Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1094/13.4 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
CULPA
Sumário:Nos termos do disposto no art. 24.º, n.º 1, alínea b), da LGT, recai sobre o gerente revertido o ónus de alegar e provar que não foi por culpa sua que não foi efectuado o pagamento das dívidas exequendas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

C....., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a oposição à execução deduzida, contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº 2143201101003933 instaurado pelo Serviço de Finanças de Alcochete, contra a sociedade devedora originária “P....., SA”, por dívidas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares-IRS (Retenção na fonte), do ano de 2011, no montante total de €10.772,00.

O Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“a) Quando a prova produzida impuser decisão diversa, deve esse Tribunal Central Administrativo Sul, alterar a decisão proferida em 1ª Instância sobre a matéria de facto, alteração que ora se peticiona nos seguintes termos (nº 1 do art. 662º do CPC, aplicável nos termos da al. e) do CPPT).

b) Considera o Recorrente incorretamente julgados, porque pela sua relevância para a decisão de mérito da causa, deveriam ter sido considerados como provados na douta Sentença recorrida, os seguintes factos:
1. Para pagamento de parte do valor em dívida pela R...... SA, foram entregues cheques pré-datados à Administração da sociedade originariamente devedora.
2. Na sequência da devolução de tais cheques, a administração da sociedade originariamente devedora, como forma de pressão para que os pagamentos fossem efetuados, suspendeu a continuação da obra.
3. A obra efetuada para a R...... SA, foi parada entre dois a três meses, antes da insolvência da sociedade originariamente devedora.
4. Encontra-se depositada na conta bancária da massa insolvente da P......, quantia superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), sendo que mais de € 900.000,00 (novecentos mil Euros), pelo menos desde o final de 2013.
5. Não foi por culpa do oponente que as dívidas fiscais na origem dos presentes autos não foram pagas.

c) O concreto meio probatório que impunha, que os factos referidos no ponto anterior tivessem sido considerados como provados, é quanto aos factos referido em 1 a 3 o depoimento da testemunha F........, inquirida em sede de audiência de julgamento, que foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações.

d) Quanto aos factos referidos em 4 é o depoimento da testemunha C........, inquirida em sede de audiência de julgamento, que foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações.

e) Quanto ao facto referidos no ponto 8, são os depoimentos das testemunhas inquiridas transcritos nas alegações, em conjunto com os factos dados como provados nos seguintes pontos do probatório da douta Sentença recorrida: Q), R), S), T) e U).

f) No que respeita à decisão que deve ser tomada sobre as questões de facto impugnadas, entende o Recorrente que devem os pontos de facto acima referidos, serem considerados como provados, o que desde já se requer a V. Exas.

g) O prazo legal de pagamento da dívida na origem dos presentes autos, terminou em 20 de fevereiro de 2011, tendo o processo de execução fiscal para cobrança coerciva da mesma sido instaurado em 23 de março do mesmo ano (vide, ponto E) do probatório).

h) A insolvência da sociedade originariamente devedora foi declarada em 18 de maio de 2011 (vide, ponto F) do probatório). E,

i) Entre dois a quatro dias depois da declaração de insolvência referida em F), o Administrador de Insolvência deslocou-se às instalações da sociedade originariamente devedora, advertindo que a partir desse momento seria ele a assumir a gestão da empresa (vide, ponto T) do probatório da douta Sentença recorrida).

j) A citação comunica ao devedor os prazos para oposição à execução e para requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento (nºs 1 e 2 do artigo 189º do CPPT, na redação em vigor à data dos factos).

k) Resulta assim, que após a instauração da execução a sociedade originariamente devedora deveria ser citada para no prazo de oposição requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento, no prazo de 30 dias (al. a) do nº 1 do artigo 203º do CPPT).

l) Não consta dos autos que a citação da sociedade originariamente devedora tenha sido efetuada e ainda menos antes da declaração de insolvência.

m) Sempre o prazo para requerer o pagamento em prestações, a dação em pagamento ou se assim fosse entendido para proceder ao pagamento da dívida, somente terminaria 30 dias depois da citação.

n) Pelo que, à data do fim do prazo para requerer o pagamento em prestações, a dação em pagamento ou proceder ao pagamento da dívida já o ora Recorrente, se encontrava impedido de praticar qualquer ato de gestão.

o) O facto de no momento em que terminou o prazo para a devedora originária requerer o pagamento em prestações, dação em pagamento ou efetuar o pagamento da dívida em execução fiscal ter terminado depois do exercício de funções por parte do ora Recorrente,

p) Não poderia deixar de ser tido em conta na douta Sentença recorrida, para o efeito de prova de que não é imputável ao Recorrente, a falta do respetivo pagamento, porquanto em tal prazo poderia a sociedade ter requerido o pagamento em prestações, dação em pagamento ou pagar a dívida, tendo ficado impedida de o fazer.

