Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2800/16.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO.
Sumário:A Contribuição extraordinária sobre o sector energético é uma contribuição financeira, a qual não enferma de inconstitucionalidade material ou orgânica. Na medida em que é aplicada de forma uniforme aos operadores económicos abrangidos não configura uma restrição à livre circulação de mercadorias de e para o mercado interno. Mesmo em relação a entidades que integram o Sistema Nacional de Gás Natural, o facto da receita obtida ser consignada ao financiamento de políticas de regulação do mercado energético justifica o carácter sinalagmático do tributo em apreço.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
G.... G... N…………, S.A., deduziu impugnação judicial peticionando a anulação do acto tributário de autoliquidação da contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE], referente ao ano de 2015, da liquidação de juros - liquidação nº …………..002, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto de autoliquidação reclamado, pedindo ainda o reembolso do imposto e/ou dos juros entretantos pagos, acrescido do pagamento de juros e que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.1288 e ss., Sitaf, datada de 10/05/2021, julgou a presente impugnação judicial improcedente e absolveu a Fazenda Pública dos pedidos.
Inconformada com o decidido apelou a Sociedade Impugnante para o TCAS, tendo com a alegação, inserta a fls.1317 e ss., Sitaf, apresentado as seguintes conclusões: “
A. A CESE II, criada pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, constitui um verdadeiro imposto.
B. A medida é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes. O tributo, aplicável apenas à Recorrente, constitui uma modificação drástica da situação de equilíbrio em que tem assentado a relação jurídica entre aquela e o Estado, modificação originada por uma utilização anómala e abusiva dos poderes legislativo e tributário, uma vez que a racionalidade político-legislativa da medida implicaria que a modificação desejada tivesse sido realizada pela via cooperativa e negocial, com a salvaguarda do equilíbrio com base no qual se estabeleceu aquela relação jurídica.
C. A propósito do caráter geral e abstrato das normas contempladas no artigo 2.º, alínea m), da Lei n.º 33/2015, de 27 de abril (e, quanto à CESE II Adicional, no artigo 264.º da Lei n.º42/2016, de 28 de dezembro), é efetivamente certa a sua formulação em termos gerais e abstratos; de facto, em nenhuma das normas em causa se individualiza ou particulariza expressamente, com o nome ou a denominação, o destinatário das mesmas, circunstância que nunca poderia considerar-se compatível com a presença de um ato legislativo.
D. Na verdade, se i) apenas uma entidade, a G.... G…. N……………, é titular de “contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39.º-A do Decreto-lei n.º140/2006, de 26 de julho” e, além disso, se ii) o disposto nas normas em causa determina que “a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide, ainda, para além dos elementos previstos no número anterior, sobre o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay”, é manifesta a presença de uma norma que, ainda que redigida em termos gerais e abstratos – característica formal, porém nem sempre material, de todos os atos legislativos –, consubstancia uma medida ou decisão dirigida a uma situação concreta, à qual está, pois, associada uma pretensa regulação individual, não universal (independentemente de esse universo ser mais ou menos delimitado).
E. Por efeito consequente, e salvo o devido respeito, de forma alguma poderá aceitar-se o raciocínio empreendido pelo Tribunal a quo: de que o sujeito passivo da CESE II inicial, nos termos dispostos pela alínea m) do artigo 2.º da Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, é qualquer comercializador do SNGN. De facto, a alínea m) do artigo 2.º daquela Lei determina que são sujeitos passivos da CESE as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, relativamente às quais se verifique a seguinte condição – “seja comercializador do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), nos termos definidos no artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º140/2006, de 26 de julho”; por sua vez, o artigo 39.º-A, n.º 1, do Decreto-lei n.º140/2006, de 2 de julho, esclarece que “[o] comercializador do SNGN é a entidade titular dos contratos de longo prazo em regime de take-or-pay celebrados em data anterior à entrada em vigor da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho”.
F. Com efeito, em sentido totalmente contrário ao vertido na sentença do Tribunal a quo, o certo é que, sem prejuízo da redação em termos gerais e abstratos da alínea m) do artigo 2.º da Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, só em relação a uma entidade – a G.... G………. N…………. – se verificam as condições legalmente estabelecidas para poder haver lugar à tributação em causa: só a Recorrente é titular de contratos de longo prazo em regime de take-or-pay.
G. De resto, a circunstância de o artigo 39.º-A do Decreto-lei n.º140/2006, de 2 de julho, identificar o comercializador do SNGN como a entidade que é titular dos contratos de longo prazo em regime de take-or-pay celebrados em data anterior à entrada em vigor da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, não permite sequer que se equacione a hipótese de poder vir a estar em causa qualquer outra entidade, i.e., qualquer outro sujeito passivo: por impossibilidade objetiva, nenhuma outra entidade, além da G.... G……….. N………., poderá encontrar-se nessa situação.
H. No caso concreto, verifica-se que as medidas em causa, determinadas pelo Estado-legislador, violam o princípio da separação de poderes, estando em causa um vício de usurpação de funções.
I. A propósito, afigura-se pertinente relembrar que, quando o gás natural foi introduzido em Portugal, em 1989, todas as atividades compreendidas neste setor (tais como as atividades de importação e comercialização do gás natural) foram qualificadas como atividades de serviço público, portanto, da responsabilidade do Estado-Administrativo – neste contexto, ao invés de ser o Estado, diretamente, a proceder à sua prestação, encarregou, em 1993, por ajuste direto, uma entidade privada da sua prestação, a título exclusivo: precisamente, a G.... G……….. N………… (na altura, a T…………..).
J. Assim, a G.... G…….. N.……….. (na altura, T…………..), enquanto concessionária e responsável pela prestação do serviço de, designadamente, importação, transporte e fornecimento de gás natural, procedeu – tendo em vista a criação e manutenção de uma reserva estratégica de gás natural – à celebração de contratos de fornecimento a longo prazo em regime de take-or-pay (a G.... G……… N…………., para prestar o serviço público, tinha de importar gás natural de outros países, procedendo depois ao seu fornecimento no mercado nacional).
