Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2800/16.0BELRS |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 05/16/2024 |
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Relator: | JORGE CORTÊS |
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Descritores: | CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO. |
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Sumário: | A Contribuição extraordinária sobre o sector energético é uma contribuição financeira, a qual não enferma de inconstitucionalidade material ou orgânica. Na medida em que é aplicada de forma uniforme aos operadores económicos abrangidos não configura uma restrição à livre circulação de mercadorias de e para o mercado interno. Mesmo em relação a entidades que integram o Sistema Nacional de Gás Natural, o facto da receita obtida ser consignada ao financiamento de políticas de regulação do mercado energético justifica o carácter sinalagmático do tributo em apreço. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- Relatório G.... G... N…………, S.A., deduziu impugnação judicial peticionando a anulação do acto tributário de autoliquidação da contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE], referente ao ano de 2015, da liquidação de juros - liquidação nº …………..002, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação reclamado, pedindo ainda o reembolso do imposto e/ou dos juros entretantos pagos, acrescido do pagamento de juros e que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.1288 e ss., Sitaf, datada de 10/05/2021, julgou a presente impugnação judicial improcedente e absolveu a Fazenda Pública dos pedidos. Inconformada com o decidido apelou a Sociedade Impugnante para o TCAS, tendo com a alegação, inserta a fls.1317 e ss., Sitaf, apresentado as seguintes conclusões: “ A. A CESE II, criada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, constitui um verdadeiro imposto. B. A medida é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes. O tributo, aplicável apenas à Recorrente, constitui uma modificação drástica da situação de equilíbrio em que tem assentado a relação jurídica entre aquela e o Estado, modificação originada por uma utilização anómala e abusiva dos poderes legislativo e tributário, uma vez que a racionalidade político-legislativa da medida implicaria que a modificação desejada tivesse sido realizada pela via cooperativa e negocial, com a salvaguarda do equilíbrio com base no qual se estabeleceu aquela relação jurídica. C. A propósito do caráter geral e abstrato das normas contempladas no artigo 2.º, alínea m), da Lei n.º 33/2015, de 27 de abril (e, quanto à CESE II Adicional, no artigo 264.º da Lei n.º42/2016, de 28 de dezembro), é efetivamente certa a sua formulação em termos gerais e abstratos; de facto, em nenhuma das normas em causa se individualiza ou particulariza expressamente, com o nome ou a denominação, o destinatário das mesmas, circunstância que nunca poderia considerar-se compatível com a presença de um ato legislativo. D. Na verdade, se i) apenas uma entidade, a G.... G…. N……………, é titular de “contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39.º-A do Decreto-lei n.º140/2006, de 26 de julho” e, além disso, se ii) o disposto nas normas em causa determina que “a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide, ainda, para além dos elementos previstos no número anterior, sobre o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay”, é manifesta a presença de uma norma que, ainda que redigida em termos gerais e abstratos – característica formal, porém nem sempre material, de todos os atos legislativos –, consubstancia uma medida ou decisão dirigida a uma situação concreta, à qual está, pois, associada uma pretensa regulação individual, não universal (independentemente de esse universo ser mais ou menos delimitado). E. Por efeito consequente, e salvo o devido respeito, de forma alguma poderá aceitar-se o raciocínio empreendido pelo Tribunal a quo: de que o sujeito passivo da CESE II inicial, nos termos dispostos pela alínea m) do artigo 2.º da Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, é qualquer comercializador do SNGN. De facto, a alínea m) do artigo 2.º daquela Lei determina que são sujeitos passivos da CESE as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, relativamente às quais se verifique a seguinte condição – “seja comercializador do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), nos termos definidos no artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º140/2006, de 26 de julho”; por sua vez, o artigo 39.º-A, n.º 1, do Decreto-lei n.º140/2006, de 2 de julho, esclarece que “[o] comercializador do SNGN é a entidade titular dos contratos de longo prazo em regime de take-or-pay celebrados em data anterior à entrada em vigor da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho”. F. Com efeito, em sentido totalmente contrário ao vertido na sentença do Tribunal a quo, o certo é que, sem prejuízo da redação em termos gerais e abstratos da alínea m) do artigo 2.º da Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, só em relação a uma entidade – a G.... G………. N…………. – se verificam as condições legalmente estabelecidas para poder haver lugar à tributação em causa: só a Recorrente é titular de contratos de longo prazo em regime de take-or-pay. G. De resto, a circunstância de o artigo 39.º-A do Decreto-lei n.