Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - RELATÓRIO
F……………., Lda (ora recorrente), veio interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, datada de 11.04.2022, que julgou parcialmente procedente a execução de julgados da decisão proferida no processo ...130/16.130/16.7BELLE-A, insurgindo-se contra o segmento decisório que absolveu a Fazenda Pública (ora recorrida) da condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
* A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
A. Constitui objeto do presente recurso a sentença de 11.04.2022 do TAF de Loulé, proferida no processo de execução de julgados n.° ....130/16.130/16.7BELLE-A, exclusivamente na parte que absolveu a AT do pedido de juros indemnizatórios oportunamente formulado pela ora recorrente na sua petição de execução.
B. Para esse efeito, considerou o M.mo Juiz a quo que, não tendo a AT sido condenada em juros indemnizatórios no âmbito da sentença (exequenda) anulatória proferida pelo TAF de Loulé em 7 de Março de 2020, já não poderia sê-lo em sede da respetiva execução de julgados.
C. Porém, constitui doutrina e jurisprudência pacifícamente aceite e sistematicamente aplicada por este TCA Sul que, “ainda que no acórdão judicial que anulou a liquidação do imposto não se tenha ordenado o pagamento de juros indemnizatórios, nada obsta a que no pedido de execução do julgado se formule pedido de juros indemnizatórios e de mora" (cf. Ac TCAS de 18.03.2003, processo n.° 7462/02, inter alia).
D. Tendo a sentença exequenda proferida em 7 de Março de 2020 concluído pela verificação de erro imputável aos serviços, determinante da anulação dos atos então impugnados, nada obsta a que sejam peticionados juros indemnizatórios em execução de julgados.
E. Ao decidir como decidiu a douta sentença, na sua parte ora recorrida, acha-se assim ferida de erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 43.° e 100.° da LGT e 173.° do CPTA.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado inteiramente procedente, revogada a douta decisão na sua parte ora recorrida e, em sua substituição, proferido acórdão deste TCAS que condene a Autoridade Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios oportunamente peticionados, com todas as consequências legais”* Notificada, a recorrido não apresentou resposta às alegações.* Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
No seu parecer, salientou o MP, com eco em varia jurisprudência, o seguinte:
“(…)
No dizer do Ac. Do TCAS de 14.1.2020:
“A génese em que assenta o núcleo de enquadramento de juros indemnizatórios e os juros de moratórios no direito fiscal português não tem a mesma natureza. Consideramos que aos juros indemnizatórios foi dado carater ressarcitório ou indemnizatório, enquanto que aos juros de mora a lei fiscal visou a atribuição de caráter sancionatório.”
Por outro lado, visando a execução de sentença obrigar a que se cumpra uma decisão judicial, tal obrigação apenas pode ocorrer no justo limite da decisão. Ou seja, apenas pode ser determinado o cumprimento daquilo que o tribunal decidiu, em obediência estrita aos limites do caso julgado.
Ora, se a atribuição de juros moratórios e indemnizatórios não tem a mesma natureza, consistindo, por isso, prestações distintas (podendo, assim, ser cumuladas) e se a decisão executada não se pronunciou sobre um deles – não constituindo sobre essa matéria caso julgado que é condição da execução – concordamos com a decisão de primeira Instância, no sentido de que, tal como o Ac. do TCAS em que se respalda:
“No caso dos autos, porém, é discutível que em execução de sentença se possa arbitrar juros indemnizatórios porquanto a sentença anulatória que se executa não reconheceu à recorrente o direito a juros indemnizatórios (vd. fls. 272), pelo que, a nosso ver, a ora exequente/ recorrente deverá formular pedido autónomo de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios que peticiona, sob pena de, neste caso sim, se exceder o âmbito do julgado anulatório.”
