Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:186/09.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2024
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA
FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL
VÍCIOS DA SENTENÇA E DO ATO IMPUGNADO
NULIDADE DA SENTENÇA E ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I- Não se deve confundir a falta de fundamentação (vício formal), com fundamentação errada ou “falta de fundamentação substancial” (vício material).

II- A fundamentação substancial (dos pressupostos fáctico jurídicos suscetíveis de suportarem a decisão quanto ao mérito), na avaliação indireta, constitui um imperativo para legitimar a AT a lançar mão de um método subsidiário e excecional de avaliação da matéria coletável, bem como para permitir que o ato possa ser capazmente sindicado quanto aos pressupostos (de facto e legais) em que se alavancou.


III- Não se podem confundir os vícios do ato impugnado, com os vícios da sentença, cabendo ao Tribunal ad quem apreciar se bem ou mal andou o Tribunal a quo no ajuizado quanto aos vícios que contaminam o ato impugnado, aferindo se existe erro de julgamento (de facto ou de direito), ou, até, se existe nulidade no decidido.


IV- As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitantes à disciplina legal, tratando-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário da peça processual que é a decisão.


V- O erro de julgamento (error in judicando), pode resultar de uma distorção da realidade factual (error facti), ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subseção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - RELATÓRIO


..., LIMITADA (ora recorrente) veio recorrer da sentença proferida em ..........., pelo Tribunal Tributário de ..., na qual foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC de ..., ... e ..., fixadas por métodos indiretos, na sequência de um procedimento inspetivo de que foi alvo.


*


A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:

a. ocorreu um cumprimento meramente formal do direito de audição conferido á aqui recorrente, em termos violadores dos arts. 60° e 72° da LGT, não tendo sido dados a conhecer os elementos completos viabilizadores de resposta cabal (sendo a intervenção truncada) e não tendo sido considerados os elementos carreados para o processo pela impugnante em sede administrativa;

b. em clara violação do princípio do contraditório e do direito de participação dos particulares nas decisões que lhe dizem directamente respeito;

c. sendo que, a considerar-se inúteis os meios de prova apresentados pelo recorrente, sempre tal teria de ser afirmado por forma expressa, o que não ocorreu, em efectivo vicio de forma por preterição das formalidades essenciais;

d. não sendo os mesmos inúteis, carreando para a decisão elementos do maior relevo, os quais, inclusivamente, vieram a ser carreados para os factos provados pela própria sentença recorrida, contrariamente ao que a mesma, mais á frente, considera;

e. existe uma clara ilegalidade no recurso a métodos indirectos, deparando-se, nesta parte, com uma situação de evidente erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da nulidade do acto de recurso a métodos indirectos, por vicio de violação de lei (leia-se violação do disposto nos arts. 87°, al d) e 88° da LGT, 52° e 54° do CIRC);

f. não se podendo considerar proveitos da empresa recebimentos efectuados sem o seu conhecimento, quer em termos de pagamento, quer de prática de actos clínicos, por parte de um medico;

g. a liquidação objecto de impugnação nos autos carece, em absoluto, de fundamentação, na medida em que esta desvirtua a realidade subjacente ao percurso do processo e omite elementos essenciais á pratica do acto impugnado;

h. situação equacionada nos autos e que não foi objecto de pronuncia pela sentença recorrida que, ao não conhecer aquele vicio invocado, incorreu em nulidade cominada pelo art. 668°, n° 1, al c) do anterior Cod. Proc. Civil, aplicável ao caso dos autos;

i. os critérios adoptados para a fixação da matéria colectavel com recurso a métodos indirectos enferma de erro crasso, quer por recolher critérios desajustados e sem correspondência com a realidade, quer por desconsiderar elementos reais subjacentes á efectivação situação económica da impugnante, verificando-se os fundamentos de impugnação a que aludem os arts. 99° e 100° do CPPT e ferindo a liquidação de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

j. a sentença recorrida, salvo melhor opinião, violou os comandos legais e os princípios indicados nas presentes conclusões.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.


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Os autos tiveram vista do ... junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de julgar improcedente o recurso e manter o decidido.


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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II -QUESTÕES A DECIDIR:


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].


Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se:

i. - a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia;

ii. - a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito.


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

1. A impugnante encontra-se colectada em “...”, CAE 85.130, estando enquadrada no regime geral de IRC e, em sede de IVA, no regime normal trimestral entre .../.../2000 e .../.../2004 e no regime normal de periodicidade mensal no período subsequente;

2. Foi sujeita a uma acção de inspecção externa incidente sobre o IVA e o IRC e abrangendo os exercícios de ..., ... e ..., que culminou com o relatório datado de .../.../2007 que constitui fls.395 a 446 do apenso instrutor;

3. Consta daquele relatório, entre o mais que damos por integralmente reproduzido, o seguinte;

«III - Motivos e exposição dos factos aue implicam o recurso a métodos indirectos

De acordo com os elementos e informações recolhidos, foi possível apurar os seguintes factos que determinam a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável e, consequentemente, justificam a aplicação de métodos indirectos de determinação da matéria colectável, nos termos do n. °1 do art. °52. °do Código do IRC (...) e da alínea b) do art. °87.°e alínea d) do art. °88. ° (...) da Lei Geral Tributária (...).

III. I. - Omissão nas prestações de serviços


III. 1.1. - Desvio de vazamentos por serviços prestados pelo sócio


A clínica foi criada em ..., sendo um dos sócios o Dr. AA, com uma quota de 4.750.000$..., de um total de capital social de 5.000.000$.


Em ... e em resultado da divisão da sua quota, cedeu uma quota no valor de 3.250.000$..., à sociedade A. ..., reservando para si uma quota de 1.500.000$..., tendo celebrado igualmente um contrato de prestação de serviços com a clínica.