q) Caso a sociedade originariamente devedora não tivesse sido declarada insolvente, poderia recuperar os valores em dívida junto dos seus clientes e pagar as mesmas dívidas, o que tem vindo a ser efetuado pelo Administrador de Insolvência, encontrando-se atualmente mais de € 1.000.000,00, depositados na conta da massa insolvente.

r) A sociedade originariamente devedora começou, a partir do final de 2010, a sofrer problemas de tesouraria por dificuldade no recebimento de clientes (vide, ponto R) do probatório).

s) Na sequência da devolução dos cheques, a administração da sociedade originariamente devedora, como forma de pressão para que os pagamentos fossem efetuados, suspendeu a continuação da obra, o que aconteceu entre dois a três meses, antes da insolvência.

t) Resulta desde logo evidente, que foram realizados contactos tendentes ao recebimento das quantias em dívida, decorrendo contrário às regras da experiência que a obra fosse suspensa, sem que tais contatos tivessem existido previamente.

u) No seguimento da manutenção do incumprimento, não obstante a suspensão, certamente que a sociedade originariamente devedora iria judicialmente procurar satisfazer os seus créditos.

v) Sucede que, atendendo a que a insolvência foi decretada dois a três meses depois da suspensão da obra, já não houve tempo para recorrer à via judicial.

w) Aliás, mesmo que se tivesse recorrido à via judicial, não parece expetável, atenta a demora natural das ações, que em tão curto espaço de tempo fosse possível obter algum resultado prático.

x) Ora, não se alcança que outras diligências deveria o ora Recorrente ter encetado.

y) Pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, resulta demonstrada a falta de culpa do ora Recorrente, pelo não pagamento das dívidas fiscais na origem do processo de execução fiscal nº 2143201101003933, sendo parte ilegítima na execução fiscal.

z) Por último, atendendo a que a massa insolvente da sociedade originariamente responsável, é detentora de mais de € 1.000.000,00, na respetiva conta bancária,

aa) Sendo que, pelo menos no final de 2013, detinha quantia superior a € 900.000,00, resulta evidente a ilegitimidade do Recorrente, atento o não preenchimento do pressuposto da reversão, consubstanciado na inexistência de bens da sociedade

bb) Assim, ao ter decidido em sentido inverso, padece a douta Sentença recorrida de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica, o que se requer a V. Exas.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o recurso interposto ser julgado procedente, pelas razões expendidas, e em consequência, revogada a douta Sentença recorrida, com todas as consequências legais dai advindas.”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de:
i) erro de julgamento da matéria de facto;
ii) erro de julgamento quanto à culpa do Recorrente na falta de pagamento das dívidas.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade:
A) A sociedade “P...... , S.A” (P......) foi constituída em 05 de maio de 1989, sendo o Conselho de Administração constituído pelo ora Oponente (na qualidade de Presidente) e C..... (na qualidade de Vice-Presidente) (Cfr. fls. 11 e 12 dos autos);

B) Em 29 de dezembro de 2008, E........ renunciou às funções de membro dos órgãos sociais da P...... (Cfr. fls. 11 e 12 dos autos);

C) Em 29 de dezembro de 2008, o Conselho de Administração da P...... passou a ser constituído por C..... (na qualidade de Presidente), H........ (na qualidade de Vice-Presidente) e M........ (na qualidade de vogal) (Cfr. fls. 11 e 12 dos autos);

D) Em 25 de novembro de 2009, o Conselho de Administração da P...... passou a ser constituído pelo Oponente (na qualidade de Presidente) e por C..... (na qualidade de Vice-Presidente), vinculando-se pela assinatura de um administrador ou de dois procuradores mandatados para o efeito (Cfr. fls. 11 e 12 dos autos);

E) Em 23 de março de 2011, no Serviço de Finanças de Alcochete, foi instaurado, contra a P......, o processo de execução fiscal (pef) n.º 2143201101003933, para cobrança coerciva de IRS, retenção na fonte, do ano de 2011, com prazo de pagamento voluntário de 20 de fevereiro de 2011, no valor total de €10.772,00 (Cfr. fls. 1 e 2 do pef junto aos autos);

F) Em 18 de maio de 2011, no âmbito do processo n.º 129/11.0TYLSB, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi proferida sentença de declaração de insolvência da P......, tendo sido nomeado Administrador da Insolvência o Dr. J........, e da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
“(texto integral no original; imagem)”