º140/2006, de 2 de julho, identificar o comercializador do SNGN como a entidade que é titular dos contratos de longo prazo em regime de take-or-pay celebrados em data anterior à entrada em vigor da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, não permite sequer que se equacione a hipótese de poder vir a estar em causa qualquer outra entidade, i.e., qualquer outro sujeito passivo: por impossibilidade objetiva, nenhuma outra entidade, além da G.... G……….. N………., poderá encontrar-se nessa situação. H. No caso concreto, verifica-se que as medidas em causa, determinadas pelo Estado-legislador, violam o princípio da separação de poderes, estando em causa um vício de usurpação de funções. I. A propósito, afigura-se pertinente relembrar que, quando o gás natural foi introduzido em Portugal, em 1989, todas as atividades compreendidas neste setor (tais como as atividades de importação e comercialização do gás natural) foram qualificadas como atividades de serviço público, portanto, da responsabilidade do Estado-Administrativo – neste contexto, ao invés de ser o Estado, diretamente, a proceder à sua prestação, encarregou, em 1993, por ajuste direto, uma entidade privada da sua prestação, a título exclusivo: precisamente, a G.... G……….. N………… (na altura, a T…………..). J. Assim, a G.... G…….. N.……….. (na altura, T…………..), enquanto concessionária e responsável pela prestação do serviço de, designadamente, importação, transporte e fornecimento de gás natural, procedeu – tendo em vista a criação e manutenção de uma reserva estratégica de gás natural – à celebração de contratos de fornecimento a longo prazo em regime de take-or-pay (a G.... G……… N…………., para prestar o serviço público, tinha de importar gás natural de outros países, procedendo depois ao seu fornecimento no mercado nacional). K. Sucede que, em 2006, o Decreto-lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, no seu preâmbulo, postulava: “[a] actividade de comercialização do gás natural é livre, ficando, contudo, sujeita a atribuição de licença pela entidade administrativa competente, definindo-se claramente o elenco dos direitos e dos deveres na perspectiva de um exercício transparente da actividade. No exercício da sua actividade, os comercializadores podem livremente comprar e vender gás natural” (destaque nosso). L. Não obstante a liberalização da atividade de comercialização do gás natural, o Estado-legislador veio determinar que os contratos de aprovisionamento celebrados pela G.... G……… N…………… (T……………), enquanto concessionária da prestação do serviço público de comercialização do gás natural, se mantinham em vigor (o que significa que, mesmo deixando de poder ser qualificada como uma concessionária, a G.... G………..N…………… continuaria vinculada à importação de gás natural e, logicamente, ao seu fornecimento, agora com base em uma licença administrativa, i.e., o aprovisionamento de gás natural deixou de ser uma atividade concessionada, passando a revestir caráter liberalizado). M. Em sintonia, no contrato de modificação (celebrado, entre o Estado-Administrativo e a T…………, de acordo com a minuta contratual aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2006, de 23 de agosto), em concreto, na cláusula 10.ª, n.º 3, dispunha-se que, uma vez cumpridas pela T........... as obrigações de venda de gás natural ao comercializador de último recurso, aquela é livre de vender as quantidades disponíveis no âmbito da sua atividade de comercialização de gás natural em regime de mercado livre. N. Em 2012, aliás, a lei, portanto também o Estado-legislador, reforçou expressamente que a Recorrente tem o direito de vender a “outras entidades”, inclusive fora de Portugal, o gás natural adquirido com base nos contratos de aprovisionamento, no entanto tão-só na medida em que se garantisse o cumprimento das obrigações a que a mesma se encontrava vinculada no sentido da garantia do aprovisionamento do território nacional. O. Tudo quanto imediatamente antecede implica duas conclusões: i) a T........... deixou de ser concessionária ou prestadora do serviço público de comercialização de gás natural, passando, neste preciso domínio, a exercer uma atividade privada, sujeita a autorização administrativa (especificamente, a licença administrativa), tendo-se mantido, não obstante, os contratos de aprovisionamento em regime de take-or-pay já celebrados pela mesma; ii) a manutenção destes contratos, não já no quadro de uma concessão de serviço público, mas sim no âmbito do exercício de uma atividade privada, liberalizada, fez nascer, por sua vez, duas consequências – por um lado, se é certo que, por estipulação contratual e, depois, também legislativa, a T........... ficou vinculada à obrigação de garantir o aprovisionamento do território nacional, por outro, é igualmente certo (e, em rigor, consentâneo, justamente, com a presença de uma atividade liberalizada) que, uma vez cumprida essa obrigação, i.e., garantido o aprovisionamento do território nacional, podia a T..........., livremente, vender, designadamente fora do mercado nacional, o gás natural “sobrante” ou “remanescente”. P. E, em rigor, a verdade é que, desde logo a subsistência dessa obrigação de serviço público, no contexto do exercício de uma atividade liberalizada, nos termos contratual e legalmente definidos, representa a manutenção de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a G.... G………. N……….., em termos tais que pode afirmar-se que a pretensão, desde a liberalização da atividade de comercialização do gás natural, sempre foi a de manutenção de um “equilíbrio contratual”, de uma estabilidade semelhante à que existiria caso houvesse contrato. Q. Situamo-nos em um domínio, o da “relação” entre o Estado-Administrativo