empréstimos feitos pelos sócios à sociedade devedora originária, que segundo referiu serviam apenas para anular os saldos credores de caixa em determinados períodos, à falta de controle dos pagamentos a fornecedores, bem como pelo facto de as margens de comercialização não estarem refletidas na contabilidade.
Quanto aos factos dados como não provados, estes resultaram da análise conjugada da prova produzida nos autos, nomeadamente, do laudo do perito da Fazenda Pública efetuado no procedimento de revisão da matéria tributável, que refere que quanto à variação dos preços de compra, esta teve em conta os preços dos produtos indicados pela própria gerência, quer ao longo do ano quer entre fornecedores diferentes para o mesmo produto. Quanto à ponderação do “peso” dos produtos adquiridos no preço dos produtos vendidos, a prova produzida não logrou infirmar as conclusões dos serviços de inspeção, vertidas no RIT. Com efeito, designadamente, em relação ao café, não é líquido que o seu consumo ocorra apenas a seguir à refeição, sendo plausível que o mesmo ocorra também, nos períodos entre refeições, nomeadamente, no serviço de balcão, em pequenos almoços ou lanches, o que aponta para a existência de erro no cálculo da ponderação deste produto.”
*** Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, adita-se, oficiosamente, a seguinte matéria de facto:
16. Do Anexo VIII do relatório inspectivo consta o seguinte, para o exercício de 2001:“(texto integral no original; imagem)” (cfr. doc. de fls. 82 do doc. de fls. 506 do SITAF);
17. Do Anexo VIII do relatório inspectivo consta para o exercício de 2002 o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)” (cfr. doc. de fls. 83 do doc. de fls. 506 do SITAF);
18. Do Anexo VIII do relatório inspectivo para o exercício de 2003 consta o seguinte:“(texto integral no original; imagem)” (cfr. doc. de fls. 84 do doc. de fls. 506 do SITAF);
19. A decisão, proferida em 02-11-2005, pelo Director de Finanças de Lisboa, a que se refere o ponto 10 do probatório, tem, nomeadamente, o seguinte teor:
“Com base no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, concluído em 22 de Junho de 2005 foi fixado em 30 de Junho de 2005, pelo Chefe de Divisão…, nos termos dos Art°s 52° e 54° do CIRC e dos Art°s 87° alínea b), 88° alíneas a) e b) e Art° 90° da LGT, o lucro tributável nos montantes de € 501.982,76 para o exercício de 2001, € 642.987,67 para o exercício de 2002 e de € 676.937,74 para o exercício de 2003.
(…) Tudo, com os fundamentos constantes do já referido relatório.
(…)
O debate contraditório entre os peritos do Sujeito Passivo e da Administração Tributária efectuou-se em 7 de Outubro de 2005, conforme acta n° 40/05. Não tendo sido possível chegar a acordo entre ambos, uma vez que o perito do sujeito passivo não concorda com os pressupostos para aplicação de métodos indirectos nem com a respectiva quantificação dos factos descritos no relatório referido, vindo então cada um deles a lavrar o seu laudo, os quais se encoram juntos à citada Acta, dela fazendo parte integrante.
Nos termos do n° 6 do artigo 92° da Lei Gerai Tributária, na falta de acordo, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições dos peritos.
(…) Assim, compete-nos decidir.
Analisados o relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, o Pedido de Revisão apresentado pelo Sujeito Passivo e considerando as posições tomadas pelos peritos nos seus laudos, evidenciam-se os seguintes factos:
A. do Procedimento de Inspecção
(…)
3. Os proveitos da empresa são contabilizados na globalidade, incluindo não só os pagamentos efectuados através dos cartões de crédito e débito da UNICRE como também os da AMERICAN EXPRESS, sendo o remanescente constituído pelas prestações de serviços pagos em “dinheiro contado" de difícil controle …
4. Os rolos internos das fitas da máquina registadora e comprovativos dos serviços prestados, que foram disponibilizados para um determinado período de tempo, registam os valores das vendas por famílias de produtos, ou seja, bebidas, marisco, etc., o que torna impraticável qualquer controlo de vendas ….
5. Não se encontram reflectidos na contabilidade da empresa os movimentos bancários, não utilizando o sujeito passivo o diário de bancos, possuindo, no entanto, os extractos bancários, com base nos quais foi efectuado o confronto entre os valores declarados pela UNICRE e os contabilizados pelo sujeito passivo ….
6. Nos três anos em análise o sujeito passivo não contabilizou custos ou perdas referentes às comissões pagas à UNICRE e AMERICAN EXPRESS, se o tivesse feito as declarações de IRC apresentariam um prejuízo fiscal e não lucro tributável …
7. O sujeito passivo não possui qualquer controlo dos pagamentos efectuados a “dinheiro a contado” a alguns fornecedores, como por exemplo a "G........., Lda.” a quem foi pago ao longo do ano de 2001, € 189.084,30 ….
8. Omissão de registo de compras, no exercício de 2001, relativa a aquisições intracomunitárias de bens, cujos pagamentos são efectuados por transferência bancária …
9. A conta “2551-Empréstimos" apresenta nos anos em análise saldos credores, não se encontrando os registos titulados em nome de qualquer dos sócios nem suportados por comprovativos de eventuais movimentos bancários …
10. Em sede de IVA, o sujeito passivo apresenta nos exercícios de 2002 e 2003 longos períodos em crédito de imposto …
11. As margens brutas de comercialização declaradas nos exercícios em análise são muito baixas para o sector de actividade …
12. Em face da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 foi considerado encontrarem-se reunidos os pressupostos para a determinação do lucro tributável por métodos indirectos, nos termos dos artigos 52° e 54° do Código do IRC e do imposto em falta, nos termos do artigo 84° do CIVA, em conjugação com os artigos 87° e 88° da LGT.
13. De conformidade com o disposto no Art° 90° da LGT, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação do lucro tributável e do IVA em falta (conforme o desenvolvido no Ponto V folhas 9 a 16 do Relatório) com base:
• na margem bruta comercial ponderada, calculada com base nos produtos mais vendidos, cuja escolha foi efectuada com a colaboração do sócio gerente;
• nas quebras globais, a que foi atribuída uma margem de 15%;
• autoconsumo externo;
• custo da mercadoria vendida e consumida corrigido do valor das aquisições intracomunitárias não declaradas.