(Cfr. fls. 4 a 6 do pef, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

G) Por ofício de 23 de maio de 2011, do Tribunal de Comércio de Lisboa – 2º Juízo, dirigido ao Serviço de Finanças de Alcochete, foi solicitada a avocação para o processo n.º 129/11.0TYLSB dos processos executivos a correr termos nesse Serviço de Finanças referentes à insolvente P...... (Cfr. fls. 3 verso do pef);

H) Em 25 de janeiro de 2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Alcochete exarou despacho a determinar que o Oponente fosse notificado para exercer, querendo, o direito de audição prévia sobre o projeto de decisão de reverter a execução fiscal mencionada em E) (Cfr. fls. 22 do pef);

I) A 25 de janeiro de 2013, o Serviço de Finanças de Alcochete emitiu ofício de audição de reversão no âmbito do processo de execução fiscal nº 2143201101003933, e com o seguinte teor:
“(texto integral no original; imagem)”


(Cfr. fls. 26 do pef);

J) Em 29 de janeiro de 2013, o ofício referido em I) foi enviado para o Oponente, mediante carta registada com a referência RD14703531PT remetida para Av. Portugal,……. esquerdo, 2870-228 Montijo, constando no canto inferior esquerdo aposição manuscrita do respetivo processo executivo e da sociedade devedora originária como se extrata: “2143201101003933 P......” (Cfr. fls. 26 e 27 do pef);

K) Em 13 de setembro de 2013, a Chefe do Serviço de Finanças de Alcochete proferiu o despacho de reversão contra o Oponente no âmbito do processo de execução fiscal 2143201101003933 e com o seguinte teor:
«Através da análise de instrução do presente processo, constata-se a insuficiência de bens pertencentes à executada e originária devedora “P......, S.A..”
(…)
As informações oficiais prestadas referem o seguinte, relativamente à mesma firma:
1. A sociedade encontra-se devidamente matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Alcochete e iniciou a sua actividade, para efeitos fiscais e para o exercício de pre-fabricação de elementos de betão armado e pré-esforçado, construção industrializadas, reparação de estruturas e produção e comercialização de betão pronto, CAE 23610-R3, em 1989-05-05, tendo passado por tal facto a ser Sujeito Passivo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectiva (IRC) e Sujeito Passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), enquadrado no regime de periodicidade mensal;
2. A sociedade ainda não foi cessada.
3. A dívida exequenda nos presentes autos é de € 10.772,00 (…)
4. A sociedade foi declarada insolvente a 23/05/2011 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa – 2º Juízo no âmbito do processo 129/11.0TYLSB.
5. À data da constituição das dívidas, era gerente, de direito e de facto, da executada e devedora originária:
i. E........, número de identificação fiscal …..40 com domicílio fiscal na R. Campo da Bola …..- 2870-043 Montijo, gerente desde 1998/05/05 a 2008/12/29 e de 2009/12/18 até À presente data;
ii. C....., número de identificação fiscal ……13, com domicílio fiscal Av. Portugal, …..-2870-228 Montijo, gerente desde 1998/05/05.
A forma de obrigar a sociedade é com a assinatura de dois administradores;
Toda a informação antes relatada fundamenta-se no seguinte:
- Informações/averiguações recolhidas através da consulta aos meios arquivísticos e informáticos disponíveis neste Serviço de Finanças;
Certidão permanente do teor da matrícula.
Perante a informação que antecede, conclui-se que eram sócios-gerentes, de direito, presumindo-se também de facto, nos termos do artigo 11º do Código do Registo Comercial, da executada e devedora originária, funções que exerciam efectivamente, traduzindo-se estas, na prática de actos reveladores da administração da originária devedora, pelo que, nos termos dos artigos 23º e 24º nº 1 b) da Lei Geral Tributária (LGT), a eles devem ser imputadas as responsabilidades de cariz subsidiário, pelo não pagamento dos impostos em falta, cujo facto constitutivo e/ou prazo legal de pagamento tenham ocorrido no período de exercício do seu cargo, foram e são responsáveis pelos actos decorrentes da actividade da devedora originária, nomeadamente no que diz respeito ao período de origem das dívidas, bem como ao tempo da liquidação e/ou cobrança das mesmas.
Projectado esse sentido de decisão, foi, por despacho de 25 de Janeiro de 2013, determinado que se desse cumprimento ao disposto nos nºs 4 a 6 do artº 60º da LGT, tendo em vista a observância do nº 4 do artigo 23º da mesma Lei (LGT).
Assim se cumpriu.
Foi remetida, para a morada constante do cadastro, a notificação para audição prévia, em 29/01/2013, através de carta registada, para os efeitos dos artº 23º, nº 4 e artº 60º da LGT, aos virtuais responsáveis subsidiários, E........, NIF 10…..e C....., NIF 13…...
Os virtuais responsáveis subsidiários não exerceram o direito de audição.
Face ao exposto, constatada a insuficiência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO, contra os responsáveis subsidiários E........, NIF 135643813 e E........, NIF 10….., nos termos dos artigos 23º e alínea b) do nº1 do 24º da Lei Geral Tributária (LGT), por toda a quantia exequenda em dívida nos autos.
A decisão agora produzida funda-se na presunção legal de culpa, do gerente acima identificado, baseada nas informações oficiais e provas documentais inclusas nos autos. Os períodos de vigência da legislação invocada, e que antes se expressaram, vigoram não só para o período a que respeita a dívida, como também para aquele e que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento.
Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do artigo 160º do CPPT, tendo em atenção o disposto no artigo 191º, nº 3 do mesmo Código, para pagarem no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (nº 5 do artº 23º da LGT).(…)” (Cfr. doc. de fls. 36 a 38 do pef;