e o da G.... G…….. N……….., em que se afigura pertinente referir a existência de uma espécie de contrato não escrito, implícito, no âmbito do qual, desde logo, a G.... G………. N………. é livre de investir, auferindo lucros (designadamente, procedendo à venda do gás natural adquirido no âmbito dos contratos de aprovisionamento em regime de take-or-pay no mercado internacional), tendo como contrapartida a garantia (pública) de aprovisionamento do território nacional. R. Justamente por força dessa relação, no âmbito da qual se mantém uma espécie de equilíbrio contratual, a decisão (legislativa!) em causa nunca poderia ter sido tomada no contexto do exercício dessa função; na verdade, a lei-medida nunca poderia ter sido promulgada precisamente porquanto consubstancia o exercício da função administrativa (e, provavelmente por isso, estamos perante uma lei-medida). S. De facto, o legislador não é titular de competência para interferir neste domínio, incorrendo, assim, em uma usurpação das suas funções – vício de usurpação de poderes ou de funções (violação do princípio da separação de poderes). É que é evidente que a criação de um tributo cuja base de incidência objetiva se reconduz, precisamente, às receitas obtidas com base nos contratos de aprovisionamento (i.e., aos lucros obtidos através da venda, autorizada pelo Estado-Administrativo e, depois, confirmada pelo próprio Estado-legislador, do gás natural por parte da G.... G…….. N………..), não vai ao encontro, antes colide manifestamente, com o direito atribuído e reconhecido à G.... G…………. N………….. T. Mas não só – sem prejuízo da relação “contratual” que se manteve entre o Estado- Administrativo e a T........... (à qual se associava uma obrigação ou garantia de serviço público), deve ainda notar-se que o facto de, desde 2006, ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, autorizada pelo Estado-Administrativo nos termos já expostos (a Recorrente adquiriu, em 2006, de forma consolidada e não precária, o direito de, livremente, vender o gás natural adquirido no âmbito dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay), não permite a tributação de eventuais mais-valias adquiridas no contexto do exercício desse direito; como é evidente, trata-se de uma decisão do Estado-legislador que, além de usurpar totalmente a função legislativa, colide manifestamente com um direito constituído pelo Estado-Administrativo (incluído no conteúdo típico da licença administrativa que subjaz ao exercício da atividade de comercialização do gás natural) e, depois, confirmado pelo próprio Estado-legislador. U. A usurpação de funções verifica-se “duplamente”: i) por um lado, por força da subsistência de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a T..........., no âmbito da qual esta última ficou vinculada ao cumprimento de uma garantia de serviço público – o aprovisionamento do território nacional –, à qual se associou, correspetivamente, o reconhecimento expresso do direito de, uma vez cumprida essa obrigação de serviço público, poder a T........... proceder à venda do gás natural “remanescente” (circunstância consentânea com o caráter liberalizado da atividade de comercialização do gás natural); ii) por outro, e independentemente do exposto, por ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, cujos “termos e condições” foram estabilizada e, em princípio, definitivamente determinados pelo Estado-Administrativo, sendo certo, para lá de qualquer dúvida razoável, que qualquer alteração ou colisão com esse direito só poderia processar-se no contexto do exercício da função administrativa. V. No fundo, e em inteiro rigor, estamos em presença de uma verdadeira expropriação legislativa de direitos contratual e legalmente consolidados, sem que tenha sido observado o due process expropriatório (reitera-se: quer o Estado-Administrativo, quer, depois, o próprio Estado-legislador, vieram atribuir à Recorrente o direito de, uma vez cumprida a garantia pública de aprovisionamento do território nacional, poder vender, nacional ou internacionalmente, o gás natural “sobrante”). Quer dizer, sob o manto de uma contribuição extraordinária para o setor energético, o que está verdadeiramente em causa, na sua essência – numa manifestação clara de um “desvio do poder” legislativo (tributário) –, é uma agressão (eingriff) a direitos contratuais (legalmente sancionados) da Recorrente, sem pagamento contemporâneo de justa indemnização, o que, além do mais, viola frontalmente o disposto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição. W. Prosseguindo, a CESE II integra um processo legislativo que representa uma alteração totalmente inesperada, violando as expectativas fundadas da Recorrente na manutenção do estatuto jurídico e das condições do exercício da sua actividade (uma actividade licenciada e levada a cabo, lembre-se, em regime de mercado livre, com cumprimento estrito de determinadas obrigações serviço público), assim violando também os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. X. Com efeito, o Estado português – seja na veste do poder executivo seja na do poder legislativo – empreendeu ao longo dos anos comportamentos inequivocamente geradores na ora Recorrente de uma expectativa de continuidade, ou seja, de que não seriam alteradas as condições de exercício da actividade com base nos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay, nem o quadro legal das obrigações impostas e dos direitos reconhecidos ao exercício da actividade da G.... G…….. N………. relacionada com os contratos em questão. Y. Com a