14. Assim, com base no exposto foram apurados os valores constantes nos seguintes quadros:
Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas:
Ano(s) | Lucro Tributável Declarado (1) | Correcções Propostas (2) | Lucro Tributável Presumido
(1) + (2) |
2001 | 21 .525,50 | 480.457,26 | 501.982,76 |
2002 | 25.720,76 | 617.266,91 | 642.987,67 |
2003 | 39.636,98 | 837.300,76 | 676.937,74 |
Imposto sobre o Valor Acrescentado:
A taxa de 12% (Art° 18° do CIVA);
Na sequência das correcções efectuadas às prestações de serviços, a base tributável (B.T.) declarada sofreu as correspondentes alterações, resultando:
Unid. Euros)
ANO(S) | | Imposto
Em
Falta |
2001 | 600.034,85 | 72.004,18 |
2002 | 670.079,88 | 80.409,59 |
2003 | 679.796,16 | 81.575,54 |
(…)
B. do Procedimento de Revisão
(…)
O sujeito passivo começa por considerar que não há pressupostos objectivos que fundamentem o recurso à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, ou a presunção do IVA, pretendendo que através da contabilidade é perfeitamente possível controlar os rendimentos e respectivos impostos devidos.
(…)
Após o debate contraditório,
O Perito do Sujeito Passivo, refere que não concorda com os pontos de vista defendidos pela Administração Fiscal, vindo no seu laudo reafirmar as alegações constantes no pedido de revisão apresentado pelo sujeito passivo. Sendo de salientar que pretende:
- Ter o negócio decorrido de forma anómala no período em causa, com reflexo nos resultados;
- Todos os custos terem sido contabilizados à excepção de três facturas, mas os pagamentos terem sido feitos por transferência bancária, devidamente evidenciados na contabilidade;
- Todos os proveitos terem sido contabilizados;
- A margem bruta proposta ser impossível de atingir.
O Perito da Fazenda Pública, desenvolvendo uma análise ao conteúdo da reclamação do sujeito passivo, em confronto com o constante do relatório da Inspecção Tributária, veio a por em causa de modo fundamentado o pretendido por aquele, concluindo que não foram trazidos novos elementos para o debate contraditório que pudessem constituir prova bastante para rebater ou refutar os fundamentos invocados e critérios utilizados pela Inspecção Tributária para aplicação de "Métodos Indirectos", considerando então que as correcções levadas a cabo em sede de IRC e IVA estão plenamente justificadas.
C. Decisão
Quanto aos pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta
Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, Relatório da Inspecção Tributária, Pedido de Revisão e as posições dos Peritos intervenientes no Debate Contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra,, conclui-se que durante os exercícios de 2001, 2002 e 2003 o sujeito passivo não elaborou a sua contabilidade de acordo com a normalização contabilística conforme refere o artigo 17°, com observância do disposto no artigo 115° ambos do CIRC, bem como com o disposto no artigo 44° do Código do IVA, nomeadamente no que respeita aos registos das contas de Disponibilidades, Fornecedores, Sócios e Custos e Perdas Financeiras, uma vez que:
• Conta de Disponibilidades, apenas é movimentada a conta de Caixa, não utilizando o sujeito passivo o diário de Bancos, pelo que não são aqui reflectidos os movimentos bancários tais como as receitas cobradas através de cartões de débito e crédito, bem como as transferências bancárias efectuadas para pagamentos a fornecedores. O sujeito passivo não utiliza a Conta Bancos, no entanto é possuidor de contas bancárias em seu nome, conforme fotocópias de extractos bancários que constituem o anexo li do Relatório;
• Conta de Fornecedores, onde se verificou a falta de registo de facturas de compras, no ano de 2001, constando os respectivos pagamentos dos recibos de extractos bancários em nome da sociedade. Este cenário implica divergências nos valores das existências e consequentemente no apuramento do custo das mercadorias vendidas e consumidas;
• Conta de Sócios cujos saldos reflectem entregas dos sócios à empresa, mas cujos movimentos não se encontram suportados por documentos válidos;
• Não foram contabilizados os Custos e Perdas Financeiras resultantes das comissões pagas à UNICRE e AMERICAN EXPRESS, relativas às transacções cobradas através de cartão de crédito ou débito. Se estes valores tivessem sido registados na contabilidade o sujeito passivo teria apurado prejuízo para efeitos fiscais nos anos de 2001,2002 e 2003.
Situações estas que não foram validamente postas em causa, quer no pedido de revisão quer no debate entre os peritos.
Nem o sujeito passivo, nem o perito por si nomeado vieram destruir os argumentos constantes no relatório dos Serviços de Inspecção, mantendo-se os mesmos sem contestação.
Os métodos indirectos estão, assim, plenamente justificados.
Conclui-se, assim, que se encontram verificados indubitavelmente os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 52° e 54° do Código do IRC, e do imposto em falta, nos termos do artigo 84° do CIVA, relativamente aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, de conformidade com o disposto nos Art°s 87° e 88° da LGT e no Art° 84° do CIVA.
Quanto à quantificação
Justificada a determinação da matéria tributável/imposto por métodos de avaliação indirecta, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do n° 3 do Art° 74° da LGT.
A quantificação foi efectuada com base:
• na margem bruta comercial ponderada, tendo em conta os produtos mais vendidos;
• na percentagem para quebras;
• no custo das mercadorias vendidas corrigidas; e
• no autoconsumo externo.
Tendo em consideração todos os elementos apresentados é indubitável que estão reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta, nos termos da alínea b) do artigo 87° e alíneas a) e b) do artigo 88° da LGT. No que respeita à quantificação não foram apresentados nem pelo sujeito passivo nem pelo seu perito elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária, confirmados pelo Perito da Fazenda Pública, e que permitam fazer prova do excesso na quantificação.
Em face do exposto, mantenho os valores fixados pelos Serviços de Inspecção Tributária.
Valores Fixados
Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas
Exercícios | Lucro Tributável |
2001 | 501.932,76 |
2002 | 642.937,67 |
2003 | 676.937,74 |
Imposto sobre o Valor Acrescentado
(Unid. Euros)
| Imposto |
2001 | 72.004,18 |
2002 | 80.409,59 |
2003 | 81.575,54 |
(Cfr. fl s. 403 e ss. do PA);
20) Em Maio de 2022, foi elaborado um estudo denominado "Relatório de peritagem-critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos", pela Consultora J........., Lda., pertencente a J........, que utilizou elementos quantitativos usados no relatório de inspecção, alterando as ponderações de venda de todos os produtos constantes do Anexo VIII do mencionado relatório (facto que se retira do confronto do doc. de fls. 857 do SITAF e do Anexo VIII do relatório inspectivo);
21. No estudo identificado no ponto antecedente foram elaborados os seguintes mapas de alteração das margens brutas de comercialização, dos quais consta o seguinte:
(cfr. doc. de fls. 857 do SITAF);
***
II.B. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto
Vem a Recorrente, na conclusão TT) das alegações do recurso, defender que deverá ser “reapreciada a prova gravada do testemunho prestado pelo Dr. J........ no dia do julgamento gravadas a partir do minuto 07,32 e as declarações prestadas pelo Inspector H........ a partir do minuto 20,51”, pelo que, “ao contrário do decidido na sentença, deveria ter sido dado como provado o seguinte:
a) Ficou provado quais as margens de comercialização da Cervejaria R........ em 2001 a 2003;
b) Ficou provado quais seriam as quebras genéricas de produtos nos exercícios de 2001 a 2003;
c) Ficou provada a existência de 20% de quebras nos pregos;
d) Ficou provada a existência de quebras superiores a 200 gr. em cada quilograma de presunto Pata Negra;
e) Ficou provado que os mariscos vivos apenas fossem pesados, para efeitos de cobrança aos clientes, depois da cozedura;
f) Ficou provado a existência de quebras de 25% dos mariscos, em geral;
A) tenha existido variação dos preços de compra dos produtos “lagosta”, “lavagante”, “lagostim” e “ananás”, nos exercícios de 2001 a 2003;
B) os coeficientes de ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos “pata negra”, “gambas a la aguillo” e “café”, fossem, respetivamente, de 4,26%, 4,67% e 3,34%.”
