Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:91/17.5BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
100.º LGT
ATO CONSEQUENTE
Sumário:I-A nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

II-As questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

III-Se no dispositivo da decisão arbitral consta expressamente a condenação ao reembolso da quantia paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, e se essa cominação mais não representa que um ato consequente decorrente da anulação do ato tributário por ocorrência de vício legal substantivo, outra conclusão não se pode retirar que não a de que a mesma decretou a anulação do ato de liquidação;
IV-Não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão arbitral que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da Impugnante.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artigo 28.º, do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Singular em 11 de janeiro de 2019, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, apresentado por F....., LDA contra o ato de liquidação nº 2016 8….., e respetiva demonstração de acerto de contas nº 2016 00…., respeitante ao IRC do exercício de 2012, no valor de Euros 3.746.317,22.


***

O Impugnante termina as exposições da impugnação formulando as seguintes conclusões:


CONCLUSÕES:

A) A decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado “ Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de IRC n° 2016 8…… e respectiva demonstração de acerto de contas n° 2016 00……, no qual se apura o valor global de imposto e respectivos juros compensatórios” cometeu omissão de pronúncia, desde logo, ao não ter determinado as consequências de tal procedência quanto à sua repercussão na liquidação que foi objecto de apreciação pelo Tribunal Arbitral, designadamente, por não constar da parte dispositiva do Acórdão a anulação, ou não, da referida liquidação.

B) Depois, por não se ter pronunciado sobre questão que devia ter conhecido, como seja, a da existência de um grupo de entidades relacionadas e da sua relevância na determinação do interesse próprio da então requerente na realização da despesa considerada, ou não, como indispensável para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

C) Na verdade, nas suas resposta e contra-alegações a AT invocou, cfr. ponto VIII a XI, destas últimas, que a alocação da participação financeira à requerente e a concomitante contracção dos financiamentos necessários para a sua aquisição, não se inscreverem em qualquer interesse próprio da requerente, mas antes, no interesse de terceiros, uma vez que, as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão não se ativeram, em primeira linha, ao interesse da actividade prosseguida em Portugal.

D) E que, deste modo, toda a operação estaria inserida numa unidade de intenção e concomitante accão, subordinada a uma motivação de grupo relativamente à aquisição da participação social pela requerente.

E) E, tendo em conta tal conclusão analisou-se a vertente da indispensabilidade do custo, cfr. art. 23° do CIRC, segundo a perspectiva da existência de uma unidade de intenção e concomitante acção desse grupo económico.

F) Tendo, inclusivamente, essa questão da existência, ou não, de sociedades relacionadas sido uma questão controvertida entre as partes, cfr. pontos V) a VII) das contra- alegações da AT, uma vez que a então requerente invocava que a operação de aquisição de participação financeira (70% no capital da sociedade F….. C.......... ) não foi uma operação realizada entre sociedades do mesmo grupo, defendendo, pelo contrário, a ora impugnante que existia uma relação de grupo, uma vez que, as entidades gestoras dos dois fundos eram ambas detidas pela C……. AG e que, derivado desse facto, os fundos são geridos por sociedades que eram dominadas a 100% pela mesma sociedade que se situa no topo do grupo.

G) Ora, sobre a existência, ou não, de uma unidade de intenção e de acção, a decisão arbitral impugnada foi omissa na sua decisão, não tendo analisado essa questão da existência, ou não, de uma relação de grupo e de as entidades intervenientes na operação estarem sujeitas a uma unidade de acção e de actuação.

H) Efectivamente, lendo a decisão arbitral impugnada consta-se que a mesma apenas analisou a questão da indispensabilidade do custo como se a F….. Unipessoal, sociedade que contraiu os empréstimos, fosse uma sociedade independente, e na vertente de isso corresponder a um acto de gestão correspondente a uma opção de natureza empresarial sem poder a mesma opção ser questionada, como boa ou má, pela AT.

I) Não tendo curado de apreciar e decidir do requisito da indispensabilidade do custo segundo a fundamentação invocada pela AT, concretizado na aplicação da al. c) do n° 1 do art. 23° do CIRC, de que, no caso, o custo não era indispensável por o empréstimo não ter sido contraído no interesse empresarial da mesma F….., Unipessoal, mas sim do grupo em que a mesma se inseria.

J) Donde, existe omissão de pronúncia, por a decisão arbitral não ter conhecido e decidido sobre tal questão, da existência ou não de um grupo, de existindo o mesmo isso ter, ou não, motivado a decisão de contrair o empréstimo, para daí poder concluir se houve, ou não, uma unidade de intenção e de actuação (de um grupo) com implicações na questão de determinação do interesse próprio da requerente ( e não de terceiros), para efeitos de aplicação do art. 23° do CIRC.

K) Sendo certo que tais questões foram devidamente individualizadas e concretizadas pela AT, cfr. Pontos V) a VII), VIII) a IX), XXIV) a XXVII) das contra-alegações, sendo certo, igualmente, que o Acórdão Arbitral se devia ter pronunciado sobre as mesmas que importavam à boa decisão da causa e que não ficaram prejudicadas pela solução encontrada pelo Tribunal Arbitral quanto à consideração da indispensabilidade do custo.

Por outro lado,

L) Relativamente ao fundamento previsto na al. c) do n° 1 do art. 28° do RJAT, excesso ou omissão de pronúncia, entende a ora impugnante que o Tribunal Arbitral incorreu em nulidade, uma vez que também não se pronunciou sobre outra questão levantada pela AT, então requerida, na sua resposta e contra -alegações, a qual devia ter sido conhecida e decidida.

M) Na verdade, na sua resposta e contra-alegações a AT invocou que tinha ficado bem patente no processo que a AT tinha apresentado uma fundada dúvida quanto à indispensabilidade do custo e que a requerente face a esta fundada dúvida da AT não tinha conseguido demonstrar a indispensabilidade do custo e impendia sobre a mesma o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A. 2a.Secção, 29/3/2006, rec. 1236/05; ac.T.C.A.Sul-2a. Secção, 17/7/2007,proc.1107/06;ac.T.C.A.Sul2a.Secção,16/4/2013,proc.5721/12;ac.T.C.A.Sul 2a.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).

N) Ora, também quanto a esta questão, da repartição do ónus da prova e de saber a quem competia provar a indispensabilidade do custo no caso em concreto, designadamente sobre a questão de a AT ter conseguido fundamentar uma fundada dúvida no Relatório da Inspecção Tributária, quanto à indispensabilidade do custo, o Acórdão Arbitral recorrido nada disse, sendo completamente omisso quanto a essa questão.

O) Donde, existe omissão de pronúncia, por a decisão arbitral não ter conhecido e decidido sobre tal questão devidamente individualizada e concretizada pela AT, nas suas contra-alegações, no ponto XXXIV), sendo certo que se devia ter pronunciado sobre a mesma que importava à boa decisão da causa e que não ficou prejudicada pela solução encontrada pelo Tribunal Arbitral quanto à indispensabilidade do custo.