introdução da CESE II, o Estado frustra objectivamente a expectativa da G.... G……… N…………. de continuidade da sua actividade em regime de mercado livre. Por um lado, o seu estatuto de operador de mercado, congénere e concorrente dos demais, seus semelhantes, é afectado pela intervenção estatal consubstanciada na criação desta CESE na medida em que, como vimos, com esta intervenção o Estado actua como se a actividade da Recorrente fosse ainda exercida ao abrigo de um regime de concessão. Ou seja, o Estado actua como se ainda fosse dono do negócio e pudesse impor unilateralmente à G.... G……. N……….. os termos da sua actividade – termos esses que o próprio Estado, neste aspecto específico, tem por lei declarado reiteradamente deverem, no essencial, ser definidos pelos próprios operadores. Esta aparente e inusitada alteração do estatuto jurídico da Recorrente gera uma desconfiança enorme e evidente, que tem necessariamente um efeito ou um potencial inviabilizador da sua actividade. Z. É certo que, sem prejuízo do exposto, se mantém (com menos intensidade desde 2012, como se concluirá) entre o Estado-Administrativo e a G.... G…… N………..uma espécie de relação contratual, à qual subjaz um contrato não escrito, tácito ou implícito; contudo, nunca essa circunstância permitiria ao Estado-Administrativo impor, de forma unilateral, os termos em que a atividade de comercialização do gás natural poderia ou deveria ser exercida pela G.... G……..N…………….. – isso colidiria manifestamente com o facto de estar em causa uma atividade liberalizada. Com efeito, a subsistência daquela relação “contratual”, desde 2006 – e, com intensidade, até 2012 – permite explicar que o Estado-Administrativo tenha imposto, apenas à G.... G……….. N………….., a obrigação ou garantia pública de aprovisionamento do território nacional (à qual se associava, correspetivamente, o direito de, livremente, vender o gás natural). AA. Ademais, a CESE II é, verdadeiramente, um imposto retroactivo. A decisão de tributar o hipotético “valor económico equivalente” dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay foi publicada em 27 de Abril de 2015: esta alteração legislativa afecta os valores das vendas de contratos ocorridos em 2015, antes da entrada em vigor daquela Lei (ou seja, antes de 27 de Abril de 2015), configurando, desta forma, não uma situação de retroactividade (inautêntica). Tributando a CESE o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay, estamos perante um imposto de obrigação única, cuja liquidação e cobrança é relegada para um momento posterior, o que significa que, aquando da data de 27 de Abril de 2015, já se produziram vários rendimentos provenientes das vendas daqueles contratos, pelo que se mostra imperativo sujeitar tal alteração da lei fiscal ao teste da protecção da confiança. BB. Por outro lado, ainda, a CESE II desrespeita ainda o princípio da Igualdade, concretizado no princípio da capacidade contributiva. CC. Em primeiro lugar, quanto à base de sujeitos passivos, assim acontece porque, contra todas as regras mínimas acerca da incidência subjectiva de impostos – e sem que haja uma justificação minimamente aceitável para tal –, o tributo é um imposto aplicável apenas à G.... G…….. N…………, quando esta exerce a sua actividade num regime de concorrência de mercado, em condições substancialmente idênticas às dos demais operadores do seu sector, e quando a justificação político-legislativa da criação do imposto é a existência de “mais-valias” inesperadas ou extraordinárias com o comércio internacional de gás natural (ao abrigo de contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay) que devem ser “partilhadas” com a generalidade dos consumidores finais de gás natural, através de um imposto cuja receita seja afecta à amortização dos custos com a rede que são incorporados nas facturas do consumo. DD. Este objectivo implica necessariamente a ilegitimidade daquele afunilamento da base de tributação: a receita a obter deveria decorrer da receita global dos impostos e outras receitas orçamentais gerais ou, pelo menos – se se insistisse em criar um tributo sectorial –, de uma figura que se aplicasse à generalidade dos operadores do sector do gás natural. EE. Para além disso, relativamente à base de incidência objectiva, não só esta CESE é um imposto sobre os seus lucros – tributados, portanto, uma segunda vez (para além da imposição do IRC) –, sem possibilidade de dedução ou repercussão dos montantes suportados, o que por si só aumenta bastante a gravidade da medida, como desta feita a tributação é realizada através de uma aproximação presumida aos lucros, que é puramente fantasiosa e conduz a resultados arbitrários, totalmente desligados do rendimento real da Recorrente. Aliás, a G.... G…….. N……….. fica sujeita ao pagamento de um imposto que é 80% superior à própria margem operacional da actividade comercial no período que o tributo considera para apuramento das supostas “mais-valias” (2006-2012). FF. Mais: a violação do princípio da capacidade contributiva decorre da própria fórmula pela qual se encontra o alegado “valor económico” dos contratos, uma fórmula que não só tem em conta apenas um preço de venda como tem em conta um preço de venda deliberada e excessivamente empolado (uma espécie de estimativa híper-majorada de facturação), sem outro objectivo que não a maximização da receita tributária. GG. Todas estas consequências da aplicação do regime determinam que a CESE II corresponde a um ataque arbitrário à propriedade da G.... G………N……………, uma medida que sacrifica excessivamente o