Decorre do aqui transcrito que pretende a Recorrente a remoção da matéria julgada não provada e a inclusão dum conjunto de factos provados, com base nos depoimentos prestados na diligência de inquirição de testemunhas.
Como ensina António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 169, atento o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Deste modo, o regime concernente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [vide, al. a) do nº 1 do art.º 640º do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Quando os factos a fixar tenham por base gravações realizadas nos autos, incumbe ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte.
Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados.
Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.
Mais importa ter presente, com esclarece Henrique Araújo in “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt que “questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais ”.
Daí que, “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado ” (vide AC. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P).
Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que a Recorrente cumpriu o seu ónus. Indica quais os factos que pretende ver aditados à matéria de facto, indicando os meios de prova que, na sua opinião o sustentam, bem como indica os concretos factos que considera incorrectamente julgados, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.
Vejamos, então, se os factos por si pretendidos aditar à matéria de facto, devem ao não ser aditados.
A Recorrente sustenta todos os factos a aditar nos depoimentos das duas testemunhas ouvidas pelo Tribunal a quo, pelo que se procedeu à audição dos mesmos.
No que se refere aos factos mencionados nas alíneas a) e b) da conclusão TT), os mesmos são genéricos e conclusivos, pelo que não devem constar da matéria de facto.
Na verdade, não são indicadas nem as margens a considerar em cada exercício, nem as quebras genéricas que deveriam constar do probatório.
Já no que respeita às alíneas c), e) e f) nenhuma referência é efectuada pelas testemunhas inquiridas a tais factos, pelo que os depoimentos não são aptos para os considerar como assentes.
Vejamos agora, o pedido de aditamento mencionado na alínea d) da conclusão TT).
Também aqui a testemunha J........ nada refere para além de que, no estudo por si elaborado, tomou em consideração uma quebra de 15% por considerar que era a que resultava do relatório inspectivo. Já a testemunha da Fazenda Pública nada referiu para além do que consta do relatório inspectivo, donde se conclui não poderem tais depoimentos sustentarem o facto pretendido. Em consequência rejeita-se a impugnação da matéria de facto, também nesta parte.
Pretende ainda a Recorrente que se retire dos factos não provados e se acresça aos factos provados que os coeficientes de ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos “pata negra”, “gambas a la aguillo” e “café”, fossem, respectivamente, de 4,26%, 4,67% e 3,34%.
Também aqui nada resulta dos depoimentos que permita dar como assente a factualidade aqui referida.
Na verdade, J........, no seu depoimento, limita-se explicar como foi efectuado o seu trabalho, quais as bases por si consideradas, sempre explicando que os resultados a que chegou no seu estudo, seriam os mais consentâneos com aqueles que seria a expectativa, dentro daquele cabaz, para as vendas. Salienta-se que a expectativa a que faz menção é a de quem lhe encomendou o trabalho, como, aliás, sempre refere. No caso especial das gambas a la aguillo afirmou que o peso atribuído foi aquele que lhe foi transmitido pelas pessoas que lhe pediram o trabalho, pois, segundo os mesmos, aquele tipo de prato tinha um peso distinto nas vendas.
No entanto, em nenhum momento deste depoimento é afirmado que a ponderação nos produtos vendidos, relativos aos produtos “pata negra”, “gambas a la aguillo” e “café”, fosse de 4,26%, 4,67% e 3,34% respectivamente.
Já no que tange ao depoimento prestado pelo técnico da AT, este nada refere no seu depoimento relativamente a estes factos.
Assim sendo, rejeita-se também aqui a impugnação da matéria de facto.
Argui ainda a Recorrente que o Tribunal a quo errou quando fixou como facto não provado que existisse uma variação de preços de compra nos produtos “lagosta”, “lavagante”, “lagostim” e “ananás”, nos exercícios de 2001 a 2003.
Adiantamos, desde já que assiste razão, nesta parte, à Recorrente.
Na verdade, o próprio relatório inspectivo ao ter efectuado a escolha duma factura que representasse o valor médio de aquisição dos produtos, admitiu essa circunstância.
Assim sendo, deve eliminar-se a alínea A) dos factos não provados.
Estabilizada a matéria de facto relevante para a presente decisão, prossigamos na apreciação dos restantes fundamentos do presente recurso.
*** III . Da Fundamentação De Direito
Em sede recursiva defende a Recorrente que a sentença incorre em erro de julgamento quanto aos pressupostos de aplicação de métodos indirectos de tributação e, ainda, em erro de julgamento por não ter considerado procedente a questão relativa ao excesso de tributação.
Analisemos cada um dos erros de julgamento invocados.
• Do erro de julgamento da questão relativa aos pressupostos da aplicação de métodos indirectos
Como resulta do acima afirmado, a Recorrente reitera que não se verificam os pressupostos legais justificativos da avaliação indirecta, pelo conclui que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quando aos pressupostos de aplicação dos referidos métodos indirectos.
Por força do Princípio da Tributação pelo Lucro Real plasmado no art. 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), a tributação das entidades sujeitas a IRC deve incidir, fundamentalmente, sobre o seu lucro real.
Já o Princípio da Capacidade Contributiva, decorrência do Princípio da Igualdade, genericamente consagrado no art. 13º da CRP, em matéria fiscal encontra reflexo nos nºs 1 e 2 do já mencionado art. 104º da CRP, constitui um limite e um fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto e critério. Dele decorre que devem ocorrer situações de isenção fiscal para o mínimo de subsistência, bem como a proibição de situações de confisco. Por outro lado, impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, tendo em consideração indicadores efectivos de aptidão para suportar a prestação tributária. Por força ainda deste princípio, a lei fiscal deve tratar de forma igual e uniforme os factos que revelam ou exprimem a mesma capacidade contributiva (vertente positiva do Princípio da Igualdade) e tratar de forma diferenciada aqueles que revelam uma capacidade contributiva distinta (vertente negativa), assegurando que tal suceda na medida da respectiva diferença.