L) Em 19 de setembro de 2013, o Serviço de Finanças de Alcochete emitiu ofício de “citação de reversão” no âmbito do processo de execução fiscal nº 2143201101003933 constando do quadro referente aos fundamentos da reversão, o seguinte:
“Insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/nº2 da LGT):
Dos administradores, diretores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24./nº1/b) LGT(Cfr. fls. 43 a 45 do pef, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

M) O ofício referido na alínea antecedente foi enviado ao Oponente por carta registada com aviso de receção com a referência n.º RD 1473 0720 2 PT (Cfr. fls. 45 e 46 do pef);

N) Em 01 de outubro de 2013, o aviso de receção referido na alínea antecedente, foi assinado na Av. Portugal ….. esquerdo, 2870-228 Montijo (Cfr. fls. 45 e 46 do pef);

O) Até à data da declaração de insolvência, referida em F) supra, o Oponente tomava decisões e vinculava a sociedade devedora originária perante terceiros (facto não controvertido e que se extrai do teor da p.i. e corroborado pelo depoimento das testemunhas F........ e C........);

P) A P...... dependia do pagamento de poucos clientes, e a entrada de dinheiro não ocorria diariamente (Cfr. depoimento da testemunha F........);

Q) A partir de finais de 2010, começaram a existir problemas de tesouraria causados por dificuldades no recebimento de clientes da P...... (Cfr. depoimento da testemunha F........);

R) No final do ano de 2010, a P...... realizou uma obra em Abrantes para a empresa “R........, SA”, a qual gerou uma dívida por parte desta empresa de cerca de €3.500.000,00 (Cfr. depoimento da testemunha F........ e C........);

S) A dívida referida na alínea antecedente não foi objeto de qualquer pagamento (Cfr. depoimento da testemunha F........ e C........);

T) Em data que não se consegue precisar, com rigor, mas certamente balizada entre dois a quatro dias depois da declaração de insolvência referida em F), o Administrador de Insolvência deslocou-se às instalações da P...... advertindo que a partir desse momento seria ele a assumir a gestão da empresa (Cfr. depoimento da testemunha F........ e C........);

U) O Administrador de Insolvência encerrou a laboração da fábrica (Cfr. depoimento das testemunhas F........ e C........);