Assim, salvo o devido e merecido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora sob censura no sentido em que o fez, procedeu de forma irrepreensível à interpretação dos factos e aplicou corretamente aos mesmos o direito, não tendo violado quaisquer preceitos legais, nem a decisão padece de qualquer vício ou nulidade, inexistindo outras questões que cumpra conhecer. (…)”* Colhidos os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
* II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se a decisão recorrida padece de vício de erro de julgamento de direito, por errada interpretação na aplicação dos artigos 43°, 100° da LGT e 173° do CPTA e afrontar a jurisprudência deste TCAS.*
*
* III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
1. A ora Exequente deduziu impugnação judicial do acto de fixação do Valor Patrimonial Tributário relativo a sete prédios integrantes do aldeamento turístico sito em Quinta do Lago e denominado “F............” – cfr. o processo de impugnação judicial, apenso;
2. Em 7 de Março de 2020 foi proferida sentença no âmbito do processo de impugnação judicial n.º ........130/16.130/16.7BELLE-A, onde foi decidida a procedência da impugnação e anulação dos actos de fixação do valor patrimonial impugnados – cfr. a sentença que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial;
3. A sentença acima referida transitou em julgado em 2 de Julho de 2020 - cfr. o documento n.º 2 junto com a petição inicial;
4. Com base nos valores constantes no acto de fixação de Valores Patrimoniais Tributários anulado foi liquidado IMI referente ao ano 2014, no valor de € 17.487,90, pago em 25 de Novembro de 2015 – facto não controvertido e que emerge igualmente do documento n.º 3 junto com a petição inicial;
5. Com base nos valores constantes no acto de fixação de Valores Patrimoniais Tributários anulado foi liquidado IMI referente ao ano 2015, no valor de € 16.578,26, pago em 29 de Novembro de 2016 – facto não controvertido e que emerge igualmente do documento n.º 4 junto com a petição inicial;
6. Com base nos valores constantes no acto de fixação de Valores Patrimoniais Tributários anulado foi liquidado IMI referente ao ano 2015, no valor de € 9.007,86, pago em 27 de Novembro de 2017 – facto não controvertido e que emerge igualmente do documento n.º 4 junto com a petição inicial;
7. A Executada não procedeu ao pagamento à Exequente dos valores de IMI supra referidos - facto não controvertido;
8. A Exequente solicitou à Executada a devolução dos valore de IMI em causa – facto não controvertido e que emerge igualmente do documento n.º 6 junto com a petição inicial;
9. A presente acção de execução de julgados foi apresentada em 20 de Agosto de 2021 – cfr. fl. inicial dos autos.
* O tribunal a quo consignou o seguinte quanto à matéria de facto não provada:
“Não se vislumbram outros factos alegados cuja não prova releve para a decisão do requerido”* IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Analisadas as conclusões de recurso, constatamos que a recorrente centra todo seu inconformismo com a decisão recorrida, na parte em que não lhe foi concedido o pagamento de juros indemnizatórios, pelo facto da sentença em execução ter reconhecido erro dos serviços, pelo que, argumenta, ao ser absolvida a recorrida nessa parte, afrontou o tribunal a quo o estabelecido nos artigos 43° e 100° da LGT e 173º do CPTA bem como a jurisprudência firmada pelo TCAS.
Importa, antes de mais, dar conta que a factualidade assente não foi posta em causa, pelo que a mesma se encontra estabilizada.
Vejamos, então, se a decisão recorrida, na parte posta em causa, padece do erro de julgamento que lhe vai imputado.
Tudo passa por saber se, ante a anulação do VPT, assistia também à recorrente, a par do IMI restituído na sequência da anulação do VPT, o pagamento de juros indemnizatórios relativamente a este imposto, ainda que esse montante não fosse arbitrado na sentença que se executa.
Apreciando.
O artigo 43º da LGT reporta-se ao Pagamento indevido da prestação tributária, a que acrescem juros indemnizatórios (artigo 61º do CPPT), aquando da sua devolução, se existir erro dos serviços.
Na redação à data dos factos dos autos, estabelecia (e estabelece ainda) aquele normativo que, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (n.º 1).
E assim é na medida em que, com os juros indemnizatórios visa-se compensar o contribuinte pelo prejuízo provocado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária, tratando-se de uma indemnização atribuída com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, de montante legalmente pré-determinado, pelos custos da imobilização do capital indevidamente cobrado, nos dizeres de Saldanha Sanches - cf. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Lex, p. 127.