A propósito destes dois princípios, tem o Tribunal Constitucional entendido, em sede de tributação das empresas, designadamente no seu Acórdão nº 127/2004, de 03/03/2004 que “(…) o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.
No entanto, o princípio da Tributação pelo Lucro Real não é um princípio absoluto, desde logo, porquanto na redacção do preceito constitucional foi utilizado o advérbio “fundamentalmente”, o que significa que podem existir excepções, sempre que as mesmas se encontrem devidamente fundamentadas e justificadas (neste sentido podemos ver, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 55/2022, de 22/01/2022 e 680/2022, de 20/10/2022).
De entre as excepções ao Princípio da Tributação pelo Lucro Real, encontramos aquelas situações em que, quando a contabilidade dos sujeitos passivos apresentar deficiências, omissões ou incorrecções que impedem o apuramento do lucro real, a AT deve de lançar mão de métodos indirectos de tributação.
Realça-se, no entanto, que até por força do disposto no art. 75º, nº 1 da LGT, e como decorrência clara deste princípio da Tributação pelo Lucro Real, as declarações dos contribuintes, bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade dos mesmos, se presumem-se verdadeiras e de boa-fé, desde que estejam organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Todo este regime de aplicação de métodos indirectos de tributação possui carácter subsidiário. Em consequência, e porque constitui uma situação de excepção, nomeadamente por força dos princípios constitucionais que já mencionámos, o seu regime foi rigorosamente desenhado pelo legislador fiscal, não apenas determinando em que condições pode ser aplicado, quais os meios graciosos e judiciais ao dispor dos contribuintes para os discutir, bem como fixando as regras de repartição do ónus da prova.
Assim, começa o art. 81º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), por afirmar o carácter subsidiário dos métodos indirecos de tributação, estabelecendo o nº 1 deste preceito o seguinte:
“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei.”
Por outro lado, e por forma a estabelecer os fins visados quer pela avaliação directa, quer pela avaliação indirecta, o art. 83º do mesmo diploma legal, determina o seguinte:´
“1 - A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.
2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha.”
Podemos, deste modo, afirmar que enquanto a avaliação directa tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros, e com ele se apura o lucro real das entidades sujeitas a imposto. Já a avaliação indirecta visa apurar os rendimentos obtidos pelos contribuintes a partir de indícios de que a AT disponha ou presunções que faça. Significa isto que quando se aplicam métodos indirectos de tributação o legislador sabe que não vai apurar o lucro real das entidades a que se reporta o imposto, mas o valor mais aproximado possível daquele que seria o seu valor real.
Exactamente porque com a aplicação de métodos indirectos de tributação não se consegue apurar o lucro real e efectivo dos sujeitos passivos, o legislador não concedeu à AT nenhum poder discricionário, tendo estabelecido regras muito precisas, também, quanto às situações em que a presunção de veracidade pode cessar e ao ónus da prova.
Deste modo, na al. a) do nº 2 do art. 75º da LGT, estabelece ser necessário que as declarações, a contabilidade ou escrita revelem “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”, ou seja, não são quaisquer erros ou omissões que fazem cessar a presunção de veracidade plasmada no nº 1 do preceito; é necessário que essas omissões, erros, inexactidões sejam de molde a impedir o conhecimento directo da matéria tributável real dos contribuintes, ou que existam indícios fundados de que a mesma (contabilidade) não reflecte a matéria tributária real.
Concretizando um pouco mais, o artigo 87º da LGT, elenca, de forma taxativa, as várias situações em que é possível lançar mão destes métodos indirectos de tributação, estabelecendo no seu nº 1, na parte relevante para os presentes autos, o seguinte:
“1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
(…)
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.
(…)”
Mais, o art. 88º do diploma a que nos temos vindo a reportar, esclarece ainda quais são as situações concretas a que se refere a al. b) do nº 1 do preceito anteriormente mencionado, determinando que estamos perante situações enquadráveis na referida alínea sempre que ocorra uma das seguintes situações:
“(…)
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”
Por fim, chama-se ainda à colação o disposto no artigo 90º preceito onde se indicam os elementos que a ATA deverá ter em consideração para determinar a matéria tributável com base nestes métodos indirectos, que estabelece o seguinte:
“1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da actividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.”
De todo o regime supra aludido, retiramos que o legislador fiscal, em obediência ao comando constitucional de que a tributação deve ser efectuada pelo lucro real, em regra, espartilhou os poderes da AT por forma a que esta apenas possa deitar mão a estes métodos indirectos de tributação em situações muito concretas e obedecendo a critérios bem definidos.
Também em sede de ónus da prova, o legislador, criou regras muito claras. Assim, e por força do art. 74º da LGT, nestas situações compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que lhe permitem a tributação por este método, demonstrando de forma absolutamente clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelos contribuintes ou que decorrem da sua contabilidade, sendo que o método indirecto é o único que torna possível o apuramento do imposto. Após esta demonstração, cabe ao contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não ocorrem, por um lado, ou que mesmo ocorrendo, existiu um erro ou excesso manifesto na quantificação da matéria colectável.
Neste sentido podemos ver inúmeros Acórdãos, entre os quais realçamos o Acórdão do TCA Norte proferido no Processo nº 00181/04.4BEVIS e datado de 26/10/2017 é afirmado o seguinte:
“I. Face às regras do ónus da prova (arts. 324º do Código Civil e 74º da LGT) compete à administração tributária, quando pretende utilizar o mecanismo do métodos indiretos, demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por esse método, mostrando, de forma clara e inequívoca que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tomou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido.
II - Após que recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação”
Na mesma senda, o Acórdão do TCA Sul proferido no Processo nº 04785/11 e datado de 20/12/2012, onde é afirmado que:
“1. Encontram-se preenchidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos quando através da contabilidade da contribuinte, mercê das suas omissões, deficiências ou irregularidades, não é possível apurar os reais custos e nem os reais proveitos;
2. Em sede de impugnação judicial, actualmente, no âmbito da vigência da LGT e do CPPT; cabe à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, e ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário,'
3. Não tendo a impugnante, em sede de contra alegações, quanto ao fundamento em que decaiu na 1.ª Instância, vindo esgrimir as concretas razões por que se mostram errados os fundamentos que o estearam, não pode o mesmo deixar de improceder, na falta também, de qualquer fundamento de conhecimento oficioso que outra solução ditasse;
4. Não tendo a impugnante vindo fazer qualquer prova da desadequação do critério utilizado pela AT para a determinação da quantificação da matéria tributável alcançada e nem que esta possa padecer de qualquer erro ou excesso, não pode a mesma deixar de se inverter, por tal ónus probatório, neste caso, lhe cabe.”