K. Sucede que, em 2006, o Decreto-lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, no seu preâmbulo, postulava: “[a] actividade de comercialização do gás natural é livre, ficando, contudo, sujeita a atribuição de licença pela entidade administrativa competente, definindo-se claramente o elenco dos direitos e dos deveres na perspectiva de um exercício transparente da actividade. No exercício da sua actividade, os comercializadores podem livremente comprar e vender gás natural” (destaque nosso).
L. Não obstante a liberalização da atividade de comercialização do gás natural, o Estado-legislador veio determinar que os contratos de aprovisionamento celebrados pela G.... G……… N…………… (T……………), enquanto concessionária da prestação do serviço público de comercialização do gás natural, se mantinham em vigor (o que significa que, mesmo deixando de poder ser qualificada como uma concessionária, a G.... G………..N…………… continuaria vinculada à importação de gás natural e, logicamente, ao seu fornecimento, agora com base em uma licença administrativa, i.e., o aprovisionamento de gás natural deixou de ser uma atividade concessionada, passando a revestir caráter liberalizado).
M. Em sintonia, no contrato de modificação (celebrado, entre o Estado-Administrativo e a T…………, de acordo com a minuta contratual aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2006, de 23 de agosto), em concreto, na cláusula 10.ª, n.º 3, dispunha-se que, uma vez cumpridas pela T........... as obrigações de venda de gás natural ao comercializador de último recurso, aquela é livre de vender as quantidades disponíveis no âmbito da sua atividade de comercialização de gás natural em regime de mercado livre.
N. Em 2012, aliás, a lei, portanto também o Estado-legislador, reforçou expressamente que a Recorrente tem o direito de vender a “outras entidades”, inclusive fora de Portugal, o gás natural adquirido com base nos contratos de aprovisionamento, no entanto tão-só na medida em que se garantisse o cumprimento das obrigações a que a mesma se encontrava vinculada no sentido da garantia do aprovisionamento do território nacional.
O. Tudo quanto imediatamente antecede implica duas conclusões: i) a T........... deixou de ser concessionária ou prestadora do serviço público de comercialização de gás natural, passando, neste preciso domínio, a exercer uma atividade privada, sujeita a autorização administrativa (especificamente, a licença administrativa), tendo-se mantido, não obstante, os contratos de aprovisionamento em regime de take-or-pay já celebrados pela mesma; ii) a manutenção destes contratos, não já no quadro de uma concessão de serviço público, mas sim no âmbito do exercício de uma atividade privada, liberalizada, fez nascer, por sua vez, duas consequências – por um lado, se é certo que, por estipulação contratual e, depois, também legislativa, a T........... ficou vinculada à obrigação de garantir o aprovisionamento do território nacional, por outro, é igualmente certo (e, em rigor, consentâneo, justamente, com a presença de uma atividade liberalizada) que, uma vez cumprida essa obrigação, i.e., garantido o aprovisionamento do território nacional, podia a T..........., livremente, vender, designadamente fora do mercado nacional, o gás natural “sobrante” ou “remanescente”.
P. E, em rigor, a verdade é que, desde logo a subsistência dessa obrigação de serviço público, no contexto do exercício de uma atividade liberalizada, nos termos contratual e legalmente definidos, representa a manutenção de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a G.... G………. N……….., em termos tais que pode afirmar-se que a pretensão, desde a liberalização da atividade de comercialização do gás natural, sempre foi a de manutenção de um “equilíbrio contratual”, de uma estabilidade semelhante à que existiria caso houvesse contrato.
Q. Situamo-nos em um domínio, o da “relação” entre o Estado-Administrativo e o da G.... G…….. N……….., em que se afigura pertinente referir a existência de uma espécie de contrato não escrito, implícito, no âmbito do qual, desde logo, a G.... G………. N………. é livre de investir, auferindo lucros (designadamente, procedendo à venda do gás natural adquirido no âmbito dos contratos de aprovisionamento em regime de take-or-pay no mercado internacional), tendo como contrapartida a garantia (pública) de aprovisionamento do território nacional.
R. Justamente por força dessa relação, no âmbito da qual se mantém uma espécie de equilíbrio contratual, a decisão (legislativa!) em causa nunca poderia ter sido tomada no contexto do exercício dessa função; na verdade, a lei-medida nunca poderia ter sido promulgada precisamente porquanto consubstancia o exercício da função administrativa (e, provavelmente por isso, estamos perante uma lei-medida).
S. De facto, o legislador não é titular de competência para interferir neste domínio, incorrendo, assim, em uma usurpação das suas funções – vício de usurpação de poderes ou de funções (violação do princípio da separação de poderes). É que é evidente que a criação de um tributo cuja base de incidência objetiva se reconduz, precisamente, às receitas obtidas com base nos contratos de aprovisionamento (i.e., aos lucros obtidos através da venda, autorizada pelo Estado-Administrativo e, depois, confirmada pelo próprio Estado-legislador, do gás natural por parte da G.... G…….. N………..), não vai ao encontro, antes colide manifestamente, com o direito atribuído e reconhecido à G.... G…………. N…………..
T. Mas não só – sem prejuízo da relação “contratual” que se manteve entre o Estado- Administrativo e a T........... (à qual se associava uma obrigação ou garantia de serviço público), deve ainda notar-se que o facto de, desde 2006, ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, autorizada pelo Estado-Administrativo nos termos já expostos (a Recorrente adquiriu, em 2006, de forma consolidada e não precária, o direito de, livremente, vender o gás natural adquirido no âmbito dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay), não permite a tributação de eventuais mais-valias adquiridas no contexto do exercício desse direito; como é evidente, trata-se de uma decisão do Estado-legislador que, além de usurpar totalmente a função legislativa, colide manifestamente com um direito constituído pelo Estado-Administrativo (incluído no conteúdo típico da licença administrativa que subjaz ao exercício da atividade de comercialização do gás natural) e, depois, confirmado pelo próprio Estado-legislador.
