Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1215/15.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:NULIDADE DA CITAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - A nulidade da citação deve ser arguida através de requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, de cuja decisão pode o administrado reclamar nos termos do art.º 276.º do CPPT.
II - Se o revertido pretende impugnar os atos tributários que deram origem à dívida exequenda revertida, pode socorrer-se do expediente previsto no art.º 37.º, n.º 1, do CPPT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

N… (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 31.05.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada (na parte em que não foi extinta a instância por inutilidade superveniente da lide) parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, na qualidade de revertido, das liquidações de imposto único de circulação (IUC), emitidas em nome da devedora originária Transportes S…, Lda, relativas aos anos compreendidos entre 2008 e 2013.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1ª – O recorrente foi parcialmente condenado a satisfazer as obrigações fiscais respeitantes aos veículos de matrículas …-…-…, …-…-… e …- …-…, respeitantes a IUC, em dívida, na qualidade de executado;

2ª – Porquanto, o mesmo viu ser contra si revertidas as execuções fiscais em que figurava a devedora originária;

3ª – E, em consequência, o recorrente citado para os respetivos termos dos PEF;

4ª – O recorrente reagiu invocando, em sede de impugnação judicial, a nulidade da citação, por omissão da referência às matrículas das viaturas que estiveram na origem da tributação, o que obstava à sua defesa;

5ª – A FN opôs contestação e revogou alguns dos atos tributários compreendidos no PEF e outros por nela não estarem compreendidos;

6ª – Em tal ocasião processual, a AT nada disse ou juntou prova documental comprovativa da regularidade da citação, mormente quanto às matrículas das viaturas que estiveram na origem da tributação e cuja junção esta omitiu;

7ª – Nessa conformidade, deu-se como não provado na sentença recorrida o facto constante do ponto 1.2. Factos não provados;

8ª – Contudo, apesar e não provado o facto, entendeu-se manter na ordem jurídica tais liquidações;

9ª – Com fundamento em o recorrente não ter feito uso da faculdade prevista no art. 37º, do CPPT;

10ª – Ora, salvo o respeito devido por opinião em contrário, tal disposição legal apenas é aplicável ao procedimento administrativo tributário;

11ª – E não ao processo de execução fiscal, o qual tem natureza judicial;

12ª – Na medida em que, os vícios da citação, diligência judicial, podem ser invocados no processo próprio e não com fundamento numa norma aplicável em sede de procedimento administrativo tributário;

13ª – Ademais, quanto estamos em face de uma execução revertida, cujos fundamentos de oposição se encontram tipificados na lei;

14ª – Daí que deveriam ter sido aplicadas as normas que regulam a nulidade da citação previstas no CPC, diploma de aplicação subsidiária ao processo judicial tributário e não o art. 37º, norma de procedimento administrativo tributário;

15ª – Pelo que, retas contas, em face da conduta omissiva da AT, deveria a Mma. Juiz “a quo” ter declarado a nulidade da citação do executado ora recorrente e ordenado a repetição do ato de citação.

Por conseguinte, a Mma. Juiz “a quo” equivocou-se ao decidir manter a regularidade da citação e, em consequência, da instância, ao considerar que sob o recorrente impendia o ónus de requerer junto da AT a notificação dos elementos em falta, aquando daquela, cfr., dispõe o art. 37º, do CPPT e não aplicar o disposto no CPC quanto à nulidade da citação, previsto no art. 191º, do CPC.

Termos em que, revogando Vs. Ex.as a parte da sentença que logrou condenar o recorrente e declarar nula a citação viciada e consequente anulação de todo o processado, ordenando, em consequência, a repetição da citação, farão a melhor JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida) não contra-alegou.