direito de propriedade da Recorrente, em nome de um interesse geral que, de todo em todo, se pode dizer ter sido suscitado por aquela, pelo que também por via da violação do princípio da proporcionalidade se chega à conclusão de que o tributo em questão é materialmente inconstitucional. HH. Acresce ainda que a CESE II viola o princípio da livre circulação de mercadorias, uma das liberdades fundamentais consagradas no TFUE, de importância primordial para garantir a existência de um mercado interno. II. Em particular, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro à exportação, proibido nos termos do artigo 30º do TFUE, uma vez que se trata de um encargo pecuniário imposto de forma unilateral pelo Estado Português à G.... G….N…………, que incide sobre uma atividade necessariamente relacionada com o gás natural (o “valor económico equivalente” dos contratos de aprovisionamento), devendo, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, considerar-se que incide sobre a própria mercadoria, pelo facto de esta passar a fronteira, independentemente da sua designação e forma jurídica. JJ. Caso assim não se entenda (quod non), a CESE II sempre constituiria uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, contrária ao artigo 35º do TFUE, visto que tem objetivamente um efeito dissuasor sobre a atividade de revenda internacional da G.... G……… N………., atendendo ao seu elevado montante e ao risco de lhe vir a ser imposta nova contribuição, correspondendo a uma restrição específica das “correntes de exportação” do gás natural em questão para outros Estados-Membros. KK. A CESE II é ainda contrária às exigências de não discriminação, transparência, proporcionalidade, controlabilidade e definição clara constantes do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2009/73/CE, de 13 de julho, pois a contribuição em apreço tem como único sujeito passivo a G.... G…….. N…………, discriminando-a relativamente às outras empresas do sector do gás natural, tendo o seu cálculo por base critérios não objetivos e desproporcionais. LL. Por fim, a contribuição é ainda contrária aos artigos 28º e 207º do TFUE e, consequentemente, violadora da política aduaneira comum e política comercial comum da União, por configurar também um encargo de efeito equivalente a um direito à exportação de gás natural para países terceiros. MM. Donde, outra solução para os presentes autos que não passe pela anulação da Sentença recorrida iria comprometer a interpretação e aplicação uniformes do direito da União Europeia, valor fundamental que o Tribunal ad quem, enquanto juiz comum do direito da União, tem a obrigação de proteger. NN. Se, porventura, o Tribunal tiver dúvidas sobre a interpretação e aplicação do Direito da União, não poderá proferir decisão sobre o fundo da causa em sentido divergente do clamado pela Recorrente sem questionar o Tribunal de Justiça, pelo que, a existirem tais dúvidas, solicita-se que seja feito um pedido de reenvio ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.º do TFUE, tendo por base as questões supra sugeridas pela Recorrente, pedido esse que se mostra, não apenas admissível mas obrigatório nas circunstâncias acima enunciadas. Nos termos expostos, sem prejuízo do pedido de reenvio prejudicial acima formulado – solicita que o recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida. X Não foram apresentadas contra-alegações.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X II- Fundamentação2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: 1) Em 01-06-2015 a Impugnante efetuou a autoliquidação da CESE n.º …………….002, no montante total de € 156.156.323,70 (cf. declaração a págs. 166 a 168 do ficheiro a fls. 1 a 186 do SITAF); 2) Em data incerta, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista reclamar graciosamente da autoliquidação descrita em 1) (cf. requerimento a fls. 2 a 90 do ficheiro a fls. 383 a 481 do SITAF); 3) Em 24-06-2016 a reclamação graciosa descrita em 2) foi expressamente indeferida (cf. despacho a fls. 181 do ficheiro a fls. 1 a 186 do SITAF); 4) Em 27-09-2016, deram os presentes autos entrada neste Tribunal (cf. registo do SITAF). X “Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.”X “A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.”X 2.2. De Direito. 2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes: i) Erro de julgamento no que respeita à alegação de que o tributo em causa viola o princípio da separação de poderes, porquanto: «i) por um lado, por força da subsistência de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a T..........., no âmbito da qual esta última ficou vinculada ao cumprimento de uma garantia de serviço público – o aprovisionamento do território nacional –, à qual se associou, correspetivamente, o reconhecimento expresso do direito de, uma vez cumprida essa obrigação de serviço público, poder a T........... proceder à venda do gás natural “remanescente” (circunstância consentânea com o caráter liberalizado da atividade de comercialização do gás natural); ii) por outro, e independentemente do exposto, por ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, cujos “termos e condições” foram estabilizada e, em princípio, definitivamente determinados pelo Estado-Administrativo, sendo certo, para lá de qualquer dúvida razoável, que qualquer alteração ou colisão com esse direito só poderia processar-se no contexto do exercício da função administrativa» [conclusões S) a U)]. ii) Erro de julgamento porquanto, «a CESE II é, verdadeiramente, um imposto retroactivo. A decisão de tributar o