Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5641/12.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:CRISTINA ALEXANDRA PAULO COELHO DA SILVA
Descritores:IVA E IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I- Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.
II– Embora encontrando-se os retalhistas, no regime em vigor à data dos factos, dispensados de emitir facturas, nos termos do disposto no art. 39º do CIVA, bastando-lhes registar diariamente o valor global das vendas com base nas fitas das máquinas registadoras, talões de venda a dinheiro, talão recapitulativo diário ou folhas de caixa, a verdade é que esses talões de venda têm de conter todos os elementos do nº 3 do mesmo preceito, por forma a possibilitarem o apuramento do lucro de forma directa.
III– Dentro do ónus de prova que impende sobre a AT, esta tem de indicar os critérios que presidiram à escolha da amostra, bem como a validade das bases de que partem para o cálculo do quantum. Não estando estes devidamente demonstrados, não podem manter-se os actos de liquidação.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
H......., Lda,, com demais sinais nos autos, veio impugnar contra os actos de liquidação adicionais de IRC e juros compensatórios dos anos de 1995 a 1997, de IVA dos exercícios de 1995 a 1997 respectivos juros compensatórios e de agravamento à colecta após indeferimento da reclamação graciosa respeitante a este imposto.
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Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, em 11 de Janeiro de 2012, foi julgada improcedente a impugnação.
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Inconformada com a decisão, veio a Impugnante apresentar o presente recuso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Há omissão de pronúncia quanto à violação do n.º 5 do art.º 267 da CRP, art.º 100º do CPA.
B. Há omissão de pronúncia quanto à violação do dever de fundamentação (art.º 268/3 da CRP, art.º 125.º do CPA e art.º 82.º do CPT) no que se refere à decisão de aplicação de métodos de avaliação indirecta.
C. Há omissão se pronuncia quanto à violação do dever de fundamentação (art.º 268/3 da CRP, art.º 125.º do CPA e art.º 82.º do CPT) quanto à decisão proferida pelo Director de Finanças nos termos do n.º 3 do art. º 87.º do CPT, conforme resulta dos documentos juntos aos autos (RIT e decisão final do Director de Finanças no procedimento de revisão elaborada na sequência da audiência de acordo por parte dos peritos);
D. A decisão de aplicações de métodos indiciários ou presunções e a decisão do Presidente da Comissão não se mostram fundamentadas nos termos da lei.
E. Pelo presente Recurso, a Recorrente sindica a decisão do tribunal a quo que julgou improcedentes as Impugnações Judiciais dos actos tributários impugnados nos processos autuados sob os numeras 147/01 e 207/01;
F. Através da decisão recorrida, o tribunal a quo corrobora as correcções efectuadas pela Administração Fiscal com recurso a método de avaliação indirecta dando como provada que «do exame à escrita do contribuinte se constataram inexactidões ou omissões que põem em causa a sua credibilidade»,
G. Pese embora o tribunal a quo ter considerado provada a matéria de facto de natureza objectiva e relevante para se decidir de modo contaria.
H. A Recorrente considera que o tribunal a quo, deu como provados os elementos essenciais para se poder concluir que as "menções alegadas nos pontos 3.1 a 3.8 do RIT" ou não correspondem à verdade (como é caso dos factos dados como provados nos pontos 6, a 11 e 13) que contrariam as afirmações constantes a fls. 7 do RIT, ou correspondendo, como é o caso da existência de registos com documentos internos (movimentos nas contas se socios e correspondentes a rendimentos de trabalho não levantados, despesas relativas a pagamento de encargos a terceiros, transferências entre contas) destes não resulta, com razoável legitimidade, a conclusão que a escrita estava ilegalmente organizada, incompleta e os documentos não estavam organizados de acordo com o POC.
I. Do probatório resulta que é falsa a alegação da IT (RIT a fls 9) já que as vendas a dinheiro são suportadas por talões impressos tipograficamente, numerados sequencialmente possuindo os elementos relativos a quantidade, descrição, preços unitários e totais e taxa de IVA. Os registos das vendas não são suportados pelos talões das máquinas registadoras cuja fita apenas com totais permite apenas comprovar o número e o valor unitário e total das operações.
J. A impugnante juntou aos autos copia do talão 7930 de 9.06.2007 (fls. 98 do Proc. Apenso 207/01) (facto provado)
K. Os registos sempre forma efectuados com base nos talões de venda emitidos nos termos do Oficio n. º 022 654 de 01 de Março de 1994, da DSIVA.
L. Aliás, em 21.03.1994, a impugnante alegando dispor de cerca de 38 livros de talões solicitou a DGI que se pronunciasse sobre a possibilidade de continuar a conumir até esgotar, o stock ainda existente, pese embora os mesmos não possuírem indicação da tipografia que os imprimiu.
M. Em resposta através do ofício n.º 063865 de 14 de Junho de 1994 a DSIVA pronunciou-se no sentido da sua substituição, o que foi feito pela impugnante.
N. Assim, é falso que a impugnante possuísse para registo das suas operações de venda os talões da máquina registadora juntos pela IT (anexo 4).
O. Tal facto, juntamente com outros, designadamente a afirmação que as vendas a crédito não se encontravam suportadas com facturas, revela a superficialidade da auditoria inspectiva.
P. A testemunha J........ no seu depoimento e através dos documentos mandados juntar pelo Tribunal a quo (três documentos, o n.º 1 constituído por 29 fls. e referente à normalização contabilística, o n.º 2 com 33 folhas referentes a vendas a retalhos e diferentes taxas de IVA e o n.º 3 com 11 folhas referente á questão do calculo das margens) provou que a cada um dos registos na máquina (de que juntou algumas fitas) correspondia um talão de venda a dinheiro com todos os elementos exigidos pelo referido oficio n.º 022 654 de 01 de Março de 1994, da DSIVA.
Q. Considerando que a escrita da recorrente é constituída pelos livros exigidos pelas leis comercial e fiscal elaborados a partir dos diários e balancetes sintéticos e analíticos,
R. Considerando que os registos auxiliares são como o próprio termo indica, auxiliares e são consequência do elevado número de documentos da mesma natureza (exemplo dos talões de venda a dinheiro),
S. Considerando, por outro lado que os registos auxiliares permitem um controlo adequado dos registos contabilísticos, e são elaborados a partir dos documentos, que lhes servem de suporte,
T. Considerando que do doc. 1 constituído por 29 fls. numeradas pelo Tribunal e mandadas juntar aos autos (proc. 207/01) resulta provado o respeito pela ora recorrente da normalização contabilística,
U. Considerando que não resulta provado nos autos que os documentos registados não estejam classificados de acordo com o POC,
V. Considerando que resulta provado que os registos das vendas a crédito se apoiam em facturas emitidas na forma legal e registadas na conta corrente do cliente,
W. O Tribunal a quo ao decidir que a "decisão de utilizar métodos indiciários está expressamente fundamentada" fez errado julgamento sobre os pressupostos exigidos nos termos do n.º 2 do art.º 51.º do CIRC e n.º 4 do art.º 82.º do CIVA.
X. Na primeira norma o legislador determina que "a aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria coletável de harmonia com o método de avaliação directa".
Y. Por seu turno, o n.º 4 do art. º 82.º do CIVA determina que «Se for demonstrado, sem margem para duvidas, que foram praticadas omissões ou inexactidões no registo e nas declarações proceder-se-á à tributação no ano em causa com base nas operações que o sujeito passivo presumidamente efectuou...».
Z. Pressupostos da aplicação de métodos de avaliação indirecta são assim dois: (a) a existência, sem margem para duvidas, de anomalias ou incorrecções, de Omissões ou inexactidões aos registos; (b) que dessas anomalias ou incorrecções resulte a impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria colectável por método directo.