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que se verifica nulidade da citação feita ao Recorrente em sede de processo de execução fiscal?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 15/11/2006 foi vendido o veículo com a matrícula …-…-… pela sociedade TRANSPORTES S…, LDA. à sociedade H…, LDA., pelo preço de €3.025,00, tendo sido emitida a fatura n.º 600352 na qual pode ler-se:

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(cf. cópia da fatura a fls. 22 do SITAF);

B) Em 07/03/2011 foi registada pela Conservatória do Registo Automóvel a reserva de utilização do veículo com a matrícula …-…-…, propriedade da sociedade TRANSPORTES S…, LDA., a favor da sociedade C… MERCADORIAS UNIPESSOAL, LDA. – cf. cópia da informação do registo automóvel a fls. 187-188 do SITAF;

C) Em 23/04/2013 foram vendidos os veículos com as matrículas …-…-… e …-…-… pela sociedade TRANSPORTES S…, LDA. à sociedade R… UNIPESSOAL, LDA., pelo preço de €9.000,00, tendo sido emitida a fatura n.º 130203 na qual pode ler-se:

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»

(cf. cópia da fatura a fls. 23 do SITAF);

D) Em 23/10/2014 foi proferida sentença pelo Tribunal da Comarca de Santarém- Inst. Central – Sec. Comércio – J1, no proc.º n.º 1003/14.3TBSTR, que declarou a insolvência da sociedade T….- Transportes S…, Lda. – cf. informação a fls. 39 do SITAF;

E) Em 15/04/2015 foi efetuada a citação do Impugnante no PEF n.º 2089201301035100 instaurado pelo Serviço de Finanças de Santarém contra o Impugnante, por ter sido gerente da devedora originária TRANSPORTES S…, LDA. à sociedade H…, LDA., para cobrança da dívida de IUC no montante de €13.847,24, na qual pode ler-se:

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(cf. cópia da citação, do ofício e do aviso de receção a fls. 25-26 e 51- 52 do SITAF);

F) Em 17/07/2015 foi efetuada a citação do Impugnante no PEF n.º 2089201401041410 instaurado pelo Serviço de Finanças de Santarém contra o Impugnante, por ter sido gerente da devedora originária TRANSPORTES S…, LDA. à sociedade H…, LDA., para cobrança da dívida de IUC do ano de 2010 no montante de €2.923,11 - cf. cópia da citação, do ofício e do aviso de receção a fls. 27-28 e 51 e 53 do SITAF);

G) As dívidas de IUC em cobrança nos PEF´s n.º 2089201301035100 e n.º 2089201401041410 têm origem na falta de pagamento de IUC dos anos de 2008 a 2013 que incidiu sobre as viaturas com as seguintes matrículas:

(cf. informação a fls. 155-156 do SITAF);

H) Em 30/09/2015 foram emitidas pelo INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P. as seguintes certidões referentes aos veículos com as matrículas …-…-… e …-…-…:


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(cf. ofício e certidões a fls. 183-184 do SITAF);

I) Em 28/06/2017 foi prestada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém que conclui pela manutenção das liquidações impugnadas com exceção das que incidiram sobre o veículo com a matrícula …-…-… propondo a sua revogação – cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido a fls. 153-160 do SITAF;

J) Em 29/06/2017 foi proferido despacho pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Santarém com o seguinte teor:

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» (cf. despacho a fls. 181 do suporte físico dos autos);

K) Em 29/06/2017 foi enviado ao Advogado do Impugnante o ofício n.º 1705 pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, que foi recebido em 10/07/2017, dando conhecimento do despacho referido na alínea anterior – cf. cópia do ofício e do aviso de receção a fls. 43 e 45 do PAT apenso aos autos;

L) Em 09/07/2015 foi apresentada no Serviço de Finanças de Santarém a impugnação judicial que foi remetida a este Tribunal em 10/07/2015 e que deu origem aos presentes autos – cf. cópia do ofício e e-mail a fls. 1 e 4 do SITAF”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental que dos mesmos consta dá-se como não provado o seguinte facto:

1- A citação do Impugnante nos PEF´s n.º 2089201301035100 e n.º 2089201401041410 instaurados pelo Serviço de Finanças de Santarém para cobrança das dívidas de IUC no montante de €13.847,24 e de €2.923,11, respetivamente, foi acompanhada da informação referente aos veículos e às respetivas matrículas sobre os quais incidiram as liquidações de IUC”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto provada nas alíneas A) a L) do ponto 1.1. supra, efetuou-se por acordo e com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso aos autos, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório e que atento o seu valor probatório mereceram toda a credibilidade da parte do Tribunal.

No que se refere ao facto não provado no número anterior constata-se que a Impugnada não fez constar do Processo Administrativo Tributário (PAT) junto aos autos a alegada informação/título executivo que acompanhou a citação efetuada ao Impugnante nos PEF´s n.º 2089201301035100 e n.º 2089201401041410, sendo que a cópia da citação, a fls. 28 do PAT junto aos autos, para a qual remete na contestação/informação prestada pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém em 28/06/2017, se reporta apenas ao PEF n.º 2089201301035100 e apesar de constar dessa citação que “A cópia do título executivo constitui anexo desta citação”, essa cópia não foi junta aos autos nem foi junta prova que demonstrasse o seu envio em simultâneo com a citação.

Deste modo extrair-se-á do facto não provado no número anterior as devidas consequências em sede de apreciação sobre o mérito da causa à luz das normas aplicáveis”.

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.A. Do erro de julgamento

Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, o mesmo deveria ter decidido no sentido de existir nulidade da citação.

Vejamos, então.

In casu, o Recorrente, na qualidade de revertido, veio impugnar liquidações de IUC, onde formulou um pedido de anulação dos mencionados atos tributários e, bem assim, de declaração de prescrição das dívidas relativas a 2008 e 2009.

O Tribunal a quo refere que o alegado na petição inicial, a propósito de que não foi dado conhecimento ao Impugnante, aquando da citação (fazendo da mesma nula), da identificação das viaturas a que respeitavam as liquidações em causa, não merece acolhimento, dado que a informação em causa poderia ser suprida através de prova documental e que sempre caberia ao Impugnante lançar mão do expediente previsto no art.º 37.º, n.º 1, do CPPT.

Vejamos.

Antes de mais, refira-se que o pedido de nulidade da citação nunca foi formulado na petição inicial.

Ademais, tal pedido, mesmo se tivesse sido formulado, nunca seria pedido próprio de impugnação judicial.

Com efeito, a nulidade da citação deve ser arguida através de requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal, de cuja decisão pode o administrado reclamar nos termos do art.º 276.º do CPPT [cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.02.2020 (Processo: 0178/14.6BEMDL) e de 07.05.2014 (Processo: 0198/14)].

Logo, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido no sentido propugnado no recurso.

Por outro lado, como é referido pela instância, não tendo o Recorrente obtido informação sobre as concretas matrículas em causa (o que revela falta de conhecimento da fundamentação do ato tributário), podia e devia ter lançado mão do expediente previsto no art.º 37.º, n.º 1, do CPPT. Com efeito, não obstante o ora Recorrente ter sido chamado a responder pela dívida exequenda na qualidade de revertido, aqui não estamos no âmbito de qualquer incidente à execução fiscal (oposição ou reclamação), mas sim no âmbito de uma impugnação judicial. Logo, o Impugnante, como qualquer revertido, tem direito a conhecer a fundamentação do ato tributário, se o pretender impugnar (cfr. art.º 22.º, n.º 5, da LGT), não havendo óbice a que, para esse concreto objetivo (o objetivo de impugnar as liquidações), recorra ao mencionado expediente.

Reitera-se: neste caso, não estamos no âmbito de reação contra a execução fiscal, mas sim no âmbito de impugnação judicial, na qual o Impugnante suscita a ilegalidade em concreto das liquidações, sendo, para este efeito, aplicável o expediente previsto no art.º 37.º, n.º 1, do CPPT.

Como tal, o alegado não tem impacto em termos de impugnação judicial, sendo que o Recorrente deveria ter usado dos expedientes ao seu alcance para suscitar e suprir as alegadas irregularidades.

Logo, não assiste razão ao Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de maio de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Margarida Reis)

(Cristina Coelho da Silva)