hipotético “valor económico equivalente” dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay foi publicada em 27 de Abril de 2015: esta alteração legislativa afecta os valores das vendas de contratos ocorridos em 2015, antes da entrada em vigor daquela Lei (ou seja, antes de 27 de Abril de 2015), configurando, desta forma, uma situação de retroactividade (inautêntica). Tributando a CESE o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay, estamos perante um imposto de obrigação única, cuja liquidação e cobrança é relegada para um momento posterior, o que significa que, aquando da data de 27 de Abril de 2015, já se produziram vários rendimentos provenientes das vendas daqueles contratos, pelo que se mostra imperativo sujeitar tal alteração da lei fiscal ao teste da protecção da confiança» [conclusões V) a AA)]. iii) Erro de julgamento, na medida em que o tributo em apreço viola o princípio da igualdade tributária, porquanto se trata de medida impositiva em relação a uma entidade que não integra o sector de produção de electricidade [conclusões BB) a GG)]. iv) Erro de julgamento, porquanto o tributo em apreço viola o princípio da livre circulação de mercadorias, de Direito da União Europeia [conclusões HH) a KK)]. v) Da necessidade do reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia. A sentença julgou improcedente a presente impugnação, relativa à contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] 2015. Considerou que se trata de uma contribuição financeira, a qual não enferma das inconstitucionalidades orgânicas e materiais que lhe são apontadas pela recorrente. Antes de entramos na apreciação do objecto do recurso, cumpre proceder ao enquadramento seguinte. 2.2.3. A contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] foi criada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2014). O regime legal em apreço (constante do artigo 228.º desta lei) estabelece que o objetivo da contribuição é o de «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético» (n.º 2). No que respeita à incidência subjectiva, de acordo com o artigo 2.º/d), do regime da CESE (1) [RCESE], a contribuição incide sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português e que, em 1 de janeiro de 2015 sejam comercializadores do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), conforme definido no artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro (2). No que respeita à incidência objectiva, determina o artigo 3.º do regime da CESE (3), que contribuição «incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: // a) Ativos fixos tangíveis; // b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e // c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior». Incide ainda, no caso da alínea m) do artigo 2.º, para além dos elementos previstos no número anterior, sobre o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, conforme artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro (artigo 3.º, n.º 2). «O valor económico equivalente dos contratos previstos no n.º 2 é determinado por aplicação da fórmula prevista no anexo i a este regime, que dele faz parte integrante, cujos parâmetros e valores são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvidas a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a ERSE, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei, os quais devem ter em conta a informação disponível, designadamente a relativa à duração dos contratos, às quantidades contratadas e às regras de cálculo do preço do gás previstas nos contratos» (artigo 3.º, n.º 5). Determina o artigo 6.º/2 (“Taxas”), do RCESE que «[n]o caso da produção de eletricidade por intermédio de centrais termoelétricas de ciclo combinado a gás natural, a taxa da contribuição extraordinária sobre o setor energético, aplicável à base de incidência definida no artigo 3.º, é de: // a) 0,285 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada inferior a 1500 horas; // b) 0,565 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada superior ou igual a 1500 e inferior a 3000 horas; // c) 0,85 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada superior ou igual a 3000 horas». No que respeita ao procedimento e forma de liquidação, a contribuição em causa «é liquidada pelo sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados até 31 de outubro de 2015, com exceção do previsto nos números seguintes» (artigo 7.º/1, do RCESE). No que se refere ao pagamento, a contribuição extraordinária deve ser paga até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração referida, nos locais de cobrança legalmente autorizados (artigo 8.º/1 do RCESE). Tendo por base o regime jurídico descrito, a jurisprudência fiscal e constitucional não acolheu a tese da inconstitucionalidade material do tributo em causa, considerando que o mesmo configura uma contribuição financeira. Assim, por exemplo, no Acórdão do STA, de 18/05/2022, P. 0994/20.0BEPRT, afirma-se que «o entendimento segundo a qual o CESE é uma contribuição financeira e as normas que modelam o respetivo regime jurídico não violam os princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos e da proteção da confiança, segurança jurídica e não retroatividade da lei fiscal, foi reafirmado em diversos outros acórdãos deste tribunal (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, de 16/12/2020, de 23/06/2021, de 13/07/2021, de 8/09/2021, de 6/10/2021, de 10/11/2021, de 2/02/2022, processos n.