U. A usurpação de funções verifica-se “duplamente”: i) por um lado, por força da subsistência de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a T..........., no âmbito da qual esta última ficou vinculada ao cumprimento de uma garantia de serviço público – o aprovisionamento do território nacional –, à qual se associou, correspetivamente, o reconhecimento expresso do direito de, uma vez cumprida essa obrigação de serviço público, poder a T........... proceder à venda do gás natural “remanescente” (circunstância consentânea com o caráter liberalizado da atividade de comercialização do gás natural); ii) por outro, e independentemente do exposto, por ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, cujos “termos e condições” foram estabilizada e, em princípio, definitivamente determinados pelo Estado-Administrativo, sendo certo, para lá de qualquer dúvida razoável, que qualquer alteração ou colisão com esse direito só poderia processar-se no contexto do exercício da função administrativa.
V. No fundo, e em inteiro rigor, estamos em presença de uma verdadeira expropriação legislativa de direitos contratual e legalmente consolidados, sem que tenha sido observado o due process expropriatório (reitera-se: quer o Estado-Administrativo, quer, depois, o próprio Estado-legislador, vieram atribuir à Recorrente o direito de, uma vez cumprida a garantia pública de aprovisionamento do território nacional, poder vender, nacional ou internacionalmente, o gás natural “sobrante”). Quer dizer, sob o manto de uma contribuição extraordinária para o setor energético, o que está verdadeiramente em causa, na sua essência – numa manifestação clara de um “desvio do poder” legislativo (tributário) –, é uma agressão (eingriff) a direitos contratuais (legalmente sancionados) da Recorrente, sem pagamento contemporâneo de justa indemnização, o que, além do mais, viola frontalmente o disposto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.
W. Prosseguindo, a CESE II integra um processo legislativo que representa uma alteração totalmente inesperada, violando as expectativas fundadas da Recorrente na manutenção do estatuto jurídico e das condições do exercício da sua actividade (uma actividade licenciada e levada a cabo, lembre-se, em regime de mercado livre, com cumprimento estrito de determinadas obrigações serviço público), assim violando também os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
X. Com efeito, o Estado português – seja na veste do poder executivo seja na do poder legislativo – empreendeu ao longo dos anos comportamentos inequivocamente geradores na ora Recorrente de uma expectativa de continuidade, ou seja, de que não seriam alteradas as condições de exercício da actividade com base nos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay, nem o quadro legal das obrigações impostas e dos direitos reconhecidos ao exercício da actividade da G.... G…….. N………. relacionada com os contratos em questão.
Y. Com a introdução da CESE II, o Estado frustra objectivamente a expectativa da G.... G……… N…………. de continuidade da sua actividade em regime de mercado livre. Por um lado, o seu estatuto de operador de mercado, congénere e concorrente dos demais, seus semelhantes, é afectado pela intervenção estatal consubstanciada na criação desta CESE na medida em que, como vimos, com esta intervenção o Estado actua como se a actividade da Recorrente fosse ainda exercida ao abrigo de um regime de concessão. Ou seja, o Estado actua como se ainda fosse dono do negócio e pudesse impor unilateralmente à G.... G……. N……….. os termos da sua actividade – termos esses que o próprio Estado, neste aspecto específico, tem por lei declarado reiteradamente deverem, no essencial, ser definidos pelos próprios operadores. Esta aparente e inusitada alteração do estatuto jurídico da Recorrente gera uma desconfiança enorme e evidente, que tem necessariamente um efeito ou um potencial inviabilizador da sua actividade.
Z. É certo que, sem prejuízo do exposto, se mantém (com menos intensidade desde 2012, como se concluirá) entre o Estado-Administrativo e a G.... G…… N………..uma espécie de relação contratual, à qual subjaz um contrato não escrito, tácito ou implícito; contudo, nunca essa circunstância permitiria ao Estado-Administrativo impor, de forma unilateral, os termos em que a atividade de comercialização do gás natural poderia ou deveria ser exercida pela G.... G……..N…………….. – isso colidiria manifestamente com o facto de estar em causa uma atividade liberalizada. Com efeito, a subsistência daquela relação “contratual”, desde 2006 – e, com intensidade, até 2012 – permite explicar que o Estado-Administrativo tenha imposto, apenas à G.... G……….. N………….., a obrigação ou garantia pública de aprovisionamento do território nacional (à qual se associava, correspetivamente, o direito de, livremente, vender o gás natural).
AA. Ademais, a CESE II é, verdadeiramente, um imposto retroactivo. A decisão de tributar o hipotético “valor económico equivalente” dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay foi publicada em 27 de Abril de 2015: esta alteração legislativa afecta os valores das vendas de contratos ocorridos em 2015, antes da entrada em vigor daquela Lei (ou seja, antes de 27 de Abril de 2015), configurando, desta forma, não uma situação de retroactividade (inautêntica). Tributando a CESE o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay, estamos perante um imposto de obrigação única, cuja liquidação e cobrança é relegada para um momento posterior, o que significa que, aquando da data de 27 de Abril de 2015, já se produziram vários rendimentos provenientes das vendas daqueles contratos, pelo que se mostra imperativo sujeitar tal alteração da lei fiscal ao teste da protecção da confiança.
BB. Por outro lado, ainda, a CESE II desrespeita ainda o princípio da Igualdade, concretizado no princípio da capacidade contributiva.
CC. Em primeiro lugar, quanto à base de sujeitos passivos, assim acontece porque, contra todas as regras mínimas acerca da incidência subjectiva de impostos – e sem que haja uma justificação minimamente aceitável para tal –, o tributo é um imposto aplicável apenas à G.... G…….. N…………, quando esta exerce a sua actividade num regime de concorrência de mercado, em condições substancialmente idênticas às dos demais operadores do seu sector, e quando a justificação político-legislativa da criação do imposto é a existência de “mais-valias” inesperadas ou extraordinárias com o comércio internacional de gás natural (ao abrigo de contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay) que devem ser “partilhadas” com a generalidade dos consumidores finais de gás natural, através de um imposto cuja receita seja afecta à amortização dos custos com a rede que são incorporados nas facturas do consumo.
DD. Este objectivo implica necessariamente a ilegitimidade daquele afunilamento da base de tributação: a receita a obter deveria decorrer da receita global dos impostos e outras receitas orçamentais gerais ou, pelo menos – se se insistisse em criar um tributo sectorial –, de uma figura que se aplicasse à generalidade dos operadores do sector do gás natural.