AA. Do RIT não consta a alegação e prova de qualquer "anomalia ou incorrecção" que torne impossível a comprovação e quantificação da matéria colectável por método directo,
BB. Do RIT não consta a alegação e prova de factos que, demonstrem, sem margem para duvidas, que foram praticadas "omissões ou inexactidões" ao registo e na declaração.
CC. Há erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão de aplicação de métodos de avaliação indirecta.
DD. Há erro de julgamento na parte em que o Tribunal a quo considerou haver fundamentos de facto e de direito para aplicação de métodos de avaliação indirecta.
EE. Sem prescindir, há erro de facto e de direito na parte em que o Tribunal a quo decidiu que «não se provou, com base nos docs e na prova testemunhal, que nos métodos indiciários houve erros quanto à amostra previamente utilizada para calcular o lucro e as margens da Imp. ...»
FF. Há erro de julgamento porquanto dos documentos juntos ao processo 207/01, fls. 105 a 110, resulta provado o erro da amostra.
GG. Erro que resulta igualmente provado do depoimento das testemunhas J........ e A........, economistas.
HH. Erro que resulta provado do Relatório pericial subscrito por três economistas de reconhecida competência e experiência.
II. Erro que resulta provado pelos dados técnicos e científicos da estatística e das técnicas de amostragem.
JJ. Erro que resulta da experiência comum, na medida em que todos os cidadãos tem conhecimento da existência de diferenças nos preços de venda de umas lojas para as outras, da agressividade competitiva que entre elas se estabelece o que provoca alterações nos preços de venda.
KK. Sendo inaceitável admitir que uma margem determinada a partir de uma amostra de artigos expostos na loja e no ano de 1998, possa ser comparável, sem mais, com a margem registada e declarada nos anos de 1993 a 1997,
LL. Sendo igualmente inaceitável que vendendo essa loja uma enorme diversidade de artigos, a amostra se resuma a 11 itens de quatro secções para daí extrapolar consequências tão gravosas como a exigência de impostos sobre lucros presumidos deforma tão superficial.
MM. Os documentos juntos aos autos, os depoimentos das testemunhas e o relatório pericial são unanimes em demonstrar que a amostra deve ser proporcional ao universo, deve abranger de forma significativa a população, deve precisar o grau de confiança esperado e o grau de erro admitido.
NN. A amostra efectuada pela IT contemplando apenas 11 itens em cada uma das quatro secções, versando sobre dados de 2008 não pode constituir um elemento fiável para ajuizar da razoabilidade das margens declaradas nos anos de 1993 a 1997.
OO. Atitude inaceitável porquanto a IT tinha dos anos fiscalizados elementos (talões de vendas a dinheiro e facturas de vendas a crédito e facturas de compras) que lhe permitiam de forma séria testar a margem declarada com a margem praticada.
PP. Considerando que a tributação indirecta constitui um desvio ao princípio do lucro real, a decisão de aplicação do método indirecto, porque excepção, deve ser suficientemente provado.
QQ. A fundamentação deve, assim, ser proporcional à letigiosidade do acto.
RR. O que não se verifica quer nas decisões da AT quer na decisão do Tribunal a quo.
SS. Decisão que se caracteriza por uma ''pobreza" excessivamente notória.
TT. Contudo, suprindo o incorrecto julgamento pelo tribunal a quo, não poderá o tribunal ad quem deixar de considerar que também a quantificação é ilegal por erro sobre os pressupostos de fato e de direito.
UU. Deve assim ser revogado o decidido pelo tribunal a quo – que julgou improcedente os pedidos da recorrente.
Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deverá o presente Recurso proceder, por provado e fundado, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e anulados, a final, os actos tributários sub judice.»
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A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso
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Foram colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).
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Delimitação do objeto do recurso
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 639º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se:
a) Há erro de julgamento quanto à fixação da matéria de facto;
b) Omissão de pronuncia quando aos vícios de preterição de audiência prévia;
c) Omissão de pronuncia quanto ao vício de falta de fundamentação quer do relatório inspectivo, quer da decisão da comissão de revisão;
b) Há erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto.
b) Há erro de julgamento por falta de fundamentação da necessidade de aplicação de métodos indiciários e, consequentemente, por não estarem demonstrados os pressupostos para recurso à aplicação de métodos indirectos;
c) Há erro de julgamento na parte em que julgou improcedente por erro na quantificação;
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A AF corrigiu o rendimento colectável de IRC e IVA da lmp com apelo a métodos indiciários, com referência aos anos de 1995 a 1997, conforme doc 1 a 32 da p.i. do proc nº 147/01, doc. 1 do proc nº 207/01, e o relatório a fls. 1 ss do p.a. em anexo, bem como o relatório no anexo ao proc. nº 207/01, que. pela sua dimensão. aqui se dão como reproduzidos .
2. A lmp deduziu reclamação ao abrigo do art. 84° CPT.
3. Tendo havido agravamento da colecta (art. 90°-A CPT) - doe. a fls. 135 ss do p.a. em anexo.
4. Quanto ao funcionamento da Comissão de Revisão, pela sua dimensão dou por reproduzido o teor dos docs a fls. 135 a 143 do p.a. em anexo.
5. O registo dos documentos na imp. é efectuado em parte manualmente e noutra por meios informáticos.
6. As vendas a crédito não são lançadas por documentos internos, mas sim com a emissão de factura em quadruplicado,
7. e quando a factura é emitida até ao 5° dia vai anexo documento de transporte.
8. As vendas são resumidas mês a mês.
9. Os pagamentos dos clientes são registados na conta-corrente e no diário auxiliar de caixa, manuais, sendo depois registados informaticamente.
10. As vendas a dinheiro são tituladas por talões impressos.
11. É feito diariamente um resumo dos talões ou das fitas das máquinas registadoras.
12. Há falta das fichas do imobilizado, suprimentos dos sócios registados por documento interno e não apresentação da declaração anual de IVA em 1997.
13. Os electrodomésticos, incluídos na secção das louça, bem como os livros escolares, os jornais e as revistas, listas de casamento, são vendidos com margens mais baixas, em 10%, do que as outras secções.
14. Em 1996 as vendas cresceram, mas o lucro líquido baixou, e por isso os preços foram aumentados, fazendo subir os lucros em 1997.
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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“FACTOS NÃO PROVADOS
Na Comissão de Revisão, o Vogal da FP e o Presidente estavam impedidos de votar diferentemente do relatório e tiveram de obedecer à hierarquia da DDF da RAM.”
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A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“PROVA
O tribunal considerou os docs referidos, a prova pericial a fls. 178 ss do proc 147/01e a prova testemunhal.
Os juízos feitos no relatório pericial não são motivados. Quanto às testemunhas:
- J........, melhor id na acta, disse que a parte informática da contabilidade engloba todas as operações; que o art. 115°-5 CIRC foi respeitado; que o facto de o s.p. comprar os bens no Continente lhe permite depois utilizar cá a taxa menor de IVA e assim obter maior crédito de IVA; que a amostra usada pela AF não tem base científica; que não há necessidade de recibos para os suprimentos, os quais aliás não afectam o lucro tributável;
- A........, melhor id na acta, economista da lmp, disse que as margens dependem de muitas variáveis, incluindo o tamanho da amostra; que é necessário saber se a amostra é representativa e qual o método de escolha dos produtos da amostra.»
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Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1 do CPC (actual art. 662º do mesmo diploma), adita-se, oficiosamente, a seguinte matéria de facto:
15. Do Relatório inspectivo, com interesse para os autos, consta o seguinte:
“(…)