Nos termos daquele contrato, o Dr. ... foi contratado como director clínico da clínica, constituindo a sua remuneração 500.000$ (valorfixo) + 50% do valor dos actos clínicos em que interviesse directamente (parte variável), produzindo tal contrato efeitos na data de cessão de quotas, tendo sido incluída cláusula de não concorrência durante 5 anos após cessação de funções de director clínico.


No ano de ... e de acordo com a leitura da acta da assembleia geral n. °19 de .../.../2004, o representante da sócia maioritária A. ..., refere e citamos: “tendo-se constatado que se verificaram situações no seio da clínica susceptíveis de fazer perigar o seu normal funcionamento, a gerência da sociedade tomou a iniciativa de comunicar ao director clínico da mesma e também sócio, Dr. AA, a suspensão das suas funções no sentido de proceder ao seu cabal apuramento sem que o mesmo fosse afectado por tais diligências. Com efeito, constatou-se a ocorrência da transferência de pacientes para a clínica da ... (...) ”.


Em ..., o Dr. ... enviou carta ao representante da sócia maioritária a comunicar a rescisão das suas funções como director clínico, rescisão esta que foi aceite em assembleia geral de .../.../2004, conforme acta n°20.


Na mesma assembleia geral foi declarado pelo representante da sócia maioritária..., que seria intenção “a clínica intente contra o sócio Dr. AA uma acção judicial por actos lesivos nos quais se incluem desvios de clientela, recebimento de verbas da sociedade (...) ”.


Em assembleia geral de .../.../2005..., foi aprovada apenas pela sócia maioritária "a propositura de uma acção para destituição de sócio do sócio AA em virtude de práticas de actos anti concorrenciais e contrários aos interesses da sociedade incluindo recebimento de pagamentos de serviços prestados na clínica pessoalmente sem passar pela contabilidade da clínica, desvio da clientela da clínica...


Verificamos, assim, pela leitura das actas... que no âmbito do exercício da sua actividade, a clínica, através do representante do sócio maioritário, admite que os seus proveitos não foram integralmente revelados na sua contabilidade, tendo a mesma prestado serviços a pacientes, cujos pagamentos reverteram para o seu sócio e director clínico, à altura dos factos sob análise.


(...)


III.1.2. - Resisto “Proveitos sem recibos”


No âmbito da acção inspectiva à clínica, foram solicitados diversos extractos de conta corrente para efeitos de análise.... Uma dessas contas analisadas foi a de “proveitos - prestações de serviços”, tendo-se constatado que para o exercício de ... e no início de ... e para além da facturação mensal referente a prestações de serviço objecto de facturação, a clínica registou na sua contabilidade proveitos de “valores sem recibo ” ou “valores contabilizados sem recibo”, num total de €78.986,79para ... e €9.158,54para ... (...). Relativamente aos valores contabilizados, os mesmos têm como documento de suporte um documento interno, sem qualquer justificativo, não tendo os serviços da clínica qualquer explicação para os valores registados em concreto, apenas tenso sido referido que tal registo teria como justificação o ajustamento do valor da caixa ao saldo real. Para além da contrapartida em conta “... ”, a clínica procedeu ao registo da liquidação do competente IVA sobre os valores registados a título de “valores sem recibo ”.


No final do exercício de ... foi registado a débito de uma conta de “Proveitos - Prestação de serviços - utentes" (conta 72111) um estorno no valor de €32.343,31 referente a “anulação de valores contabilizados sem recibos de meses atrasados ”, tendo sido regularizado a favor do sujeito passivo (a débito de uma conta de IVA liquidado), por contrapartida de uma conta de ....


Para a maior parte do ano de ... e todo o ano de ... a empresa não efectuou qualquer registo similar ao acima descrito. Deste modo, podemos concluir que é a própria contabilidade da clínica a reflectir que não foi cumprida a legislação comercial e fiscal, não se procedendo ao registo da integralidade das transacções efectuadas pela mesma, neste caso os proveitos, sendo necessário efectuar um registo contabilístico complementar (sem documento de suporte, designadamente factura eí ou recibo) dos proveitos relativamente aos quais houve não houve emissão de documento em forma legal. (...)


III. 1.3. — Omissão resisto proveitos referentes a serviços prestados IH.1.3.1. - Cruzamento de subcontratos


No intuito de testar a relação entre os proveitos relativos a serviços prestados a pacientes e o valor dos serviços subcontratados a terceiros (ex., próteses dentárias), em especial ao que nos anos sob análise teve maior relevância (...), obteve-se epara uma amostra de 25 pacientes (nos anos sob análise), cópia dos documentos de subcontratação de serviços ao Laboratório (...).


De acordo com informação disponibilizada pela clínica, era registado no software de gestão de clínicas dentárias designado CliniDental o valor das prestações de serviços efectuadas a terceiros, existindo assim conta-corrente por cliente Só quando o valor dos serviços era liquidado pelo cliente é que era emitido um recibo, logo, só então é que se procedia ao registo contabilístico do proveito, adoptando assim uma política de registo dos proveitos segundo o regime de caixa, o que não é consentâneo com a norma contabilística e fiscal.


Da análise efectuada aos elementos constantes da amostra seleccionada, resultou que:


nem todos os serviços subcontratados ao Laboratório têm correspondência com registo de serviços prestados a pacientes no software CliniDental;


-foram prestados diversos serviços a vários clientes, conforme consta da sua conta-corrente no software referido mas sem que tenha sido emitido qualquer recibo, logo não foi registado o proveito na contabilidade da clínica, isto pelo facto de o cliente não ter liquidado o valor dos serviços prestados pela clínica. (...)


in.1,3,2. — Resularizacão de IVA vaso a mais


No âmbito da análise inspectiva foi detectado o registo de um cheque emitido pela ... à ordem de uma paciente da clínica, BB, cheque no valor de €39,87 e que foi contabilizado a débito de uma conta de proveitos, tendo como anexo uma descrição justificativa do movimento e citamos “Esta utente pagou 499,47€ e não levou recibo. Agora quer recibo e enviou (porque vive nos ...) um cheque de 64,84 para pagar o IVA. O valor do IVA a pagar seria de: 499,47 x 0,05 = 24,97. Assim, temos de devolver à utente 64,84 -24,97 = 39,87”


Tal justificação confirma, de forma inequívoca, os indícios atrás referenciados, ou seja, de que nem todos os serviços prestados a terceiros foram registados na contabilidade da clínica, o que traduz uma redução efectiva da matéria colectável, para além do IVA não liquidado e não entregue nos cofres do Estado. (...)