EE. Para além disso, relativamente à base de incidência objectiva, não só esta CESE é um imposto sobre os seus lucros – tributados, portanto, uma segunda vez (para além da imposição do IRC) –, sem possibilidade de dedução ou repercussão dos montantes suportados, o que por si só aumenta bastante a gravidade da medida, como desta feita a tributação é realizada através de uma aproximação presumida aos lucros, que é puramente fantasiosa e conduz a resultados arbitrários, totalmente desligados do rendimento real da Recorrente. Aliás, a G.... G…….. N……….. fica sujeita ao pagamento de um imposto que é 80% superior à própria margem operacional da actividade comercial no período que o tributo considera para apuramento das supostas “mais-valias” (2006-2012).
FF. Mais: a violação do princípio da capacidade contributiva decorre da própria fórmula pela qual se encontra o alegado “valor económico” dos contratos, uma fórmula que não só tem em conta apenas um preço de venda como tem em conta um preço de venda deliberada e excessivamente empolado (uma espécie de estimativa híper-majorada de facturação), sem outro objectivo que não a maximização da receita tributária.
GG. Todas estas consequências da aplicação do regime determinam que a CESE II corresponde a um ataque arbitrário à propriedade da G.... G………N……………, uma medida que sacrifica excessivamente o direito de propriedade da Recorrente, em nome de um interesse geral que, de todo em todo, se pode dizer ter sido suscitado por aquela, pelo que também por via da violação do princípio da proporcionalidade se chega à conclusão de que o tributo em questão é materialmente inconstitucional.
HH. Acresce ainda que a CESE II viola o princípio da livre circulação de mercadorias, uma das liberdades fundamentais consagradas no TFUE, de importância primordial para garantir a existência de um mercado interno.
II. Em particular, constitui um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro à exportação, proibido nos termos do artigo 30º do TFUE, uma vez que se trata de um encargo pecuniário imposto de forma unilateral pelo Estado Português à G.... G….N…………, que incide sobre uma atividade necessariamente relacionada com o gás natural (o “valor económico equivalente” dos contratos de aprovisionamento), devendo, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, considerar-se que incide sobre a própria mercadoria, pelo facto de esta passar a fronteira, independentemente da sua designação e forma jurídica.
JJ. Caso assim não se entenda (quod non), a CESE II sempre constituiria uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à exportação, contrária ao artigo 35º do TFUE, visto que tem objetivamente um efeito dissuasor sobre a atividade de revenda internacional da G.... G……… N………., atendendo ao seu elevado montante e ao risco de lhe vir a ser imposta nova contribuição, correspondendo a uma restrição específica das “correntes de exportação” do gás natural em questão para outros Estados-Membros.
KK. A CESE II é ainda contrária às exigências de não discriminação, transparência, proporcionalidade, controlabilidade e definição clara constantes do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2009/73/CE, de 13 de julho, pois a contribuição em apreço tem como único sujeito passivo a G.... G…….. N…………, discriminando-a relativamente às outras empresas do sector do gás natural, tendo o seu cálculo por base critérios não objetivos e desproporcionais.
LL. Por fim, a contribuição é ainda contrária aos artigos 28º e 207º do TFUE e, consequentemente, violadora da política aduaneira comum e política comercial comum da União, por configurar também um encargo de efeito equivalente a um direito à exportação de gás natural para países terceiros.
MM. Donde, outra solução para os presentes autos que não passe pela anulação da Sentença recorrida iria comprometer a interpretação e aplicação uniformes do direito da União Europeia, valor fundamental que o Tribunal ad quem, enquanto juiz comum do direito da União, tem a obrigação de proteger.
NN. Se, porventura, o Tribunal tiver dúvidas sobre a interpretação e aplicação do Direito da União, não poderá proferir decisão sobre o fundo da causa em sentido divergente do clamado pela Recorrente sem questionar o Tribunal de Justiça, pelo que, a existirem tais dúvidas, solicita-se que seja feito um pedido de reenvio ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.º do TFUE, tendo por base as questões supra sugeridas pela Recorrente, pedido esse que se mostra, não apenas admissível mas obrigatório nas circunstâncias acima enunciadas.

Nos termos expostos, sem prejuízo do pedido de reenvio prejudicial acima formulado – solicita que o recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.

X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1) Em 01-06-2015 a Impugnante efetuou a autoliquidação da CESE n.º …………….002, no montante total de € 156.156.323,70 (cf. declaração a págs. 166 a 168 do ficheiro a fls. 1 a 186 do SITAF);
2) Em data incerta, deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista reclamar graciosamente da autoliquidação descrita em 1) (cf. requerimento a fls. 2 a 90 do ficheiro a fls. 383 a 481 do SITAF);
3) Em 24-06-2016 a reclamação graciosa descrita em 2) foi expressamente indeferida (cf. despacho a fls. 181 do ficheiro a fls. 1 a 186 do SITAF);
4) Em 27-09-2016, deram os presentes autos entrada neste Tribunal (cf. registo do SITAF).
X
“Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.”
X
“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Erro de julgamento no que respeita à alegação de que o tributo em causa viola o princípio da separação de poderes, porquanto: «i) por um lado, por força da subsistência de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a T..........., no âmbito da qual esta última ficou vinculada ao cumprimento de uma garantia de serviço público – o aprovisionamento do território nacional –, à qual se associou, correspetivamente, o reconhecimento expresso do direito de, uma vez cumprida essa obrigação de serviço público, poder a T........... proceder à venda do gás natural “remanescente” (circunstância consentânea com o caráter liberalizado da atividade de comercialização do gás natural); ii) por outro, e independentemente do exposto, por ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, cujos “termos e condições” foram estabilizada e, em princípio, definitivamente determinados pelo Estado-Administrativo, sendo certo, para lá de qualquer dúvida razoável, que qualquer alteração ou colisão com esse direito só poderia processar-se no contexto do exercício da função administrativa» [conclusões S) a U)].