Esclarecidas, assim, as regras de aplicação destes métodos de tributação, cumpre baixar ao caso dos autos e verificar se o Tribunal a quo errou quando considerou que a AT cumpriu todos os deveres que sobre impendem para a aplicação de métodos indirectos.
Os fundamentos invocados pela AT para aplicar os métodos indirectos de tributação encontram plasmados quer no relatório inspectivo, quer na decisão da Comissão de Revisão, foram, resumidamente, os seguintes:
a) Utilização da conta Caixa para todas as receitas e despesas;
b) Inexistência de controlo dos pagamentos efectuados a dinheiro contado a alguns fornecedores (v.g. a G........., Lda);
c) Falta de contabilização das comissões pagas à Unicre;
d) Falta de reflexo na contabilidade dos movimentos bancários;
e) Contabilização dos proveitos na globalidade, o que, no caso das prestações de serviço pagas em dinheiro contado, torna o controlo difícil, atenta a organização contabilística;
f) O lucro tributável declarado nos três exercícios, só ocorreu pela falta de contabilização dos custos com as comissões pagas à Unicre, pelo que, caso tivessem sido contabilizados, tal conduziria a situação de prejuízos fiscais;
g) Falta de registo de compras, em relação ao fornecedor de presunto pata negra;
h) Registo na conta empréstimos de saldos credores, inexistindo qualquer suporte para os mesmos (incluindo de eventuais movimentos bancários);
i) Rolos internos das fitas da máquina registadora, com informação agregada por famílias de produtos, impedindo o controlo das vendas do período, dada a falta de registo por cada transmissão de bens ou prestação de serviços;
j) Margens brutas de comercialização apuradas muito abaixo das calculadas, considerando os preços de compras e as listagens dos preços de venda, considerando os preços de compras e as listagens dos preços de venda.
Foi atendendo a este cenário que a AT considerou que a contabilidade da sociedade não reflectia a sua situação patrimonial e que não era possível comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria colectável.
Sobre este mesmo relatório inspectivo, embora em processos relativos a outros revertidos ou à própria Cervejaria R........, Lda., já se pronunciou este Tribunal, designadamente nos seus Acórdãos de 29/04/2021, no processo nº 306/06.5BELSB, de 14/07/2022, no processo nº 1010/08.5BESNT e, mais recentemente, no processo 319/08.2BELRS em acórdão de 04/04/2024, sendo que uns têm por objecto as liquidações de IVA e outros de IRC.
Iremos seguir a argumentação seguida no processo nº 1010/08.5BESNT, embora com as devidas especificidades dos presentes autos, designadamente no que respeita à prova do excesso de quantificação.
No caso que aqui nos ocupa, estão em causa as liquidações de IVA para os exercícios de 2001 a 2003.
Resumidamente, a Recorrente advoga que a omissão de custos e compras se traduziu um mero erro formal, uma vez que se encontravam contabilizadas as transferências bancárias e arquivada a documentação inerente, sendo que, para além da situação referente ao fornecedor do presunto pata negra, não foi encontrada qualquer outra omissão de compras. Por outro lado, defende que o argumento de que as margens são diminutas, não se encontra devidamente fundamentado, nem se indicaram quaisquer motivos decorrentes das margens do sector de actividade, finalmente e relativamente aos suprimentos do sócio, defende que a conclusão da AT é abusiva.
Como verificámos do acima referido, a AT fundamentou o recurso a métodos indirectos com base em diversos argumentos, tendo explanado todo o seu percurso cognoscitivo de forma absolutamente transparente.
Desde logo, podemos afirmar que a inexistência de controlo de pagamentos e recebimentos efectuados em dinheiro contado, a circunstância de os rolos internos das fitas da máquina registadora, com informação agregada por famílias de produtos, impedir o controlo das vendas em cada período, dada a falta de registo por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, a falta de reflexo na contabilidade dos movimentos bancários, bem como a contabilização dos proveitos na globalidade, só por si tornariam possível a aplicação de métodos indirectos de tributação [cfr. art. 87º, b) e al. a) e b) do nº 1 do art. 88º da LGT].
Se a estes factos acrescermos a falta de registo de algumas compras, a falta de registo de despesas com comissões pagas à Unicre e o prejuízo fiscal que existiria, caso as mesmas tivessem sido contabilizadas, a falta de documentos de suporte no que respeita aos suprimentos de sócios, facilmente concluímos não se encontrar a contabilidade organizada de molde a permitir o apuramento do lucro tributável com recurso a métodos directos de tributação, encontrando-se perfeitamente justificado o recurso a métodos indirectos de tributação.
Na verdade, estas incorrecções da contabilidade da sociedade que, em bom rigor, não foram postas em causa, eram de tal forma abrangentes que impediam, per se, o recurso a métodos directos de determinação da matéria colectável, na medida em que não estavam disponíveis elementos, em termos de controlo, que possibilitassem tal opção.
Ora, a falta de organização da contabilidade de molde a permitir esse controlo não constitui uma mera irregularidade, à qual não deva ser atribuída qualquer relevância.
Sustenta a Recorrente que no que aos prejuízos se refere, os mesmos nunca foram por si declarados. É verdade. Aliás, tal facto é admitido no relatório inspectivo. No entanto, como decorre do acima mencionado, este não foi o único motivo que originou o recurso a métodos indirectos de tributação, tendo sido, apenas, mais um dos aspectos relevantes e revelados para sustentar a sua aplicação.
Quanto à margem de comercialização apurada, defende a Recorrente que a mesma não se encontra devidamente fundamentada e que a mesma não se pode fundar numas pretensas ajudas do então gerente, o Senhor R........, tanto mais que não foram tomadas declarações deste gerente.
Na verdade, a AT, em face dos resultados apresentados pela Cervejaria R........, apurou margens para os três exercícios – 2001, 2002 e 2003 - de 36,42%, 36,43% e 39,66%, respectivamente, e concluiu que estas são “manifestamente diminutas atendendo ao ramo de negócio”. Esta circunstância veio a mostrar-se corroborada pelos estudos efectuados pelo inspector tributário, que vieram confirmar a veracidade da sua conclusão.
Do mencionado relatório inspectivo consta claramente a forma como foi elaborado o respectivo cálculo e as margens através do mesmo apuradas confirmam a afirmação inicial.
A existência de prejuízos, a existência de margens inferiores às habituais do sector, limitaram-se a reforçar a necessidade de aplicação de métodos indirectos a este sujeito passivo.