“(texto integral no original; imagem)”







“(texo integral no original; imagem)”





“(texo integral no original; imagem)”



(…)








(…)”
(cfr. doc. de fls. 1 a 28 do processo instrutor junto ao processo nº 147/01);
16. O talão que constitui o Anexo 4 do relatório inspectivo tem a data de 18/06/1998 e possui um número 186/0016B (cfr. doc. de fls. 33 do processo instrutor junto aos autos);
17. Os talões da máquina registadora do dia 09/06/1997 encontram-se numerados sequencialmente (facto que se retira do doc. de fls. 58 a 60 do processo 207/01).

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II.B. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Vem a Recorrente, nas suas conclusões I), J), K), P) e T) das alegações do recurso, defender que pretende aditar à matéria de facto o seguinte:
- As vendas a dinheiro são suportadas por talões impressos tipograficamente, numerados sequencialmente, possuindo elementos relativos à quantidade, descrição dos produtos, preços unitários e totais, bem como a taxa de IVA [conclusões I) e J)];
- os registos são efectuados com base nos talões de venda emitidos nos termos do oficio nº 22 654, de 01/03/1994, da DSIVA [conclusão K)];
- a cada um dos registos na máquina (de que juntou algumas fitas) correspondia um talão de venda a dinheiro com todos os elementos exigidos pelo referido oficio n.º 022 654 de 01 de Março de 1994, da DSIVA [conclusão P)] e
- a Recorrente respeita as regras de normalização contabilística [conclusão T)].
Decorre do aqui transcrito que pretende a Recorrente a inclusão dum conjunto de factos provados, com base nos depoimentos prestados na diligência de inquirição de testemunhas, bem como alguns documentos juntos aos autos.
Vejamos.
Atento o disposto no art.º 685º-B do CPC (actual art. 640.º do CPC), aplicável por força do disposto no art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Deste modo, o regime concernente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [vide, al. a) do nº 1 do art.º 685º-B do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 685º-B, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo preceito, que estabelecia o seguinte:
No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.”.
Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados.
Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.
Posto isto, cumpre agora verificar se a Recorrente cumpriu, em cada caso, o ónus que sobre si impendia.
Começando pelo primeiro facto que a Recorrente pretende ver aditado, defende esta que o mesmo decorre do talão 7930, de 09/06/1997, junto a fls. 98 do processo nº 207/01 [conclusões I) e J)].
Não obstante a Recorrente tenha cumprido o ónus que sobre si impendia, a verdade é que do documento indicado não se consegue retirar o facto pretendido.
Embora os talões contenham numeração sequencial, como aliás já se deu como provado nos factos por nós oficiosamente aditados, não fica provado qual o produto vendido, a quantidade vendida, o preço unitário, nem a taxa de IVA concretamente aplicada.
Vejamos agora se se podem dar como assente que os registos são efectuados com base nos talões de venda emitidos nos termos do oficio nº 22 654, de 01/03/1994, da DSIVA [conclusão K)].
Antes de mais, cumpre esclarecer que um facto é o acontecimento de origem natural ou humana que gera consequências jurídicas. Ora, afirmar que os registos são efectuados de acordo com um determinado comando, não é um facto, mas sim uma conclusão e estas, não constituem factos pelo que não devem constar da matéria factual.
O mesmo acontece com os factos indicados nas conclusões P e T). Também aqui estamos perante conclusões.
Em face de tudo o acima mencionado, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.
Estabilizada a matéria de facto relevante para a presente decisão, prossigamos na apreciação dos restantes fundamentos do presente recurso.