ii) Erro de julgamento porquanto, «a CESE II é, verdadeiramente, um imposto retroactivo. A decisão de tributar o hipotético “valor económico equivalente” dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay foi publicada em 27 de Abril de 2015: esta alteração legislativa afecta os valores das vendas de contratos ocorridos em 2015, antes da entrada em vigor daquela Lei (ou seja, antes de 27 de Abril de 2015), configurando, desta forma, uma situação de retroactividade (inautêntica). Tributando a CESE o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime take-or-pay, estamos perante um imposto de obrigação única, cuja liquidação e cobrança é relegada para um momento posterior, o que significa que, aquando da data de 27 de Abril de 2015, já se produziram vários rendimentos provenientes das vendas daqueles contratos, pelo que se mostra imperativo sujeitar tal alteração da lei fiscal ao teste da protecção da confiança» [conclusões V) a AA)].
iii) Erro de julgamento, na medida em que o tributo em apreço viola o princípio da igualdade tributária, porquanto se trata de medida impositiva em relação a uma entidade que não integra o sector de produção de electricidade [conclusões BB) a GG)].
iv) Erro de julgamento, porquanto o tributo em apreço viola o princípio da livre circulação de mercadorias, de Direito da União Europeia [conclusões HH) a KK)].
v) Da necessidade do reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
A sentença julgou improcedente a presente impugnação, relativa à contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] 2015. Considerou que se trata de uma contribuição financeira, a qual não enferma das inconstitucionalidades orgânicas e materiais que lhe são apontadas pela recorrente.
Antes de entramos na apreciação do objecto do recurso, cumpre proceder ao enquadramento seguinte.
2.2.3. A contribuição extraordinária sobre o sector energético [CESE] foi criada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2014). O regime legal em apreço (constante do artigo 228.º desta lei) estabelece que o objetivo da contribuição é o de «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético» (n.º 2).
No que respeita à incidência subjectiva, de acordo com o artigo 2.º/d), do regime da CESE (1) [RCESE], a contribuição incide sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português e que, em 1 de janeiro de 2015 sejam comercializadores do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), conforme definido no artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro (2). No que respeita à incidência objectiva, determina o artigo 3.º do regime da CESE (3), que contribuição «incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: // a) Ativos fixos tangíveis; // b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e // c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior». Incide ainda, no caso da alínea m) do artigo 2.º, para além dos elementos previstos no número anterior, sobre o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, conforme artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro (artigo 3.º, n.º 2). «O valor económico equivalente dos contratos previstos no n.º 2 é determinado por aplicação da fórmula prevista no anexo i a este regime, que dele faz parte integrante, cujos parâmetros e valores são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvidas a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a ERSE, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei, os quais devem ter em conta a informação disponível, designadamente a relativa à duração dos contratos, às quantidades contratadas e às regras de cálculo do preço do gás previstas nos contratos» (artigo 3.º, n.º 5). Determina o artigo 6.º/2 (“Taxas”), do RCESE que «[n]o caso da produção de eletricidade por intermédio de centrais termoelétricas de ciclo combinado a gás natural, a taxa da contribuição extraordinária sobre o setor energético, aplicável à base de incidência definida no artigo 3.º, é de: // a) 0,285 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada inferior a 1500 horas; // b) 0,565 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada superior ou igual a 1500 e inferior a 3000 horas; // c) 0,85 % para as centrais com uma utilização anual equivalente da potência instalada superior ou igual a 3000 horas».
No que respeita ao procedimento e forma de liquidação, a contribuição em causa «é liquidada pelo sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada por transmissão eletrónica de dados até 31 de outubro de 2015, com exceção do previsto nos números seguintes» (artigo 7.º/1, do RCESE). No que se refere ao pagamento, a contribuição extraordinária deve ser paga até ao último dia do prazo estabelecido para o envio da declaração referida, nos locais de cobrança legalmente autorizados (artigo 8.º/1 do RCESE).
Tendo por base o regime jurídico descrito, a jurisprudência fiscal e constitucional não acolheu a tese da inconstitucionalidade material do tributo em causa, considerando que o mesmo configura uma contribuição financeira. Assim, por exemplo, no Acórdão do STA, de 18/05/2022, P. 0994/20.0BEPRT, afirma-se que «o entendimento segundo a qual o CESE é uma contribuição financeira e as normas que modelam o respetivo regime jurídico não violam os princípios da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade, da igualdade na repartição dos encargos públicos e da proteção da confiança, segurança jurídica e não retroatividade da lei fiscal, foi reafirmado em diversos outros acórdãos deste tribunal (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/09/2020, de 16/12/2020, de 23/06/2021, de 13/07/2021, de 8/09/2021, de 6/10/2021, de 10/11/2021, de 2/02/2022, processos n.ºs 0387/17.6BEMDL, 0415/16.1BEVIS 0314/18.3BEVIS, 03037/16.4BELRS, 0545/19.9BEPRT e 01587/18.7BEPRT, 01676/19.0BEPRT, 01471/17.1BEPRT, 0810/18.2BESNT). No sentido da não inconstitucionalidade do artigo 12.º do Regime Jurídico da CESE e do artigo 23.º, n.º 1, alínea q), do Código do IRC se pronunciaram, entretanto, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 7 de junho de 2021, de 24 de junho de 2021, de 9 de julho de 2021, e de 22 de Setembro de 2021 (n.ºs 395/2021, 463/2021 e 465/2021, 506/2021 e 732/2021). No sentido da não inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, nas redações de 2014 e de 2016, se pronunciaram, entretanto, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 22 de Setembro de 2021 (n.ºs 735/2021 e 736/2021)».
Feito o presente enquadramento, importa aferir do bem fundado da presente intenção rescisória.