V - Do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça:

Atendendo ao facto de o valor do recurso ser superior a €275.000,00 requer-se que esse Venerando Tribunal se pronuncie e decida, a final, pela dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, atendendo a que estamos em sede de impugnação de decisão arbitral, que não há lugar à produção de prova testemunhal e que ao Tribunal se pede que analise e decida sobre questão que não se afigura revestir grande complexidade, cfr. art. 6.º n° 7 do RCP.

Termos pelos quais e, como o douto suprimento de V. Ex.as, incorrendo a decisão arbitral ora impugnada no vício de omissão de pronúncia, deve a mesma ser anulada, com todas as legais consequências.”


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A Recorrida apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma:

a. O acórdão impugnado julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral referente à liquidação de IRC n.° 2016 8…… e respetiva demonstração de acerto de contas n.° 2016 00……, condenando a Administração Tributária a reembolsar à Impugnada o montante de EUR 3.746,317,22, acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data em que for efetuado o reembolso;

b. Considerando os fundamentos de Impugnação da decisão arbitral invocados pela Fazenda Pública é manifesta a sua improcedência;

c. A omissão de pronúncia, para os efeitos do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do Regulamento Jurídico da Arbitragem Tributária só ocorrerá nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer "questão" sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento;

d. Nos termos da jurisprudência e da doutrina em vigor, a pronúncia exigida no referido normativo do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, do artigo 125.° do Código do Procedimento e do Processo Tributário e no artigo 608,° do CPC, não existe dever de o Tribunal se pronunciar sobre argumentos invocados pelas partes, mas apenas sobre as questões invocadas, pelo que apenas a omissão de pronúncia quanto a “questões" ferirá de nulidade a decisão - o que não sucede no caso em apreço.

e. Com efeito, como ficou demonstrado, o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes no âmbito do processo arbitral, tendo emanado uma decisão expressa que concede procedência integral ao pedido arbitral apresentado pela Impugnada;

f. No que respeita à alegada omissão de identificação da cominação legal na sequência do deferimento da pretensão da Impugnada, a mesma não se verifica, porquanto a decisão remete para a procedência do pedido efetuado pela Requerente, aqui impugnada, cuja consequência não pode ser outra que não a anulação do ato tributário em escrutínio;

g. Em todo o caso, sempre se dirá que a declaração de ilegalidade da liquidação implica que a mesma deixe de existir na ordem jurídica, pelo que, ainda que não resulte literalmente do acórdão arbitral, na parte dispositiva, a condenação à anulação da liquidação, a mesma resulta quer da remissão para o pedido da Impugnada, resultando também da lei, nomeadamente do artigo 100.° da Lei Geral Tributária, razão pela qual a falta da sua menção não afeta a validade da decisão arbitral;

h. No que concerne à invocação da omissão de pronúncia quanto à existência de um alegado grupo e de uma unidade de intenção desse mesmo grupo com a Impugnada, ficou evidenciado que o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre a mesma entendendo (i) que essa argumentação não era pertinente para averiguar da indispensabilidade dos gastos em causa e, para além disso, (ii) referiu expressamente que este facto não foi invocado em sede de procedimento de inspeção tributária, razão pela qual não é passível de constituir fundamento para a manutenção da correção sob análise;

i. Aliás, no entendimento da Impugnada admitir-se a manutenção da correção da matéria coletável corrigida com referência ao exercício de 2012 com fundamento na alegada existência de um grupo ou de uma unidade de intenção - como alegou a Fazenda Pública - tal constituiria a fundamentação da liquidação contestada e estaríamos, portanto, perante uma fundamentação a posteriori o que é manifestamente ilegal e rejeitada pelos Tribunais Superiores;

j. Relativamente à alegada omissão de pronúncia quanto à fundada dúvida sobre a indispensabilidade dos gastos em causa, o Tribunal Arbitral pronunciou se sobre a mesma entendendo que no âmbito do processo arbitral a Impugnada conseguiu demonstrar que efetivamente os gastos em causa para além de relacionados com o seu escopo societário - obtenção de lucro -, também foram indispensáveis, nos termos do n,° 1 do artigo 23.° do Código do IRC, para a obtenção de rendimentos passíveis de tributação em sede de IRC;

k. Ao contrário do que invoca a Fazenda Pública, o Acórdão do Tribunal Arbitral apreciou o tema relativo sobre se a operação em causa se inseria ou não no âmbito da sua atividade económica e se se inseria no seu escopo societário, que consiste na obtenção de lucro, apreciando, no seu livre arbítrio, em sentido favorável à Impugnada a questão que agora a Fazenda Pública invoca como constituindo um fundamento para a nulidade suscitada...

I. Razão pela qual, sendo manifesto que não se verificou qualquer uma das invocadas omissões de pronúncia na decisão Impugnada, deve julgar-se improcedente a presente Impugnação, determinando-se a manutenção do acórdão arbitral impugnado.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá a Presente Impugnação ser julgada improcedente em virtude de não se verificar qualquer omissão de pronúncia nos presentes autos.

Em virtude do valor da causa ser superior a EUR 275.000,00, requer-se a Vossas Excelências se dignem, nos termos do artigo 7.°, n.° 6 do Regulamento das Custas Processuais, determinar a dispensa de pagamento das custas acima do referido valor.”


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II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral possui, na parte relevante para a apreciação do objeto da presente Impugnação, o seguinte teor:

“2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
A. A Requerente F....., é uma sociedade por quotas (unipessoal) que tem como objecto social a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como A....., bem como o arrendamento, exploração e gestão do A....., bem como quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com a mencionada actividade;
B. A Requerente foi constituída por escritura pública no dia 29 de Maio de 2000 e iniciou a actividade (em termos fiscais) no dia 19-06-2000;
C. Na data de constituição da sociedade era a mesma detida pela sócia única C…. G…… I……. MBH, actualmente, C… R….. MBH, com sede na Alemanha;
D. Em 31-07-2007 o sujeito passivo passou a ser detido a 100% pela sociedade C….. S.A.R.L. (sócia única), com sede no Luxemburgo, que, em Julho de 2015 mudou a sua designação social para S…. (Almada) R…… S.A.R.L.
E. De acordo com o que é referido no dossier de preços de transferência referente ao exercício de 2012, a CG Malls Europe é “(…) um sub-fundo da C…. R…. I….. MBH, um fundo comum aberto especializado na colocação de investimentos em fundos, lançado pela C…..R…. G…. em 4 de junho de 2007”, o referido fundo é “(…) uma forma contratual de investimento coletivo que opera sob as leis do Grão-Ducado do Luxemburgo e que aprovou uma estrutura destinada a gerir conjuntos diferentes de ativos e passivos, no interesse dos seus co-proprietários, por uma empresa gestora comum, a C ……S.A.R.L.» e «O esquema seguinte ilustra a estrutura implementada para a gestão dos fundos:”