ºs 0387/17.6BEMDL, 0415/16.1BEVIS 0314/18.3BEVIS, 03037/16.4BELRS, 0545/19.9BEPRT e 01587/18.7BEPRT, 01676/19.0BEPRT, 01471/17.1BEPRT, 0810/18.2BESNT). No sentido da não inconstitucionalidade do artigo 12.º do Regime Jurídico da CESE e do artigo 23.º, n.º 1, alínea q), do Código do IRC se pronunciaram, entretanto, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 7 de junho de 2021, de 24 de junho de 2021, de 9 de julho de 2021, e de 22 de Setembro de 2021 (n.ºs 395/2021, 463/2021 e 465/2021, 506/2021 e 732/2021). No sentido da não inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, nas redações de 2014 e de 2016, se pronunciaram, entretanto, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 22 de Setembro de 2021 (n.ºs 735/2021 e 736/2021)». Feito o presente enquadramento, importa aferir do bem fundado da presente intenção rescisória. 2.2.4. No que se reporta ao esteio de recurso referido em i), a recorrente invoca que a alteração introduzida ao regime da CESE pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, constitui uma medida de ingerência nos contratos de aprovisionamento de gás natural celebrados entre o Estado português e a recorrente e que a mesma, por incidir sobre a sua situação concreta, consubstancia medida administrativa, sob a forma de lei, o que acarreta a violação do princípio da separação de poderes. Mais refere que: «[a] usurpação de funções verifica-se “duplamente”: i) por um lado, por força da subsistência de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a T..........., no âmbito da qual esta última ficou vinculada ao cumprimento de uma garantia de serviço público – o aprovisionamento do território nacional –, à qual se associou, correspetivamente, o reconhecimento expresso do direito de, uma vez cumprida essa obrigação de serviço público, poder a T........... proceder à venda do gás natural “remanescente” (circunstância consentânea com o caráter liberalizado da atividade de comercialização do gás natural); ii) por outro, e independentemente do exposto, por ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, cujos “termos e condições” foram estabilizada e, em princípio, definitivamente determinados pelo Estado-Administrativo, sendo certo, para lá de qualquer dúvida razoável, que qualquer alteração ou colisão com esse direito só poderia processar-se no contexto do exercício da função administrativa»; que se trata de «uma verdadeira expropriação legislativa de direitos contratual e legalmente consolidados, sem que tenha sido observado o due process expropriatório». Apreciação. A asserção de que o regime da CESE em exame incorre no vício de usurpação de poderes não se afigura procedente. A CESE corresponde a uma contribuição financeira, aplicável aos operadores de mercado que, como a recorrente, integram o Sistema Nacional de Gás Natural, o qual, na definição constante do Decreto--Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, corresponde «[a]o conjunto de princípios, organizações, agentes e infra-estruturas relacionados com as actividades [de transporte de gás natural, de armazenamento subterrâneo de gás natural, de recepção, armazenamento e regaseificação em terminais de gás natural liquefeito (GNL) e de distribuição de gás natural, incluindo as respectivas bases das concessões e a definição do tipo de procedimentos aplicáveis à respectiva atribuição, e, bem assim, as alterações da actual concessão do serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento através da rede de alta pressão da T...........—Sociedade Portuguesa de G…… N…….., S. A.]». Por meio do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 08.01.2019, no qual foi apreciada a conformidade constitucional de liquidação do tributo em causa em relação a uma empresa que, tal como a recorrente, tem por objecto o transporte e distribuição de gás natural, foi sublinhado o seguinte: «9. (…) o artigo 11.º do Regime Jurídico que cria a CESE, consignou a sua receita a um Fundo – o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril – «com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira». // Estabeleceu o artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 55/2014 sobre os objetivos do FSSSE: // «2 - O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através: // a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética; // b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro». Do exposto se infere que a regulamentação do tributo em apreço corresponde ao exercício normal ou regular da actividade legislativa, pelo que a alegada intromissão no exercício de outras funções do Estado por parte dos actos legislativos em presença não se confirma no caso. Com efeito, está em causa a regulamentação geral e abstracta do tributo em apreço, pelo que não existe qualquer interferência específica na situação individual e concreta da recorrente. Ao invés, trata-se da regulamentação da contribuição, cujos critérios são aplicáveis aos operadores de mercados que preencham o âmbito previsivo das normas em presença. Do exposto se retira que não pode ter acolhimento a tese de que existe sobreposição entre a presente contribuição financeira e o IRC, dado que a primeira corresponde a um tributo comutativo, aferido em função de activos do sector económico em causa, enquanto que o segundo corresponde a um imposto sobre o rendimento gerado pelas empresa. Ou seja, existe uma presunção de benefício associado aos operadores do mercado energético, nos quais se inclui a recorrente, no sentido de que o financiamento das políticas públicas para o sector incide de forma favorável sobre o exercício da actividade económica de tais operadores. Tal benefício é medido pela titularidade de activos associados à referida actividade económica. «Sendo certo que continua por concretizar a incumbência legislativa contida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República respeitante à “criação do regime geral das demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” [art. 165.º, n.º 1, alínea i)], gerando assim um vazio de texto legal que, nomeadamente, estabeleça o conceito e as condições da criação dessas “demais contribuições financeiras, vazio legal esse que embaraça o controlo judicial e, não menos, a garantia judicial dos contribuintes. // Em qualquer caso, a jurisprudência constitucional, suprindo pragmaticamente tal vazio legal, já fixou a noção de contribuição financeira, nestes termos: “(…) quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos − que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas −, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo (v. os Acórdãos n.ºs 539/2015, 7/2019, 344/2019 e 268/2021, bem como a jurisprudência aí citada). Tal como se sintetizou no Acórdão n.º 268/2021: «14. […] O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal.» (Acórdão cit., n.º 6). // Atento o perfil do caso em apreço, há que fixar a atenção, sobretudo, no referido elemento de “bilateralidade genérica”, segundo um critério de equivalência, no quadro de uma “sinalagmaticidade imperfeita” que é imanente ao regime das “demais contribuições financeiras”, das prestações administrativas em causa. // Elemento esse de “bilateralidade genérica” que poderá ainda ser especificado à luz da lição da nossa melhor doutrina fiscal: “de um ponto de vista estritamente jurídico, [essas demais contribuições financeiras] assentam em prestações cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quando referidos ao grupo mas apenas prováveis quando referidos aos indivíduos que o integram, as contribuições não dão corpo a uma troca entre o sujeito passivo e a administração, tal como as taxas, mas a uma troca entre a administração e o grupo em que o sujeito passivo se integra” e, mais adiante, em nota, invocando a jurisprudência constitucional e a doutrina alemãs, alude à “«utilização potencial» de uma prestação pública (..) nisto se distinguindo das taxas em que essa utilização é por definição efetiva” e “que por esta razão […] o círculo dos sujeitos passivos se mostra mais largo nas contribuições do que nas taxas” e, finalmente, “sublinhado a irrelevância do aproveitamento individual” (itálicos nossos) (…) // Ou seja, da leitura destes textos decorre que receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético não é apenas afeta “à redução da dívida e ou pressão tarifárias” (do setor elétrico), mas igualmente ao “financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros (…) para o SNGN” e à “minimização dos encargos do SNGN”, ou seja, do “Sistema Nacional de Gás Natural” e, agora do “Sistema Nacional de Gás”, em que se integrava e integra a ora recorrida (Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, art. 4.º, n.º 5, e Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto, art. 9.º). // De modo que há um fundamento ou base racional, segundo um critério de equivalência, para a integração da recorrida no âmbito da incidência subjetiva do RCESE. // Que é justamente a existência de uma “troca entre a administração e o grupo em que o sujeito passivo se integra” e de uma relação de “bilateralidade genérica”, expressa na utilidade singular – ainda que meramente presumida – que decorre da integração no grupo de agentes económicos em causa. // Ou seja, mais especificamente, nas palavras do douto Acórdão n.º 7/2019, proc.º n.º 141/16, de 8 de janeiro, do Tribunal Constitucional (2.ª Secção): “Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência” (n.º 14) (…). // E há, ainda uma justificação constitucional da CESE, procedente das “alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 66.º [Ambiente e qualidade de vida] da CRP”: (Acórdão n.º 101/23, cit. N.º 67). // Assim sendo, a solução legal, de integração das “concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural” no âmbito de incidência subjetiva da CESE, não poderá ser taxada de “arbitrária” [RCESE, art. 2.º, nomeadamente alínea d)]». Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.Custas pela recorrente. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1) Versão conferida pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril(1ª. Adjunta - Maria Isabel Silva) (2ª. Adjunta – Tânia Meireles da Cunha) (2) Artigo 2.º/alínea m), do RCESE. (3) Versão conferida pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril (4) Artigo 1.º, n.º 2, do RCESE (versão originária). (5) Alínea d), do artigo 2.º do RCESE (versão originária). (6) Alínea j), do artigo 2.º do RCESE (versão originária). (7) Artigo 3.º/1, do RCESE (versão originária). (8) Artigo 3.º/2, do RCESE (versão originária).Regime mantido em vigor em 2017 pelo artigo 264.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12. (9) § 5, da fundamentação de direito do Acórdão do TJUE, de 11/01/1974, P. 8/74. (10) Patrícia Fragoso Martins, Direito Constitucional Europeu, Universidade Católica Editora, 2022, p. 362. (11) §14 do Acórdão do TJUE, de 20/02/1979, P. 120/78. (12) §§12 e 13 do Acórdão do TJUE, de 24/11/1993, P. C-267/91 e C-268/91. (13) §§15 e 16 do Acórdão do TJUE, de 24/11/1993, P. C-267/91 e C-268/91. (14) Publicado no JOUE, 26.10.2012, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A12012E%2FTXT. (15) Acórdão do TJUE, de 09.12.2015, P. C-160/14, §§37 a 39. |