2.2.4. No que se reporta ao esteio de recurso referido em i), a recorrente invoca que a alteração introduzida ao regime da CESE pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril, constitui uma medida de ingerência nos contratos de aprovisionamento de gás natural celebrados entre o Estado português e a recorrente e que a mesma, por incidir sobre a sua situação concreta, consubstancia medida administrativa, sob a forma de lei, o que acarreta a violação do princípio da separação de poderes. Mais refere que: «[a] usurpação de funções verifica-se “duplamente”: i) por um lado, por força da subsistência de uma espécie de relação contratual entre o Estado-Administrativo e a T..........., no âmbito da qual esta última ficou vinculada ao cumprimento de uma garantia de serviço público – o aprovisionamento do território nacional –, à qual se associou, correspetivamente, o reconhecimento expresso do direito de, uma vez cumprida essa obrigação de serviço público, poder a T........... proceder à venda do gás natural “remanescente” (circunstância consentânea com o caráter liberalizado da atividade de comercialização do gás natural); ii) por outro, e independentemente do exposto, por ter passado a estar em causa o exercício de uma atividade liberalizada, cujos “termos e condições” foram estabilizada e, em princípio, definitivamente determinados pelo Estado-Administrativo, sendo certo, para lá de qualquer dúvida razoável, que qualquer alteração ou colisão com esse direito só poderia processar-se no contexto do exercício da função administrativa»; que se trata de «uma verdadeira expropriação legislativa de direitos contratual e legalmente consolidados, sem que tenha sido observado o due process expropriatório».
Apreciação. A asserção de que o regime da CESE em exame incorre no vício de usurpação de poderes não se afigura procedente. A CESE corresponde a uma contribuição financeira, aplicável aos operadores de mercado que, como a recorrente, integram o Sistema Nacional de Gás Natural, o qual, na definição constante do Decreto--Lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, corresponde «[a]o conjunto de princípios, organizações, agentes e infra-estruturas relacionados com as actividades [de transporte de gás natural, de armazenamento subterrâneo de gás natural, de recepção, armazenamento e regaseificação em terminais de gás natural liquefeito (GNL) e de distribuição de gás natural, incluindo as respectivas bases das concessões e a definição do tipo de procedimentos aplicáveis à respectiva atribuição, e, bem assim, as alterações da actual concessão do serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento através da rede de alta pressão da T...........—Sociedade Portuguesa de G…… N…….., S. A.]».
Por meio do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 08.01.2019, no qual foi apreciada a conformidade constitucional de liquidação do tributo em causa em relação a uma empresa que, tal como a recorrente, tem por objecto o transporte e distribuição de gás natural, foi sublinhado o seguinte:

«9. (…) o artigo 11.º do Regime Jurídico que cria a CESE, consignou a sua receita a um Fundo – o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril – «com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira». // Estabeleceu o artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 55/2014 sobre os objetivos do FSSSE: // «2 - O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através: // a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética; // b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro».
10. A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto. // Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético. // Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino. // Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos. // O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente. // Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral. // Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos fo[ram] já anteriormente identificad[os]… pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas. // E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral. // Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».

Do exposto se infere que a regulamentação do tributo em apreço corresponde ao exercício normal ou regular da actividade legislativa, pelo que a alegada intromissão no exercício de outras funções do Estado por parte dos actos legislativos em presença não se confirma no caso. Com efeito, está em causa a regulamentação geral e abstracta do tributo em apreço, pelo que não existe qualquer interferência específica na situação individual e concreta da recorrente. Ao invés, trata-se da regulamentação da contribuição, cujos critérios são aplicáveis aos operadores de mercados que preencham o âmbito previsivo das normas em presença.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.5. Por referência ao esteio de recurso referido em ii), a recorrente alega, em síntese, que o regime da CESE, introduzido pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, viola os princípios da segurança jurídica e da proibição da retroatividade dos impostos.
Apreciação.
A invocada preterição da proibição de retroactividade do tributo em apreço não se afigura procedente. Está em causa o regime da CESE introduzido pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril. O regime em referência foi descrito no ponto 2.2.3. da presente fundamentação. Através da Lei n.º 33/2015, citada, procedeu-se à regulamentação da base tributária da contribuição em exame, mediante a concretização dos elementos que a compõem sem que exista verdadeira inovação do regime legal em exame, o qual foi instituído pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12. Pelo que, mesmo admitindo, a aplicação do regime da não retroactividade dos impostos ao tributo em apreço, sempre a presente argumentação teria que soçobrar, dado que o regime da CESE, no seu travejamento essencial, resulta dos diplomas que instituíram, desde o início, a contribuição financeira em análise.
Nas conclusões Z) a W), a recorrente elabora argumentação tendente a demonstrar a preterição das suas alegadas expectativas legítimas na manutenção do regime jurídico em causa, e, por isso, invoca violação do princípio da protecção da confiança.
A este propósito, cumpre referir o seguinte.
Não existe, nem é alegado qualquer alteração do regime da CESE que consubstancie uma mudança abruta do regime legal vigente. A versão originária do RCESE já integrava a recorrente como sujeito passivo da contribuição em referência. Com efeito, a contribuição extraordinária [CESE] sobre o sector energético foi criada pela Lei n.º 83- -C/2013, de 31 de Dezembro (Lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2014). O regime legal em apreço (constante do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, citada) estabelecia que o objetivo da contribuição é o de «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético» (4). No que respeita à incidência subjectiva, de acordo com o artigo 2.º/d), do artigo em apreço, «[s]ão sujeitos passivos da contribuição extraordinária sobre o setor energético as pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2014, se encontrem numa das seguintes situações: (…) [s]ejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro; maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro» (5), «sejam comercializadores grossitas de gás natural, nos termos definidos no Decreto-lei n.º 140/2006, de 26 de Julho, alterado pelos Decretos-Lei n.os 65/2008, de 9 de Abril, 66/2010,de 11 de Julho, e 231/2012, de 26 de Outubro» (6). No que concerne ao elemento objectivo do tributo, o mesmo «incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a: // a) Ativos fixos tangíveis; // b) Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e // c) Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior» (7). «No caso das atividades reguladas, a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos ativos regulados caso este seja superior ao valor dos ativos referidos no número anterior» (8).
A alegada modificação inesperada do regime em apreço, associada às alterações introduzidas pela Lei n.º 33/2015, de 27 de Abril, não se comprova nos autos, dado que as mesmas tiveram por objecto a concretização dos elementos da matéria colectável do tributo em causa. Trata-se de especificar os elementos do tributo, o qual assenta numa lógica comutativa, de correspectividade ou numa ideia de benefício do grupo objecto da regulação em referência.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente a presente linha de argumentação.