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III . Da Fundamentação De Direito

Em sede recursiva defende a Recorrente que a sentença é nula por omissão de pronuncia por não se ter pronunciado quanto às questões de preterição de audiência prévia e falta de fundamentação do relatório inspectivo, bem como da decisão da comissão de revisão, que a mesma incorre em erro de julgamento de facto e de direito quanto aos pressupostos de aplicação de métodos indirectos de tributação e, ainda, em erro de julgamento por não ter considerado procedente a questão relativa ao excesso de tributação.

Comecemos por apreciar a questão das invocadas nulidades da sentença por omissão de pronuncia.

Apreciando.

Dispõe o artigo 668º nº1, al. d) do Código de Processo Civil [redacção em vigor à data e que agora corresponde ao art. 615º, nº 1, al. c)], a sentença é nula quando, designadamente o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

As nulidades de sentença mais não são do que vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito. Estamos, assim, perante vícios formais, intrínsecos da peça processual que são tipificados de forma taxativa no mencionado nº 1 do art. 668º do CPC, que não podem nem devem ser confundidos com erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (vide, a título de exemplo os Acórdãos do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13).

O vício de omissão de pronúncia respeita aos limites da sentença e estando em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 660º e 661º (actuais arts. 608º e 609º), só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.

Sendo certo que impende sobre o tribunal a obrigação, nos termos do disposto no art. 660º do CPC (actual art. 608, nº 2 do CPC) e art. 125º do CPPT, de conhecer todas as questões que lhe são submetidas, isto é todos os pedidos deduzido, todas as causas de pedir e excepções invocadas , bem como todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade da decisão (neste sentido podemos ver José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735).

No entanto, e como já referia Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 142 e 143, impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. A firma este autor “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.

Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.

Acresce que a jurisprudência é uniforme no sentido de afirmar que a nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (neste sentido podemos ver os Acórdãos do STJ. de 01/03/2007. Proc. 07A091; 14/11/2006, Proc. 06A1986; 20/06/2006, Proc. 06A1443).

Resumindo, apenas ocorre nulidade da sentença por omissão de pronuncia se o tribunal não se pronunciar sobre as questões que lhe são colocadas, e não sobre os argumentos invocados, nem de forma genérica.

Baixando agora ao caso dos autos, a Recorrente alega que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da preterição da formalidade de audiência prévia, por um lado, nem quanto à questão da falta de fundamentação quer do relatório inspectivo, quer da decisão da comissão de revisão.

Por forma a aferirmos se ocorreu a mencionada omissão de pronuncia, cumpre saber se tais vícios foram ou não invocados pela agora Recorrente, nas suas petições iniciais.

Como sabemos, a sentença proferida abrange dois processos, que foram apensados. O processo nº 207/01 foi apenso ao processo 147/01.

Na petição inicial que deu origem ao processo nº 207/01, a aqui Recorrente impugnou a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1997. Neste processo, depois de lida a petição inicial, verifica-se que esta arguiu os seguintes vícios:

- Violação os princípios da proporcionalidade e da igualdade em todo o procedimento inspectivo (arts. 2º a 6º da p.i);

- Falta de fundamentação do acto notificado, sustentando a sua alegação no facto de os mesmo carecerem de fundamentos de facto e de Direito, pois não se encontram especificados os motivos da impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria colectável, bem como que a margem média apurada pela amostragem, não configura, por si só, um indício fundado a que se reporta a alínea d) do nº 1 do art. 51º do CIRC (arts. 32º a 62º da p.i.);

- Erro sobre os pressupostos e erro na quantificação (art. 63º a 75º da p.i.) e

- Nulidade da deliberação da comissão de revisão (arts. 76º a 83º da p.i.).

Já no que respeita ao processo nº 147/01 (processo principal), onde a impugnante coloca em causa as liquidações de IRC dos exercícios de 1995 a 1996 e as liquidações de IVA de 1995 a 1997, são arguidos os seguintes vícios:

- Vício de forma por entender que foram violados os deveres de isenção e justiça na forma de funcionamento da comissão de revisão, bem como pelo facto de não ter sido cedido aos representantes da impugnante o laudo do vogal da Fazenda Pública (art. 6º a 34º da p.i.);

- Vício de violação de lei por erro nos pressupostos, por entender que não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação de métodos indirectos de tributação (arts. 35º a 64º da p.i.);

- Erro na presunção do lucro tributário arguindo as margens da impugnante são superiores às que constam do relatório e ainda que a margem bruta calculada por amostragem não reflete a circunstância de existirem muitos produtos vendidos com margens muito inferiores (art. 65º a 85º);

- invalidade da liquidação do adicional à colecta decorrente das invalidades da deliberação da comissão de revisão (art. 86º da p.i.).

Decorre claramente do acima exposto que a sentença sob escrutínio não enferma da nulidade por omissão de pronuncia que lhe vem imputada.

Senão vejamos.

Em nenhum momento, nas petições iniciais é invocado o vício de preterição da audiência prévia, motivo pelo qual não tinha o tribunal de sobre o mesmo se pronunciar.

Por outro lado, e no que tange ao alegado vício de falta de fundamentação a Recorrente confunde a falta de fundamentação formal com a falta de fundamentação substancial, persistindo em qualificar erradamente o vício que imputa ao acto. De facto, o que a Recorrente pretende verdadeiramente é assacar ao acto os vícios de erro de facto nos pressupostos e de défice de instrução.

Na verdade, a fundamentação dos actos administrativos – no caso, do acto administrativo tributário prototípico, de liquidação – constitui um direito dos administrados, como decorre do disposto, desde logo, no art. 268.º, n.º 3, da CRP, e que é “entendida não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela Administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram à decisão tomada” (vide CANOTILHO, J. J. GOMES e MOREIRA, Vital, in Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. II. 4.ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 825).