Finalmente, argui ainda a Recorrente que a AT faz uma leitura abusiva da questão dos suprimentos.
Também aqui não lhe assiste qualquer razão.
Efectivamente, resulta do relatório inspectivo que na “Cervejaria R........” existiram contabilizados empréstimos de sócios, na conta 2551, que não correspondem à verdade pois não existem quaisquer documentos de suporte dos mesmos, concluindo, assim, que aqueles movimentos serviram apenas para anular saldos credores da conta Caixa. Tais factos não foram contraditados pela aqui Recorrente.
Acresce que, como decorre da própria lei comercial (art. 18º, § 2, 29º e 40º do Código Comercial), os comerciantes são obrigados a deter escrituração comercial e a conservar esta sua escrituração e todos os elementos de suporte durante dez anos. Significa isto, que não basta aos comerciantes deterem os livros obrigatórios segundo as normas da contabilidade e do próprio Código Comercial, é também necessário que detenham os seus documentos de suporte. Por outro lado, e concretamente no que respeita à legislação fiscal, os artigos 17º e 115º, nº 3, al. a), do CIRC (actuais art. 17º e 125º do CIRC) dispunham que é obrigatória a existência e arquivamento de contabilidade, organizada nos termos da lei, que contenha, em boa ordem e sem atrasos significativos, o registo de todas as operações activas e passivas e que, na execução da contabilidade, todos os lançamentos devem estar apoiados em “documentos justificativos”, sem os quais não poderão ser considerados credíveis, designadamente para efeitos de dedução de custos [artigo 42º, nº 1, al. g), do CIRC, à data dos factos a que corresponde o actual art. 23º-A].
Daqui decorre que impendia sobre a Cervejaria R........ dispor de todos os elementos necessários à comprovação destes movimentos, donde a sua falta só contra si pode ser valorada.
Finalmente afirmar que a AT diligenciou no sentido de obter elementos demonstrativos dos mesmos, não tendo sucesso. Igualmente, na presente sede, nada resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto no sentido de estarmos perante suprimentos, sendo que, neste momento, caberia à Recorrente a sua prova.
Tudo visto e ponderado concluímos que não logrou a Recorrente provar o erro de julgamento por si imputado à sentença recorrida por esta ter julgado verificados os pressupostos para o apuramento do lucro tributário através de métodos indirectos de tributação.
Consequentemente, improcedente terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Não obstante ter sido julgado improcedente o recurso no que respeita à necessidade de aplicação de métodos indirectos de tributação, é dada ao contribuinte a possibilidade de alegar e provar o excesso de quantificação dos mesmos.
Tendo a Recorrente arguido a existência de excesso de quantificação, impõe-se o seu conhecimento pelo Tribunal.
• Do erro de julgamento, por erro ou excesso na quantificação e falta de fundamentação
Argumenta a Recorrente que mesmo que se considerasse justificada a necessidade de recurso a métodos indirectos de tributação, a sentença sob escrutínio errou ao ter desconsiderado toda a prova produzida, tendo também ocorrido erro de julgamento ao não ter julgado provado o excesso de quantificação.
No que se reporta ao erro de julgamento da matéria de facto alegado, já nos pronunciamos acima, pelo que cumpre apenas, nesta sede, apurar se ocorre erro de julgamento em face da matéria dada como provada e não provada.
Nas situações em que são aplicados métodos indirectos de tributação é absolutamente normal que existam dúvidas sobre a quantificação efectuada, uma vez que sendo utilizados indicadores/presunções, o rendimento a que se chega nunca será exactamente o rendimento a que se chegaria caso tivessem sido utilizados métodos de tributação directa.
Na verdade, a utilização de métodos indirectos implica sempre um certo grau de incerteza, pelo que apenas se pode alcançar um valor aproximado do que provavelmente a matéria tributável efectiva teria sido. Daqui se retira que só é viável e legalmente sustentável uma decisão no sentido da anulação do acto tributário impugnado, por alegado erro em sede de quantificação da matéria tributável, caso a Recorrente, sem reticências ou necessários reparos, demonstre, comprove, a ocorrência de um erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Sobre a questão da prova que impende sobre a Recorrente, cumpre trazer à colação o Acórdão deste TCA Sul proferido no Processo nº 06122/12, datado de 11/06/2013, com o qual se concorda, sem reservas, no qual se sumariou o seguinte:
“III) Cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários (…).
IV) Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.
(...)
IX) Nesta sequência, estando definitivamente decidido que, no caso, a AF demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados, como adequados e pertinentes, os critérios de que a AT se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que, como temos por manifesto e na linha do acima referido, não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente.”
Também a este propósito, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/11/2014, no Processo nº 0407/12 que:
“[E]stabelecida a legitimidade do recurso aos métodos indirectos, impende sobre o Impugnante a demonstração do erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável, sendo que a dúvida a esse propósito será decidida em sentido desfavorável à sua pretensão.”
Acresce que, como é afirmado o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 20/01/2004, no processo nº 1137/03: “… a simples circunstância de a Administração Fiscal, no procedimento de apuramento do valor tributável, ter optado pela utilização de tal ou de tal critério, em vez de por um outro qualquer, achado (mormente pelo impugnante, ora recorrido) mais adequado ao caso, não faz com que seja errado o critério efectivamente utilizado pela Administração Fiscal - pois a lei não mostra preferência por qualquer dos critérios que elenca, nem esses critérios são exclusivos ou taxativos”.
O mesmo entendimento foi vertido no Acórdão deste Tribunal e já mencionado, proferido no âmbito do processo 1010/08.5BESNT, de 14/07/2022.
Assim, que não basta pôr meramente em causa o método, de forma unicamente conclusiva [cfr. o já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/11/2014 no Processo nº 0407/12], não evidenciando, de forma concreta, em que termos tal excesso se consubstanciou.
In casu, pretende a Recorrente que a sentença recorrida errou quando desconsiderou quer o estudo por si apresentado, quer o depoimento do autor do mesmo. Defende ainda que a sentença sob recurso errou quando considerou que a utilização de elementos fornecidos pelo sócio gerente da sociedade, sem os validar, não fere as liquidações de nenhum vício e, nessa medida, as confirmou.
Cumpre, deste modo, e antes de mais verificar se a AT fundamentou de forma adequada o método por si utilizado, atentas as exigências decorrentes do art. 77º, nºs 4 e 5 da LGT.