2.2.6. No que respeita ao esteio de recurso referido em iii), a recorrente invoca a sobreposição em relação ao IRC e a preterição da sua capacidade contributiva.
Apreciação. A este propósito, no Acórdão n.º 7/2019, de 08.01.2019, o Tribunal Constitucional teve ocasião de sublinhar o seguinte:
«Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético. // A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo: // «[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.» // Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto». // A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável – se a taxa for de montante manifestamente excessivo». Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento. // Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado. // Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos».

Do exposto se retira que não pode ter acolhimento a tese de que existe sobreposição entre a presente contribuição financeira e o IRC, dado que a primeira corresponde a um tributo comutativo, aferido em função de activos do sector económico em causa, enquanto que o segundo corresponde a um imposto sobre o rendimento gerado pelas empresa. Ou seja, existe uma presunção de benefício associado aos operadores do mercado energético, nos quais se inclui a recorrente, no sentido de que o financiamento das políticas públicas para o sector incide de forma favorável sobre o exercício da actividade económica de tais operadores. Tal benefício é medido pela titularidade de activos associados à referida actividade económica.
Pelo que não existe qualquer dupla tributação no caso em exame, dado que o âmbito de incidência subjectiva e objectiva são distintos.
A propósito da observância do parâmetro constitucional da igualdade tributária por parte do tributo em apreço, escreveu-se no Acórdão do STA, de 20-12-2023, P. 01339/20.4BELRS, o seguinte:

«Sendo certo que continua por concretizar a incumbência legislativa contida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República respeitante à “criação do regime geral das demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” [art. 165.º, n.º 1, alínea i)], gerando assim um vazio de texto legal que, nomeadamente, estabeleça o conceito e as condições da criação dessas “demais contribuições financeiras, vazio legal esse que embaraça o controlo judicial e, não menos, a garantia judicial dos contribuintes. // Em qualquer caso, a jurisprudência constitucional, suprindo pragmaticamente tal vazio legal, já fixou a noção de contribuição financeira, nestes termos: “(…) quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitos − que se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas −, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo (v. os Acórdãos n.ºs 539/2015, 7/2019, 344/2019 e 268/2021, bem como a jurisprudência aí citada). Tal como se sintetizou no Acórdão n.º 268/2021: «14. […] O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal.» (Acórdão cit., n.º 6). // Atento o perfil do caso em apreço, há que fixar a atenção, sobretudo, no referido elemento de “bilateralidade genérica”, segundo um critério de equivalência, no quadro de uma “sinalagmaticidade imperfeita” que é imanente ao regime das “demais contribuições financeiras”, das prestações administrativas em causa. // Elemento esse de “bilateralidade genérica” que poderá ainda ser especificado à luz da lição da nossa melhor doutrina fiscal: “de um ponto de vista estritamente jurídico, [essas demais contribuições financeiras] assentam em prestações cuja provocação ou aproveitamento se podem dizer seguros quando referidos ao grupo mas apenas prováveis quando referidos aos indivíduos que o integram, as contribuições não dão corpo a uma troca entre o sujeito passivo e a administração, tal como as taxas, mas a uma troca entre a administração e o grupo em que o sujeito passivo se integra” e, mais adiante, em nota, invocando a jurisprudência constitucional e a doutrina alemãs, alude à “«utilização potencial» de uma prestação pública (..) nisto se distinguindo das taxas em que essa utilização é por definição efetiva” e “que por esta razão […] o círculo dos sujeitos passivos se mostra mais largo nas contribuições do que nas taxas” e, finalmente, “sublinhado a irrelevância do aproveitamento individual” (itálicos nossos) (…) // Ou seja, da leitura destes textos decorre que receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético não é apenas afeta “à redução da dívida e ou pressão tarifárias” (do setor elétrico), mas igualmente ao “financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros (…) para o SNGN” e à “minimização dos encargos do SNGN”, ou seja, do “Sistema Nacional de Gás Natural” e, agora do “Sistema Nacional de Gás”, em que se integrava e integra a ora recorrida (Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, art. 4.º, n.º 5, e Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto, art. 9.º). // De modo que há um fundamento ou base racional, segundo um critério de equivalência, para a integração da recorrida no âmbito da incidência subjetiva do RCESE. // Que é justamente a existência de uma “troca entre a administração e o grupo em que o sujeito passivo se integra” e de uma relação de “bilateralidade genérica”, expressa na utilidade singular – ainda que meramente presumida – que decorre da integração no grupo de agentes económicos em causa. // Ou seja, mais especificamente, nas palavras do douto Acórdão n.º 7/2019, proc.º n.º 141/16, de 8 de janeiro, do Tribunal Constitucional (2.ª Secção): “Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência” (n.º 14) (…). // E há, ainda uma justificação constitucional da CESE, procedente das “alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 66.º [Ambiente e qualidade de vida] da CRP”: (Acórdão n.º 101/23, cit. N.º 67). // Assim sendo, a solução legal, de integração das “concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural” no âmbito de incidência subjetiva da CESE, não poderá ser taxada de “arbitrária” [RCESE, art. 2.º, nomeadamente alínea d)]».

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.7 No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), a recorrente invoca o RCESE constitui uma medida de efeito equivalente à restrição quantitativa à exportação.
Apreciação. Antes de entrarmos na apreciação do presente fundamento, cumpre referir que a invocação da Directiva 2009/73/CE, de 13 de Julho, constitui questão nova, pela que a mesma não será apreciada, nesta instância.
No que respeita à asserção de que o regime da CESE em apreço configura medida equivalente à restrição quantitativa à exportação, cumpre referir o seguinte.
Nos termos do artigo 35.º do TFUE, «[s]ão proibidas, entre os Estados-Membros, as restrições quantitativas à exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente». «As disposições dos artigos 34.o e 35.o são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública; de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas; de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de protecção da propriedade industrial e comercial» (artigo 36.º do TFUE).
No Acórdão Dassonville, o TJUE afirmou que «todas as medidas comerciais aprovadas pelos Estados-membros que sejam susceptíveis de afectar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário constituem medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas» (9). Neste Acórdão, o TJUE, não obstante reconhecer a competência dos Estados-membros para adoptar medidas que prevenissem as práticas comerciais desleais, afirmou «que estas medidas têm de ser razoáveis e acessíveis a todos os nacionais dos Estados, não podendo constituir uma forma de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada ao comércio intracomunitário» (10). No Acórdão Cassis Dijon, de 20/02/1979, P. 120/78, o TJUE deu um passo importante no sentido da associação da sua jurisprudência Dassonville a um princípio fundamental do mercado interno – o princípio do reconhecimento mútuo. O TJUE afirmou que «[o] efeito prático de disposições [que estabelecem níveis mínimos de álcool para certas bebidas] consiste essencialmente em conceder vantagens às bebidas alcoólicas de forte teor em álcool, afastando do mercado nacional produtos de outros Estados-membros que não correspondam a tal especificação. Conclui-se, assim, que a exigência unilateral, imposta pela regulamentação de um Estado-membro, de um teor em álcool mínimo para a comercialização de bebidas alcoólicas constitui um obstáculo às trocas comerciais incompatível com as disposições do artigo 30.º do Tratado» (11). Por seu turno, no Acórdão proferido nos Processos apensos C-267/91 e C-268/91, de 24/11/1993 (Keck e Mithouard), o TJUE teve ocasião de sublinhar que «[é] verdade que [a legislação que proíbe a revenda com prejuízo] é susceptível de restringir o volume das vendas e, por conseguinte, o volume das vendas de produtos importados de outros Estados-membros, na medida em que priva os operadores de um método de promoção. Convém, no entanto, questionarmo-nos sobre se essa eventualidade basta para qualificar a legislação em causa de medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação» (12).
Mais referiu o Tribunal que «[se] impõe considerar que, contrariamente ao que até agora foi decidido, a aplicação de disposições nacionais que limitam ou proíbem determinadas modalidades de venda a produtos provenientes de outros Estados-membros não é susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário na acepção da jurisprudência Dassonville (…), desde que se apliquem a todos os operadores interessados que exerçam a sua actividade no território nacional e desde que afectem da mesma forma, tanto juridicamente como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-membros» (13). Verificadas tais condições, as normas em apreço não são susceptíveis de dificultar o acesso ao mercado nacional de produtos produzidos noutros Estados-membros, bem como de dificultar o escoamento de produtos nacionais para outros Estados-membros, pelo que não contendem com o princípio da livre circulação de mercadorias.
No caso em exame, considerando o regime da CESE supra descrito e atendendo à sua aplicação uniforme a todos os operadores (nacionais ou estrangeiros), colocados na posição da recorrente que exerçam a mesma actividade económica no território nacional, não se apura o invocado efeito de restrição à exportação de gás natural. Não existe qualquer impedimento à actividade de comercialização externa do gás natural ou o mesmo não se mostra comprovado nos autos, atendendo a que os termos de troca, no plano internacional, não são afectados.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.8. A recorrente suscita também a questão do reenvio prejudicial ao TJUE com vista à correcta aplicação do Direito da União Europeia.
O artigo 267.º (ex artigo 234.º) (14) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [TFUE] estabelece que «[s]empre que uma questão [sobre a interpretação do Direito Europeu] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».
Sobre a obrigação do reenvio prejudicial, o TJUE, no Acórdão de 09.09.2015, proferido no Processo n.º C-160/14, teve ocasião de sublinhar que: «a verdade é que, quando não exista recurso judicial de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional, este é, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE, quando uma questão relativa à interpretação do direito da União seja suscitada perante esse órgão jurisdicional. // Quanto ao alcance da referida obrigação, decorre de jurisprudência consolidada desde a prolação do acórdão Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335) que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial de direito interno é obrigado, sempre que uma questão de direito da União seja suscitada perante si, a cumprir a sua obrigação de reenvio, a menos que conclua que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta aplicação do direito da União se impõe com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável. // O Tribunal de Justiça precisou ainda que a existência de tal eventualidade deve ser avaliada em função das características próprias do direito da União, das dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da União (acórdão Intermodal Transports, C-495/03, EU:C:2005:552, n.°33)» (15).
No caso, tal como resulta da recensão da jurisprudência do TJUE, a orientação que da mesma resulta não é passível de dúvida no sentido de que a CESE corresponde a uma contribuição financeira, aplicável de forma uniforme aos operadores económicos abrangidos, pelo que não configura uma restrição à livre circulação de mercadorias de e para o mercado interno. Mais se refere que o presente Acórdão é passível de recurso.
Pelo que não estão reunidos os pressupostos de aplicação da obrigação de reenvio prejudicial em referência.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta - Maria Isabel Silva)

(2ª. Adjunta – Tânia Meireles da Cunha)
(1) Versão conferida pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril
(2) Artigo 2.º/alínea m), do RCESE.
(3) Versão conferida pela Lei n.º 33/2015, de 27 de abril
(4) Artigo 1.º, n.º 2, do RCESE (versão originária).
(5) Alínea d), do artigo 2.º do RCESE (versão originária).
(6) Alínea j), do artigo 2.º do RCESE (versão originária).
(7) Artigo 3.º/1, do RCESE (versão originária).
(8) Artigo 3.º/2, do RCESE (versão originária).Regime mantido em vigor em 2017 pelo artigo 264.º da Lei n.º 42/2016, de 28.12.
(9) § 5, da fundamentação de direito do Acórdão do TJUE, de 11/01/1974, P. 8/74.
(10) Patrícia Fragoso Martins, Direito Constitucional Europeu, Universidade Católica Editora, 2022, p. 362.
(11) §14 do Acórdão do TJUE, de 20/02/1979, P. 120/78.
(12) §§12 e 13 do Acórdão do TJUE, de 24/11/1993, P. C-267/91 e C-268/91.
(13) §§15 e 16 do Acórdão do TJUE, de 24/11/1993, P. C-267/91 e C-268/91.
(14) Publicado no JOUE, 26.10.2012, https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A12012E%2FTXT.
(15) Acórdão do TJUE, de 09.12.2015, P. C-160/14, §§37 a 39.