V) De acordo com o balancete da sociedade devedora originária reportado a 31 de dezembro de 2011, resultam, designadamente, os saldos contabilizados nas seguintes rubricas:
- Conta 21-Saldo Devedor €3.477.592,69
- Conta 22- Saldo Credor €4.142.643,36
- Conta 21110066-Cliente “R........, SA” Saldo devedor €2.453.346,13
- Conta 216110066-Cheques Pré-datados “R........, SA” Saldo devedor €516.383,17
(cfr. fls.13 a 21 dos autos);
***
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, designadamente, não está provado, com relevo para a decisão de mérito, que:
1. A situação financeira da sociedade P...... agravou-se a partir do ano de 2009 em consequência da grave crise económica, do decréscimo do mercado de construção civil e da falta de pagamento atempado de alguns dos seus clientes (facto alegado no artigo 13.º);
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal fundou-se no teor dos documentos juntos aos autos e no PEF apenso, os quais não foram impugnados e bem assim na produção de prova testemunhal conforme indicado em cada uma das alíneas e como infra se descreve:
Quanto à prova testemunhal produzida nos presentes autos, relevante para efeitos da prova dos factos O) a U), conforme neles evidenciada, cumpre relevar o seguinte:
No concernente ao depoimento da testemunha F........, a mesma demonstrou conhecer bem a sociedade devedora originária, e a situação económico-financeira da mesma, uma vez que trabalhou na P...... desde 2000 até ao momento da insolvência em 2011, exercendo as funções de tesoureiro, razão pela qual o Tribunal valorou o seu depoimento para a factualidade constante nas alíneas O), P), Q), R), S), T) e U).
Falou, com segurança, sobre os meandros de atuação, vinculação e sobre o funcionamento da empresa, contextualizando que até finais de 2010 e início de 2011 a empresa sempre funcionou normalmente, mais esclarecendo que a mesma dependia de poucos clientes e que não entrava dinheiro na sociedade todos os dias. De forma segura e espontânea concretizou que de 2000 a 2009 a sociedade sempre foi cumpridora.
Quanto ao período visado, concretizou que a P...... tinha em curso uma grande obra do fornecedor “R…..”, na zona de Abrantes, no valor de cerca de €3.500.000,00. Evidenciando que esse cliente não procedeu a qualquer pagamento, tendo emitido cheques pré-datados que posteriormente vieram devolvidos.
Abordou a posição e conduta assumida pelo Administrador de Insolvência e nesse particular, com isenção e convicção, afirmou que poucos dias depois da declaração de insolvência, o mesmo deslocou-se às instalações da P...... referindo, de forma expressa, que a partir daquele momento era ele que mandava. Esclareceu, ainda de forma assertiva, sobre o encerramento da empresa e fez menção às dívidas da sociedade. Aludiu a adiantamentos de dinheiro do Oponente à sociedade devedora originária, embora sem a devida circunstanciação fáctica e sem a necessária precisão em termos temporais, sendo certo que quanto a esta realidade nada é alegado na p.i., nem foi junta qualquer documentação que ateste tal realidade factual.
No que diz respeito à testemunha C........, demonstrou, igualmente, ter conhecimento da situação e atuação da P......, uma vez que é engenheiro civil e trabalhou na P...... de 2007 a 2011, razão pela qual o Tribunal valorou o seu depoimento quanto à factualidade vertida nas alíneas O), R), S), T) e U). Esclareceu, quanto às funções propriamente exercidas na sociedade devedora originária que era Diretor Técnico e depois ficou responsável pela produção e co-responsável na área comercial. Atualmente, é representante dos trabalhadores na comissão de credores.
Abordou a gerência da sociedade, falou de forma clara sobre o funcionamento e laboração da sociedade, corroborando, na senda do referido pela anterior testemunha, que após a declaração da insolvência toda a administração e vinculação da sociedade passou para as mãos do Administrador de Insolvência.
Quanto à factualidade não provada o Tribunal entende que não resulta provado o constante em 1), uma vez que da documentação carreada para os autos não resulta a aludida prova, nem resultou da prova testemunhal tal inferência. Nenhuma das testemunhas conseguiu concretizar uma data específica e precisa a partir da qual a sociedade começou a ter dificuldades efetivas, no entanto dos aludidos depoimentos afigurou-se claro que as dificuldades só começaram a surgir no final do ano de 2010. De relevar, para o efeito, que a testemunha F........, referiu de forma expressa que a P...... “de 2000 a 2009 sempre honrou os seus compromissos.”
* * *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrente deduziu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, oposição à execução fiscal contra a decisão de reversão proferida no âmbito do processo de execução fiscal nº 2143201101003933, instaurado originariamente contra a sociedade “P....., S.A.”, por dívidas de retenções na fonte de IRS do ano de 2011 no montante de € 10.772,00.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou a oposição à execução fiscal improcedente tendo considerado o Oponente, ora Recorrente, parte legítima da execução fiscal de tais dívidas.

Discordando do decidido vem o Recorrente invocar desde logo que a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto bem como erro de julgamento quanto à apreciação da culpa.

Vejamos então.


O Recorrente pretende a alteração da matéria de facto no sentido de serem considerados como provados os seguintes factos, por si elencados:
1. Para pagamento de parte do valor em dívida pela R...... SA, foram entregues cheques pré-datados à Administração da sociedade originariamente devedora.

2. Na sequência da devolução de tais cheques, a administração da sociedade originariamente devedora, como forma de pressão para que os pagamentos fossem efetuados, suspendeu a continuação da obra.

3. A obra efetuada para a R...... SA, foi parada entre dois a três meses, antes da insolvência da sociedade originariamente devedora.

4. Encontra-se depositada na conta bancária da massa insolvente da P......, quantia superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), sendo que mais de € 900.000,00 (novecentos mil Euros), pelo menos desde o final de 2013.