“(texto integral no original; imagem)”
F. No dossier de preços de transferência é referido também que, “Atualmente, o único sub-fundo existente é a CG Malls Europe. Este é dirigido a investidores institucionais europeus e visa a criação de uma carteira de retalho pan-europeia diversificada, possuindo centros comerciais regionais, localizadas nas principais cidades ou em áreas periféricas de grande potencial.
O Sub-fundo tem investido em ativos imobiliários em Espanha e em Portugal, através de suas subsidiárias, embora o objetivo seja o de investir em toda a Europa: atuais e futuros países candidatos à adesão à UE.
A CG Malls Europe investe em shopping centers localizados nas regiões mais relevantes, que, como característica diferenciadora, têm potencial para gerar receitas estáveis a longo prazo mesmo em períodos de desequilíbrios no mercado. A atual carteira de imóveis consiste em três centros comerciais, dois dos quais estão localizados em Lisboa (Portugal) e o terceiro localizado em León (Espanha).”
G. A partir da C….., S.A.R.L. empresa gestora de fundos, os investimentos organizam-se da seguinte forma:
“(texto integral no original; imagem)”
H. A F..... G…., Lda , doravante designada por F..... C.......... , NIPC 503 ….., foi constituída como sociedade anónima, em 05-03-1997, com a firma “A…., S. A.”, tendo sido transformada, em 18-09-2000, em sociedade em C.......... , tendo então por sócio comanditário o “C….., MBH”, titular de uma participação social no valor nominal de € 9.999.995,00, e por sócia C.......... da a Requerente, titular de uma participação social no valor nominal de € 5,00;
I. Em 31-10-2007, o “C....., MBH”, sócio comanditário da “J…” procedeu à divisão da sua participação social nesta sociedade em duas partes, uma no valor nominal de € 6.999.995,00, que transmitiu à Requerente, e outra no valor nominal de € 3.000.000,00, que transmitiu à “C….., S.A.R.L.”;
J. A “F..... C.......... ” é uma sociedade de simples administração de bens, sujeita ao regime da transparência fiscal, nos termos do disposto no art. 6.º, n.º 1, do Código do IRC, imputando aos seus sócios a matéria colectável que apura anualmente, sendo, designadamente, 70% da sua matéria tributável imputada à Requerente;
K. A F..... C.......... é proprietária das fracções C até AO do Centro Comercial, composto por 216 lojas, 34 restaurantes, um complexo de cinemas e um espaço de lazer;
L. O Complexo Comercial inclui ainda um Retail Park Junto do Centro Comercial, composto por 3 lojas, um armazém, um centro de controlo e 204 espaços de estacionamento;
M. Para prossecução do seu objecto social, a Requerente tomou de arrendamento (em 01-11-2002, à F..... C.......... , o complexo comercial conhecido como “A.....”;
N. O contrato de arrendamento tem vindo a ser renovado sucessivamente e foi alterado no exercício de 2012, apresentando uma suspensão da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com inicio em 01-03-2012 e término a 28-02-2014, data a partir da qual a referida cláusula passou a ter a redacção anterior (montante mensal da renda 1.400.000,00€);
O. A actividade desenvolvida pelo sujeito passivo no exercício de 2012 foi a exploração e gestão do Centro Comercial A..... e do Retail Park, sendo a responsável directa pela administração quotidiana do Centro Comercial, desenvolvendo a promoção e comercialização das lojas e a respectiva promoção estratégica;
P. A Requerente celebra “contratos de utilização de loja” com cadeias de lojas ou outro tipo de utilizadores, usualmente denominados por lojistas, que enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes, sendo que nesses contratos, entre outras obrigações, os lojistas comprometem-se a pagar uma retribuição mensal constituída pela soma de duas parcelas – uma fixa (remuneração mínima) e outra variável – e a comparticipar nas despesas e encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial;
Q. Os valores (retribuição mensal fixa e variável e outras despesas), facturados pela Requerente a cada um dos lojistas são registados na demonstração de resultados por naturezas na rubrica de “Rendas e serviços prestados”.
R. Durante o exercício de 2012, foi registado pela Requerente na conta de gastos “626111 – Rendas F.....” o montante de 11.100.000,00€, de rendas do Centro Comercial, e na conta “626112 – Rendas S..... A....” o montante de 480.000.00€ relativos às rendas do…;
S. O valor das rendas pago, no ano de 2012, à F..... C.......... , pelo arrendamento do Complexo Comercial, totalizou, assim, o montante de € 11.580.000,00€;
T. Para financiamento da operação de aquisição da participação social da F..... C.......... , no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, a Requerente recorreu a três operações de financiamento: uma com a “C….., S.A.R.L.”, no valor de € 96.844.069,52; outra com o E….–A…… – Sucursal em Portugal, no valor de € 35.800.000,00; e uma outro junta do F….., Unipessoal, Lda., no valor de € 42.663.800,00;
U. O financiamento obtido junto da C…… S.A.R.L. foi realizado em 31-10-2007, por um prazo de 10 anos, tendo as partes acordado uma taxa de juro anual fixa de 7,25%;
V. O financiamento contraído junto do E…..–A….. Sucursal em Portugal foi realizado em 31-1-2017, por um prazo de 10 anos, tendo as partes acordado uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a 7 anos, acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%);
W. O financiamento obtido junto do F…… Unipessoal, Lda. foi realizado em 31-10-2017, por um prazo de 10 anos, e as condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1.º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses, acrescida de um spread de 0,15%; a partir do 2.º semestre de 2009, a taxa de juro passou a ser fixa, tendo sido estabelecido entre as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, do dia 01-07-2009, publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1,6%, ou seja ma taxa de 5% ao ano;
X. Os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, designadamente nas contas "681291 Imposto de Selo Suportado - Juros de Empréstimos”, "681292 imposto de Selo Suportado -Comissões Bancárias”, “6911 - Juros de financiamento obtidos" (empréstimo da E….–A…..), "691391 – O….–M…., Lda." (empréstimo do F……, “691392 – O….– L…. 2 (empréstimo da C…. ) e “6982-O….. ";
Y. De acordo com os dados retirados da informação Empresarial Simplificada (IES), os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos da F....., Unipessoal apresentaram a seguinte evolução cronológica:
“(texto integralno original; imagem)”
Z. No exercício de 2012 os juros suportados pela Requerente com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na F....., no montante de 11.155.180,93€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma:
“(texto integralno original; imagem)”
AA. Por referência ao exercício de 2012, a Requerente foi alvo de uma inspecção tributária, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2016……, de 16-03-2016, no âmbito da qual a AT alterou em 11.297.848,73 a matéria colectável declarada pela Requerente, alteração esta que se baseou na não aceitação «da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros relativos aos financiamentos obtidos para a aquisição de uma participação social, em virtude de não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos no artigo 23º do CIRC» (Parecer do Chefe de equipa, que conta do Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
BB. No Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, refere-se, além do mais o seguinte:

3. - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

3.1 - CORRECÇÕES EFECTUADAS EM SEDE DE IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE PESSOAS COLECTIVAS (IRC)

No âmbito de procedimentos inspetivos anteriores, que visaram o controlo da situação tributária do sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2010 e 2011, foram identificadas incorrecções relacionadas com a não aceitação da dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos suportados relativos a gastos de financiamento de empréstimos contraídos em 2007.