Nesse sentido, o artigo 100.º da LGT, na mesma linha, estatui que, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, a Administração está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo a liquidação de juros indemnizatórios.
Esta reconstituição abrange também os atos consequentes dos atos anulados (artigo 172º do CPA e 173º do CPTA).
Com efeito, anulado um ato ilegal são nulos, ipso jure os atos dele consequentes.
De acordo com o art.º 172º nº 1 do CPA:
“Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, a anulação administrativa constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”
Estabelecia e estabelece, a outro passo, o artigo 173º nº 1 do CPTA, o seguinte:
1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
Foi precisamente o que ocorreu com a “reparação” respeitante ao IMI decorrente do VPT anulado (cuja reparação se traduz na anulação não só do ato de fixação do VPT mas o próprio reconhecimento da ilegalidade/nulidade dos atos consequentes de IMI).
Prosseguindo.
É consabido que, em sede do direito tributário, o direito à indemnização consagrado no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa encontra-se concretizado no regime resultante da conjugação dos artigos 43º, 100º e 102º da LGT e 61º do CPPT, por via da previsão de juros indemnizatórios.
De acordo com o citado artigo 43º da LGT o direito a juros indemnizatórios implica a verificação cumulativa dos respetivos seguintes:
1° Que haja um erro na liquidação de um tributo;
2° Que tal erro seja imputável aos serviços;
3° Que a sua existência seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e
4° Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Estabelece o nº 3 do mesmo normativo que são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária;
d) Atualmente, são ainda devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. Nesta última situação, foi a Lei 9/2019, de 01/02 (em vigor a 02/02/2019), por via do seu artigo 2.º aditou a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são, também, devidos juros indemnizatórios, “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determina a respetiva devolução”.
Visto o quadro legal aplicável, importa agora descer à situação colocada.
A situação colocada, para a recorrente, centra-se no alegado erro dos Serviços a que alude o artigo 43º nº 1 da LGT que, segundo a recorrente, decorre da sentença que se executa.
Consultando os factos provados, dali decorre que na sentença em execução (Processo ……..7BELLE), foram anulados os atos de fixação do valor patrimonial impugnados (cf. ponto 02) dos factos provados) e não atos de liquidação de IMI, sendo estes atos consequentes do VPT fixados (artigos 172º do CPA e artigo 173º do CPTA), os quais, como vimos sublinhando são nulos.
Com efeito, o probatório dá notícia de que, com base nos atos de fixação do valor patrimonial anulados, foi liquidado IMI de 2014 a 2016, cujos valores foram pagos pela recorrente (cf. pontos 04) a 07) dos factos provados).
Nesta sequência, a recorrente, na PI de execução, pediu que lhe fossem pagos os montantes de IMI pagos, assim como o pagamento de juros moratórios e indemnizatórios.
O Tribunal a quo apenas absolveu a recorrida do pagamento de juros indemnizatórios, louvando-se do entendimento vertido no acórdão de 10.02.2022, deste Tribunal Central Administrativo Sul, tirado do processo n.º 174/08.2BECTB-A.
Para o Tribunal a quo não assistia à agora recorrente o direito a juros indemnizatórios na medida em que a sentença em execução os não reconheceu.
Na sentença em execução não foi, efetivamente, arbitrada nenhuma quantia a título de juros indemnizatórios.
A sentença que se executa limitou-se a anular o VPT fixado.
Contudo, uma vez que, na sequência do VPT fixado (e que veio a ser anulado), foram emitidas liquidações de IMI que a recorrente pagou, aqueles atos de IMI, por serem atos consequentes do VPT anulado (artigo 172º do CPA), são nulos (sem carecer de reconhecimento judicial), razão pela qual deveria, como foi, determinada a restituição de tais valores correspondentes ao IMI pago, acrescido de juros de mora.
Até aqui nada a apontar ao decidido.