5. Não foi por culpa do oponente que as dívidas fiscais na origem dos presentes autos não foram pagas.

Para o efeito invoca como meios probatórios “quanto aos factos referido em 1 a 3 o depoimento da testemunha F........, inquirida em sede de audiência de julgamento, que foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações. Quanto aos factos referidos em 4 é o depoimento da testemunha C........, inquirida em sede de audiência de julgamento, que foi claro e convincente, gravado em CD áudio, (confrontar ata da audiência de julgamento), cujo depoimento foi parcialmente transcrito nas alegações. Quanto ao facto referido no ponto 8 (certamente queria dizer 5), são os depoimentos das testemunhas inquiridas transcritos nas alegações, em conjunto com os factos dados como provados nos seguintes pontos do probatório da douta Sentença recorrida: Q), R), S), T) e U).” (cfr. conclusões b) a f) das suas alegações).

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Resulta da norma acima transcrita que a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Na verdade o Recorrente deve especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da constante na decisão recorrida.

E quanto à prova testemunhal tem de ser indicado com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, configuram ainda um limite para a reapreciação da prova.

Atentas as alegações de recurso coadjuvadas com as conclusões das mesmas podemos afirmar que o Recorrente respeitou o mínimo legalmente exigido, tendo transcrito parcialmente os depoimentos das testemunhas que, em sua opinião, sustentam os factos que pretende sejam dados como provados.

Apreciando.

Quanto ao ponto 1 –“Para pagamento de parte do valor em dívida pela R...... SA, foram entregues cheques pré-datados à Administração da sociedade originariamente devedora”, desde já se afirma que a prova do pagamento de parte da dívida deve ser realizada mediante prova documental. Na verdade não basta a testemunha afirmar de forma genérica que foram entregues cheques pré-datados, sem qualquer rasto físico dos mesmos e sem contextualizar os momentos temporais em que teriam ocorrido essas alegadas entregas, para que se possam considerar como provadas. Para que tais factos fossem considerados como provados teriam de ter sido documentados nos autos mediante a junção de cópias dos mesmos ou de outros documentos que os comprovassem, não sendo suficiente apenas a prova testemunhal. Face ao exposto rejeita-se o aditamento requerido quanto ao ponto 1.

Quanto ao ponto 2 – “Na sequência da devolução de tais cheques, a administração da sociedade originariamente devedora, como forma de pressão para que os pagamentos fossem efetuados, suspendeu a continuação da obra” tal afirmação revela natureza conclusiva e valorativa não sendo de incluir na factualidade.

Quanto ao ponto 3 – “A obra efetuada para a R...... SA, foi parada entre dois a três meses, antes da insolvência da sociedade originariamente devedora” importa realçar que nem todos os factos invocados pelas partes têm relevância relativamente ao objecto do processo, e neste caso, atendendo à questão da ilegitimidade do oponente na execução fiscal, tal facto configura-se como irrelevante e inócuo, sendo de rejeitar o seu aditamento.

Quanto ao facto 4 – “Encontra-se depositada na conta bancária da massa insolvente da P......, quantia superior a € 1.000.000,00 (um milhão de Euros), sendo que mais de € 900.000,00 (novecentos mil Euros), pelo menos desde o final de 2013”. Mais uma vez se afirma que tal facto deveria ter sido provado através de documento idóneo comprovativo do saldo do depósito bancário e sua respectiva data, e não apenas por prova testemunhal, pelo que se rejeita o seu aditamento.

Quanto ao facto 5 – “Não foi por culpa do oponente que as dívidas fiscais na origem dos presentes autos não foram pagas” esta afirmação não configura nenhum facto, ao invés revela natureza conclusiva, que será ou não formulada pelo tribunal aquando da apreciação da causa, pelo que vai rejeitado o seu aditamento.

Em face do exposto improcede o alegado erro de julgamento quanto à matéria de facto, mantendo-se inalterado o probatório fixado pelo tribunal recorrido.

Prosseguindo.

O Recorrente vem ainda invocar erro de julgamento quanto à apreciação da sua culpa na falta de pagamento das dívidas. Alega que com a instauração da execução fiscal a sociedade devedora originária deveria ter sido citada para no prazo de oposição, requerer o pagamento em prestações, a dação em pagamento ou proceder ao pagamento da dívida. Mais alega que a declaração de insolvência impediu que efectuasse essas diligências, não lhe podendo ser imputável a falta de pagamento da dívida.

Importa destacar que não resulta controvertida a gerência do Oponente/Recorrente nos períodos de constituição e de pagamento ou entrega das prestações tributárias em dívida.

No caso em apreço está em causa dívidas relativas a retenções na fonte de IRS do ano de 2011, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 20/02/2011 (cfr. alínea E) do probatório).

O art. 24º da LGT consagra o seguinte:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».