Se atentarmos ao que consta quer do relatório inspectivo, quer na decisão proferida em sede de procedimento de revisão, bem como do seu Anexo VIII, aditado à matéria de facto, verificamos que a AT explicou de forma cabal o itinerário cognoscitivo da decisão proferida. Na verdade, resulta claro que foi efectuada a escolha dum cabaz de produtos, tendo sido apurado o valor de aquisição de cada produto, sem IVA, foi atribuída, a cada produto, uma determinada ponderação do mesmo nas vendas, tendo, deste modo, sido apurado o cálculo das margens de cada um dos exercícios em causa. Mais decorre que são consideradas as quebras gerais de 15% e, em alguns casos especiais, quebras maiores, com são os casos do presunto, do Whisky e do ananás. Cumpre salientar que todo este processo teve a colaboração dos responsáveis pela sociedade Cervejaria R........, que foi considerado como a pessoa que melhor habilitada estava para indicar os preços das mercadorias, as suas quebras e a ponderação de cada produto nas vendas daquele cabaz concreto.
Do exposto resulta que a AT fundamentou e demonstrou de forma cabal, o modo como apurou as margens de comercialização de cada exercício.
Insurge-se a Recorrente contra a afirmação de que todos os elementos constantes da amostra utilizada pela AT tenha sido efectuada com a colaboração do sócio gerente à data, alegando que ao não ter obtido nenhum termo de declarações do mesmo, não tem como sustentar as suas afirmações.
Ora, a verdade, é que é a própria Recorrente que afirma que o sócio gerente era a peça chave no desenvolvimento da actividade da Cervejaria R........ e que, quando este esteve afastado do negócio, o mesmo não teve os mesmos resultados. Assim sendo, não se compreende como possa incorrer em erro a amostra apresentada que foi escolhida pelo mencionado gerente da sociedade.
Por outro lado, a Recorrente não ataca a amostragem efectuada. Apenas refere que a mesma deveria ter sido efectuada com base noutros produtos sem indicar quais, o que, desde logo, conduziria ao insucesso do recurso.
Pretende, ainda, a Recorrente que seja considerado que o estudo por si apresentado, elaborado por um consultor, por si contratado, que utilizando o mesmo cabaz, chegou a margens brutas de lucro muito inferiores às encontradas pela AT no seu relatório inspectivo.
Saliente-se que o autor do estudo afirmou no seu depoimento não ter tido acesso à contabilidade, tendo mesmo afirmado que todos os elementos com base nos quais trabalhou, embora tenham tido como ponto de partida o relatório inspectivo e os seus elementos, lhe foram fornecidos pela Recorrente, sendo que ele não os validou e nem sequer conhecia o negócio concreto.
A sentença recorrida desconsiderou o estudo apresentado por ter entendido que, não tendo o seu autor tido acesso à contabilidade, mas apenas o relatório inspectivo e os elementos que lhe foram fornecidos pela Recorrente, o mesmo não tinha a virtualidade de provar o excesso de quantificação.
Que dizer?
Adiantamos, desde já, que acompanhamos a decisão do Tribunal a quo.
Senão vejamos.
O estudo não teve por base a contabilidade da Cervejaria R........, mas apenas o relatório inspectivo, os seus elementos, bem como outros elementos que terão sido apresentados ao seu autor pelos representantes da Recorrente, sem que seja adiantado qualquer critério para a escolha dos mesmos. Assim sendo, não se compreende como se deva considerar que este estudo deva ser considerado como mais válido do que aquele que foi efectuado pela AT com a ajuda do sócio gerente da Cervejaria R........, à data dos factos.
Por outro lado, neste estudo, e contrariamente ao que é afirmado pela Recorrente, são alterados todos os pressupostos do trabalho realizado pela AT. No estudo mencionado, foi alterado o preço de aquisição de determinados produtos, bem como todas as ponderações atribuídas aos mesmos nas vendas. Na verdade, se atentarmos aos coeficientes de ponderação de cada produto atribuído pela AT e o confrontarmos com os todas as ponderações atribuídas aos mesmos no estudo realizado (vide pontos 16 a 18 e 21), constactamos que nenhuma das ponderações se manteve igual.
Ora, como em qualquer amostragem, se alterarmos os seus parâmetros, o resultado final não pode permanece igual.
Posto isto, cumpre, ainda assim, verificar se foram apresentadas justificações plausíveis para as alterações efectuadas, de molde a convencer o Tribunal da existência de excesso de tributação, salientando-se que não basta que sejam suscitadas dúvidas quanto ao quantum apurado, sendo necessário que o contribuinte demonstre a existência de excesso na quantificação.
A primeira questão levantada no estudo é a circunstância dos valores de aquisição dos produtos considerados no relatório inspectivo, não refletirem a variação de preços dos mesmos, ao longo de cada um dos exercícios.
No relatório inspectivo, os valores considerados para efeitos da determinação do preço médio de cada um dos produtos que compõe o cabaz foi efectuado com base nas facturas que foram fornecidas à inspecção pelo gerente da Cervejaria R........, à data dos factos e que seria a pessoa que em melhores condições estava para o fazer, pois era quem estava à frente do negócio desde sempre. Na verdade, repete-se, é a própria Recorrente que afirma que quando este gerente não se encontrava, o funcionamento da Cervejaria não era o mesmo, o que faz pressupor que estávamos perante alguém muito conhecedor do negócio que geria. Esta circunstância é determinante para considerar que, quando este gerente apresentou as facturas que melhor refletiam o preço médio dos produtos ao longo dos três anos em análise, teve em consideração a variação dos preços dos mesmos.
Já no estudo são apresentadas novas facturas, uma por cada produto e por cada ano. Essas facturas, como foi afirmado em audiência, foram facultadas ao autor do estudo por quem lhe pediu a realização do mesmo e tinham em vista demonstrar a oscilação de preços dos produtos e, com isso, alterar o valor médio dos mesmos. Como o próprio teve oportunidade de explicar ao Tribunal em audiência, e passamos a citar: “É mais uma factura. Vale o que vale”.
A primeira consideração que cumpre efectuar é a de que nunca foi colocada em causa pela AT, no seu relatório inspectivo, que existiam oscilações de preços dos bens que compõe o cabaz, ao longo do período inspeccionado. Na verdade, é exactamente porque se aceita essa circunstância que foi tomada em consideração uma factura que representasse o preço médio em cada exercício e, como já foi afirmado pela testemunha da Fazenda Pública, foi o seu gerente que a forneceu, o que mais do que valida a escolha, pelos motivos já indicados.
A segunda consideração vai para a circunstância de o autor do estudo não ter tido qualquer acesso à contabilidade da Cervejaria R........, como fez questão de salientar.
Ora, nem o estudo, nem pelo seu autor na audiência, esclareceram o Tribunal sobre qual o critério que presidiu à escolha daquelas facturas concretas. A única coisa que ficou claro, foi que com as mesmas se pretendia comprovar a existência de oscilações nos preços de aquisição.
Desconhecendo-se o critério de escolha das referidas facturas, fica o Tribunal impossibilitado de comprovar o erro na escolha das facturas pela AT e o acerto na escolha das actuais.