O inconformismo da recorrente, como se disse, reside no facto de não ter sido condenada a recorrida a pagar, também, à recorrente juros indemnizatórios.
A consagração do pagamento de juros indemnizatórios tem assento nas leis tributárias (veja-se os já citados artigos 43º e 100º da LGT e 61º do CPPT), a que não é indiferente o artigo 173º do CPTA, o qual se reporta à execução do julgado anulatório, compreendendo a expurgação dos atos consequentes, o que in casu, corresponde ao IMI liquidado tendo por pressuposto a base fixada no VPT anulado.
É verdade que na situação trazida não está em causa o julgado anulatório de liquidações, mas sim a execução do julgado que reputou como ilegais os valores patrimoniais tributários fixados aos prédios da recorrente.
Como o ato anulado produziu atos consequentes (IMI), os quais são nulos, foi ordenada a sua restituição com juros de mora, o que tem eco no artigo 100º da LGT e artigo 173º do CPTA, ex vi artigo 102º da LGT.
É certo que a anulação judicial do ato tributário implica a anulação de todos os seus efeitos ex tunc, pelo que tudo se deve passar como se ele não tivesse sido praticado.
Por ser assim, a anulação acarreta também a remoção da ordem jurídica de todos os atos consequentes que hajam sido praticados tendo por base ou pressuposto jurídico-prático o ato tributário anulado.
É esta reconstituição da situação que hipoteticamente que existiria se não fosse o ato lesivo (ou de uma ofensa por si cometida contra os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados) que se visa alcançar em sede de execução, abrangendo os atos consequentes (artigos 100º da LGT, 562º CC, 172º CPA e 173º do CPTA).
Diz a recorrente que a decisão recorrida afronta a jurisprudência existente neste TCAS ao não arbitrar juros indemnizatórios, nomeadamente o entendimento vertido no acórdão de 18.03.2003 a que respeita o processo nº 7462/02 (Cf. conclusão C) do recurso).
Mas, não é assim, na medida em que naquele aresto estava em causa a execução da sentença que anulou um ato de liquidação (IVA), e aí inexistem dúvidas que a atribuição de juros indemnizatórios não carecia sequer de ser pedida na sentença em execução, podendo ocorrer em sede de execução de julgados.
Na verdade, ocorrendo anulação do ato de liquidação, a AT não está sequer impedida (pelo contrário, a lei impõe-lhe o poder dever de o fazer) de praticar novo ato de liquidação referente ao mesmo facto tributário, sempre que cumpra as normas respeitantes à execução de decisões anulatórias (artigos 102.º da LGT, 172.º e 173.º do CPTA, aplicável ex vi do referido artigo 102.º da LGT).
O que está em causa é a anulação do VPT e por via disso, o lastro de efeitos que se prende com os atos consequentes do ato anulado (VPT), como o IMI, os quais são contaminados com nulidade, devendo ser restituído o valor do próprio imposto, assim como os juros de mora, como se decidiu e não está em causa.
Importa é aferir se dessa anulação do VPT, além da restituição do IMI pago, implica o pagamento de juros indemnizatórios à luz do artigo 43º, 100º da LGT e 173º do CPTA.
Cremos que sim.
A respeito de situação em tudo semelhante à situação colocada, embora respeitante a IMT consequente de VPT anulado, por isso devidamente ajustada ao caso sujeito, sumariou-se no acórdão do STA de 20.10.2020, tirado do processo nº 02748/15.6BESNT, o seguinte:
“I - Na sequência da anulação judicial do VPT, por ter sido fixado em montante excessivo, a AT deve proceder oficiosamente à anulação do IMT liquidado com base nesse valor.
II - Nesse caso, deve a AT, não só restituir o imposto indevidamente pago, como também pagar juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até ao total reembolso do montante (cf. art. 43º, nº, da LGT, aplicável ex vi do nº 3 do art. 46º do CIMT, e art. 61º nº 5, do CPPT)”.