A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às distintas situações previstas naquela disposição legal que;

(i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e, ainda, a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art. 24º da LGT);

(ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art. 24º da LGT). (cf. Acórdão do STA, de 10/16/2013, proc.º 0458/13).

No caso em apreço a reversão da execução fiscal foi efectuada com base na alínea b) do nº 1 do art.º 24.º da LGT, como consta expressamente do teor do despacho de reversão transcrito na alínea K) do probatório. Assim sendo, cabia ao revertido ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento dos impostos exequendos, demonstrando que essa falta de pagamento não lhe é imputável. Se tal prova não tiver sido feita, ou se subsistirem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de pagamento do imposto, a oposição não poderá proceder.

Importa ainda destacar quanto à culpa, o entendimento vertido no Acórdão deste Tribunal de 11/04/2019, proc.º2259/12.1BELRS, ao afirmar-se que “A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não resultou de qualquer conduta que lhe possa ser imputável, em termos de causalidade adequada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 6/4/2017, proc.456/13.1BELLE; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).» (fim de citação).

Por forma a ilidir a presunção de culpa o Oponente tem de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa teve origem em circunstâncias alheias ao oponente e que não lhe podem ser imputadas.

Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a sua gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável. (…)Assim, demonstrada que seja a falta de pagamento ou de entrega da dívida tributária por parte da sociedade devedora originária, recairá sobre o gestor o ónus da prova da falta de culpa por tal facto, sendo certo que a lei impõe a quem exerça funções de administração em pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados «o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas» (art.º 32.º da LGT)” (cfr. Ac. TCA Sul de 15/04/2021 – proc. 614/15.4BELRA).

Na sentença recorrida, a propósito da responsabilidade subsidiária do oponente e da ilisão da presunção de culpa quanto ao não pagamento dos créditos fiscais, verteu-se a seguinte fundamentação:

Vejamos, então, se o Oponente logrou ilidir a presunção de culpa, concretamente, se logrou provar que não foi por sua culpa que os créditos fiscais não foram pagos.

Importa, desde já, evidenciar que o Oponente ao invés de alegar factualidade que permitisse concluir que administrou a empresa com observância dos seus deveres legais e contratuais destinados à proteção dos credores e que a falta de pagamento dos créditos tributários não resulta do incumprimento dessas disposições, limitou-se a alegar as circunstâncias de facto que determinaram a situação de crise e de dificuldades de tesouraria, não dando conta de quaisquer medidas concretas que tenha adotado. Note-se,

inclusive, que resulta da sentença de insolvência que a mesma foi requerida por um fornecedor, não tendo, portanto, sido uma medida de atuação e gestão dos Administradores da sociedade, mormente, do Oponente.

No fundo, faz alusão às conjunturas sócio-económicas vivenciadas à data e à declaração da insolvência, porém quanto a estas dívidas em concreto a insolvência nada releva para efeitos de apreciação da culpa, e isto porque tendo o prazo de pagamento voluntário da dívida expirado em 20 de fevereiro de 2011 e a insolvência sido declarada em 18 de maio de 2011, não logra efeito útil a aludida insolvência para poder ilidir a presunção em apreciação, uma vez que a responsabilidade pelo incumprimento não pode ser imputada ao Administrador de Insolvência.

É certo, outrossim, que o Oponente alega que nunca incumpriu com as disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores, nunca tendo usado património da empresa em benefício pessoal ou efetuado negócios ruinosos, nem tomado decisões de que tivesse resultado diminuição do património da sociedade e muito menos insuficiência do mesmo, a verdade é que tais factos não relevam e não são suficientes para afastar a presunção de culpa na falta de pagamento das dívidas tributárias e isto porque, como já devidamente evidenciado, o Oponente teria de provar que encetou todas as diligências e quais as diligências para proceder ao pagamento das dívidas fiscais pendentes, e não limitar-se a alegar genericamente que teve uma atuação diligente, criteriosa e prudente.

Dito de outro modo, desconhece-se como e em que medida as alegadas causas externas, designadamente, dificuldades de recebimentos dos clientes contribuíram para a insusceptibilidade de pagamento das dívidas de IRS-Retenção na Fonte e ignora-se quais as ações em concreto desenvolvidas pelo Oponente enquanto administrador, nomeadamente se ele desenvolveu todos os esforços que lhe eram exigíveis e se empregou o melhor da sua experiência e conhecimento para ultrapassar tais dificuldades.

Acresce, que não resultou provado que a situação financeira da sociedade se tenha agravado a partir do ano de 2009 em consequência da grave crise económica, do decréscimo do mercado de construção civil e da falta de pagamento atempado de alguns dos seus clientes.