Acresce que, sendo certo que essa oscilação já havia sido levada em consideração aquando da escolha da factura representativa do preço de aquisição dos produtos pela AT para o apuramento das margens, qualquer média que resulte do produto da soma duma factura que corresponderia ao valor médio dum produto, com outra de valor superior, dividido por dois, nunca poderá conduzir, como pretende a Recorrente, ao valor médio do produto em cada ano. Isso apenas seria conseguido se no estudo se tivesse utilizado a factura mais elevada e a factura mais baixa em cada período, para cada produto.
Assim, independentemente da forma como as novas facturas surgiram e de qual foi o critério que presidiu sua escolha, não poderia o valor considerado no estudo corresponder ao valor médio de aquisição de cada um dos produtos considerados, pelo que nesta parte o estudo apresentado não possuí a valia de demonstrar qualquer excesso de quantificação.
Repete-se que o lucro apurado com base em metodologia indirecta, não será o lucro efectivo que se apuraria se a contabilidade se encontrasse devidamente organizada. O lucro assim apurado corresponde a uma estimativa que se pretende ser o mais aproximada possível daquele que seria o lucro real.
Outra das questões suscitadas no estudo respeita às quebras do presunto, único produto onde as quebras foram analisadas.
No relatório inspectivo, embora tenha sido apresentada uma quebra média dos produtos de 15%, no que respeita a alguns produtos, designadamente o presunto Pata Negra, o ananás e o whisky, foram consideradas quebras distintas.
No que a este assunto respeita cumpre salientar que quando são apuradas quebras médias de produtos, tal significa que existem produtos com quebras superiores e outros com quebras inferiores. Assim, para se afirmar que existe uma quebra média de 15%, terão, necessariamente, de existir produtos com quebras de 20% e 30%, e outros produtos com quebras de 5% ou 10%.
Ora, neste particular, o estudo incorre num erro, pois resulta claro do relatório inspectivo que relativamente a este produto, a quebra considerada foi de 20% e não de 15%, como o estudo refere.
Passemos agora à ultima questão abordada no estudo que se prende com as ponderações atribuídas aos vários produtos que compõem o cabaz.
Duas considerações iniciais:
1ª No Anexo VIII do relatório inspectivo, resulta que a soma das ponderações dos vários produtos corresponde a 100%, como não poderia deixar de ser.
Já no estudo a soma das ponderações atribuídas a todos os produtos não corresponde a 100%. Encontra-se próximo, é certo, mas não corresponde a 100%.
2ª No estudo apresentado pela Recorrente para justificar o excesso de quantificação altera todas as ponderações atribuídas aos vários produtos nas vendas.
A título de exemplo vejam-se os seguintes produtos:
- Vinho Verde – Casa de Penela – 075ml - no Anexo VIII do relatório inspectivo é-lhe atribuída uma ponderação de 2,50, já no estudo apresentado pela aqui Recorrente a ponderação atribuída foi de 2,29.
- Sumol de Ananás - no Anexo VIII do relatório é atribuída uma ponderação de 1,00 e no estudo da Recorrente, é-lhe atribuída uma ponderação de 0,79.
- Sapateira - no Anexo VIII do relatório é atribuída uma ponderação de 4,5, já no estudo da Recorrente é-lhe atribuída uma ponderação de 4,29.
Isto acontece em todos os produtos como facilmente resulta do confronto entre o ponto 16 a 18 e o ponto 21 do probatório.
Assim, importaria apurar seria qual o fundamento para a alteração de todas as ponderações efectuadas. Ora, ela não foi dada pela Recorrente.
A inexistência de fundamentação para a alteração das várias ponderações atribuídas a cada produto, não permite ao Tribunal aferir da sua validade.
Na verdade, como já se referiu, sobre a Recorrente impendia o ónus de demonstrar esse excesso, o que passaria sempre, necessariamente, por fundamentar a sua existência, comprovando o seu desfasamento da realidade. Não chega que apenas se lancem dúvidas quanto ao excesso de quantificação; o contribuinte tem ir mais além. Ora, ao não fundamentar as alterações de ponderações de todos os produtos considerados, não fica o Tribunal esclarecido sobre os seus motivos e, deste modo, fica impossibilitado de avaliar a sua consistência e bondade.
Só pelos motivos até aqui adiantados não poderia o Tribunal aceitar que a Recorrente tivesse logrado cumprir o ónus que sobre si impendia de provar o excesso de quantificação.
Mas mais.
Mesmo em relação aos três produtos onde a Recorrente procura fundamentar as alterações das ponderações efectuadas do seu peso nas vendas, sempre ficaria por explicar, qual seria então a ponderação dos demais produtos e qual o motivo para a sua alteração. Ora tal, como vimos, não ocorreu.
Na verdade, para que se considerasse que os três produtos indicados teriam as ponderações apontadas no estudo de 8,76% (Presunto Pata Negra), 9,17% (Gambas a la aguillo) e 1,16% (café), tal conduzia a que a amostra da qual parte a presunção da AT teria uma representação não de 100%, mas de 112,27%. Isto significaria que determinados produtos teriam um peso inferior. Mas a que produtos nos estaríamos a referir? E qual seria, então, o peso dos mesmos nas vendas?
Tal nunca é esclarecido pela Recorrente.
Como temos vindo a afirmar, não basta que a Recorrente suscite dúvidas sobre a bondade da quantificação apurada pela ATA, sendo necessário que convença, fundamentando, o Tribunal sobre o excesso da mesma.
Ora, por todas as razões aqui esgrimidas, facilmente se conclui que o estudo apresentado pela Recorrente não tem a virtualidade de provar esse excesso, pelo que ao assim ter considerado, não incorre a sentença recorrida no erro de julgamento que lhe vem imputado, pelo que a mesma se deve manter na ordem jurídica. * CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao total decaimento da recorrente, as custas do recurso são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 16 de Maio de 2024
Cristina Coelho da Silva (relatora por vencimento)
Susana Barreto
Teresa Costa Alemão (com declaração de voto vencido)
Voto de vencida
Não acompanho a decisão e, como tal, contrariamente ao sufragado no presente acórdão, teria concedido provimento ao recurso jurisdicional, revogado a decisão recorrida e julgado procedente a impugnação.
Em síntese, e aderindo aos fundamentos do acórdão proferido no processo n.º 319/08.2BELRS, relativo ao IRC, considero que o Recorrente logrou demonstrar a existência de excesso na quantificação, não acompanhando, designadamente, as asserções do presente acórdão quanto à não fundamentação da alteração dos coeficientes de ponderação, já que a mesma consta, claramente, da metodologia indicada no estudo junto aos autos pelo Recorrente. |