III.2. - Uso da mesma numeração em diversas facturas


Relativamente à facturação emitida a entidades, mais concretamente, à ..., de Cuidados de Saúde..., verificamos que no exercício de ... a ... emitiu diversas facturas, tendo posteriormente anulado as mesmas e emitido novas com o mesmo número de factura e valor diferente, o que viola o disposto no n. °5 do art. °35.°do Código do IVA (...).


IV - Critérios e Cálculos dos valores corrieidos com recurso a métodos indirectos


IV- Apuramento do lucro tributável em sede de IRC


O apuramento da matéria colectável será efectuada tendo igualmente por objectivo apurar o valor presumido das prestações de serviços da clínica, para efeitos de tributação em sede de IVA.


Atendendo às dificuldades de análise de um sector de actividade tão especifico como é a medicina dentária e odontologia, e verificando que a estrutura de custos declarada do sujeito passivo é de tal forma desajustada com o volume das prestações de serviços, não podemos chegar a outra conclusão senão a de que os proveitos declarados são claramente inferiores aos reais.

(...)

Assim, e atendendo à informação disponível nesta unidade orgânica, foi possível apurar que para os sujeitos passivos enquadrados na mesma actividade clínica (...”, correspondente ao CAE 85.130) a rentabilidade fiscal é claramente superior.

(...)

Assim, para apuramento da variável x (i.e., acréscimo do volume de negócios decorrente da aplicação dos métodos indirectos), temos de considerar no nosso cálculo o efeito dos acréscimos e deduções da declaração de rendimentos ... 22 e das correcções técnicas propostas no ponto II acima (...).

(...)»

4. A impugnante exerceu, em .../.../2007, o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório nos termos que constam de fls. 579 a 585 do apenso instrutor e se dão por integralmente reproduzidos

5. Sobre o relatório final de inspecção recaiu o despacho concordante do Sr. Chefe de Equipa, datado de .../.../2007, a fls.393/394 do apenso instrutor e de que se destaca a seguinte passagem: «...5. O lucro tributável dos exercícios de ..., ... e ..., bem como o IVA em falta, foi determinado com recurso à aplicação de métodos indirectos, tendo por base o volume de negócios calculado a partir do rácio da rentabilidade fiscal (média da Unidade Orgânica) para cada um dos anos, correspondente ao CAE - 85.130 (actividades de medicina dentária e odontologia) constante do sistema informático da ......»;

6. Por métodos indirectos, apurou-se um lucro tributável corrigido para os aludidos anos de ..., ... e ... de, respectivamente, 121.384,67€, 100.680,92€ e 55.799,31€ (cf fls.393/394 e 596 do apenso);

7. Da matéria tributável fixada por métodos indirectos, a impugnante apresentou, em .../.../2007, pedido de revisão, nos termos do disposto no art.°91.° da Lei Geral Tributária;

8. Na falta de acordo entre os peritos da comissão, o Sr. Director de Finanças, por despacho de .../.../2007, manteve os valores fixados pela inspecção tributária (cf. fls.614 a 622 do apenso instrutor);

9. Do referido despacho, entre o mais que se dá por integralmente reproduzido, destaca- se o seguinte:

«Quanto à quantificação

(...)

Face ao disposto no art. °92. ° n. °7, da LGT, tendo havido intervenção de perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.

Conforme supra se deixou evidenciado, os Peritos do sujeito passivo e independente coincidiram na aceitação dos fundamentos para a avaliação indirecta, consequentemente na impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável/ imposto, face a irregularidades, omissões e inexactidões reveladas pela contabilidade.

Não lograram assim pôr em crise o método de que a Administração fiscal foi obrigada a socorrer-se.

Tão só discordam da sua quantificação. E com que base? Apenas com o argumento de que a quantificação constante do relatório é demasiado elevada porque o rácio de rentabilidade fiscal não reflecte a realidade concreta da empresa em questão. Mas então a realidade que os elementos contabilísticos espelham não foi, pelos mesmos peritos, destruída ao admitirem como bons os fundamentos apresentados no relatório de inspecção?

Por outro lado, propõe-se que a quantificação tenha por base a média do rácio Custo Matérias/ Vendas nos 3 exercícios em causa. Trabalhou-se, pois, com valores declarados pela empresa nos exercícios objecto de análise.

Tendo sido desacreditados, não fará sentido usá-los para presumir uma nova realidade. Bem andou a inspecção tributária ao aplicar os rácios do sector, pois estes configuram-se mais habilitados a substituir os valores declarados por outros mais próximos daqueles que a ..., fundamentadamente, terá obtido. Posição, aliás, corroborada pelo perito da Administração Tributária

Saliente-se que:

- Foi aceite pelos três Peritos intervenientes no procedimento a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos;

- O sujeito passivo e o Perito que designou, nada apresentaram que prove excesso de quantificação;

- Veio o Perito independente emitir parecer, com o qual concordou o Perito do sujeito passivo (...), considerando que a qmntificação constante do relatório é demasiado elevada porque o rácio de rentabilidade não reflecte a realidade concreta da empresa em questão. Só que não fundamenta minimamente o que diz. Qual é a realidade concreta da empresa em questão? Pelo que extraímos do relatório e demais elementos constantes do processo, do que não há dúvidas é que terá havido omissões de proveitos. Os próprios Peritos assumem a falta de credibilidade da contabilidade. Como é que se pode pretender utilizar rácios que resultam directamente de uma contabilidade que não merece credibilidade? Não entendemos sinceramente.

Em conclusão, rejeitam-se as propostas dos Peritos, independente e do sujeito passivo, por manifesta contradição: desconsideram a presumida veracidade dos elementos contabilísticos, vindo a propor a sua substituição por outros, baseados nesses mesmos elementos.

Em conformidade com o disposto na alínea a) do art. °90.°da LGT, os serviços de inspecção tributária procederam à determinação do conjunto das Matérias Tributáveis/ Imposto, tendo por base os critérios demonstrados no relatório, baseado na média dos rácios da rentabilidade fiscal do volume de negócios do sector de actividade constantes da base de dados da ... os diversos anos e que foram: ... - 9,24%; ... - 10,5%; ... - 10,61%.

Estas situações não foram assim, válida e fundamentadamente postas em causa, quer no pedido de revisão, quer no debate entre os peritos.

Em face do exposto, mantenho os valores fixados.

(...)».

10. As correcções levadas a efeito originaram para o ano de ... a liquidação n.°..., de .../.../2007, no valor de 16.165,43€, com data limite de pagamento em .../.../2008 (cf. notas demonstrativas de liquidação e acerto de contas, fls.334 a 336 dos autos); para o ano de ..., a liquidação n.°..., de .../.../2007, no valor de 30.275,43€, com data limite de pagamento em .../.../2008 (cf. fls. 337 a 339); e, para o ano de ..., liquidação no valor de 45.406,61€ com data limite de pagamento em .../.../2008 (notas demonstrativas de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios, a fls. 340 a 342 dos autos e print de demonstração de compensação a fls. 701 do apenso instrutor);

11. A impugnação foi apresentada em .../.../2009, conforme carimbo de entrada aposto pela ..., a fls.3;

12. Trata-se de nova petição inicial apresentada no seguimento da notificação, em .../.../2008, da decisão de indeferimento liminar da primitiva, apresentada em .../.../2008, por cumulação ilegal de pedidos (cf. fls. 29 e 387 dos autos

13. Aproximadamente 70% a 80% da facturação da impugnante decorria de serviços prestados pelo Dr. AA, que era o director clínico da impugnante e o médico mais experiente em medicina dentária e ...;

14. Com a cessação da sua colaboração com a clínica, em finais de ..., o Dr. AA levou consigo a maioria dos pacientes, que a ele se encontravam fidelizados;

15. A clínica emitia recibo aos clientes após liquidação do preço dos tratamentos realizados;

16. Quando o cliente pagava era emitido o recibo; se o cliente não pagava, ficava com saldo devedor, ou saldo em aberto, na conta corrente individual;

17. Todos os encargos necessários ao tratamento médico, nomeadamente, material cirúrgico e de laboratório, luvas, instrumentos de ..., certificações, eram suportados pela impugnante;

18. Que também suportava as despesas administrativas e de funcionamento da clínica;

19. Os médicos colaboravam com a impugnante em regime de prestação de serviços, auferindo entre 40% a 50% do preço dos tratamentos clínicos;

20. Os médicos, incluindo o Dr. AA, recebiam a sua comissão, ou percentagem, em função dos serviços prestados e não em função dos pagamentos que a clínica (impugnante) recebia de clientes;

21. Se o serviço clínico era prestado, o médico recebia logo a sua comissão ou percentagem, independentemente de o cliente pagar ou ficar com saldo devedor na conta corrente da clínica (impugnante);

22. A impugnante contabilizava como proveito a totalidade do preço liquidado dos tratamentos médicos acordados com os clientes e não apenas a parte com que ficava depois de paga a comissão, ou percentagem, do médico prestador dos cuidados;

23. O que a impugnante pagava aos médicos, em comissões ou percentagem, era levado a custos e processado contabilisticamente com base nos “recibos verdes” que os médicos emitiam à clínica;

24. Era à gestão administrativa da clínica impugnante que incumbia fazer os recebimentos e emitir recibos aos clientes;

25. Por indicação do Dr. AA, muitos clientes efectuavam tratamentos diferindo pagamentos, o que avolumou o saldo devedor de clientes para com a clínica (impugnante);

26. Foi a constatação, pela direcção da clínica (impugnante), da desproporção entre as despesas e as receitas que a alertou para a possibilidade de situações irregulares;

27. A impugnante contactou clientes com saldo devedor no sentido de efectuarem o pagamento dos tratamentos realizados, tendo alguns clientes contactados comunicado que já haviam pago os tratamentos efectuados na clínica directamente ao Dr. AA;

28. À medida que o plano de tratamentos ia sendo realizado, o médico dava indicação à gestão administrativa que, em regra, ou recebia o preço e emitia o correspondente recibo, ou lançava o respectivo valor, a débito, na conta corrente do cliente com a clínica;

29. Foram desencadeadas acções judiciais contra o Dr. AA para ressarcimento de prejuízos causados à clínica impugnante;

30. A clínica impugnante funciona no 3.° andar do edifício sito na Av. Praia da Vitória, n.°75, em ..., sendo aí que presta serviços clínicos;

31. Para além desse, é também proprietária do r/c e do 5.° andar desse edifício, sendo que neste último habitava então o Dr. AA e o r/c se destinava a laboratório ou armazém.

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Na decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal recorrido, consignou, ainda, o seguinte:


“Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou de relevante”


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Quanto à motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo, disse o seguinte:


“ Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada, salientando-se que os factos constantes dos pontos 13 a 31 do probatório assentam, essencialmente, no depoimento das duas testemunhas que foram inquiridas, as quais depuseram com sólida razão de ciência: CC, é coordenadora administrativa da clínica impugnante, ali exercendo funções desde ...; DD, trabalha no escritório onde se processa a contabilidade da impugnante, desde .... Depuseram de modo claro e assertivo. O seu depoimento não apresenta contradições entre si, salvo quanto à utilização que a clínica faz do r/c do imóvel da Av. Praia da Vitória n.°75, em que uma refere estar o espaço destinado a laboratório e outra, a EE, destinado a armazém”.


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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Tal como avançamos, a este Tribunal cabe analisar e decidir se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia e se padece de erro de julgamento.


Importa desde já dar conta que não foi questionada a matéria de facto considerada provada, encontrando-se, por isso, estabilizada.


Na situação que nos é colocada, estão em causa liquidações adicionais de IRC dos anos de ... a ..., as quais foram emitidas na sequência de um procedimento inspetivo que fixou por métodos indiretos a matéria tributável.


O Tribunal recorrido entendeu que as questões a decidir se prendiam com: - a violação do direito de audição prévia durante o procedimento inspetivo, na medida em que, para a recorrente aquele direito havia sido violado por terem sido ignorados os elementos (incluindo prova testemunhal) que para o mesmo levou; - erro nos pressupostos para recurso à avaliação indireta, e - excesso de quantificação.


O Tribunal a quo considerou, em suma, que andou bem a AT na avaliação indireta por haver omissão de proveitos contabilizados, tendo a recorrente apenas registado como proveitos os pagamentos dos clientes segundo o “regime de contabilidade de caixa”, não contabilizando os pagamentos de clientes diretamente ao Dr. AA por tratamentos na clínica da mesma (recorrente) e ao seu serviço, os quais foram subtraídos à contabilidade.


Diz-se ainda na decisão recorrida que não existe excesso de quantificação entendendo adequado o método da rentabilidade para o sector com base no CAE 85.130.


Relativamente aos vícios formais, como a preterição do direito de audição prévia durante o procedimento inspetivo, o Tribunal a quo considerou que o mesmo não foi afrontado.


Lendo as conclusões de recurso, em concreto, refere a recorrente nas suas conclusões que existe omissão de pronúncia quanto à falta de fundamentação da liquidação, na medida em que a mesma “desvirtua a realidade subjacente ao percurso do processo e omite elementos essenciais á pratica do acto impugnado” (cf. conclusão g) e h) do recurso).


Prossegue, advogando que, “os critérios adoptados para a fixação da matéria colectavel com recurso a métodos indirectos enferma de erro crasso, quer por recolher critérios desajustados e sem correspondência com a realidade, quer por desconsiderar elementos reais subjacentes á efectivação situação económica da impugnante, verificando-se os fundamentos de impugnação a que aludem os arts. 99° e 100° do CPPT e ferindo a liquidação de vicio de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito”; (cf. conclusão i) do recurso).


Vejamos.


Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, relativamente à falta de fundamentação da liquidação.


A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT, só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.


Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina que: “O ... deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.


A omissão de pronúncia traduz-se numa denegação de justiça.


Para aferir desta nulidade há que atender às questões de fundo, àquelas que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter, não abarcando os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.


Consultando a PI e bem assim as questões a decidir apontadas na decisão recorrida, as mesmas assentavam, consoante se avançou, na violação do direito de audição prévia; erro nos pressupostos quanto à avaliação indireta e erro/excesso na quantificação.


A estas questões o Tribunal respondeu negativamente, apesar das razões de discórdia da recorrente que nas suas alegações recursivas insiste (como alegado na PI) que as liquidações padecem das ilegalidades que o Tribunal a quo apreciou, concluindo pela sua inverificação.


No que tange à falta de fundamentação da liquidação, na sua vertente formal, a mesma não foi posta em causa na PI, por isso, relativamente a esta não existe qualquer omissão de pronúncia.


Porém, sobrevoando o recurso no seu todo, o inconformismo da recorrente centra-se, nesta parte, na falta de fundamentação substancial, nos fundamentos fáctico-jurídicos da liquidação, o que contende com vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e legais.


Para a recorrente a liquidação padece de falta de fundamentação por estar arredada da realidade subjacente e por omitir elementos fácticos essenciais, salientando que o critério para a fixação da matéria coletável com recurso a métodos indirectos enferma de erro crasso, com critérios desajustados e sem correspondência com a realidade.


O vício da falta de fundamentação dos atos administrativos é de natureza formal e não substancial, quando não se externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que determinaram o seu sentido decisório, independentemente da verdade ou do acerto dos fundamentos elencados ou enunciados no ato em causa. Esta última dimensão contenderá já com a própria materialidade do ato, com a correção e validade dos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo se sustenta para a definição jurídica que empreende, e não com o cumprimento dos requisitos formais obrigatórios a que os atos administrativos/tributários têm que obedecer.


Não se deve confundir, por isso, a falta de fundamentação (vício formal) com fundamentação errada ou “falta de fundamentação substancial” (vício material).


A demonstração desta fundamentação substancial (dos pressupostos reais e dos motivos corretos suscetíveis de suportarem a decisão legítima quanto ao mérito), na avaliação indireta, constitui um imperativo para legitimar a AT a lançar mão de um método subsidiário e excecional de avaliação da matéria coletável, bem como para permitir que o ato possa ser capazmente sindicado quanto aos pressupostos em que se alavancou.


A este respeito, sublinha AA que: “No regime actual é precisamente esse apelo a factos de onde se possam extrair conclusões válidas, indícios, como elementos capazes de assegurar um mínimo de certeza numa decisão objectivamente marcada pela incerteza, que é feito: pois exigindo-se que existam indícios, e indícios que possam ser objecto de um exame crítico e de uma possível contra-prova, impede-se que se possam atribuir efeitos a meras suspeitas subjectivas, incapazes de servirem de esteio para o convencimento de outros e de suportarem o controlo judicial.” (in, A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa. 2.ª edição. ...: ..., ..., pág. pág. 304).


De resto, tal como sumariado no acórdão do ... de ..........., tirado do processo nº 00057/14.7.....: “O ato que determina o recurso aos métodos indiciários para cálculo da matéria colectável tem necessariamente de conter a respectiva fundamentação substancial, ou seja, os seus pressupostos reais e corretos, sob pena de ficar vedada a sua apreciação contenciosa. Em causa está um vicio que é material e não formal”


Posto isto, regressando à situação trazida, olhando a decisão posta em crise, verificamos que o Tribunal recorrido apreciou esta questão, concluindo pela fundamentação substancial das liquidações, entendendo que a AT se encontrava legitimada a recorrer à avaliação indireta, tendo colhido elementos sólidos bastantes que a autorizaram a optar pelo método alternativo de avaliação, estando a liquidação esteada em pressupostos de facto e legais.


A este respeito, a sentença recorrida, depois de traçar o quadro legal aplicável (artigos 52º nº 1 do CIRC, 83º, nº 2, 85º nº 1 e 87º a 89º da LGT), indicar os normativos legais em que a AT se apoiou para recorrer aos métodos indiretos (artigos 87º, alínea b) e 88º da LGT), e de evidenciar as regras do ónus da prova de modo a aferir se a atuação da AT estava legitimada a avaliar, por via indireta, a matéria tributável (artigo 74º da LGT), diz o seguinte:

“Passemos à questão substantiva dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta no apuramento da matéria tributável.

(…)

Vertendo aos autos, para concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável, refere a Administração tributária no relatório de inspecção, designadamente, a seguinte factualidade, aliás sintetizada no despacho do Sr. Director de Finanças que em sede de revisão manteve os valores fixados pela inspecção tributária (cf fls.615 do apenso instrutor):

a. Desvio de pagamentos por serviços prestados, conforme se retira dos termos das actas n.°20 e n.°23 das assembleias gerais da sociedade impugnante, de .../.../2004 e .../.../2005, respectivamente, onde expressamente se refere que o sócio AA efectuou . .recebimento de verbas da sociedade...” e “.. .recebimento de pagamentos de serviços prestados na clínica pessoalmente sem passar pela contabilidade da clínica..

b. Registo de proveitos sem emissão de recibo, apurados pela análise dos extractos de conta corrente e registados na sua contabilidade como “valores sem recibo” ou “valores contabilizados sem recibo”, nos montantes de 78.986,79€ em ... e 9.185,54€, em ..., por meio de documentos internos;

c. Omissão de registo de proveitos, detectados através do cruzamento de informação com um laboratório subcontratado e da consulta às fichas de controlo, concluiu-se que nem todos os subcontratos têm correspondência com serviços prestados e nem todos os serviços prestados deram lugar ao registo de proveitos;

d. Uso da mesma numeração em facturas, que tendo sido anuladas vieram a ser reemitidas com o mesmo número e valores diferentes;

e. Registo de custos operacionais e financeiros da sociedade, relativos ao uso e fruição de bens na esfera pessoal do sócio, nomeadamente, um imóvel de habitação e empréstimo bancário.


A factualidade descrita compromete o recurso á avaliação directa no apuramento da matéria tributável.


E que a clínica, ora impugnante, considera seus os proventos correspondentes a tais serviços, comprova-o, por um lado, o depoimento da testemunha FF quando refere que contactou telefonicamente clientes dizendo “tenho o senhor como devedor” e, por outro o facto de a impugnante ter intentado acção judicial contra o Dr. AA por prejuízos causados á sociedade, como igualmente salientam as testemunhas, no seu depoimento.


E assumindo que assim é, claramente houve omissão de proveitos à contabilidade. Até porque a impugnante só registava como proveitos os pagamentos recebidos de clientes, seguindo o designado “regime de contabilidade de caixa”. Neste, como se sabe, a receita só é contabilizada quando o serviço é pago, independentemente do momento, ou momentos, em que o mesmo é prestado. Não é esse o regime previsto no IRC, como resulta do disposto no n.°3 do art.°18.°, do respectivo Código. Aliás, que a impugnante não desconhecia qual o regime legal de periodização do lucro tributável claramente o comprova o facto de praticar o regime de caixa apenas na contabilização de receitas, mas não de despesas, que iam sendo contabilizadas à medida que iam sendo realizadas ou nelas ia incorrendo, aqui se incluindo o pagamento da comissão dos médicos e restantes custos com os tratamentos clínicos, o que justamente explica a desproporção entre os custos e os proveitos dos exercícios em causa e, daí, o desvio (para menos) face á rentabilidade fiscal média do sector em que opera.


Mas o ponto que importa salientar é que se a impugnante contabilizava apenas como proveitos os pagamentos recebidos de clientes, então os pagamentos efectuados por clientes directamente ao Dr. AA por tratamentos prestados na clínica e ao serviço da clínica, foram subtraídos à contabilidade, ficaram à margem da contabilidade. E esses proveitos são impossíveis de quantificar com base na contabilidade.


É certo que as testemunhas referem a existência de uma conta corrente individual por cliente em que eram lançados a débito os tratamentos efectuados (após comunicação do médico prestador à gestão administrativa) e não pagos.


Em princípio, o que consta a débito nessas contas (cf. fls. 536, 540, 545, do apenso) é o que foi subtraído à contabilidade em proveitos. Mas a credibilidade desse documento interno para servir de suporte à quantificação dos proveitos omitidos desde logo passava pela demonstração de que era aberta conta corrente a todos e cada um dos clientes que realizavam tratamentos na clínica e não só àqueles que com ela acordavam um plano mais ou menos prolongado de tratamentos, bem como da fiabilidade dos lançamentos face à normalização contabilística e disposições legais relativas aos critérios gerais de imputação temporal dos custos e dos proveitos, o que não foi feito.


Tanto basta para concluir que a impugnante não logra pôr em causa os pressupostos de que se serviu a administração tributária para lançar mão dos métodos indirectos no apuramento do lucro tributável.


O entendimento de que apenas o que recebeu de clientes seus é proveito a contabilizar não encontra respaldo face à regra de periodização do lucro tributável, prevista na alínea b) do n.°3 do art.°18.° do CIRC que dispõe: “Os proveitos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data em que o serviço é terminado, excepto tratando-se de serviços que consistam na prestação de mais de um acto ou numa prestação continuada e sucessiva, em que devem ser levados a resultados numa medida proporcional à da sua execução”; por outro lado, é inaceitável o entendimento da impugnante de que o que foi directamente recebido pelo seu sócio e director-clínico, Dr. AA, por tratamentos prestados na clínica e ao serviço da clínica, não constituem proveitos que devesse contabilizar, tanto mais que considera tratarem-se de pagamentos que lhe são devidos pelos beneficiários desses tratamentos, que até contactou no sentido de saldarem o débito lançado em conta corrente.(…)”


Diante de todo exposto, bom de ver está que não se verifica a nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo o recurso nesta parte.


Relativamente ao erro de julgamento de Direito, a recorrente basta-se em afirmar que a sentença recorrida, “violou os comandos legais e os princípios indicados nas presentes conclusões” (cf. conclusão j) do recurso).


Lidas as conclusões a) a f) do recurso, as mesmas são um decalque daquilo que havia sido alegado na PI em defesa da ilegalidade das liquidações controvertidas, salientando a recorrente que foi violado o direito de audição prévia por não terem sido valorados os elementos carreados para o procedimento administrativo (cf. conclusões a), b) e c) do recurso); ilegalidade do recurso a métodos indiretos na medida em que existe erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da nulidade do ato de recurso a métodos indirectos, por vício de violação de lei (cf. conclusão e) do recurso).


Em bom rigor, a recorrente insurge-se contra a ilegalidade das liquidações e não contra o ajuizado pelo Tribunal a quo relativamente à apreciação das causas de pedir enquanto fundamento das apregoadas ilegalidades das liquidações de IRC de ..., ... e ....


Uma coisa são os vícios de que padecem as liquidações enquanto fundamento de impugnação judicial (art. 99º da LGT), outra coisa, bem diferente, são os vícios de que a decisão recorrida padece na apreciação dessas ilegalidades das liquidações.


Tal como sumariado no acórdão do ... de ........2003, processo nº 01966/02: “II -O acto contenciosamente impugnado padece de vícios, enquanto que a sentença recorrida sofre de erros relativos ao julgamento que faz quanto a esses vícios, pelo que, no recurso jurisdicional, devem ser atacados esses erros e refutadas as decisões tomadas e não os vícios do acto”.


O recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância pode apoiar-se em nulidades da decisão (como sucedeu com a questão acima apreciada), ou erros de julgamento.


As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitantes à disciplina legal, tratando-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário da peça processual que é a decisão.


O erro de julgamento (error in judicando), pode resultar de uma distorção da realidade factual (error facti), ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Consiste, em suma, num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma – vd., a respeito, o acórdão do STJ de ..........., processo nº .../17.8.....


Na situação sob nossa mira, vistas as conclusões de recurso, a respeito do erro de julgamento, nenhum ataque é feito diretamente ao decidido pelo Tribunal a quo.


Na verdade, como se disse já, ao longo das suas alegações e conclusões recursivas, a recorrente desfere um ataque às liquidações que impugna, que reputa ilegais (por violação do direito de audição prévia, por erro nos pressupostos para avaliação indireta e na quantificação) e não já ao ajuizado pelo Tribunal a quo relativamente à apreciação de cada um dos vícios que apontou às liquidações.


Salienta, de um modo geral e conclusivo que, a sentença recorrida violou os comandos e princípios legais, sem os apontar, conforme lhe competia, nem expressar o sentido em que deveriam ser interpretados (cf. artigo 639º nº 2, alíneas a) e b) do CPC).


Ainda assim, sempre se diga que, no que tange ao vício de violação do direito de audição prévia, a apreciação traçada pelo Tribunal a quo é exemplar na apreciação normativa que faz à luz do quadro factual recortado.


Ademais, é a própria recorrente que sublinha que, no procedimento inspetivo não foram atendidos os elementos que carreou para o procedimento, mas que foram (já) vertidos na decisão de facto recorrida (“…carreando para a decisão elementos do maior relevo, os quais, inclusivamente, vieram a ser carreados para os factos provados pela própria sentença recorrida…”- cf. conclusão d) do recurso), tendo, portanto, sido apreciados e valorados pelo Tribunal todos os elementos que ao processo trouxe.


Ainda no que tange à violação do direito de audição prévia/participação dos contribuintes no procedimento, reza assim a decisão recorrida:

“Invoca a impugnante vício de forma por preterição da audição prévia, na medida em que esta se traduziu numa mera formalidade em que não lhe foi dada a oportunidade de produzir a prova requerida, nem foram apreciados os argumentos por si aduzidos.

Prevê o art.°60.°, n.°l alínea d), a audição prévia do contribuinte antes da conclusão do relatório de inspecção tributária.

Tal formalidade legal foi observada (cf fls.578 do apenso), tendo o contribuinte exercido o seu direito de participação nos termos que constam de fls.579 a 585 do apenso.

No segmento relativo aos argumentos esgrimidos para infirmar os pressupostos em que assentou a decisão do recurso a métodos indirectos e respectivo critério de quantificação, salienta a impugnante, essencialmente, que existiram situações irregulares às quais, a seu ver, a clínica é absolutamente alheia, nomeadamente, “serviços não facturados e pagos directamente ao Dr. AA” e “serviços prestados no seio da sociedade e pagos e facturados noutra clínica, gerida pelo Dr. AA”.

E foi essa actuação do clínico que culminou na constatação da desproporção entre custos e proveitos facturados que a alertou para a existência de situações irregulares.

Noutro passo da resposta, refere a impugnante que a “contabilidade não pode e não deve reflectir prestações de serviços quando não são realizadas na empresa, pelo seu pessoal e no âmbito do seu funcionamento”.

Alega ainda a impugnante, em sede de audição prévia, que a clínica não deixou de facturar qualquer quantia recebida, ou serviço prestado com o seu conhecimento.

No que em especial respeita à escolha do critério de quantificação da matéria tributável, refere, nuclearmente, que o enquadramento da sua actividade no CAE 85.130 para efeitos de determinação do rácio de rentabilidade fiscal se mostra inadequado porque a actividade de uma clínica é realidade absoluta e completamente distinta da actividade de um prestador de serviços individual.

E, por último, que os softwares de facturação admitem a reemissão de facturas, com mesma numeração, em caso de erro.

Tendo sido esse o âmbito da resposta em sede de direito de participação, vejamos agora o âmbito da pronúncia, vertida no relatório final de inspecção (cf. fls.431 do apenso).

Aí se refere, nomeadamente e entre o mais (cf. fls.441 do apenso) que “...tanto os serviços não facturados e pagos directamente ao Dr. AA como os serviços prestados no seio da sociedade e pagos e facturados noutra clínica, não são mais do que serviços prestados no âmbito da actividade da empresa, que deveriam ter sido facturados, independentemente do seu recebimento; recordamos que o reconhecimento dos custos e proveitos faz-se na base do acréscimo, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios e não com base no regime de ..., ou seja, não se registam os proveitos pelos recebimentos mas quando são obtidos, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam...”.

Acrescenta-se: “Também não pode ser afirmado que a clínica não deixou de facturar qualquer serviço prestado com o seu conhecimento, na medida em que ficou demonstrado (vd. Ponto III. 1.3.1. - Omissão registo de proveitos referentes a serviços prestados - Cruzamento com subcontratos), que, no software de gestão de clientes foram registados serviços prestados que não foram facturados, ficando em conta corrente da ficha pessoal de diversos clientes, não tendo tido qualquer reflexo na contabilidade da clínica”.

Mais adiante, se refere que “a aplicação à situação concreta da empresa dos indicadores constantes das bases de dados da ... referentes ao CAE 85.130...tem como objectivo ajustar a actividade da empresa à realidade do sector onde opera. A utilização dos rácios reflecte, com a objectividade possível, decorrente da aplicação dos métodos indirectos, os indicadores económico-financeiros e fiscais do sector onde a empresa se insere, o que permite uma análise próxima e consequentemente não distorcida da actividade da empresa comparando-a com as congéneres”.

No que respeita à possibilidade de reemissão de factura com mesmo número, diz-se: “...para além de reflector uma falta no âmbito do controlo interno, constitui uma violação da norma fiscal contida no n.°5 do art.°35.° do Código do IVA”.

Como se vê. as questões suscitadas pela impugnante no exercício do direito de participação foram expressamente analisadas pela Administração tributária.

Estatui o n.°7 do art.°60.°, da Lei Geral Tributária, disposição que prevê o direito de participação, que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.

Por outro lado, estabelece o art.°72° da mesma LGT, que “o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito”.

Diz a impugnante que indicou meios de prova que foram desconsiderados e, nomeadamente, não foram inquiridas as testemunhas que arrolou na resposta (cf fls.585 do apenso)

Mas a produção da prova requerida pelo interessado só se impõe à administração tributária quando se destine a demonstrar factos novos e pertinentes à matéria controvertida, por ela não ponderados no projecto de decisão.

Ora, não é disso que se trata no caso vertente. O que passa no caso vertente é, fundamentalmente, uma diferente leitura dos factos: na óptica da administração tributária a circunstância de o director clínico se ter apropriado de pagamentos devidos à clínica e por ela não contabilizados como receita consubstancia omissão de proveitos; já para a impugnante, não podia, nem devia contabilizar como proveitos pagamentos de clientes que não recebeu, que não deram entrada na clínica.

A prática de actos inúteis consubstancia actuação ilícita no procedimento tributário, como se alcança do art.°57.°, do Código do Procedimento Administrativo - aplicável ao procedimento tributário ex vi do art.°2.° alínea d), do CPPT - que dispõe: “Os órgãos administrativos devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, quer recusando e evitando tudo o que for impertinente ou dilatório, quer ordenando e promovendo tudo o que for necessário ao seguimento do procedimento e à justa e oportuna decisão”.

Não se verifica, pois, o invocado vício de forma, por preterição do princípio da participação, com efeito invalidante”

Ora, o assim decidido não merece censura, nem a recorrente, apesar da sua discórdia, aponta qualquer vício a esta apreciação, pelo que improcede também aqui o recurso.


Por fim e no que tange à apreciação da ilegalidade referente ao recurso a métodos indiretos, também aqui, apesar de se insurgir contra a legalidade das liquidações, mantendo os argumentos expendidos na PI, nenhum ataque é feito ao discurso fundamentador da decisão, quer de facto quer de direito.


Relativamente a esta questão, importa recordar, tal como acima se referiu já, que o decidido pelo Tribunal não merece censura, não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício que a fulmine, tendo o Tribunal a quo decidido com acerto que o recurso à avaliação indireta está justificado do ponto de vista de facto e de direito, conforme se vê do excerto da decisão recorrida acima transcrito.


Aqui chegados, sem necessidade de mais considerações, improcede, na íntegra, o presente recurso, mantendo-se, por isso, integralmente a decisão recorrida.


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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente, por ser parte vencida.



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V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.


Custas a cargo da recorrente.



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..., ... de ... de 2024


Isabel Silva


(Relatora)


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Margarida Reis


(1ª adjunta)


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Ângela Cerdeira


(2ª adjunta)


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