Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 116/14.6BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/23/2025 |
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Relator: | MARIA DA LUZ CARDOSO |
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Descritores: | IRS - TRABALHO DEPENDENTE AJUDAS DE CUSTO ÓNUS DA PROVA |
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Sumário: | I- A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho. II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.°, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a titulo de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.°, 74°, n.° 1 e 75.°, n.° 1, da LGT). III - É sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso da sentença proferida em 22 de outubro de 2020 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P......., (doravante Recorrido) do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS nº ……..4 e respetivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2008, no valor total de € 4.457,83. Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES: A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P......., concluindo pela anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º3085201304004663 sobre a liquidação adicional de IRS n.º.........4, respeitante ao ano de 2008, no valor total de €4.457,83, e os correspondentes juros compensatórios. B. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública entende que foi incorretamente julgados os pontos que constantes dos artigos 27.º a 37.º, 52.º, 53.º da informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa e que integra o Processo Administrativo Tributário que se encontra junto aos autos de primeira instância e para a qual foi feita remissão no articulado de contestação apresentado, o que consubstancia erro de julgamento. C. A AT assenta o seu entendimento em factos verificados que, independentemente de se apontarem como meramente indiciários (mas que não acompanhamos este entendimento), no seu cômputo não deixam de provar a verdade material dos rendimentos do Impugnante. D. Partindo do entendimento vertido na decisão que ora se recorre, se o impugnante prestava serviço à sua entidade patronal (sediada em Portugal) em obras sitas no estrangeiro, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho, deslocação que, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia à Administração Tributária demonstrar, ainda que através de factos indiciantes, que o abono mensal (e diário) previsto no contrato celebrado era totalmente independente dessa deslocação e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador. E. A AT efetuou essa prova, quando por exemplo, demonstra que a entidade patronal pagou ao Impugnante um valor de €11.200,00, como rendimentos de trabalho dependente declarados pela empresa, e que pagou €15.471,63, a título de ajudas de custo. F. Contudo, importa relevar, ao contrário do preconizado pelo Tribunal a quo, em sede de inspeção à entidade patronal, verificou-se que nas pastas dos documentos de suporte, faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores ou incompletos. G. Mais uma vez, e não olvidando a jurisprudência quanto a não exigência, por si só, dos boletins e ao desígnio do art.72.º da LGT, este facto da falta de boletins e de estarem incompletos, constitui mais um facto indiciário da incongruência material. H. Depois, conforme foi atentado no relatório de inspeção, e constante da matéria de facto provada, o valor recebido a título de ajudas de custo foi um valor constante de €1.100,00 e que no mês de Outubro foi pago cerca do triplo desse valor. I. Nessa consonância, retira-se que não existe um facto de ocasionalidade, que é intrínseco às ajudas de custo, porquanto as ajudas são compensações pelas despesas que o trabalhador teve de suportar, ou presuntivamente deveria suportar, nas deslocações ao serviço da entidade patronal, correspondendo a situações pontuais em que o trabalhador teve de suportar despesas por mudança do local de trabalho contratualmente previsto ou deslocações para fora do seu local habitual de trabalho. J. A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação de trabalho. K. As despesas de deslocação e estada são, como o nome sugere, despesas suportadas com transporte, estadas, refeições efetuadas pelos trabalhadores dependentes da empresa por motivos de deslocação destes fora do local de trabalho mediante a apresentação de um documento comprovativo. L. Isto significa que, o Impugnante veio defender que as ajudas de custo eram para fazer face as despesas de deslocação, e conforme decorreu o entendimento do Tribunal a quo, e em simultâneo verificou-se que a entidade patronal contabilizou custos de ter suportado essas despesas. M. Atento o Tribunal a quo ter ajuizado como meramente indiciária e irrelevante os factos apurados pela AT, apesar de constarem da matéria de facto provada, importa gizar que a apreciação jurisdicional tem de considerar os sintomas de verdade numa determinada situação, em respeito pela tutela jurisdicional e verdade material, recorrendo ao princípio da inquisitório sempre que necessário, independentemente dos cânones do ónus da prova. N. Logo, a decisão jurisdicional não pode ficar refém do entendimento que a recolha de factos em sede de investigação foi insuficiente para apurar os sintomas da verdade, e por isso, quando assim o entende, como entendeu o Tribunal a quo, deve lançar mão das suas ferramentas, designadamente, do seu poder oficioso de encetar todas as diligências que considere pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório. O. Ora, no caso dos autos, verifica-se que a AT recolheu elementos em sede de inspeção tributária à entidade patronal, que suscitaram uma inspeção tributária ao Impugnantes, sendo desta conjugação de elementos recolhidos que conduziu ao entendimento final de que as ajudas de custo estavam a ser indevidamente pagas como tal, ou indevidamente qualificadas como tal, constituindo antes um rendimento do Impugnante. P. Então, o Tribunal a quo deveria, oficiosamente e ao abrigo do princípio do inquisitório, ter diligenciado o apuramento dos factos, à luz do que considerava ser necessário, e não apenas invalidar o entendimento da AT. Q. Em respeito, por no contencioso tributário vigorar o princípio do inquisitório (e da investigação), segundo o qual o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do artigo 99º da LGT e artigo 13º do CPPT. R. E como a AT já tinha alocado vários factos probatórios ou indiciários (como entende o Tribunal a quo), então este princípio do inquisitório podia ser conjugado com o princípio do pedido e com o ónus de alegação dos factos, condições de eficácia do processo. S. Aqui chegados, não corresponde à realidade, em conformidade com o princípio da normalidade, mesmo que por vezes tal aconteça, que um trabalhador ganhe muito mais em ajudas de custo do que o seu ordenado, e que por essa via existe uma redução do imposto a pagar pelo rendimento auferido. T. Assim, como não é normal que uma entidade patronal tenha despesas de ajudas de custo, onde inclui as deslocações, e em simultâneo também suporte despesas de deslocação e