De facto, só um acto fundamentado é passível de controlo contencioso, designadamente no que se refere a vícios resultantes da ilegalidade dos pressupostos (de facto e de direito) e do desvio de poder. O dever de fundamentação dos actos tributários encontra-se concretizado no art. 77.º, da LGT, e os requisitos particulares da fundamentação decisão de tributação pelos métodos indiretos encontravam-se previsto no art. 81.º do CPT, norma a que viria a suceder o actual n.º 4 do art. 77.º da LGT.

A fundamentação será suficiente “quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões (de facto e de direito) por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.” (ex vi, entre muitos outros, o acórdão do STA proferido em 2003-05-14, no proc. 0495/02).

No que respeita à fundamentação da decisão de tributar por métodos indiciários ou indirectos esta deve especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.

Ora, decorre das petições iniciais que estão na origem dos presentes autos, que não é esta falta de fundamentação formal que a Recorrente imputa como vício do acto, como já se afirmou acima, mas sim a circunstância de no mesmo não se encontrarem expressos motivos que possam fundamentar o recurso a métodos indirectos de tributação.

No entanto, e ainda que assim não se entendesse, também decorre da sentença prolatada que o tribunal a quo, ainda assim, se pronunciou sobre a existência ou não de fundamentação dos actos de liquidação tendo, nela sido afirmado o seguinte:

Não há erro, com base nos docs e na prova testemunhal, sobre os pressupostos na decisão de utilizar métodos indiciários, a qual esta expressamente fundamentada como resulta claro dos relatórios: (…)”

Já no que respeita à fundamentação da decisão da comissão de revisão, a Recorrente não imputava à mesma qualquer vício de falta de fundamentação em nenhuma das petições iniciais apresentadas.

O vício por si imputado, na petição inicial, a esta decisão da comissão de revisão prendia-se, apenas, com a violação deveres de isenção e justiça na forma de funcionamento da comissão de revisão, bem como pelo facto de não terem sido cedidas aos representantes da impugnante o laudo do vogal da Fazenda Pública, sendo que nunca é invocada a falta de fundamentação da decisão.

Assim, improcedente terá se ser julgado o presente recurso na parte da invocada nulidade da sentença por omissão de pronuncia.

Analisemos, agora então, cada um dos erros de julgamento invocados.

• Do erro de julgamento da questão relativa aos pressupostos da aplicação de métodos indirectos
Como resulta do acima afirmado, a Recorrente reitera que não se verificam os pressupostos legais justificativos da avaliação indirecta, pelo conclui que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, de facto e de direito, quando aos pressupostos de aplicação dos referidos métodos indirectos, bem como que há erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, pois da mesma se pode retirar que a contabilidade se encontrava bem organizada e permitia apurar o lucro tributário de forma directa.
Vejamos.
Por força do Princípio da Tributação pelo Lucro Real plasmado no art. 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), a tributação das entidades sujeitas a IRC deve incidir, fundamentalmente, sobre o seu lucro real.
Já o Princípio da Capacidade Contributiva, decorrência do Princípio da Igualdade, genericamente consagrado no art. 13º da CRP, em matéria fiscal encontra reflexo nos nºs 1 e 2 do já mencionado art. 104º da CRP, constitui um limite e um fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto e critério. Dele decorre que devem ocorrer situações de isenção fiscal para o mínimo de subsistência, bem como a proibição de situações de confisco. Por outro lado, impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, tendo em consideração indicadores efectivos de aptidão para suportar a prestação tributária. Por força ainda deste princípio, a lei fiscal deve tratar de forma igual e uniforme os factos que revelam ou exprimem a mesma capacidade contributiva (vertente positiva do Princípio da Igualdade) e tratar de forma diferenciada aqueles que revelam uma capacidade contributiva distinta (vertente negativa), assegurando que tal suceda na medida da respectiva diferença.
A propósito destes dois princípios, tem o Tribunal Constitucional entendido, em sede de tributação das empresas, designadamente no seu Acórdão nº 127/2004, de 03/03/2004 que “(…) o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.
No entanto, o princípio da Tributação pelo Lucro Real não é um princípio absoluto, desde logo, porquanto na redacção do preceito constitucional foi utilizado o advérbio “fundamentalmente”, o que significa que podem existir excepções, sempre que as mesmas se encontrem devidamente fundamentadas e justificadas (neste sentido podemos ver, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 55/2022, de 22/01/2022 e 680/2022, de 20/10/2022).
De entre as excepções ao Princípio da Tributação pelo Lucro Real, encontramos aquelas situações em que, quando a contabilidade dos sujeitos passivos apresentar deficiências, omissões ou incorrecções que impedem o apuramento do lucro real, a AT deve de lançar mão de métodos indirectos de tributação.
Em causa nos autos estão liquidações de IRC e de IVA de 1995 a 1997.
À data em que a inspecção teve lugar, ainda não se encontrava em vigor a LGT, pelo que as regras aplicáveis ao caso eram as que constavam quer do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (doravante CIRC), quer do Código sobre o Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante CIVA), bem como do Código de Processo Tributário.
Comecemos por verificar o que dispunha o CIRC.
O artigo 51º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos determinava que:
1 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal.
d) Erros e inexactidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
2 - A aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo.
3 - O atraso na execução dos livros e registos contabilísticos bem como a sua não exibição imediata sódarão lugar à aplicação de métodos indiciários após o decurso do prazo fixado para a sua regularização ou apresentação sem que se mostre cumprida esta.
4 - O prazo a que se refere o número anterior não deverá ser inferior a 5 nem superior a 30 dias e não prejudicará a aplicação da sanção que corresponder à infracção eventualmente praticada.”
Por outro lado, o então art. 52º do mesmo diploma legal estabelecia que:
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários será efectuada pelo director distrital de finanças da área da sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou por funcionário em que este delegue e basear-se-á em todos os elementos de que a administração fiscal disponha, e, designadamente, em:
a) Margens médias de lucro bruto ou líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos e serviços de terceiros;
b) Taxas médias de rendibilidade do capital investido;
c) Coeficientes técnicos de consumo ou utilização de matérias-primas ou de outros custos directos;
d) Elementos e informações declarados à administração fiscal, incluindo os relativos a outros impostos, e, bem assim, os obtidos em empresas ou entidades que tenham relações com o contribuinte.”
Já o CIVA, no seu artigo 84º, na redacção em vigor à data e na parte que aqui nos importa, estabelecia que:
“1- A liquidação com base em presunções ou métodos indiciários, por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, basear-se-á nos factos previstos neste Código ou nos artigos 38º, nº 1 do Código do IRS e 51º, nº 1do Código de IRC, consoante os casos.
2- Do apuramento do imposto pode o sujeito passivo, com fundamento em errónea quantificação, reclamar para a comissão de revisão a que se refere o Código de Processo Tributário (…)”
Como resulta do exposto, o regime de aplicação de métodos indirectos de tributação possuí carácter subsidiário. Em consequência, e porque constitui uma situação de excepção, nomeadamente por força dos princípios constitucionais que já mencionámos, o legislador fiscal, estabeleceu as condições em que o mesmo podia ser aplicado, quais os meios graciosos e judiciais ao dispor dos contribuintes para os discutir.
O objectivo da avaliação indirecta era, e continua a ser no regime instituído na Lei Geral Tributária, o de estabelecer a matéria tributável dos sujeitos passivos que não tenham cumprido as suas obrigações ou o tenham efectuado de forma deficiente. (neste sentido podemos ver Ribeiro, João Sérgio, in “Tributação Presuntiva do Rendimento. Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável.” Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2010, pág. 214).
É necessário que a AT prove, designadamente, que a contabilidade dos sujeitos passivos enfermava de erros, inexactidões ou indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial do sujeito passivo e o resultado efectivamente obtido, dada a presunção de veracidade de que beneficiava e beneficia a contabilidade dos contribuintes e as suas declarações [vide art. 78º do Código de Processo Tributário (doravante CPT), bem como o actual art. 75º da LGT].
Por outro lado, também resultava do disposto no art. 81º do CPT que a decisão de tributação por métodos indiciários (designação utilizada pelo legislador, à data) ou por presunções, apenas poderia ocorrer nos casos e com os fundamentos previstos nas leis tributárias, designadamente nos códigos do IRC, IRS e IVA, e teria de explicitar os motivos que fundamentava a impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável, indicando os critérios utilizados para o seu apuramento.
Decorria deste preceito que a prova sobre a verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiciários ou presunções, impendia sobre a AT, à semelhança do que hoje acontece no âmbito da LGT de tributação, no art. 74º.
Podemos, deste modo, afirmar que enquanto a avaliação directa tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros, e com ele se apura o lucro real das entidades sujeitas a imposto, já a avaliação indirecta visa apurar os rendimentos obtidos pelos contribuintes a partir de elementos ou indícios de que a AT disponha ou de presunções que faça. Significa isto que quando se aplicam métodos indiciários ou presunções, o legislador tem consciência que não vai apurar o lucro real das entidades a que se reporta o imposto, mas o valor mais aproximado possível daquele que seria o seu valor real.
De todo o regime a que nos temos vindo a reportar decorre que o legislador não concedeu à AT nenhum poder discricionário, tendo estabelecido regras precisas, também, quanto às situações em que a presunção de veracidade pode cessar e ao ónus da prova, espartilhando os poderes da AT por forma a que esta apenas possa deitar mão a estes métodos de apuramento do lucro tributável ou da base tributável sujeita a imposto, em situações muito concretas e obedecendo a critérios bem definidos.
Exposto o regime, cumpre baixar ao caso dos autos, por forma a verificarmos se a sentença sob escrutínio enferma de erro de julgamento, desde logo, por má avaliação da prova produzida ao ter considerado que se encontravam reunidos os pressupostos para aplicação de métodos indiciários.
Vejamos então.
A Recorrente dedica-se ao comércio de papelaria, quiquilharia e tipografia, tendo desenvolvido a sua actividade no âmbito do comércio a retalho.
A AT, no seu relatório inspectivo, fundamenta a necessidade de recurso a métodos indiciários nos seguintes factos:
- A contabilidade não está organizada de acordo com a normalização contabilística, apresentando irregularidades na sua organização, dado que efectua os registos contabilísticos por resumos internos, não classifica os documentos, as operações diversas (documentos originais) não estavam numerados, utiliza conta correntes com o título “clientes conta-corrente diversos” e “Outros devedores e credores diversos” o que contraria o disposto no art. 17° n° 3, conjugado com o art. 98° n°3, ambos do Código do IRC.
- Regista as vendas a crédito com base em documentos internos da contabilidade (todas as vendas a crédito são lançadas por documentos internos).
- Existem movimentos de caixa justificados com base em documentos internos, dando como exemplos desta situação os suprimentos dos sócios.
- Está quase permanentemente em crédito de imposto (IVA).
- Não possui fichas de imobilizado, conforme é exigido nos termos do art. 51º do CIVA.
- Considerou como encargos dos exercícios de 1995 e 1996, documentos internos, respeitantes ao pagamento de serviços que não identificam os titulares dos rendimentos;
- Nos exercícios de 1995 a 1997 a margem bruta sobre o preço de custo encontra-se abaixo da margem bruta apurada no ponto 2.5.7 do relatório e comparando o exercício de 1995 com o exercício de 1994 verifica-se uma variação negativa de 14 pontos percentuais na margem bruta, tendo havido um aumento de vendas de 45.67%, conforme referido no ponto 2.1 deste relatório.
- Não cumpre integralmente nos termos da lei todas as obrigações declarativas.
A sentença sob escrutínio considerou que estes factos eram suficientes para a aplicação de métodos indirectos de tributação.
A Recorrente assaca a este segmento da sustentação do acto de liquidação o vício de violação de lei por erro nos pressupostos, e insurge-se contra o facto de a sentença em crise não os ter reconhecido, razão pela qual entende que a mesma padece de erro de julgamento, de facto e de direito, bem como defende que o Tribunal a quo errou quanto à apreciação da matéria de facto.
Vejamos, então.
Genericamente a AT afirma que a contabilidade não está organizada de acordo com a normalização contabilística, apresentando irregularidades na sua organização, sustentando tal facto na circunstância de os registos contabilísticos se encontrarem efectuados por resumos internos, não se encontrarem classificados e numerados os documentos e de serem utilizadas contas correntes com o título “clientes contra-corrente diversos” e “Outros devedores e credores diversos”.
Escalpelizando o relatório inspectivo verifica-se que a principal objecção que a AT efectua à contabilidade da Recorrente é a circunstância de esta efectuar os registos contabilísticos com base em resumos internos, designadamente no que respeita às vendas, agrupando-as por dias, bem como por a margem bruta apurada se encontrar abaixo daquela que apura com base nos métodos indirectos de tributação.
Comecemos pela questão da forma como se encontram organizados os registos contabilísticos, designadamente de vendas, pois são estes que são colocados em causa pela AT.
Neste conspecto temos de atender ao que dispunha, à data dos factos, o Código do IVA, no que toca aos retalhistas, como é o caso da aqui Recorrente.
Desde logo, por força do art. 39º do CIVA, sempre que os retalhistas efectuem vendas a clientes finais particulares que não destinem os bens ou serviços ao exercício de uma actividade comercial e a transacção seja efectuada a dinheiro, não são obrigados a emitir facturas. No entanto, por força do disposto no nº 2 deste mesmo preceito, estão obrigados a emitir talões de venda previamente numerados, ou através de máquinas registadoras, terminais electónicos ou balanças, com registo obrigatório das operações no rolo interno da máquina, por cada transmissão.
Já o nº 3 deste preceito, obrigava a que os talões de venda contivessem denominação social e número de identificação fiscal do fornecedor de bens ou prestador de serviços, denominação usual dos bens, bem como o preço líquido de imposto, as taxas aplicáveis e o montante do imposto, ou o preço com inclusão do imposto e a taxa aplicável.
Em consequência deste regime de dispensa da emissão de factura, os artigos 46º e 47º do CIVA, permitiam aos retalhistas efectuarem o registo das operações realizadas diariamente pelo montante global das contraprestações recebidas pelas transmissões de bens e/ou prestações de serviços, sendo que os registos deveriam ser efectuados globalmente e sem distinção das taxas.
Já no que respeita ao modo de apuramento do valor do IVA a entregar, o art. 49º do mesmo diploma estabelecia regras para o cálculo do mesmo.
Na verdade, estabelecia este artigo que:
Nos casos em que a facturação ou o seu registo sejam processados por valores, com imposto incluído, nos termos dos artigos anteriores, o apuramento da base tributável correspondente será obtido através da divisão daqueles valores por 105, quando a taxa do imposto for 5 %, 117, quando a taxa do imposto for 17 %, multiplicando o quociente por 100 e arredondando o resultado, por defeito ou por excesso, para a unidade mais próxima, sem prejuízo da adopção de outro qualquer método conducente a idêntico resultado”.
Entretanto, o Decreto-Lei nº 206/96, de 26/10, veio estabelecer que o apuramento da base tributável deveria corresponder a 112 quando a taxa de imposto corresponder a 12% e 117 quando a taxa de imposto corresponder a 17%.
Significa isto que o legislador fiscal conhecia bem as especificidades dos retalhistas, que não tinham os seus negócios organizados de molde a conseguirem emitir facturas por todas as vendas realizadas, limitando-se a emitir talões de máquinas registadoras e, nessa medida, estabeleceu fórmulas para o apuramento do imposto a entregar, depois de efectuado o encontro de contas entre o IVA suportado e o IVA por eles liquidado aos consumidores finais.
Decorre do regime supra exposto, que é o próprio legislador que, numa primeira fase, e por forma a permitir aos retalhistas adaptarem-se às exigências do IVA, estabeleceu um regime especial, permitindo que aqueles registos fossem apoiados nas fitas das máquinas registadoras, talões de venda ou talões recapitulativos diários ou folhas de caixa e não em facturas propriamente ditas.
Donde, o registo das operações por parte da Recorrente em folhas, só por si, não constitui nenhuma irregularidade. O que importaria saber é se esses registos eram efectuados tendo por base as fitas das máquinas registadoras, devidamente numerados e com o registo obrigatório em rolos internos.
Vejamos, então.
O relatório inspectivo começa por afirmar que não existiam as fitas de máquina. No entanto, mais à frente, afirma que foram analisados os talões de venda emitidos pelas máquinas registadoras (fl. 8 do relatório inspectivo), o que significa que, afinal, essas fitas das máquinas registadoras existem. É também afirmado que as receitas de Caixa estão discriminadas por caixas registadoras, num total de três, que essas caixas são fechadas pelos funcionários que efectuam os registos e é efectuado um resumo com o total das caixas. Ainda mais adiante, no ponto 2.5.4 do relatório, volta a ser afirmado que os movimentos contabilísticos efectuados nas contas de clientes são efectuados com base nos resumos de Caixa, apoiados pelo talão das máquinas registadoras e também nos resumos de facturação a crédito. Ou seja, por aqui não existe nenhuma desconformidade da contabilidade com aquilo que era permitido pelo CIVA, à data dos factos. Na verdade, o próprio CIVA permitia que os registos fossem agrupados pelo montante global das vendas diária. Por outro lado, a AT não afirma que aqueles talões não possuem rolo interno de registo o que, isso sim, impossibilitaria o controlo das operações.
Acontece, porém, que, afirma a AT, os talões não se encontram numerados, não discriminam a mercadoria nem a taxa de IVA aplicável o que, na verdade, constitui uma violação do nº 3 do art. 39º do CIVA, que estabelece essa obrigação.
Esta exigência de numeração sequencial dos talões tem por finalidade controlar as vendas dos retalhistas que, não tendo de emitir facturas nos termos gerais, têm de ter a sua contabilidade organizada de molde a permitir aferir da totalidade das vendas por si efectuadas.
Ora, nem do talão junto aos autos pela AT, nem dos talões de venda juntos pela Recorrente resulta quais os bens vendidos e muito menos a indicação da taxa aplicável. Tais factos, como já afirmamos, constituem violações ao disposto no nº 3 do mencionado art. 39º do CIVA.
Donde decorre que, tal facto, só por si, conduz à aplicação de métodos indirectos de tributação, uma vez que os talões assim emitidos não permitem efectuar o controlo das mercadorias vendidas e, deste modo, apurar o lucro obtido e, consequentemente, o IVA a entregar nos cofres do Estado.
Perante esta constatação, não enferma a sentença recorrida do erro de julgamento que lhe vem imputado pela aqui Recorrente.
Vem ainda a Recorrente advogar que contrariamente ao decidido, existiram erros quanto à amostra utilizada tanto mais que foram utilizados artigos expostos na loja em 1998, bem como que a margem foi apurada com base nos preços praticados nesse exercício, para apuramento de margens dos exercícios anteriores o que conduz a erros na determinação da quantificação da mesma, pelo que, também nesta parte, o Tribunal a quo errou no julgamento efectuado.
Vejamos.
Determinava o art. 121º, nº 3 do CPT, aplicável à data dos factos, que em caso de quantificação da matéria tributável por métodos indiciários, o impugnante, aqui Recorrente, pode demonstrar a existência de erro ou manifesto excesso na quantificação da mesma.
Na verdade, no domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
Vejamos o que é afirmado no relatório inspectivo quanto à forma como procedeu à quantificação da matéria tributável.
É afirmado naquele relatório que “Efectuou-se uma amostragem expressa nos documentos nº 8 a 11, em anexo. A amostragem foi efectuada com os responsáveis das secções e incidiu sobre os produtos expostos e os preços das mercadorias de 1997 e 1998. (…) Feita a ponderação das vendas pelas diversas secções, que conforme consta da contabilidade são as secções de Papelaria, Perfumaria e Louças, verifica-se que relativamente ao exercícios de 1996 a média aritmética ponderada de 38%, revela uma divergência significativa superior a quatro pontos percentuais, o que não se compreende, dado que a mesma foi feita com base nos preços de custo de 1997 e 1998, acrescido dos custos de transporte.
A medida artitmética ponderada da MLB s/Custo das mercadorias vendidas, foi calculada do seguinte modo:
(45,378x0,36)+(19,184x0,34)+27,789x0,40)+(7,649x0,53)= 38,027%.
Segundo a informação obtida junto do gerente do “Bazer do Povo” houve a partir de Abril de 1995 uma política diferente da que vinha sendo seguida pela gerência, anterior, relativamente às margens de lucro, que consistiu em baixar as margens de comercialização, aumentando por este meio o volume de vendas.
Atendendo a que a amostragem foi feita já com preços de venda mais baixos, não se encontra justificação para as divergências encontradas. (…) 4.2. – Determinação do Lucro Tributável presumido O lucro tributável vai ser calculado com base na margem bruta sobre o custo nos termos da alínea a) do art. 52º do Código do CIRC.
Efectuaram-se os seguintes cálculos para a obtenção do valor presumido das vendas: Aplicando a margem de 38.027% estima-se que o S.P. omitiu as seguintes vendas (…)” e apresenta o quadro.
Ora, a primeira observação que se impõe é que não é possível obterem-se margens de comercialização para os exercícios de 1995 a 1997, com base em preços de mercadorias relativos aos exercícios de 1997 e 1998. Aliás, nem se compreende a escolha dessas facturas, quando era possível ter lançado mão de facturas dos exercícios a que se reportam as correcções. Na verdade, os preços das mercadorias e o seu transporte sofrem alterações, por vezes significativas, pelo que não se considera legitimado o apuramento das margens com base em preços de exercícios posteriores. Se os preços considerados das mercadorias poderiam ser considerados correctos para o exercício de 1997, o mesmo já não ocorre para o exercício de 1995 e 1996.
A segunda observação vai para o facto de não ser claro o critério que presidiu a escolha da amostra. Tudo indica que teria a ver com os produtos expostos no momento da inspecção. Mas atendendo a que a amostra é apenas composta por onze itens relativos a cada uma das secções, e não sendo verossímil que em cada secção apenas se encontrassem expostos 11 artigos, como foi efectuada a escolha? Nenhum critério foi avançado pela AT para sustentar a escolha. Eram os artigos mais vendáveis? Eram os artigos que melhor representavam a média das vendas em cada secção?
A terceira observação vai para a circunstância de saber, os produtos que se encontravam em exposição no momento da inspecção, correspondiam aqueles que, normalmente, eram os mais representativos das vendas da Recorrente em cada um dos exercícios inspeccionados.
Ora, para tais perguntas nada é avançado pela AT no seu relatório inspectivo, pelo que somos forçados a concluir a Administração Tributária não esclareceu qual o critério conducente à determinação da matéria tributável, e muito menos demonstrou que o mesmo é o adequado e se encontra racionalmente justificado.
Consequentemente, não resta senão concluir pela procedência do recurso, e, em consequência, pela revogação a decisão recorrida, anulando os actos de liquidação adicional de IRC de 1995 a 1997 e IVA dos mesmos períodos.


*

No que diz respeito à responsabilidade por custas, em face da decisão de procedência do presente recurso, a Fazenda Pública decai, aqui e na primeira instância, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas.
No entanto, a impugnação judicial aqui em causa foi interposta em 04/01/1999, data em que se encontrava em vigor Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 29/98, de 11 de Fevereiro, e entrado em vigor no dia 12/02/1998 (art. 10º do Decreto-Lei nº 29/98), onde, por força da alínea a) do nº 1 do art. 3º, foi consagrada a isenção subjectiva de custas do “Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados”.
Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, no art. 2º do Código das Custas Judiciais.
No entanto, aquele Decreto-Lei nº 324/2003 continha uma disposição transitória no seu art. 14º, nº 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 01/01/2004, nos termos do disposto no nº 1 do art. 16º.
Por sua vez, nos termos do disposto no art. 27º, nº 1 do Decreto-Lei nº 34/2008, de 28/02, diploma que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, quanto à respectiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando actualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13/02, a qual, no nº 4 do respectivo art. 8º, prevê que:
Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (…), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respectivo processo, a isenção de custas.”
Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respectivo pagamento, na primeira instância e no presente recurso.

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença recorrida e consequentemente, anulam-se os actos de liquidação adicional de IRC de 1995 a 1997 e IVA dos mesmos períodos.

Sem custas por dela estar isenta a Fazenda Pública.

Lisboa, 16 de Maio de 2024

Cristina Coelho da Silva (relatora)
Maria Isabel Silva
Ana Cristina Carvalho