Discorreu-se ainda naquele douto aresto, que, como as devidas adaptações (por se tratar de IMT ali e aqui de IMI), norteia a nossa análise, do modo que se segue:
“Na verdade, a liquidação adicional de IMT deve ter-se como anulada por erro imputável aos serviços, na medida em que a sua anulação é consequência da anulação do acto de fixação do VPT em impugnação judicial (deduzida pelo outro comproprietário dos imóveis) por ter sido fixado, ilegalmente, em montante excessivo.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, «O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4.a edição, 2012, anotação 2 ao art. 43.o, pág. 342.).
Por outro lado, facto de esse erro ter ocorrido, não no acto de liquidação em sentido estrito, mas em fase anterior do procedimento de liquidação, não deixa de relevar, desde que tal erro se repercuta no acto final (Nesse sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.a edição, volume I, nota 5 b) ao art. 61.o, pág. 530, que diz: «Embora não se refira expressamente, no nº 1 deste art. 43º, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos daquele tipo que se reporta esta disposição. // No entanto, para afectar o acto de liquidação, o erro pode ocorrer em qualquer acto anterior, inserido no processo global de liquidação, desde que o acto final venha a nele assentar. Será o caso de erro no acto de fixação da matéria colectável que é a base do acto de liquidação».), como sucedeu no caso, em que o erro ocorreu na fase da determinação da matéria colectável mas se repercutiu no acto de liquidação”. (O destaque é nosso)
Regressando à situação trazida, ancorando-nos no doutrinado naquele aresto, é imperioso concluir que, também no caso sujeito, o pagamento indevido do IMI ocorreu no seio do processo global da sua quantificação, assentando numa base tributável (VPT) contaminada por erro, que não formal.
Na verdade, a liquidação IMI, enquanto ato final, assentou no VPT que constitui a sua base de incidência. E, se existe erro na fixação da matéria coletável em que repousa o ato de liquidação, esse erro tem repercussão na liquidação, que é ilegal e que, tendo sido paga, levou ao desembolso indevido, daquele(s) montante(s) pelo contribuinte.
Efetivamente, o que determinou o pagamento da dívida tributária foi o valor liquidado em sede de IMI, liquidação que não se pode desligar do processo global em que assenta, desde logo da sua base de incidência a que corresponde o VPT anteriormente fixado.
E, se a AT andou mal na e fixação do VPT, enquanto base de incidência do IMI, é patente que o erro lhe é imputável a si.
Como se anota no aresto transcrito “ são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos daquele tipo que se reporta esta disposição” (referindo-se ao artigo 43º da LGT).
Assim sendo, a par da restituição do IMI pago, assiste à recorrente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido (cf. artigo 43º da LGT e art. 61º nº 5, do CPPT).
Aqui volvidos, perante tudo que deixamos enunciado, cremos que a decisão recorrida não poderá manter-se ao não ter concedido provimento ao pedido de juros indemnizatórios, que, como se explicou, são devidos.
Procede, por conseguinte, o recurso.
* No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da parte vencida.
Contudo, não tendo a recorrida apresentado contra-alegações, não será responsável pelo pagamento da taxa de justiça – Cf. acórdão deste TCAS de 17.09.2020, Processo nº 1505/17.0BELRS, o qual faz referência ao sumariado no acórdão do STA de 13/12/2017, donde se extrai que:
“I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP).
II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).
III - O Recorrido que não contra-alegue não é, em caso algum, responsável pelo pagamento de taxa de justiça, o qual não lhe é exigível ainda que no recurso fique vencido (artigos 7º, nº 2, do RCP, e 37º, nº 4, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril);
IV – Se, porém, o Recorrido ficar vencido no recurso é, nos termos gerais, responsável pelo pagamento das custas (artigo 446º do CPC).”* IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
- Conceder provimento ao recurso;
- Revogar a decisão na parte recorrida, condenando a recorrida no pagamento de juros indemnizatórios à recorrente, nos termos deixados expostos.
Custas pela recorrida, que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nesta instância porque não contra-alegou.
* Lisboa, 16 de maio de 2024
Isabel Silva
(Relatora)
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Sara Loureiro
(1ª adjunta)
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Rui Ferreira
(2º adjunto)
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