estadas, existindo uma duplicação de despesas, ou seja, o mesmo facto origina dois pagamentos. U. Tal como não é normal que as ajudas de custo tenham um valor fixo, ocorrendo um padrão de pagamento. V. E por fim, não é normal, que a entidade patronal não tenha registos de suporte de pagamento dessas ajudas de custo, ou, os que existem são incompletos. W. Logo, em sintonia com o tudo o referido, e já supra aclarado, entendemos que o Tribunal a quo não valorou corretamente os factos apurados em sede da ação de inspeção tributária e reiterados em sede do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, andando mal na sua decisão, ao dar por irrelevante os factos apurados pela AT, apontando falhas à sua atua investigatória e escudando-se na imputação do ónus da prova à AT, X. Mas o que é relevante é que o Tribunal a quo, se assim entendia que a AT deveria ter ido mais longe para descobrir a verdade material indiciada pelos elementos que apurou, então olvidou os seus poderes inquisitórios para oficiosamente diligenciar o que achava necessário para descobrir a verdade material! Y. Nesta senda, à luz do entendimento vertido na sentença, a Fazenda Pública entende que a apreciação jurisdicional efetuada pelo Tribunal a quo está ferida pelos desrespeito do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, porquanto olvidou diligências que considerou necessárias para apurar indícios factuais que considerou pertinentes! Z. Portanto, entendemos que mal andou a decisão do Tribunal a quo em todo o seu caminho decisório quanto à não qualificação das ajudas de custo como rendimento do Impugnante, para efeitos de tributação em sede de IRS. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada, JUSTIÇA!” * O Recorrido, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo as suas conclusões o seguinte teor: “IV - Conclusões A - A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação adicional de IRS por vício de violação de lei consubstanciado na errónea qualificação de rendimentos, ao qual acresce o vício formal de falta de fundamentação por parte da Recorrente. B - O objecto do recurso apresentado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública impende precisamente sobre estas duas questões, considerando que a liquidação adicional se deverá manter, atendendo a que o montante pago a título de ajudas de custo ao RECORRIDO constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato de trabalho e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente. C - No entendimento da Fazenda Pública, foi feita prova suficiente de que o montante pago a título de ajudas de custo ao RECORRIDO, representa um ganho real para este, consistindo em rendimento de trabalho dependente. D - Alega ainda a Fazenda Pública que, mesmo que não se entendesse que a prova referida foi levada a cabo, sempre seria de considerar que competia ao Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do inquisitório, ter diligenciado o apuramento dos factos, à luz do que considerava ser necessário, com vista ao apuramento da verdade tributária. E - Acompanha o RECORRIDO tudo o quanto foi proferido na sentença, que surge na sequência de tantas outras similares que se referem a trabalhadores da CMN e que já transitaram em julgado. F - Tanto a AT como a Fazenda Pública, quer na descrição da factualidade de suporte ao acto de liquidação impugnado – que é parte integrante do Relatório de Inspecção Tributária –, quer em sede de alegações de recurso, se limitam a utilizar afirmações vagas e genéricas, que não logram provar qualquer factualidade com aptidão legal que fundadamente suporte a liquidação adicional efectuada. G - Veja-se, a título de exemplo, a argumentação que serviu de base à Fazenda Pública para concluir pela qualificação das verbas pagas a título de ajudas de custo como rendimentos de trabalho dependente: (v) Alegadamente, o RECORRIDO auferir uma quantia significativamente superior a título de ajudas de custo, comparativamente à remuneração pelo seu próprio trabalho; (vi) Alegadamente, paralelamente à atribuição das ajudas de custo, a entidade patronal pagou ela mesma essas despesas de deslocação e estadas, dando origem a uma duplicação de despesas; (vii) Alegadamente, o valor pago ao Recorrido a título de ajudas de custo teve um valor fixo; (viii) Alegadamente, a entidade patronal não tem registos de alguns dos boletins itinerários justificativos dos montantes pagos a título de ajudas de custo. H – Partindo dos pressupostos supra mencionados, concluiu a Recorrente que as quantias pagas pela entidade patronal ao RECORRIDO não têm carácter compensatório, mas sim remuneratório. Assim, concluiu que o pagamento referente a ajudas de custo teve o desiderato de remunerar o RECORRIDO, consistindo no pagamento de um ordenado “disfarçado” de ajudas de custo. I – Em primeiro lugar, ainda que as ajudas de custo devam, por princípio, corresponder a montantes inferiores à remuneração base, a verdade é que a simples verificação de tais circunstâncias, por si só, não legitima que se conclua não se tratar de ajudas de custo, desde logo quando as deslocações em apreço se revelem excessivamente onerosas, como se verifica no caso vertente. J – O que releva, primordialmente, é que o funcionário, para o exercício das respectivas funções, se encontre sediado em determinado local e que, por força do exercício do cumprimento dessas funções, se veja obrigado a deslocar-se, no interesse da entidade patronal, a outro ou outros locais que, em razão da sua distância, implique a realização de despesas com deslocações e/ou alojamento, a serem suportadas pela entidade patronal. L – No que diz respeito ao ponto (ii) suprarreferido, trata-se de um argumento utilizado pela Fazenda Pública sem qualquer concretização probatória, pelo que de nada vale enquanto factor de afastamento de classificação dos valores pagos como ajudas de custo, na medida em que a AT não pode efectuar correcções à declaração do contribuinte com base em meras presunções ou suspeitas. M – Quanto à invocada regularidade e constância monetária das ajudas de custo: poderá, de facto, constituir um indício (ou “anormalidade indiciária”, como refere a Fazenda Pública) de que se trata de um complemento de remuneração. No entanto, como mero indício que é, devolve à AT o dever de averiguar a existência de outros elementos que confirmem – ou não – o carácter remuneratório das verbas em questão. N – Quanto à alegada ausência de boletins itinerários, o RECORRIDO acompanha a exposição argumentativa que consta da sentença recorrida, na medida em que é hoje consensual a irrelevância da falta de assinatura dos boletins ou até mesmo a falta dos próprios boletins, na medida em que não relevam para efeitos de prova da natureza das referidas despesas, conforme resulta da jurisprudência dos Tribunais Superiores. O – Importa, contudo, sublinhar que, independentemente da questão do ónus probatório, entende o RECORRIDO que dos presentes autos resulta prova suficiente para classificar os valores aqui em causa como ajudas de custo. P – No entanto, mesmo que assim não se entenda, é pacífico – e jurisprudencialmente incontroverso – que à Fazenda Pública cabe o ónus da prova, em casos como o que aqui está em causa. Q – Em sede de IRS, a determinação do rendimento colectável tem por base a Declaração Modelo 3, a qual deve ser entregue pelo sujeito passivo, vigorando, portanto, o princípio da verdade declarativa. R – Recai sobre a AT, ao abrigo do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, o ónus de provar a verificação dos requisitos que lhe permitam alterar o rendimento colectável declarado pelo sujeito passivo, apontando os elementos factuais demonstrativos de que as verbas pagas pela entidade empregadora constituem um rendimento do trabalho sem fim compensatório. S – Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-07-2019, processo 150/05.7BECTB; de 04-06-2020, processo 15/14.1BEALM; e de 16-12-2004, processo 00130/04. T – Tendo sido aceite pela AT a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica a criação de gastos acrescidos, incumbia-lhe demonstrar que o montante auferido pelo RECORRIDO a título de ajudas de custo era totalmente independente das deslocações efectuadas por este e das respectivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esses montantes excediam as despesas normais ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer, bastando-se com a alegação de meros indícios que em nada contribuem para concluir conforme concluiu. U – Ora, conforme a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul suprarreferida, de 04-05-2020, “para ser clara a fundamentação do relatório de inspecção tributária tinha que se mostrar capaz de criar no intérprete (julgador) a convicção de que as ajudas de custo pagas ao trabalhador (recorrido), não tiveram por finalidade, a compensação de despesas realizadas com a sua efectiva deslocação ao serviço e no interesse da sua entidade patronal”. V – Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções à declaração do contribuinte, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes à presente querela, o que determinou, e bem, a anulação da liquidação adicional de IRS. X – O mesmo é dizer que não conseguiu a AT, em definitivo, fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu. Z – Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, veja-se, entre muitas outras, as doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN, nos processos ns.º 289/13.5BEBJA, 344/13.1BEBJA, 176/13.7BEBJA, 119/13.8BEBJA, 355/13.2BEBJA, 145/13.7BEBJA, 341/13.7BEBJA, 342/13.7BEBJA, 338/13.7BEBJA, 414/13.7BEBJA, 288/13.7BEBJA, 336/13.7BEBJA, 339/13.5BEBJA; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN, nos processos ns.º 835/13.4BEALM, 586/13.0BEALM; pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nesse mesmo sentido, quanto aos trabalhadores da CMN, nos processos ns.º 1176/13.2BESNT e 1484/14.5BESNT; e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, nesse mesmo sentido, quanto ao trabalhador da CMN, no processo n.º 764/13.1BEPNF. AA – As aludidas Impugnações, que foram totalmente procedentes, apresentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Almada, Sintra e Penafiel por outros trabalhadores da mesma empresa CMN, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação das liquidações de IRS do ano de 2008 na sequência da mesma acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal a cerca de 300 trabalhadores. BB – No mesmo sentido foram, entre muitos outros, os doutos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Tribunal Central Administrativo Sul, proferidos no âmbito dos processos ns. 803/13.6BEALM, 766/13.8BEALM, 696/13.3BEALM, 430/13.8BEALM e 583/13.5BEALM que, com a mesma identidade de factos e fundamentos, tiveram por base a impugnação da liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008. CC – No entendimento do RECORRIDO, a prova produzida nestes autos é, como já se deixou apontado, concordante com a decisão de anulação da liquidação adicional de IRS. Contudo, para quem entenda que não se encontra esclarecida, restando qualquer dúvida quanto aos factos provados, os mesmos terão de se revelar desfavoráveis à AT, pois a ela lhe cabia o ónus probatório da ocorrência de circunstancialismo justificativo de uma não aceitação da declaração de rendimentos do RECORRIDO, como seja a ausência de menção a determinada importância como sujeita a tributação em sede de IRS. DD – Por outro lado, a Recorrente entende ser da competência do Tribunal o apuramento de novos elementos concretizadores sobre a situação de facto das ajudas de custo, ao abrigo do princípio do inquisitório, e independentemente dos cânones do ónus da prova. EE – Também nesta parte, o RECORRIDO discorda do entendimento da Fazenda Pública. FF – De facto, por força do n.º 1 do artigo 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer. GG – É certo que o princípio do inquisitório tem por objectivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes. No entanto, não pode o juiz substituir-se às partes, realizando ele a prova que competia a estas produzir. HH – Acresce que não se deve confundir o exercício pelo tribunal dos seus poderes investigatórios com o controlo judicial sobre o exercício, pela AT, do seu poder de investigação no âmbito do procedimento tributário. Isto é, a AT, ao criar a base factual da sua decisão, tem que investigar todos os factos que à situação digam respeito, quando se mostrem susceptíveis de permitir um melhor esclarecimento (mesmo tratando-se de factos que, a serem comprovados, resultarão favoráveis ao contribuinte). II – Nas palavras de RUI MORAIS, e em concretização desta ideia, diremos que “antes de se colocar a questão da produção da prova em tribunal, de este, eventualmente, ordenar oficiosamente a realização das diligências instrutórias que considere necessárias, há – no contencioso de impugnação – que decidir se a administração cumpriu ou não cabalmente com o seu dever de investigação (…)”. JJ – Do mesmo modo, antes de se colocar a questão dos poderes de investigação do tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, cumpre analisar se se encontra cumprido o ónus probatório, por parte da AT, no âmbito do procedimento tributário. LL – Assim, não pode a Fazenda Pública querer imputar, quer ao tribunal, quer ao RECORRIDO, a responsabilidade pela produção de prova que só a ela cabia, por decorrência do princípio da repartição do ónus da prova. MM – A entidade liquidadora tem que ter, no procedimento, uma conduta exemplar de rigoroso cumprimento da lei. Assim, o dever público que impende sobre a Autoridade Tributária, enquanto entidade liquidadora, é o de liquidar apenas e só o que é devido, efectuando todas as diligências necessárias para o assegurar, evitando o desperdício de recursos públicos como o que aqui nos deparamos. NN – Por todo o exposto, entende o RECORRIDO não se verificar qualquer erro de julgamento de facto e/ou de direito, porquanto os elementos apurados pela AT são insuficientes para dar como cumprido o ónus da prova que recai sobre si, sendo que a decisão do tribunal não poderia ser outra. OO – Sem prejuízo, ficou provado nestes autos que os montantes pagos ao RECORRIDO constituem verdadeiras ajudas de custo e que, como tal, a liquidação adicional impugnada padece de ilegalidade. PP – Por todo o exposto, deve ser mantida a douta sentença recorrida, anulando-se a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008. Nestes Termos, Deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a anulação do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008.” * O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir. * Delimitação do objeto do recurso Em ordem ao consignado no artigo 639º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: i)se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito ao julgar procedente a impugnação.