In casu, nada se provou quanto à desresponsabilização do Oponente pela criação e manutenção de uma situação de crise financeira, que levou a que ficassem por pagar as dívidas em causa. Assim, é evidente que ficou provar que não foi por culpa do Oponente que os créditos fiscais não foram pagos.

De relevar, neste particular, que o Tribunal ao abrigo do inquisitório e no decurso da audiência de diligência de inquirição de testemunhas, e em razão do depoimento neles prestado, notificou o Oponente para vir aos autos juntar cópia do contrato, alegadamente, celebrado entre a sociedade devedora originária e a “R........” e bem assim da providência cautelar que a P...... teria, alegadamente, interposto contra a aludida empresa, mas a verdade é que o Oponente nada juntou para o efeito, nem tão-pouco justificou a falta de junção, nem avançou qualquer circunstância fáctica que obstasse ao cumprimento do ordenado, sendo que o Tribunal insistiu com a aludida junção e advertiu para a falta de colaboração e para a condenação em multa, com as devidas consequências probatórias, o que se efetivou.

Mais importa ter presente que não foi alegada factualidade concreta, nem tal decorreu da instrução dos autos, que permita concluir que, em 20 de fevereiro de 2011, a devedora originária não tinha condições financeiras, não imputáveis ao Oponente, para cumprir a obrigação tributária. Pelo contrário, decorre da factualidade provada a empresa manteve a atividade até à declaração de insolvência.

De referir, outrossim, que não se compreende revelando-se, outrossim, contraditório com a pretensão aduzida nos autos a defesa da existência de condições de solvabilidade da empresa, designadamente com base no seu balancete de dezembro de 2011, porquanto tal asserção só favorece o entendimento de que o responsável subsidiário, nas funções de Vice-Presidente do Conselho de Administração, tinha ao seu dispor, em fevereiro de 2011, recursos financeiros para proceder ao pagamento da dívida de imposto.(…)”.

Vejamos então.

Resultou provado que: i) Está em causa dívida de IRS, retido e não entregue nos cofres do Estado, no montante de €10.772,00, cuja data limite de pagamento ocorreu em 20/02/2011 – alínea E) do probatório; ii) À data, o Recorrente era o Vice-Presidente do Conselho de Administração da sociedade devedora originária – alínea D), do probatório; iii) Em 18/05/2011, foi decretada a insolvência da sociedade devedora originária – alínea F) do probatório.

Como se afirma no Acórdão deste Tribunal de 03/12/2020 – proc. 1077/13.4BEALM relativamente a uma situação idêntica à dos presentes autos “Em face dos elementos coligidos nos autos, verifica-se que o oponente, enquanto gerente da sociedade, não logrou realizar as diligências necessárias ao cumprimento do crédito fiscal em causa. O gerente/oponente não diligenciou no sentido da satisfação do crédito tributário, não requereu a insolvência da sociedade, não interpelou a AT no sentido de garantir uma forma de liquidação do crédito tributário, através da realização do pagamento a prestações ou outra legalmente disponível. Sejam as alegadas diligências junto de clientes devedores da sociedade, seja a alegação de que a sociedade devedora originária não terá sido atempadamente citada na execução, seja a alegação de que o decretamento da insolvência da sociedade obstou à movimentação de contas e à obtenção de receita, não logram interromper o nexo de imputação da responsabilidade ao oponente, enquanto gerente da sociedade, porquanto na data da constituição e da colocação a pagamento da dívida exequenda, a administração da sociedade nada fez no sentido do cumprimento do crédito fiscal. Ao invés, o oponente, enquanto gerente da sociedade, reteve o imposto em falta e não o entregou nos cofres do Estado, deixando protelar a situação de incumprimento das dívidas da mesma, sem requerer, em tempo oportuno, a sua insolvência, com vista ao concurso universal dos credores, entre os quais a ora exequente.”.

Importa reiterar que, para afastar a presunção de culpa, o Oponente tem de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da sociedade teve origem em circunstâncias alheias ao oponente e que essas circunstâncias não lhe podem ser imputadas, não bastando invocar que a sociedade devedora não foi citada e como tal ficou impedido de solicitar o pagamento em prestações, a dação em pagamento ou o pagamento voluntário face à declaração de insolvência.

Em face do exposto resulta que os factos constantes do probatório não são suficientes para se poder afirmar que o oponente, ora Recorrente, logrou ilidir a presunção legal de culpa na falta de pagamento das dívidas que sobre si impende, mediante prova positiva e concludente, pelo que se conclui ser parte legítima na execução fiscal. A sentença que assim também decidiu não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente

Lisboa, 20 de Abril de 2023
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto