Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:785/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO
EXECUÇÃO FISCAL
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I – Nos termos do preceituado no nº1 do artigo 125º do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão
II - Os prints informáticos elaborados pela Administração Tributária constituem meros documentos elaborados pela própria Administração para efeitos internos e não provam nem a notificação da liquidação, nem o seu recebimento pelo contribuinte.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

F...., melhor identificado nos autos, veio deduzir oposição à execução fiscal nº 1520200801165925, para cobrança coerciva da liquidação oficiosa de IVA dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005 e respectivos juros de mora, instaurado pelos serviços de Finanças Loures -1.

O Tribunal Tributário de Lisboa por decisão de 18 de dezembro de 2017, julgou “a inutilidade superveniente da lide quanto às liquidações de IVA dos períodos 0203T, 0206T, 0212T, 0306T e 0309T, dos montantes de €1.217,94, €2.650,00, €4.275,00, €2.850,00 e €1.900,00”, julgou “procedente a oposição à execução fiscal no que respeita ao IVA do período de 0312T, no montante de €1.425,00, extinguindo-se a execução fiscal, nesta parte” e decidiu “improceder a oposição prosseguindo a execução fiscal quanto ao IVA relativo aos períodos de 0403T, 0412T, 0509T e 0512T, nos montantes respectivamente de €5.700,00, €2850,00, €1.575,00 e €315,00”.

O presente recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), que se julgou incompetente em razão da hierarquia, por Decisão Sumária proferido em 30 de outubro de 2018, tendo sido determinada a remessa dos autos para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul.

Não se conformando com a decisão, o Recorrente veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

« A)

Vem o presente Recurso interposto da Douta Sentença de fls. dos autos na parte em que julgou improcedente a Oposição apresentada pelo Recorrente, quanto ao IVA relativo aos períodos de 0403T, 04112T, 0509T e 0512T, nos montantes, respectivamente, de € 5.700,00, € 2.850,00, € 1.575,00 e € 315,00.


B)

Por via do Douto Despacho de 15.02.2018, o Tribunal “a quo” admitiu o presente recurso, contudo fixou-lhe efeito meramente devolutivo.

C)

Considerando que o Recorrente prestou garantia nos autos, conforme resulta do Requerimento que dirigiu à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02.03.2010 ( Doc. 1 ), em sede do qual comprovou haver constituído hipoteca voluntária a favor da Administração Fiscal, sobre o prédio urbano de que é proprietário, inscrito na matriz sob o artigo matricial 6407º, da freguesia e concelho de Loures, no montante de € 44.077,34 (quarenta e quatro mil e setenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos).

D)

Impõe-se que – diferentemente daquele que foi o entendimento do Tribunal “a quo” - ao presente recurso seja atribuído efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 286º do CPPT.

E)

O Recorrente sindicou, por via da Oposição apreciada nos presentes autos, as liquidações adicionais efectuadas pela Fazenda Pública referentes a IVA dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, as quais originaram o processo de Execução Fiscal n.º 1520200801165925, em resultado de acção inspectiva externa realizada em 13.08.2008.

F)

No que se refere à fundamentação, para o julgamento da matéria de facto, pode ler-se na Douta Sentença recorrida que: “A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados”

G)

Atenta a fundamentação plasmada na Douta Sentença recorrida, que apenas remete para os documentos apreciados pelo Tribunal “a quo” no que a cada um dos factos dados por provados respeita, resulta evidente verificar-se o vício de falta de fundamentação.

H)

Uma vez que, relativamente à data das liquidações efectuadas pela Fazenda Pública e sua notificação ao Recorrente (facto dado por provado em B) do elenco dos factos dados por provados), o Tribunal “a quo” não refere ou identifica qualquer documento no qual haja encontrado sustento para tal entendimento. Mostrando-se assim impossível de alcançar qual o meio de prova e qual a valoração realizada pelo Tribunal “a quo” a fim de dar tal facto como provado.

I)

A sentença é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.

J)

E porque é totalmente omissa a Sentença recorrida, relativamente à fundamentação de facto, enferma a mesma de nulidade. (art. 125º do CPPT e 615º do CPC).

K)

Aliás, em rigor não poderia o Tribunal “a quo” haver dado por provado tal facto (B)), posto que por força do disposto no artigo 74º da LGT, cabia à Fazenda Pública o ónus da prova da notificação da liquidação, prova essa que, SMO, não logrou a Fazenda Pública fazer.

L)

Veja-se que a Fls 378 a 385, veio a Fazenda Pública juntar meros “prints” das liquidações e sua notificação ao Recorrente, reconhecendo a própria Fazenda Pública que “Estas notificações foram emitidas há mais de 5 anos, pelo que já não existem seguranças das mesmas”.

M)

A Fazenda Pública não juntou aos autos o registo comprovativo do envio da liquidação para o domicílio fiscal do Recorrente, antes juntou aos autos documentos internos elaborados pela própria Fazenda Pública e que não têm a virtualidade de fazerem prova dessa notificação, seu envio e recepção, nem tão pouco da conformidade da liquidação.

N)

Daí que, não tendo sido apresentada pela Fazenda Pública prova da regularidade da notificação prevista no artigo 45º da LGT, impunha-se concluir pela impossibilidade de aferir da regularidade da notificação da liquidação ao Recorrente.

O)

O que impossibilitava a conclusão alcançada pelo Tribunal “a quo”, no sentido de não se haver verificado a caducidade do direito à liquidação dos tributos correspondentes ao IVA dos períodos de 0403T, 0412T, 0509T e 0512T.

P)

Pelo que, sempre se teria de ter por insuficiente a prova produzida para que se desse por provado o aludido facto pelo Tribunal “a quo” que, pelo contrário, se impunha ter por não provado. Sendo, pois, julgada procedente a Oposição deduzida pelo Recorrente também quanto aos tributos correspondentes ao IVA dos períodos de 0403T, 0412T, 0509T e 0512T.

Contudo, ainda que assim não se entenda, e se conclua que a Douta Sentença recorrida não enferma do invocado vicio, sempre se dirá que:


Q)

Entendeu o Tribunal “a quo” - e bem - ser de proceder a Oposição relativamente ao IVA de 2003, tendo determinado a extinção da execução fiscal nesta parte (período 0312T, no montante de € 1.425,00).

R)

Contudo, relativamente às liquidações de IVA dos anos de 2004 e 2005, julgou o Tribunal “a quo”improcedente a Oposição, por entender que quanto a estas ainda não havia decorrido o prazo de 04 (quatro) anos para que operasse a caducidade.

Sendo certo que, tal como reconheceu o Tribunal “a quo” (e bem), não poderá ter lugar no caso presente o alargamento do prazo a que se refere o n.º 5 do artigo 45º da LGT, e tendo presente a impossibilidade de determinação da data da liquidação dos tributos (IVA de 2004 e 2005) (atento tudo quanto antes se disse relativamente à insuficiência de prova produzida para o efeito, e que ora se dá por integralmente reproduzido) impunha-se que houvesse o Tribunal “a quo” julgado procedente a Oposição apresentada pelo Recorrente, declarando, em consequência, a caducidade do direito da Fazenda Pública à liquidação adicional dos impostos (IVA de2004 e 2005), determinando a anulação também quanto a estes.


T)

Devendo pois, nessa conformidade, ser julgado procedente o presente recurso, substituindo parcialmente a Douta Sentença recorrida por decisão que, julgando procedente a Oposição apresentada pelo Recorrente, declare a caducidade do direito da Fazenda Pública à liquidação adicional do imposto (IVA de 2004 e 2005), determinando a sua anulação.

NESTES TERMOS

E nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente recurso, sendo:

A) Declarada nula a Douta Sentença recorrida, por [E porque] omissão de fundamentação de facto (art. 125º do CPPT e 615º do CPC);

Ou, caso assim não se entenda,

B) Parcialmente substituída a Douta Sentença recorrida por decisão que, julgando procedente a totalidade da Oposição apresentada pelo Recorrente, declare a caducidade do direito da Fazenda Pública à liquidação adicional do imposto (IVA de 2004 e 2005) determinando a sua anulação.»


*

O Recorrente apresentou requerimento (fls. 484 do SITAF) com o seguinte teor:

«F...., Impugnante nos autos acima identificados, vem, mui respeitosamente, informar que por lapso pelo qual desde já se penitencia, o documento junto com as suas alegações de recurso não se encontra completo, pelo que se requer que V. Exa. se digne admitir a junção aos mesmos documento completo.

JUNTA: 01 (um) documento »


*
Em 23 de Abril de 2018 a Juiz a quo proferiu despacho com o seguinte teor:

«Imputa o oponente à sentença a nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto.

Porém ainda que não tenha sido referido os documentos em que se estriba as conclusões G) a I), passa-se a reparar essa omissão:

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, documentos juntos pelo oponente com a petição inicial e decisão de reclamação graciosa, junta pelo oponente.

Notifique.


**

Oportunamente subam os autos.

Lisboa, 23 de Abril de 2018 »


*

Em resposta ao supra referido Despacho, o Recorrente apresenta requerimento (fl 505 do SITAF) com o seguinte teor:

«F...., Oponente nos autos acima identificados, vem, mui respeitosamente, atento o teor do Douto Despacho que antecede e em complemente às suas Alegações de Recurso, expor o seguinte:

1. O Oponente recebeu a notificação que antecede (Ref: 006375622), na qual se lê que:

“Fica V. Exa. notificado do conteúdo do despacho de admissão de recurso de que se junta cópia, bem como para alegar em 15 dias contados para o recorrente a partir desta notificação e para o recorrido a partir do termo do prazo para alegações do recorrente (...)”

2. Ora, há muito que o Oponente foi notificado do Despacho que admitiu o recurso por si interposto, tendo oportunamente apresentado (em 12.03.2018) as atinentes Alegações.

3. E atento o teor do Douto Despacho agora notificado (de 23.04.2018), não se vislumbra que dele resulte a necessidade de nova apresentação de Alegações pelo Oponente.

Pois,

4. Refere o Douto Despacho ora proferido que:

“Imputa o oponente à sentença a nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto.

Porém ainda que não tenha sido referido os documentos em que se estriba as conclusões G) a I), passa-se a reparar essa omissão:

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, documentos juntos pelo oponente com a petição inicial e decisão de reclamação graciosa, junta pelo oponente.”

5. E embora daí resulte o reconhecimento pelo Tribunal da invocada nulidade da Sentença (ainda que tacitamente), não se poderá ter tal Despacho como rectificador da Sentença recorrida, por manifesto suprimento das exigências a que a mesma se encontra adstrita.

6. Nulidade essa que, aliás, se mantém, mesmo em face do ora proferido Despacho, porquanto o mesmo não é de molde a supri-la – já que mantém a remissão genérica arguida em sede de Alegações pelo Oponente.

7. Motivo pelo qual cumpre ao Oponente reiterar as Alegações de Recurso que apresentou, por se manterem actuais, mesmo no que tange à invocada nulidade, as quais ora dá por integral e totalmente reproduzidas.

Pede Deferimento»


*
Não foram apresentadas contra-alegações.

*
O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder, devendo a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição apresentada.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.

*
II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Dão-se por provados os seguintes factos:

A) A coberto das Ordens de serviços nº OI200800757, OI200800758, OI200800759 e OI200800760, de 2008-02-22 foi efectuada acção inspectiva externa aos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005, respectivamente relativamente a F.... e A...., da qual resultou correcções aritméticas ao IVA e ao rendimento tributável declarado em sede de IRS, nos seguintes montantes (fls (fls 44 a 104, dos autos):

B) Em 06-09-2008 foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA nºs 08136825, 08136827, 08136829, 08136831, 08136833, 08136835, 08136837, 08136839, 08136841 e 08136843;
C) Em 30-03-2009 F.... deduziu reclamação graciosa das liquidações identificada em B), alegando, para além do mais a caducidade das liquidações;

D) Em 23-12-2008 foi instaurado o processo de execução fiscal nº 1520200801165925, para cobrança coerciva da liquidação oficiosa de IVA relativo aos períodos 0203T, 0206T, 0212T, 0306T, 0309T, 0312T, 0403T, 0412T, 0509T, 0512T e respectivos juros de mora;

E) Em 15-12-2009 foi enviada a citação;

F) Em 16-02-2009 deu entrada a presente oposição à execução fiscal identificada em D);

G) Por despacho de 30-10-2009 a reclamação graciosa foi parcialmente deferida tendo sido anuladas as liquidações adicionais de IVA dos períodos 0203T, 0206T, 0212T, 0306T e 0309T, dos montantes de €1.217,94, €2.650,00, €4.275,00, €2.850,00 e €1.900,00 (fls 269 a 272, dos autos);

H) No processo-crime nº 22/06.8IDSTR foi deduzida acusação contra J...., F...., G...., Lda e P...., Lda, Lda, cuja acusação se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais (fls 344 a 373, dos autos).»


*

Motivação da decisão de facto

«A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados»


*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Antes de mais, cumpre apreciar a pretendida alteração do efeito atribuído ao presente recurso, já que o ora Recorrente entende que, por, alegadamente, ter prestado garantia, ao mesmo deve ser atribuído efeito suspensivo. Juntou, para tanto, um documento.

Nos termos do preceituado no artigo 286º do CPPT, concretamente, no nº2, os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos.

Compulsados os autos constatamos que não existe nos autos qualquer comprovativo de que a garantia apresentada pelo Recorrente tenha sido aceite pela AT.

Analisado o documento junto pelo Recorrente com o recurso, verificamos que, apesar de se retirar do mesmo que terá sido constituída garantia a favor da Fazenda Nacional, a verdade é que não há elementos nos autos que nos permitam aferir se a mesma foi aceite pela AT e se o processo de execução fiscal se encontre suspenso por força da garantia.

Efectivamente, do documento junto com as alegações de recurso consta, apenas, o pedido de constituição de garantia submetido pelo Recorrente, ficando este Tribunal sem saber se a AT aceitou como válida e suficiente a garantia apresentada.

Refira-se, por outro lado, que da informação prestada pela AT, constante dos autos, nada se diz relativamente a uma eventual garantia que tivesse sido prestada.

Assim sendo, deverá ser mantido o efeito devolutivo atribuído ao recurso pelo juiz a quo.

Prossigamos.

Lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida sofre de nulidade por falta de fundamentação de facto e, subsidiariamente, apreciar e decidir o invocado erro de julgamento, por ter caducado o direito à liquidação.

Vejamos, então.

Da nulidade da sentença

Comecemos por dizer que, nos termos do preceituado no nº1 do artigo 125º do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

O Recorrente invoca que a sentença sofre de nulidade uma vez que não é possível descortinar qual o fundamento, em termos de prova, para se ter dado como facto assente o constante da alínea B) do probatório.

Atentemos no teor da mencionada alínea da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

“B) Em 06-09-2008 foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA nºs 08136825, 08136827, 08136829, 08136831, 08136833, 08136835, 08136837, 08136839, 08136841 e 08136843;”

Constata-se, como alegado pelo Recorrente, que não é possível saber com base em que prova se fundou o juiz a quo para dar como provado o referido facto. Não existe qualquer referência que permita saber qual o documento, ou outro tipo de prova, em que se baseou a convicção do julgador.

A este propósito, recuperamos o que se escreveu no Acórdão do TCAN proferido em 03/08/2012, no âmbito do processo nº 329/05, nos seguintes termos:

“(…) Note-se que esta nulidade - falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença – corresponde, a montante, à exigência de fundamentação da sentença, no que respeita à fixação da matéria de facto, tal como prevê o artº 123º, nº2 do CPPT -“O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.

Tal fundamentação consiste, como se percebe, na indicação dos meios de prova que foram considerados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, por forma a serem exteriorizadas as razões pelas quais se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer.

A exigência de fundamentação da sentença tem naturalmente várias valências, pois que, num primeiro momento, serve para impor ao juiz da causa que pondere e reflicta criticamente sobre a decisão, mas também para permitir que as partes, ao recorrerem da sentença, estejam na posse de todos os elementos que determinaram o sentido da decisão e, por último, torna possível ao Tribunal de recurso apreciar o acerto ou desacerto da sentença recorrida.

Assim sendo, “a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental), a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos (…).
Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária”. Vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 321 e 322.

Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” Vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lx 1997, pág. 348.(…)”

Assim sendo, tem razão o Recorrente ao assacar o vício de nulidade à sentença recorrida, por falta de especificação dos fundamentos de facto.

Por outro lado, invoca o Recorrente que a conclusão a que chegou a sentença recorrida, de que o Recorrente foi notificado das liquidações dentro do prazo de caducidade não tem sustentação em nenhum dos factos dados como provados.

E tem razão.

Repare-se que apenas se deu como provado o facto de terem sido emitidas as liquidações, nada constando do probatório no que concerne à respectiva notificação ao Recorrente.

Atentemos no que se escreveu na sentença relativamente a este aspecto:

“(…) No caso temos então IVA de 2003, 2004 e 2005, pelo que esta alteração legislativa operada pela Lei nº 32-B/2002 é aqui aplicável.

Assim, temos:

IVA de 2003 a caducidade ocorreria em 2007;

IVA de 2004 a caducidade ocorreria em 2008;

IVA de 2005 a caducidade ocorreria em 2009.

O oponente foi notificado antes do final de 2008, pelo que, em relação ao IVA de 2003 ocorreu a caducidade.(…)”

Temos, pois, que a sentença levou em consideração, da fundamentação de direito, matéria de facto que não consta do probatório, concretamente, a notificação das liquidações ao Recorrente, pelo que o silogismo judiciário não tem suporte na factualidade dada como assente.

Ou seja, sem se saber se e quando foi o Recorrente notificado das liquidações em causa, não é possível dizer se o foi dentro do prazo de caducidade.

Concluindo, a sentença sofre de nulidade por falta de fundamentação, nos termos no preceituado no nº1 do artigo 125º do CPPT.

Conhecendo em substituição, vejamos se a AT logrou demonstrar e provar que notificou o Recorrente das liquidações de IVA em causa, já que, como é sabido, é à Fazenda Pública que cabe o ónus da prova da notificação das liquidações, como é jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores.

Compulsados os autos, verificamos que, na sequência de notificação do Tribunal, a ERFP juntou aos autos diversos prints informáticos, retirados do seu sistema interno, com os quais pretendia fazer prova da notificação das liquidações ao Recorrente.

Com tal junção foi informado que, por tais notificações terem sido emitidas há mais de 5 anos, já não existiam seguranças das mesmas.

Ora, como também é sabido, os meros prints informáticos não constituem meio idóneo de prova das notificações das liquidações aos contribuintes, nomeadamente, por ser um elemento de registo interno de informações, que não se sabe em que condições foi efectuado, não sendo susceptível de ser objecto de qualquer controlo ou revisão fora desse âmbito interno dos serviços da Fazenda, não revelando sequer qualquer morada.

Ora, de tais prints não é possível concluir que tenha sido efectuada qualquer notificação das liquidações que deram origem à emissão das certidões de dívida em causa nos autos, e se o tendo sido o foi validamente, já que não foram juntos os talões de registo ou as cópias das eventuais cartas devolvidas, nem tão-pouco do aviso de recepção, nem foi junta a cópia do próprio ofício de notificação.

Recuperamos, aqui, o que disse no Acórdão deste TCAS de 15/04/2021, proferido no âmbito do processo nº 1334/09, a propósito da força probatória dos prints informáticos constantes da base de dados da AT:

“(…) Da prova produzida nos autos não poderia o tribunal deixar de decidir a matéria de facto como decidiu. O Tribunal levou ao probatório os elementos disponíveis sobre a comunicação do acto, que no essencial se resumem a meros prints extraídos do sistema informático, concluindo, e bem, que os mesmos não provam a notificação do acto neles referenciados, salientando que o ónus da prova de tal notificação cabe à AT.
Sublinha-se que constitui jurisprudência uniforme dos tribunais superiores quanto ao valor probatório dos «prints» que não basta, para os efeitos visados, um mero print interno, processado pelos respectivos serviços da AT. Tais prints não podem deixar de ser considerados como documentos internos elaborados pela própria Administração, para efeitos internos, não oponíveis à executada (neste sentido podem ver-se os Acórdão deste TCAS, de 19/03/2015, recurso n.º 07740/14, consultável em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, entre outros, consultáveis em www.dgsi.pt, o Ac. do TCAS, de 13/10/2017, proferido no recurso n.º 1245/09.3BEALM; Ac. do TCAN, de 07/12/2017, recurso n.º 00964/09.9BEVIS, Ac do TCAN, de 12/04/2013, proferido no recurso n.º 01727/07.1BEPERT; Ac. do TCAN, de 27/02/2014, proferido no recurso n.º 00076/11.5BEPERT.(…)”
Face ao que ficou dito, em virtude de não se ter provado a efectiva notificação das liquidações ao Recorrente, será de conceder provimento ao recurso e, conhecendo em substituição, julgar totalmente procedente a oposição.


*




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, declarar nula a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgar totalmente procedente a oposição.

Custas pela Recorrida.

Registe e Notifique.

Lisboa, 26 de Setembro de 2024

(Isabel Fernandes)

(Hélia Gameiro Silva)

(Lurdes Toscano)