* II. FUNDAMENTAÇÃO II.1- De facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “Sobre tanto, da prova reunida é a seguinte a factualidade que resulta provada: 1. No dia 1 de agosto de 2007 o Impugnante, P......., celebrou contrato de trabalho a termo incerto com a sociedade C....... – M........., L. da, com sede na Rua Almeida Garret 10-1º d.to, na Amora, concelho do Seixal, no qual além do mais ficou estipulado que: «[…] Quarta (Local de trabalho, deslocações e destacamento) 1. O 2º Outorgante [Impugnante] é contratado para as oficinas sitas no local da sede da CMN, obrigando-se, porém, a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a CMN exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho ora contratada. 2. No início da execução do presente contrato, o 2º Outorgante deslocar-se-á para as instalações/obra da D........., S. A., em Jerez de los Caballeros, podendo esta, a todo o tempo e nos termos previstos no número anterior, indicar outro local para a realização da prestação de trabalho. 3. O 2º Outorgante obriga-se ainda a realizar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da CMN. 4. Em eventual situação de destacamento, o 2º Outorgante receberá uma ajuda de custo mensal, de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais.» 2. Relativamente ao ano de 2008, o Impugnante entregou à Administração Tributária, em 13 de abril de 2009, a sua declaração de rendimentos para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – modelo 3 –, na qual declarou como rendimento de trabalho dependente o valor de €11.200,00. 3. A referida sociedade C....... – M........., L.da , foi sujeita a uma ação inspetiva e, com base nos elementos então recolhidos pelos serviços inspetivos da Administração Tributária, viria a ser aberto procedimento inspetivo em relação a trabalhadores seus, entre eles ao Impugnante [ordem de serviço OI201101392, de 7 de outubro de 2011], a qual teve âmbito parcial, visando observar o seu cumprimento das obrigações tributárias, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. 4. No respetivo relatório final, de 20 de novembro de 2012, notificado a Impugnante a 11 de dezembro seguinte, depois de aprovadas a respetivas conclusões por despacho de dia 28 daquele mês de novembro, entre o mais concluiu-se que: «[…] para além dos rendimentos de trabalho dependente declarados pela empresa, no montante de € 11.200,00, foi ainda pago com carácter de regularidade uma importância a título de “ajudas de custo” que no ano de 2008 atingiu o montante de € 15.470,63 […]. Este valor, pago a título de ajudas de custo e que foi efetivamente recebido pelo trabalhador, não foi objeto de retenção na fonte por parte da entidade pagadora dos rendimentos e também não foi declarado pelo sujeito passivo em análise. De acordo com o artigo 249º da Lei nº 99/2003 de 27 de agosto em vigor à data dos factos, “…na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie…” e “…até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.” […] nos termos do ofício nº 34931 de 30 de agosto de 1995 da DGCI, “As ajudas de custo abonadas pelas empresas aos seus trabalhadores, serão aceitas como custo do exercício nos termos da alínea d) do artigo 23º do Código do IRC, desde que destinem a fazer face a despesas de deslocação ao serviço da empresa e que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos. As despesas em causa considerar-se-ão devidamente documentadas quando o boletim itinerário emitido pelo trabalhador indique o dia ou dias em que esteve deslocado, o local da deslocação a natureza do serviço efetuado que originou a deslocação e o respetivo abono diário e total”. Refere ainda o mesmo ofício que: “o abono de ajudas de custo destina-se a fazer face a despesas com alimentação e alojamento” e que “se as despesas com alimentação e alojamento são pagas pela entidade patronal […] o abono simultâneo de ajudas de custo por já não ter essa natureza e não se enquadrar em nenhuma outra norma de exclusão da tributação, devera ser tributado como rendimento da categoria A”. Como se pode ainda verificar na legislação vigente “a exclusão de tributação dos valores pagos pelas empresas aos seus trabalhadores, a título de ajudas de custo, apenas ocorre quando reunidas as condições necessárias para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado […] previstas no Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de abril. A principal das condições necessárias para a atribuição do abono de ajudas de custo é a deslocação física do funcionário para fora daquele que é definido no artigo 2º do Decreto-Lei nº 106/98 como domicílio necessário do trabalhador. Nos termos dessa legislação, “… sem prejuízo do estabelecido em lei especial, considera-se domicílio necessário para efeitos de abono de ajudas de custo a localidade onde o funcionário aceitou o lugar ou cargo, se aí ficar a prestar serviço; a localidade onde exerce funções, se for colocado em localidade diversa da referida anteriormente ou a localidade onde se situa o centro da sua atividade funcional, quando não haja local certo para o exercício de funções”. Assim, a atribuição de ajudas de custo apenas não será tributada em sede de IRS quando o trabalhador é deslocado do local (localidade) onde aceitou prestar serviço. […] Para se considerar o pagamento de ajudas de custo, além de ter de se verificar os pressupostos legais e documentais da sua atribuição, é condição necessária que o trabalhador seja deslocado ocasionalmente para local diferente daquele para o qual foi contratado e onde se encontra a exercer atividade, para aí, excecionalmente, desempenhar funções. Pelo que, apenas as deslocações feitas para fora do local constante do contrato de trabalho é que determinam o direito à atribuição de ajudas de custo, nos termos da atribuição aos servidores do Estado, e, como tal, não sujeitas a tributação em sede de IRS, na parte que não excedam os limites legais. Da análise dos contratos celebrados pela empresa, nomeadamente do disposto na cláusula quatro, nº 2, conclui-se que os trabalhadores foram contratados para exercer funções em diversos locais distintos fora de Portugal, não tendo existido assim deslocação desses mesmos locais de trabalho, pelo que, os valores atribuídos não visavam compensar os trabalhadores por despesas realizadas ao serviço da entidade patronal, mas sim pelo facto do seu local de trabalho não coincidir com a sede da empresa, revestindo esses montantes a natureza de remunerações. No presente caso constatou-se que o local de trabalho, determinado no contrato D...... – Jerez de los Caballeros, coincidia com o local onde o trabalhador prestou o serviço e como tal constante dos recibos de remunerações. Constatou-se igualmente que a retribuição, sob a designação de “ajudas de custo”, supera o valor da respetiva remuneração e que nas pastas dos documentos de suporte verificadas junto da C.M.N […] faltam muitos boletins itinerários justificativos desses montantes e outros não estão assinados pelos próprios trabalhadores. […] constatou-se que o boletim itinerário referente ao mês de maio, para além de não estar assinado, menciona que entre os dias 01 e 30 de maio de 2008 o trabalhador foi diariamente de Amora a Jerez de los Caballeros (Espanha) e voltou, tendo saído às 7 horas e regressado às 22 horas, pelo que não oferece qualquer credibilidade. […] verifica-se que o sujeito passivo recebeu a título de ajudas de custo um valor constante de € 1.100,00 e que no mês de outubro lhe foi pago sensivelmente o triplo. Devido a estes factos conclui-se não existir um carácter ocasional na atribuição das ajudas de custo, mas sim uma constância ao longo do ano. […] Por este facto [...], estas importâncias devem ser consideradas como complementos de remuneração, e como tal constituem rendimentos de trabalho dependente (categoria A) […]. […] pelo que se propõe a alteração dos rendimentos declarados, nos termos do nº 4 do artigo 65º do Código do IRS, corrigindo-se o valor dos rendimentos da categoria A [do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares] nos seguintes termos: 5. As quantias prestadas pela entidade empregadora ao Impugnante, no ano de 2008, a par das remunerações mensais – €800,00 por mês; com retenção na fonte para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e da taxa social única a favor da Segurança Social – consistiram no pagamento, a título de ajudas de custos (refeições e estada), em todos os meses, exceto outubro, da quantia de €1.100,00, que é o produto de um valor variável [nuns casos €47,83, noutros €55,00, ou €57,89, por dia, consoante o número de dias úteis de cada mês, o que resulta sempre naquele valor de €1.100. 6. E, no mês de mês de outubro – em que lhe foi abonado o subsídio de férias –, foram-lhe pagos, a título de ajudas de custo, €3.370,63, produto do valor diário de €108,73 por 31 dias, bem como €463,07, também como ajudas de custo, mas pelo uso de viatura própria em 909km. 7. Ainda, da folha de itinerário da entidade patronal do Impugnante, relativa ao mês de maio de 2008 e a ele, constam deslocações entre a Amora e Jerez de los Caballeros em todos os dias úteis, com partida da Amora às 7:00 e regresso às 22:00. 8. Na sequência das conclusões aprovadas, da supra-citada ação inspetiva, a Administração Tributária elaborou a 4 de dezembro de 2012 uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ao Impugnante, com o nº[2012]4005089754, incluindo os juros compensatórios conexos, relativa ao ano de 2008, da qual resultou, após compensação com a liquidação originalmente elaborada, uma dívida de imposto e juros num total de €4.457,83, com prazo de pagamento com termo a 9 de janeiro de 2013. 9. O Impugnante reclamou graciosamente da liquidação a 2 de maio de 2013, a qual foi indeferida por despacho de 30 de dezembro de 2013, com fundamento em que: «[…] Da conjugação entre os elementos que constam dos recibos de vencimentos e o disposto na cláusula quarta (Local de trabalho, deslocações e destacamento) do contrato de trabalho a tempo incerto [celebrado entre a citada sociedade e o Impugnante] comprova-se que: a localidade onde o Reclamante ficou a prestar serviço, durante o 1º semestre do exercício de 2008 foi Jerez de los Caballeros, conforme ficou estipulado no ponto 2 da cláusula quarta do referido contrato. No 2º semestre de 2008, desempenhou funções no departamento de recursos humanos da CMN de acordo com o determinado no ponto 1 da cláusula quarta do referido contrato. O ponto 3 da cláusula quarta do referido contrato de trabalho determina que as deslocações efetuadas para a realização da prestação de trabalho são a cargo da CMN. Ainda pelo disposto no ponto 4 da cláusula quarta do contrato de trabalho a termo incerto conjugado com o anteriormente descrito, se patenteia a inexistência de eventual situação de destacamento. Da análise à documentação disponibilizada pela entidade pagadora, nomeadamente recebidos de vencimento, mapas de pagamento mensal e contrato de trabalho a tempo incerto conclui-se, o montante recebido não tinha caráter compensatório, a empresa suportou todos os encargos. Os documentos de suporte dos valores pagos ao Reclamante a título de ajudas de custo itinerário existentes na CMN são folhas itinerário. Contudo estes mapas itinerários não existem como documento de apoio em todos os meses, e nem sempre cumprem todos os requisitos exigidos (a assinatura do Reclamante). As folhas itinerário estão desajustadas face aos documentos analisados. Do explanado conclui-se que, o montante recebido pelo Reclamante a título de ajudas de custo não tem caráter compensatório, mas sim remuneratório, consequentemente não tem enquadramento como ajudas de custo, o que implica a manutenção do montante reclamado, integrado na retribuição do trabalhador, como rendimento da categoria A. O reclamante não carreou em fase de reclamação quaisquer documentos novos, nem as suas alegações permitem comprovar ou quantificar de forma inequívoca os valores reclamados, para que seja efetuado o requerido. […] Da consulta aos mapas de pagamentos da Entidade Patronal por empregado, verifica-se que o Reclamante independentemente de estar afeto à obra […] em Jerez de los Caballeros ou estar afeto ao departamento de recursos humanos, na sede da empresa, recebe mensalmente de ajudas de custo, o valor fixo de € 1.100,00, com exceção do mês de outubro (mês de férias) que triplica o valor de ajudas de custo recebidas. O reclamante não explica porque continuou a receber ajudas de custo enquanto esteve a desempenhar funções durante 6 meses na sede, porque recebeu ajudas de custo no mês de férias, porque triplicou o montante de ajudas de custo no mês de férias e ainda porque recebeu € 463,07 por 909 Km percorridos no mês de férias. Da análise ao resumo da folha itinerário verifica-se que o valor fixo no montante de € 1.100,00 que recebeu mensalmente foi calculado com base em 22 dias de ajudas de custo/mês pelo valor diário de € 50,00 de ajuda de custo completas (100%). Contudo, através dos mesmos boletins itinerários o Reclamante discrimina deslocações diárias com início e regresso da viagem no mesmo dia. O Reclamante não exibe um único documento comprovativo do alegado. Conclui-se que o valor reclamado não se destinava a reembolsar o Reclamante por despesas que tivesse de efetuar em serviço e a favor da entidade patronal, com caráter temporário e fora do local habitual de trabalho, constitui antes uma prestação regular e periódica, um complemento de retribuição correspetivo da sua prestação de trabalho. […]» 10. De tanto notificado a 2 de janeiro de 2014, no dia 16 seguinte apresentou o Impugnante a petição na origem dos presentes autos.” * Factos não provados ” Inexistem outros factos provados com interesse para a decisão. Não se provou já, com aquele relevo: 1. Que paralelamente à atribuição das quantias a título de ajudas de custo referidas na matéria de facto provada a entidade patronal do Impugnante haja de outro modo suportado as mesmas despesas por ele incorridas com viagens, alojamento e transporte, em 2008, por razões de trabalho ao seu serviço, designadamente com as deslocações do Impugnante entre a Amora e Jerez de los Caballeros e a sua alimentação e estadas aqui. 2. Se e quando, no ano de 2008, o Impugnante gozou férias.” * Motivação “A factualidade que resultou provada assenta na convicção que o Tribunal formou através do exame crítico da prova reunida, os documentos públicos ou particulares, que não fazem dúvida – não impugnados, de resto –, sob o valor probatório que os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil lhes emprestam e ainda o que os arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 do mesmo corpo de normas, a propósito dos particulares, lhes conferem. Assim, o vertido nos pontos 1.-2. extraiu-se do teor do contrato de fls.31-32 da reclamação graciosa; o consignado nos pontos 3.-4. extraiu-se do relatório da ação inspetiva ao Impugnante, constante de fls.122v.ss. (fls.24.ss. da reclamação graciosa), a notificação aí referida inicialmente de fls.23-23v. da reclamação graciosa. O vertido nos pontos 5.-7., retirou-se dos mapas de pagamentos, por empregado, da citada entidade patronal e mapa itinerário citado, todos respeitantes ao Impugnante, de fls.32v.-34 e de fls.35 da reclamação graciosa. O consignado no ponto 8. retirou-se de fls.14-19 da reclamação graciosa. O descrito no ponto 9. retirou-se, naturalmente, de fls.63ss. da reclamação graciosa, bem como o consignado no ponto 10., I parte, a II parte resulta da apresentação eletrónica em Juízo, da petição inicial. Já a matéria de facto não provada mereceu esse juízo negativo sobre a sua ocorrência mercê da absoluta falta de prova sobre ela.” * II.2 - De direito In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por P......., do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS nº ……..4 e respetivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2008, no valor total de € 4.457,83 e em consequência anulou os atos impugnados. As questões sob recurso que importa aqui apreciar e decidir são de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito na análise concreta que faz da situação laboral do ora Recorrido quanto aos valores auferidos a titulo de ajudas de custo, e bem assim, quanto aos pressupostos de qualificação desse tipo de pagamentos e respetivo ónus da prova. Comecemos pela questão do alegado erro de julgamento de facto. Sobre esta questão ensina António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 169, atento o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão. Deste modo, o regime concernente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [vide, al. a) do nº 1 do art.º 640º do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Quando os factos a fixar tenham por base gravações realizadas nos autos, incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte. Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados. In casu, a Recorrente limita-se a afirmar que não foram tidos em consideração os factos alegados nos artigos 27.º a 37.º, 52.º, 53.º da informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, sem, porém, indicar as concretas vestes que tais factos deveriam revestir, nem indicando com base em que meios probatórios os mesmos ser dados como provados. Acresce ainda que os mencionados artigos da informação não respeitam a factos, enquanto ocorrências da vida real, mas considerações de Direito e apreciações que aquela entidade faz do relatório inspectivo e do Direito a aplicar. Ora, não tendo a Recorrente cumprido os ónus que sobre si impendiam, rejeita-se o presente Recurso, nesta parte. Alega também a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento de Direito, sustentando a sua argumentação na circunstância de considerar que a AT reuniu todos os indícios suficientes para concluir que os montantes pagos pela entidade patronal ao trabalhador a título de ajudas de custo, constituíam antes verdadeiras remunerações do trabalho prestado. Defendia o Impugnante na impugnação que apresentou (e também agora em sede de contra-alegações) que foi, em 2008, contratado para exercer funções em Portugal, que reside em Portugal, que, quer a sua residência, quer o seu domicílio profissional se situavam, em 2008, em Portugal, que qualquer deslocação ao serviço da entidade patronal consubstanciaria, na esfera do Impugnante, uma efetiva deslocação que, nos termos contratuais e legais, sempre daria lugar ao pagamento de ajudas de custo, que as ajudas de custo estão isentas de IRS, que se a Administração Tributária (AT) pretendia efetuar uma correção ao rendimento coletável declarado, cabia-lhe demonstrar de que forma não estavam reunidos os pressupostos da não tributação de ajudas de custo em IRS, que deveria a AT provar a não ocorrência de efetiva deslocações ou que, no pagamento das ajudas de custo, foram ultrapassados os limites legalmente fixados. Seguiremos, sem qualquer reserva, o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10.11.2016, no processo n° 00764/13.1BEPNF. Com efeito - repete-se - a questão essencial a analisar é a mesma, ali se apreciando a controvérsia ajudas de custo/remunerações pagas pela CMN, em 2008, a um outro trabalhador. A base fundamentadora da liquidação impugnada no referido processo n° 00764/13.1BEPNF (o relatório de inspeção) é em tudo similar àquela que está subjacente à liquidação emitida com respeito ao ora Recorrido. É, pois, com expressa menção e transcrição do citado acórdão que se passará a decidir. No Acórdão proferido no processo n° 00764/13.1BEPNF ficou dito, além do mais, o seguinte: “(…) A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora. Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n° 2 e a alínea b) do n° 3 do artigo 2o do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laborai e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais. Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo — artigo 2o, n° 2, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante,), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória. A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado. Tudo isto, naturalmente no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos. Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém — se bem vemos — de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n° 00237/06.9BEBRG. Vamos, então, transpor estes conceitos para a situação em análise: No relatório inspectivo que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada,os serviços de inspecção tributária constataram que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objecto o reembolso das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Recorrido marido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro. Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia (periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro. Contudo, compulsado o contraio de trabalho celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4" que o impugnante marido contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C... ”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C... ” exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando da decisão da matéria de facto (ponto 3º que a “C... ” tem sede em Amora [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4a refira que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da "S... s.r.l”, em Southampton [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C... ”, em Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da “C... ” — cfr. cláusula 4a do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia. Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor afixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais - cfr. ponto 4 da cláusula 4a”. Na alínea B. das suas conclusões de recurso, refere a Recorrente que foram incorretamente julgados os pontos constantes dos artigos 27.º a 37.º, 52.º, 53.º da informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa e que integra o Processo Administrativo Tributário que se encontra junto aos autos de primeira instância e para a qual foi feita remissão no articulado de contestação apresentado, o que consubstancia erro de julgamento. Ora, dos referidos pontos, retira-se, no essencial e de relevante, que resultou da ação de inspeção à firma C…… e N….., Lda, que esta pagou uma quantia fixa e regular ao Impugnante, que se encontrava a trabalhar no estrangeiro (em Espanha), local para o qual foi contratado para trabalhar. E, porque o local de trabalho estipulado no contrato de trabalho era um país estrangeiro, não pode considerar-se que o trabalho aí prestado tenha implicado para o trabalhador uma deslocação relativamente ao seu local de trabalho e que, em consequência, este tivesse de suportar do seu bolso despesas que devessem ser suportadas pela entidade patronal porque efetuadas ao seu serviço e a favor dela. Refere-se ainda na Informação, que, “Porque não estão aqui em causa deslocações mais ou menos esporádicas do ora Impugnante ao estrangeiro, a justificar o abono ocasional de ajudas para o custo acrescido decorrente dessas deslocações, não pode deixar de se concluir que as prestações auferidas pelo Impugnante a título de “ajudas de custo” integravam a respectiva retribuição ou remuneração de trabalho, constituindo um complemento desta, o que é corroborado pelo facto de terem sido logo estipuladas contratualmente, com natureza fixa, regular e permanente por cada dia de trabalho efetivo, independentemente da existência de quaisquer deslocações ocasionais efectuadas em serviço e a favor da entidade patronal.” Mais se diz na Informação em causa, que, no âmbito da inspeção, constataram-se indícios sérios, fortes e consistentes da eventual situação irregular do Impugnante, ora Recorrente, tendo a AT efetuado o ónus da prova sobre os factos verificados e fundamentado legalmente as suas correções, conforme resulta do relatório de inspeção. Ora, in casu, no contrato celebrado pelo Impugnante, ora Recorrido, com a referida sociedade sua entidade patronal (cfr. ponto 1. dos factos provados), (cláusula quarta ponto 1) diz-se expressamente que ele é contratado para as oficinas no local da sede da sociedade C. M. N., apesar de ele se obrigar a deslocar-se para qualquer um dos estaleiros ou obras em que a empresa da entidade patronal exerça ou venha a exercer a sua atividade. O que daqui resulta é que o Impugnante foi contratado para exercer funções na sede da empresa da sociedade, no Seixal, portanto, podendo a entidade empregadora deslocá-lo – por razões eventuais do serviço – para outro local. O facto de ter igualmente ficado clausulado (cláusula quarta ponto 2) que no início da execução do contrato o Impugnante se deslocaria para obra ou instalações em Jerez de los Caballeros, bem como (cláusula quarta ponto 4) que «em eventual situação de destacamento» o Impugnante receberia ajudas de custo a que acresceria uma ajuda de custo «diária suplementar» para transportes locais, não significa que o Impugnante se tivesse por domiciliado naquela localidade de Espanha. Significa, sim, que o Impugnante foi contratado para exercer funções no local da sede da entidade empregadora, sem prejuízo de se ter obrigado a deslocar-se para quaisquer obras ou instalações dela, para aí prestar o trabalho contratado, designadamente para aquela em Espanha. Ou seja, a localidade onde o Impugnante aceitou o cargo – para usar a terminologia do Decreto-Lei 106/98 – é, conforme resulta da literalidade dos termos contratuais, a da sede da entidade empregadora, i. e., na Amora, Seixal. Assim, o primeiro fundamento dos atos impugnados para globalmente afastarem a qualificação das quantias em causa e considerarem-nas como complemento remuneratório, inexistência de uma efetiva deslocação, por motivo de serviço, do Impugnante para além do seu domicílio necessário, tal como havia sido tido pela entidade patronal do Impugnante, quer por este, é errado, como bem considerou a decisão recorrida. Refere ainda o citado acórdão que: "Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar. Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em Amora/Seixal , sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de Ia numa obra ao serviço da sua entidade empregadora. Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74°' da Lei Geral Tributária. Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n° 3 do artigo 2o CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n° 106/98 de 24 de Abril "Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n° 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”. O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço. Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a “C... ” exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a “C... ” tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos. No caso dos presentes autos verifica-se que as condições em que o Impugnante foi contratado pela CMN são absolutamente idênticas quanto ao local para a prestação do trabalho a que alude o transcrito Acórdão. E prosseguindo, refere-se ainda no mencionado Acórdão que: “De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado. Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário. Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações. Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TC A proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos n°s 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n° 25.481. Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134" do C.P. T. (e, presentemente, no art. 72°da L. G. T. e 115.°do CP. P. T)». Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário — cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n." 111/02-Braga. O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C... ”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de Ia tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra). Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no C1RS para efeitos de tributação em sede deste imposto. (...) Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.” Ora, como bem se ponderou e entendeu na decisão recorrida, “ (… ) na sequência da assunção errada da exclusão global da possibilidade de as quantias materialmente constituírem ajudas de custo, por ausência de deslocação, em trabalho, do domicílio necessário do ora Recorrido, a AT não curou, em bom rigor, de provar que as deslocações do Impugnante documentadas nos mapas itinerário não tinham de todo modo ocorrido, a este propósito limitando-se a entender e concluir não oferecerem credibilidade, designadamente por sua constância mensal e, relativamente ao mês de maio, porque refere deslocações em todos os dias úteis entre a Amora e Jerez de los Caballeros, na província de Badajoz, Espanha, como se sabe contígua ao Alentejo, em Portugal, o que suscitando embora (com o mais…) dúvida, contudo não releva de uma impossibilidade prática. Por outro lado, e na mesma sequência da inadmissibilidade global das ajudas de custos qua tale, também não se cura de indicar na fundamentação dos atos como e porquê tais quantias percebidas pelo Impugnante excediam os limites para tanto legalmente admitidos, outro dos motivos de tributação, antes se precipitando os atos na conclusão classificativa das quantias com base em conclusões que, sem a necessária factualidade objetiva de base, em nada se sustentam, por ser a factualidade ou inócuas ou meramente indiciária. Como sucede com a constância de valores ou o caso particular das falhas apontadas aos boletins itinerário, sobre o que sempre se dirá que a falta da sua assinatura é irrelevante, como o são os próprios boletins, porque o facto de não existir documento justificativo externo não releva para efeitos de prova da natureza das referidas despesas, já que podem ser demonstradas por qualquer meio admissível, nos termos do disposto no artigo 72º da Lei Geral Tributária (LGT), ou artigo115º, nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (…)” Ora, uma vez, aceite pela AT a efetividade da deslocação, a qual, segundo as regras de experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar que os montantes auferidos pelo Impugnante a título de ajudas de custo era independente das deslocações e respetivas despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou pelo menos, que esses montantes auferidos excediam as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal, o que não logrou fazer, como bem concluiu o Tribunal a quo. Assim, volvendo agora ao início, sobre a génese dos atos e seu enquadramento impugnatório, sendo à Administração Tributária que compete demonstrar o direito de tributar, por não poderem as importâncias percebidas ser qualificadas como ajudas de custo, decorrente da pretensão de tributação expressa nos atos e da proposição probatória do art.74º, nº1 da LGT, competia-lhe provar ou a inexistência das deslocações, ou dos custos enquanto suportados pelo Impugnante, ou que embora sob os requisitos legais, eram todavia excessivos os montantes pagos, o que em qualquer das hipóteses manifestamente se não acha na fundamentação dos atos. Defende ainda a Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso (Conclusões P., Q., R e X.) ser da competência do Tribunal o apuramento de novos elementos concretizadores sobre a situação de facto das ajudas de custo, ao abrigo do princípio do inquisitório. No entender da Recorrente, “(…) o Tribunal a quo deveria, oficiosamente e ao abrigo do princípio do inquisitório, ter diligenciado o apuramento dos factos, à luz do que considerava ser necessário, e não apenas invalidar o entendimento da AT”. Ora, por força do n.º 1 do artigo 13º do CPPT, incumbe aos juízes dos tribunais tributários a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer. É certo que o princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes. No entanto, não pode o juiz substituir-se às partes, realizando ele a prova que competia a estas produzir. Acresce que não se deve confundir o exercício pelo tribunal dos seus poderes investigatórios com o controlo judicial sobre o exercício, pela AT, do seu poder de investigação no âmbito do procedimento tributário. Isto é, a AT, ao criar a base factual da sua decisão, tem que investigar todos os factos que à situação digam respeito, quando se mostrem susceptíveis de permitir um melhor esclarecimento (mesmo tratando-se de factos que, a serem comprovados, resultarão favoráveis ao contribuinte). Nas palavras de RUI MORAIS, e em concretização desta ideia, diremos que “antes de se colocar a questão da produção da prova em tribunal, de este, eventualmente, ordenar oficiosamente a realização das diligências instrutórias que considere necessárias, há – no contencioso de impugnação – que decidir se a administração cumpriu ou não cabalmente com o seu dever de investigação (…) [MORAIS, Rui Duarte – Manual de Procedimento e Processo Tributário. Coimbra: Edições Almedina, S.A., 2012. ISBN 978-972-40-5021-8.]. Antes de se colocar a questão dos poderes de investigação do tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, cumpre analisar se se encontra cumprido o ónus probatório, por parte da AT, no âmbito do procedimento tributário. Assim, não pode a Fazenda Pública querer imputar, quer ao Tribunal, quer ao Recorrido, a responsabilidade pela produção de prova que só a ela cabia, por decorrência do princípio da repartição do ónus da prova. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao ter concluído “Donde que seja forçoso concluir que a Autoridade Tributária não provou ali a diversa natureza que conferiu às quantias em causa, não logrou provar que tais quantias – ou parte – constituíam, materialmente, um rendimento do trabalho dependente nos termos do art.2ºnº3 corpo e alínea d) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de que se reclamam os atos. Termos em que tanto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa imediatamente impugnada, como a liquidação adicional (e consequentemente a dos juros compensatórios conexos) mediatamente impugnada padeçam diretamente de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito (errónea qualificação de rendimentos) – independentemente de este ser provocado pelo vício formal de falta de fundamentação –, pelo que ao abrigo do disposto no art.163ºn. os1 e 3 do Código de Procedimento Administrativo os anulamos a todos [incluindo-se a liquidação de juros compensatórios, pois que se o imposto não é devido por ilegal, igualmente indevidos são os juros compensatórios sobre ele calculados]”. Como tal, não assiste razão à Recorrente, além do mais, quando na alínea B. das suas conclusões de recurso, refere que foram incorretamente julgados os pontos constantes dos artigos 27.º a 37.º, 52.º, 53.º da informação oficial da Divisão de Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa. Entendemos assim, contrariamente ao alegado pela Recorrente, que nenhum erro de julgamento é de apontar à sentença recorrida. Pelo exposto, na improcedência das conclusões do recurso interposto, impõe-se julgar o mesmo improcedente, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida. * III. DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela Recorrente (artigo 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Registe e notifique. Lisboa, 23 de janeiro de 2025. ---------------------------------- [Maria da Luz Cardoso] ---------------------------------- [Sara Diegas Loureiro) ------------------------------ [Cristina Coelho da Silva] |