Na análise efetuada à contabilidade do contribuinte, constatamos que, em 2012, não se verificaram alterações quer quanto à forma de contabilização dos referidos gastos quer quanto à sua natureza, pelo que os factos e fundamentos invocados nos pontos seguintes. Serão coincidentes com os referidos nos relatórios anteriores, com as devidas adaptações.

3.1.1. - Factos apurados

A F....., Unipessoal, Lda foi constituída por escritura pública no dia 29 de Maio de 2000 e iniciou a sua atividade no dia 19 de Junho de 2000. No procedimento inspetivo, realizado ao ano de 2012, verificou-se que a atividade desenvolvida pelo sujeito passivo foi a exploração e gestão do Centro Comercial F..... e do R… P…, doravante designado por Complexo Comercial. O Complexo Comercial é detido pela F..... C.......... que, através de um contrato de arrendamento, o arrenda à F....., Unipessoal. O contrato foi firmado pela primeira vez em 01 de Novembro de 2002 e tem vindo a sofrer renovações sucessivas. O referido contrato foi alterado no exercício de 2012, apresentando uma suspensão da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com inicio em 01 de Março de 2012 e término a 28 Fevereiro de 2014. A partir desta última data a referida cláusula passará a ter a redacção anterior (montante mensal da renda 1.400.000.00€).

Durante o exercício de 2012 a renda mensal para as 35 frações autónomas arrendadas no Centro Comercial foi de 830.000,00€ (renda mensal em 2011: 1.400.000,00€), enquanto que para o … a renda foi de 40.000,00€.

Encontra-se registado na conta de gastos "828111 - Rendas A....." o montante de 11.100.000,00€, de rendas do Centro Comercial, e na conta "626112- Rendas S..... A...." o montante de 480.000,006, relativos às rendas do R..... P....O valor das rendas pago, no ano de 2012, à F..... C.......... , pelo arrendamento do Complexo Comercial, totalizou assim o montante de 11.580.000,00€.

Verificou-se que a F..... Unipessoal é a responsável direta pela administração quotidiana do Centro Comercial A...... Desenvolve a promoção e comercialização das lojas assim como a promoção estratégica do Centro Comercial. A..... empresa em análise é a responsável pela angariação e celebração de "contratos de utilização de loja" com os clientes. Estes clientes geralmente fazem parte de marcas que possuem cadeias, nacionais e internacionais, de lojas, existindo, no entanto, também outro tipo de utilizadores Individuais. Estes "contratos de utilização de loja* enumeram os direitos e obrigações de ambos os contraentes. Entre outras obrigações, estabelecem os valores a pagar pelos lojistas. Essas remunerações são geralmente mensais e são constituídas pela soma de duas parcelas, uma fixa (remuneração mínima) e outra variável. Acresce a esta remuneração a comparticipação nas despesas e nos encargos de funcionamento e utilização do Centro Comercial. Estes valores (retribuição mensal fixa, variável e outras despesas), faturados pela A… a cada um dos lojistas, são registados na demonstração de resultados por natureza na rubrica de "rendas e serviços prestadas".

Da análise à rubrica de Investimentos financeiros foi possível verificar que em 31 de Dezembro de 2012 a F..... Unipessoal detinha uma participação de 70% na sociedade F..... em C.......... , adquirida em 31 de Outubro de 2007. Sendo esta empresa abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente. Neste caso é imputada 70% da sua matéria tributável ao F..... Unipessoal.

Para financiamento desta operação de aquisição da participação social, no montante de cerca de 175,3 milhões de euros, o sujeito passivo recorreu a três operações de financiamento junto de três empresas do Grupo onde está inserido:

• C….. (casa - mãe);

•F…… Unipessoal;

•E……, AG.

De acordo com a informação retirada do dossier de preços de transferência (anexo 1) é referido que “Em outubro de 2007 o Grupo decidiu que a F..... iria adquirir a participação na F..... detida pela O….. I…… G…..", por cerca de 175,3 milhões de euros. Constata-se assim que esta aquisição teve apenas como fundamento a "estratégia de Grupo". Com esta decisão, o sujeito passivo passou a deter uma participação de 70% no capital social da F..... C.......... , sociedade com qual detém um contrato de arrendamento do Centro Comercial A....., ficando os restantes 30% na posse da sociedade C….., empresa igualmente integrada no mesmo Grupo.

Constata-se também que a sociedade F..... C.......... já era detida a 100% pelo Grupo. Grupo onde também se insere a F..... Unipessoal. Deste modo conclui-se que esta transferência de capital não veio trazer alterações, nem em termos de composição/estrutura do Grupo nem em termos de atividade das suas empresas.

No que se refere aos financiamentos, a que a empresa recorreu junto do Grupo, verificamos que se encontram titulados através de contratos.

Na sequência da análise destes contratos, apresenta-se abaixo um esquema/resumo ilustrativo dos financiamentos obtidos:


“(texto integral no original; imagem)”

Em resultado da análise aos contratos (anexo 3), e relativamente às condições acordadas entre as partes, apresentam-se de seguida resumos das condições de cada uma das operações de financiamento:

• Financiamento obtido junto da C.........;

O empréstimo obtido junto da C......... foi no valor de cerca de 96,8 milhões de auras O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de Outubro de 2007 e o empréstimo tem um prazo de 10 anos, ou seja, com vencimento em 31 de Outubro de 2017. As partes acordaram o pagamento de uma taxa de juro anual fixa de 7,25%, calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O valor médio diário a pagar é de 19.828,38€. Os juros são devidos trimestralmente.

Financiamento obtido junto do F...... M.....

O empréstimo obtido junto do F...... M..... foi de 42,6 milhões de euros, por um prazo de 10 anos O contrato de financiamento foi celebrado em 31 de Outubro de 2007. As condições de financiamento que vigoraram até ao final do 1º semestre de 2009 previam o pagamento de uma taxa de juro variável determinada com base na taxa Euribor a 6 meses acrescida de um spread de 0,15%. A partir do 2º semestre de 2009 a taxa de juro passou a ser fixa. Foi estabelecido entra as partes que a taxa de juro seria determinada com base na taxa swap a 8 anos, à data de 01 de Julho de 2009 publicada pela Bloomberg, que se situou nos 3,40%, acrescida de um spread de 1.6%, ou seja uma taxa de 5% ao ano. Tal como no caso anterior, os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O valor médio diário a pagar é de 6 024.29€ O seu pagamento é devido mensalmente.

• Financiamento obtido junto da E......

O empréstimo obtido junto da E...... foi no montante de 35,8 milhões de euros. O referido financiamento foi realizado em 25 de Outubro de 2007 por um prazo de 10 anos. De modo a remunerar o capital cedido pela E...... as partes acordaram no pagamento de uma taxa de juro correspondente à Euro swap rate a sete anos acrescida de um spread de 50 p.b. (0,5%). No ano de 2012 o empréstimo venceu juros à taxa de 5,078%. Os juros são calculados de forma diária e numa base de 360 dias/ano. O valor médio diário a pagar é de 5.049,78€. O seu pagamento é devido trimestralmente.

Na análise à contabilidade verificamos que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) relacionados com estes empréstimos foram contabilizados nas contas de gastos, mais propriamente nas contas "681291 Imposto de Selo Suportado - Juros de Empréstimos". "681292 Imposto de Selo Suportado -Comissões Bancárias", "6911 - Juros de financiamento obtidos" (Empréstimo da E...... ), "691391 – O….–L…..." (empréstimo do F...... M.....), "691392 – O…. – C......... (empréstimo da C.........) e "6982-O.......... ".

De acordo com os dados retirados da Informação Empresarial Simplificada (IES), os valores dos juros suportados e dos financiamentos obtidos do F..... Unipessoal apresentaram a seguinte evolução cronológica:


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No exercido de 2012 os juros suportados pelo F..... Unipessoal com os empréstimos de financiamento à aquisição da participação no capital na F..... em C.......... , no montante de 11 155.180,93€, são decompostos por empréstimo/conta da seguinte forma:

“(texto integral no original;imagem)”

Foi solicitado ao sujeito passivo, relativamente aos juros suportados com os empréstimos, e despesas associadas, para que fossem disponibilizados os respetivos documentos de suporte (faturas, recibos, notas de débito, etc.), assim como os seus meios de pagamento.

Da análise aos documentos disponibilizados (anexo 4), verificou-se que não existem na contabilidade documentos emitidos pelos titulares dos rendimentos (fatura e ou /notas de débito) relativos aos empréstimos efetuados pelas sociedades C......... e F...... M..... Unipessoal.

No que se refere ao empréstimo efetuado pela empresa E...... AG, foram emitidos por esta sociedade as seguintes notas de lançamento:

• N.º 5118- Juros relativos ao período de 02 da Janeiro de 2012 a 01 de Abril de 2012, e respectivo imposto de selo;

• N.º 5238- juros relativos ao período de 02 de Abril de 2012 a 01 de Julho de 2012, e respectivo imposto de selo;

• N.º 5353- juros relativos ao período de 02 de Julho de 2012 a 30 de Setembro de 2012, e respectivo imposto de selo.

Verifica-se que não foi emitido documento para a última tranche dos juros do ano de 2012 (período de 01 de Outubro de 2012 a 30 de Dezembro de 2012).

Para os três empréstimos foram apresentados os mapas/planos de pagamentos com a calendarização dos juros devidos pelo sujeito passivo.

No que se refere aos pagamentos dos juros dos empréstimos, verificamos que relativamente à:

• E...... AG- foram pagas as 4 tranches de juros devidas no ano, lendo sido apresentados os respetivos documentos de ordem de transferência bancária;

• C......... SARL- por carência de tesouraria, durante o exercício de 2012, apenas foi efetuada um pagamento a esta entidade, no montante de 1.704 590.12€, para pagamento dos juros do período compreendido entre 31 de Março de 2011 e 30 de Junho de 2011. Foram apresentados os documentos de suporte ã ordem de transferência bancária;

• F...... M..... Unipessoal- foram pagos os juros referentes ao período de 27 de Junho de 2011 a 26 de Dezembro de 2011 no montante global de 905.450,27€ (respeitantes ao exercício de 2011 que por motivos de carência de tesouraria não foram pagos no ano de 2011). Foram ainda pagos os juros do período compreendido entre 27 de Dezembro de 2011 a 26 de Dezembro de 2012, conforme o plano financeiro. Foram apresentados os documentos comprovativos da ordem de transferência.

Através da análise aos valores declarados pela F..... Unipessoal à AT através das suas declarações fiscais, nomeadamente na Informação Empresarial Simplificada (IES) e na Declaração de Rendimentos Modelo 22, relativamente à sua atividade, aos empréstimos concedidos e obtidos e aos resultados liquido e fiscal, podemos constatar que a sua evolução nos últimos 6 anos foi a que se resume no quadro seguinte:


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Da análise do quadro conclui-se que a partir do ano de 2007 a F..... Unipessoal suporta elevados encargos financeiros, registados nas suas demonstrações financeiras na rubrica de juros suportados, resultantes do financiamento contraído para a compra de (cerca de) 70% da participação no capital social da F..... em C.......... . Durante o mesmo período verifica-se que a aquisição da participação social em nada veio acrescentar ao seu volume de negócios, visto que este sofre flutuações mínimas ao longo destes últimos 8 anos, tanto positivas como negativas. De forma direta, e fruto do que foi apontado, constatamos que os seus resultados fiscais passaram dum lucro tributável bastante significativo em 2007, ano em que os encargos financeiros foram referentes apenas a cerca de 2 meses, para uma situação de prejuízo fiscal, situação essa que apenas foi quebrada nos anos de 2011 e 2012.

Veja-se que o Relatório de Gestão referente ao exercido de 2012 refere que "os gastos com juros, no valor de 11.155.180,93€ essencialmente relativos aos juros dos empréstimos bancários e com as empresas do grupo, assim como as perdas de imparidade no montante de 3.666.950.51€. referentes a participação na sociedade F..... Unipessoal, Lda & C.......... , contribuíram significativamente para o total dos gastos no exercício e consequentemente para o prejuízo incorrido no exercício'.

Da análise aos dados recolhidos na IES do sujeito passivo F..... C.......... , foi possível verificar que esta sociedade apresenta também elevados encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos para a construção/aquisição do Complexo Comercial designado por "A.....", da qual é detentora.

Em virtude da “F..... C.......... ” ser uma sociedade de simples administração de bens e estando enquadrada no regime de transparência fiscal, de acordo com o disposto no art.º 6.º nº 1 do CIRC, a matéria coletável é imputada às duas sociedades, presentes no seu capital social, e saber

a) C.......... S.A.R.L.30%

b) F..... Unipessoal- 70%

Saliente-se que a matéria coletável imputada pela F..... C.......... ao sujeito passivo, no âmbito do regime da transparência fiscal, é absorvida pelos prejuízos que a empresa em análise apura na sua atividade

3.1.2. - Análise à operação e conclusões

A análise efetuada à contabilidade da empresa determinou a necessidade de proceder a uma verificação mais aprofundada à operação de financiamento subjacente à aquisição, por parte do sujeito passivo, de (cerca de) 70% do capital social da sociedade F..... C.......... .

Assim, importa decompor a referida operação e verificar o seu mérito, no que respeita à dedutibilidade relativamente ao cumprimento previsto no artigo 23º do CIRC, o que passamos a fazer, dando especial ênfase nos seguintes aspetos:

1) Operação de aquisição da participação financeira;

2) Duplicação dos encargos relativos a juros;

3) Critério da Indispensabilidade;

4) Cumprimento dos requisitos formais;

5) Racionalidade económica da operação;

6) Conclusões.

1) Operação de aquisição da participação financeira

Para análise da operação de aquisição é necessário termos em conta o organograma do Grupo. Nesta conformidade damos por reproduzido o organograma que consta no anexo ao relatório de contas da empresa:"


“(texto integral no original;imagem)”

Analisando o caso em concreto à luz do organograma, objectivamente, podemos constatar que:

• A sociedade C.......... AG é detentora a 100% do Grupo, quer por via direta quer indireta;

• A C..... R..... AG domina a 100% as sociedades detidas pela sua participada CG R....... S.A.R.L.;

• A C..... R..... AG domina a 94,90% as sociedades detidas pela C..... I....... MBH;

• A F..... C.......... , era inicialmente detida a 99,99995% pela C..... I....... MBH, de uma forma direta;

•Em 2007, por decisão do Grupo, a sociedade C..... I....... MBH vende a sua participação total à F..... Unipessoal (69,99995%), que ficou com uma quota total de 70%, e à C.......... (30%),

• Ou seja, não obstante a venda dos cerca de 100% de participação pela C..... I....... MBH à F..... e à L......a "casa mãe” C..... R..... AG, ou, se preferirmos uma referenda mais a jusante, a C..... R..... AG continua a ser, e final, a detentora do controlo da sociedade F..... C.......... , de forma indireta;

• No que aos empréstimos diz respeito, será de salientar que as empresas contraentes são entidades relacionadas, a saber.

a) O E...... é um Banco Internacional, que é participado/detido pela C.......... AG;

b) A sociedade F...... M..... pertence ao Grupo, sendo detida a 100% pela C......SARL, que, por sua vez, é detida a 100% pela C......;

c) A sociedade C......... S.A.R.L., detêm em 100% a F....., sendo aquela, detida a 100% pela C.......

Não menos importante, será observar que o empréstimo obtido junto da C......... é celebrado e concedido entre duas sociedades, tendo as mesmas uma relação de dependência de 100%, ou seja, e de uma forma simplista, sempre se afirmará que este empréstimo é concedido e ela mesma, sendo o risco de Incumprimento reduzido a 0%.

Conforme facilmente se infere do quadro 1, apresentado anteriormente, a rubrica de juros suportados, tem um peso muito significativo na estrutura de custos da empresa, sendo responsável em grande parte pelos prejuízos que esta apresenta ao longo dos anos, não se vislumbrando quais os benefícios imediatas e/ou mediatos, que lhe advém, decorrentes da operação praticada.

Refira-se que sendo a F..... C.......... sujeita ao regime da transparência fiscal, Imputa aos seus sócios a sua matéria coletável (70% à F….. Unipessoal e 30 % à C......S.A.R.L.). Decorrendo daqui que, a sócia C.......... S.A.R.L., sociedade não residente, tenha apresentado declaração e pago o respectivo Imposto a que estava sujeito, e que a sócia F..... Unipessoal, decorrente dos empréstimos obtidos e seus inerentes custos, dilui por completo a matéria coletável imputada pela sociedade de que detém a participação.

E, aqui sempre se interrogará da operação em causa, se não vejamos:

a) A sociedade F..... Unipessoal obtém de sociedades relacionadas, empréstimos para adquirir 69,99995% da sociedade F..... C.......... ;

b) Sociedade esta que já pertencia ao Grupo;

c) Existe um contrato de arrendamento para exploração de lojas, entre as mesmas, pelo que a F..... paga à F..... C.......... uma renda mensal;

d) Os valores das rendas são efetivamente pagos.

2) "Duplicação" dos encargos relativos a juros

Tal como já foi referido anteriormente a sociedade F..... Unipessoal contraiu os três financiamentos para adquirir cerca da 70% da participação financeira na F..... C.......... . Verificou-se ainda que contabiliza os encargos financeiros resultantes destes empréstimos, que no exercício de 2012 atingiram o montante de 11.155.180,93€, em juros, e de 142.667.80€, em imposto de selo, como gastos nas suas demonstrações financeiras.

Por outro lado, e num momento anterior, a F..... C.......... , sociedade detentora do Complexo Comercial denominado “A.....”, recorreu a um empréstimo bancário no montante de 135.175 milhões de euros para pagamento do imóvel, contabilizando os encargos financeiros como gastos nas suas demonstrações financeiras, afetando o resultado apurado em cada exercício.

Se analisarmos as operações e a sua repercussão nos resultados, conjugando com o enquadramento para efeitos de tributação em sede de IRC de cada uma das entidades, concluímos que, por via indireta, se verifica uma duplicação de encargos financeiros na esfera do F..... Unipessoal.

As características singulares da situação tributária da F..... Unipessoal residem da conjugação dos seguintes factos (i) detenção de uma participação representativa de 70% do capital de uma sociedade abrangida pelo regime da transparência fiscal – F..... C.......... , (ii) tal participação ter sido adquirida a entidade do Grupo com recurso a endividamento; e (iii) ser a única "cliente" da sociedade transparente, enquanto parte no contrato de locação/exploração do imóvel da sociedade F..... C.......... .

Neste contexto, cabe então saber qual a base legal que legitima a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente. À luz do artigo 23.º do CIRC consideram-se como gastos dedutíveis os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Na situação concreta sob análise, pode suscitar-se a dúvida a respeito da existência de uma conexão direta entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, pois que, por virtude da aplicação do regime da transparência fiscal à sociedade participada, os rendimentos que contribuíram para a determinação da matéria coletável imputada são anulados com os gastos suportados pelo sujeito passivo com as rendas pagas pela locação do imóvel.

Todavia, com o intuito de melhor dirimir esta questão importa estabelecer um confronto entre duas situações que configuram diferentes formas de exercício da mesma atividade mas que, por força da transparência fiscal, devem alcançar resultados fiscais equivalentes de modo a serem fiscalmente neutras: por um lado, uma, em que o imóvel (locado) é propriedade da sociedade locatária, por efeito de um ato aquisitivo ou de autoconstrução; e por outro lado, a situação em apreço, em que o imóvel locado é propriedade de uma sociedade participada (locador) qualificada fiscalmente como "sociedades de simples administração de bens" e, portanto, abrangida pelo regime da transparência fiscal.

É de concluir, então, que na primeira das situações prefiguradas, a sociedade que utiliza o imóvel, como se fosse proprietária do mesmo, apenas teria de suportar os encargos financeiros inerentes aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição/construção do imóvel e os demais encargos associados.

No segundo caso, ora subjudice, a mesma sociedade (locatária) está a suportar não só a sua quota-parte dos encargos com o imóvel, que incluem também encargos financeiros, incorporados quer no valor da renda quer no resultado imputado através da transparência fiscal, como ainda os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada.

Estamos, portanto, perante uma duplicação de encargos financeiros relacionados com o imóvel locado: os que são deduzidos na determinação da matéria coletável do sujeito passivo e aqueles que são registados e deduzidos na determinação da matéria coletável da sociedade transparente".

Ora, o elemento singular que caracteriza a situação sob análise e que propicia a dupla dedução de encargos financeiros tem a ver com a concentração, na mesma sociedade - o sujeito passivo - da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, que faz cumular, na primeira sociedade, um conjunto de gastos desproporcionado e que, em certa medida, quase subverte os objetivos, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal, prosseguidos pelo regime de transparência fiscal.

3) Critério de indispensabilidade

O critério da indispensabilidade, determinante na avaliação da dedutibilidade dos encargos para efeitos fiscais, encontra-se previsto no artigo 23º do CIRC que dispõe:

"Artigo 23º Gastos

1 - Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, nomeadamente

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

Importa assim, atento o disposto no artigo 23º do CIRC, verificar em concreto, se os gastos Incorridos com os empréstimos que permitiram a aquisição de cerca de 70% da F..... C.......... , são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a Imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ora, da leitura do referido artigo, não se retira objectivamente uma definição do conceito de indispensabilidade, tendo o mesmo vindo a ser definido pela jurisprudência e doutrina, como um dos requisitos fundamentais para que os gastos sejam aceites fiscalmente. Assim deparamo-nos com um critério aparentemente indeterminado e complexo.

O Supremo Tribunal Administrativo declarou quanto ao sentido e funcionamento do requisito da indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais o seguinte: '...requisito de indispensabilidade de um custo tem de ser interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no Interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa..."'.

A este respeito veja-se igualmente o sentido do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, «Só não são Indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa", isto e, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se 'como referida à ligação dos custos é actividade desenvolvida pelo contribuinte”.

Ora, vislumbrando o caso em apreço e, confrontando-o com o exposto, conclui-se pela não verificação dos elementos doutamente exigidos.

Assim, devemos ter presente que, o critério da indispensabilidade foi criado para impedir que "certos" gastos contabilizados pelas empresas, que sejam considerados inapropriados, sejam dedutíveis fiscalmente.

Daqui decorrerá que, serão aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para obtenção do lucro de forma direta ou indireta", contudo, não deverá este requisito ser visto "per si", mas sim coadjuvado com critérios de racionalidade económica, ou seja, deve o mesmo ser interpretado de acordo com critérios essencialmente económicos

Não bastará considerar certo gasto indispensável, será sempre necessário aos sujeitos passivos promoverem a prova da indispensabilidade do gasto incorrido e a sua ligação com os proveitos obtidos", sendo negada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da mesma, ainda que registados na contabilidade.

Ou seja, é para definir o grupo dos elementos negativos que o art.º 23º do CIRC enuncia, a titulo exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas, aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

A relevância fiscal de um custo, e na linha do acórdão TCA do Sul, depende da sua comprovação e da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características coloca a questão sobre se a causação é ou não empresarial.

Este entendimento encontra total acolhimento no acórdão do TCA Sul de 24 de Fevereiro de 2012, processo n.º 05251/11, onde se questiona a indispensabilidade dos custos para efeitos fiscais referindo que "(...) inexiste, pois, aqui o "balanceamento ou matching" entre os custos suportados com os encargos financeiros e os respetivos proveitos (...)"

No caso em apreço, sempre se poderá questionar qual o Interesse económico da operação de aquisição da participação de cerca de 70% do capital da F..... C.......... , pois a mera possibilidade de poderem vir a ocorrer no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais, não determina só por si que os encargos financeiros, que lhe estão subjacentes, possam enquadrar-se no conceito de gastos fiscais,

A manifesta verificação da inexistência do Interesse económico da operação, é patente no fado de nada se ter alterado no que diz respeito às relações comerciais estabelecidas entre as duas empresas, ou no que à atividade exercida por cada uma, diz respeito.

Ou seja, a F..... Unipessoal pagava e (continua a pagar) uma renda pela exploração do Complexo Comercial “A.....”, à “F..... C.......... ”, cuja atividade consiste exclusivamente na cedência deste espaço, que constitui o seu único património.

Face ao exposto, não decorre dos factos apurados qualquer "mais-valia" decorrente da operação, no seio da sociedade F..... Unipessoal;

E aqui refira-se que, a sociedade tem como objeto social" a compra e venda de Imóveis, bem como a simples ou mera administração do seu imóvel próprio mantido para fruição e destinado ao Centro Comercial " F.....”, neste se incluindo designadamente o seu arrendamento, bem como quaisquer outros atas ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade", ou seja, não se vislumbra a razão do negócio da compra da participação social na A..... C.......... nem a ligação com o seu objeto social, fugindo ao seu "escopo", A atividade do sujeito passivo não é a compra e venda de participações sedais.

Neste sentido, veja-se o recente, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0164/12, de 04/09/2013, especificamente, "na verdade, após um amplo e participado debate, podemos hoje considerar aceite pela doutrina e pela jurisprudência um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos saiam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas.

4) Cumprimento dos requisitos formais

A análise efetuada aos registos contabilísticos relativos aos encargos financeiros, permitiu verificar que os mesmos, com exceção referentes dos juros dos 1.º, 2.º e 3º trimestres da E...... , foram suportados e contabilizados apenas com base nos planos financeiros estabelecidos nos contratos.

Verifica-se assim, uma manifesta insuficiência do preenchimento dos requisitos formais pelo facto de não serem conhecidos, à data, os documentos emitidos pelos beneficiários dos rendimentos.

Esta exigência formal, na perspetiva dos interesses fiscais, encontra a sua razão de ser numa dúplice justificação, ou seja, na necessidade de comprovar a efetivação do custo, a sua existência e, para se aferir a natureza da despesa e respectiva comprovação da indispensabilidade do custo face à atividade do sujeito passivo.

Ora, podemos referir que, não obstante a jurisprudência não acolher como regra única o princípio da equiparação entre fatura e documento justificativo do custo, não será menos verdade afirmar que os fundamentos que motivaram o estabelecimento dos apertados requisitos formais em sede de IVA, são totalmente transponíveis para o domínio do IRC;

De referir que, pelo facto de estarmos na presença de sociedades com relações especiais, ou seja, "(...) tais relações existem quando haja situações de dependência, nomeadamente no caso de relações entre a sociedade e os sócios, entre empresas associadas ou entre sociedade com sócios comuns ou ainda entre empresas mães e filiadas"", situação, por demais evidente, havendo relações de domínio, não será por demais desajustada a exigência formal da prova, sob pena, da Impossibilidade de controle por parte da Autoridade Tributária, perdendo-se assim, o efeito útil, deste critério fiscalizador e garante da Igualdade entre contribuintes, na sociedade portuguesa.

5) Racionalidade económica da operação

A análise efetuada à operação de financiamento, a que a empresa F..... Unipessoal recorreu para adquirir uma participação de cerca de 70% do capital da F..... C.......... , mereceu especial atenção, face aos elevados encargos que dela advém e que afetam muito negativamente os seus resultados.

Conforme foi anteriormente amplamente demonstrado, coloca-se em causa a racionalidade/razoabilidade que subjaz à operação de financiamento in caso de aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo. Não há qualquer tipo de vantagem para a prossecução da atividade, ou manutenção da fonte produtora da F..... Unipessoal, visto que a sociedade adquirida já se encontrava em situação de domínio do Grupo (as operações entre ambas já eram vinculadas), entes pelo contrário, pois ao suportar elevados encargos com os empréstimos a empresa passou s uma situação económica delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumuladas, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercício em análise.

Alia-se ainda o facto de a sociedade adquirida ter como única atividade o arrendamento à sociedade adquirente, de um Imóvel de que é proprietária, ficando a F..... Unipessoal, a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 70%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas já eram vinculadas e decididas no seio do Grupo.

Não poderão estes pontos, ser vistos de per si, mas como um todo, devendo ser aferido, o caso em concreto, com critérios rigorosos que impeçam um planeamento fiscal, que colocará em causa o princípio da igualdade entre contribuintes.

O requisito da indispensabilidade dos custos, para avaliação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, assume aqui especial relevância, pelo que não pode cingir-se a uma causalidade simplista de tipo " (...) consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos (...)". Deverá antes, ser aqui aferido por critérios de racionalidade económica, isto é, deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa, ou seja, numa perspetiva essencialmente económica, que acarreta uma definição clara e objetiva dos princípios que norteiam as decisões de gestão e as linhas mestras subjacentes aos negócios desenvolvidos pelas empresas, no âmbito da sua atividade, de modo a aferir do seu correto enquadramento para efeitos fiscais.

Como conclusão, verifica-se que:

Relativamente aos encargos suportados (juros e imposto de selo) com a operação de financiamento para aquisição da participação de cerca de 70% no capital da sociedade F..... em C.......... , não sã considera preenchido o critério da indispensabilidade dos custos, pelo que fica comprometida a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, em virtude de não se vislumbrar o interesse económico, ou a necessidade para a prossecução da atividade ou manutenção da fonte produtora da empresa, da operação que lhes está subjacente.

Os documentos de suporte a contabilização dos referidos encargos financeiros, não preenchem os requisitos formalmente exigidos, coadjuvado pelo facto de estarmos na presença de sociedades com relações especiais.

Estamos na presença de aquisições e operações de financiamento que ocorrem no "seio" do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtue as normais relações entre os contribuintes e B igualdade de tratamento.

No caso em apreço, por via das operações praticadas "intra grupo", verifica-se, que a empresa F..... Unipessoal contrai um financiamento, do qual suporta elevados encargos financeiros, para adquirir uma participação no capital da F..... Unipessoal, Por sua vez, a sociedade F..... C.......... suporta encargos financeiros do financiamento obtido para a construção do "Complexo Comercial", dedutíveis no apuramento do lucro tributável.

Esta situação consubstancia assim, uma duplicação de encargos, decorrente do enquadramento legal para efeitos de tributação em sede de IRC da sociedade F....., C.......... , em virtude de esta estar abrangida pelo regime de transparência fiscal, conforme anteriormente referido.

Assim, não obstante os custos serem efetivos, pois não se coloca em causa a veracidade da operação de aquisição e consequentes empréstimos, estando os mesmos contabilizados como tal, certo é que, não os considera a A.T. como comprovadamente indispensáveis e incorridos para obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, pelo anteriormente exposto, devendo o respectivo montante ser acrescido ao lucro tributável declarado.

3.1.3. -Correções ao lucro tributável

Face ao exposto, e na medida que estes gastos não concorrem para a formação do lucro tributável, à luz do n.º 1 do artigo 23º do CIRC, é corrigido o montante de 11.297.848,73€, correspondente aos encargos financeiros com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira.

A correção discriminada por conta e montante é a seguinte:


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3.1.4. - Correções ao reporte de prejuízos

Na sequência das correções efetuadas ao exercício de 2010, o sujeito passivo ficou sem qualquer valor a reportar de prejuízos para os anos seguintes. Nesta conformidade, é desconsiderado no apuramento da matéria coletável do ano em análise o montante de 261 815,57€, relativo à dedução de prejuízos fiscais.

3.2 - APURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL

Em resultado das correções efetuadas no montante de 11.297.848,73€, explanadas s fundamentadas no ponto anterior, o lucro tributável do sujeito passivo passou dum montante de 349.087,43€ para um lucro corrigido de 11.646.936,16€, conforme se descrimina no quadro seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”

CC. Na sequência da inspecção, a Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º 2016 8…, da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2016 0000….. e 2016 000…. e, bem assim, da demonstração de aceito de contas n.º 2016 000….., na qual se apurou o valor a pagar de € 3.746.317,22 (Documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
DD. Na referida demonstração de acerto de contas, foi anulado um estorno de liquidação relativo ao exercício de 2012, no montante de € 2.028.946,37, foi efectuado um acerto de liquidação relativo ao mesmo exercício, no montante de € 1.328.623,98, e foram incluídos juros compensatórios no montante de € 159.726,08 e € 229.020,79, tendo estes últimos como fundamento recebimento indevido do montante de € 2.028.946,37;
EE. Os referidos financiamentos foram garantidos com os lucros operacionais resultantes da exploração do Centro Comercial F..... (variável não controlada) e com o penhor da quota correspondente a 70% do capital social da F..... C.......... (variável controlada, mas sujeitas às flutuações do valor da participação, a qual se encontra directamente relacionada com as variações do valor de mercado do imóvel propriedade da F..... C.......... );
FF. O recurso a financiamento para realizar aquela operação foi decidido pelos investidores do fundo “CG Malls Europe” que entenderam que seria a decisão mais vantajosa e racional (depoimento da testemunha J......);
GG. Eram condições essenciais para a concessão do financiamento nas condições que foram acordadas que este estivesse o mais próximo possível do activo e da fonte de rendimento (libertação de cash-flow necessário ao cumprimento das obrigações financeiras), pelo que o mesmo teria de ser concretizado através das sociedades residentes em Portugal, ou seja, a Requerente ou a F..... C.......... (depoimento da testemunha J......);
HH. A F..... C.......... já tinha um financiamento garantido com hipoteca do sobredito imóvel de que é proprietária, pelo que apenas a Requerente se encontrava em condições de contrair tal financiamento, uma vez que podia prestar garantias adicionais, designadamente o penhor das acções da F..... C.......... e os lucros operacionais resultantes da exploração do Centro Comercial A.....(depoimento da testemunha J......);
II. A Requerente tinha interesse em concentrar a propriedade a gestão e a propriedade do F..... (depoimento da testemunha J......);
JJ. A compra foi efectuada em condições normais de mercado (depoimento da testemunha J......);
KK. Foi um bom negócio a aquisição da participação social em termos das rendas, que se mantiveram estabilizadas apesar da crise e depois recuperaram; foi desvalorizado o activo como da sequência da crise económica, mas, como não foi vendido essa desvalorização não se materializou (depoimento da testemunha J......);
LL. Foi realizada uma avaliação ao edifício A....., reportada à data de 15-09-2007, por uma entidade independente, no âmbito da qual lhe foi atribuído o valor de cerca de € 381.297.000,00 (carta da C..... & W..... junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 7, cujo teor se dá como reproduzido);
MM. Não houve duplicação de encargos financeiros pagos pela Requerente e pela J…, pois ao valor de aquisição da participação social foi deduzido o valor da dívida desta (depoimento da testemunha J......, valor referido na alínea anterior e valor dos financiamentos);
NN. Na sequência da solicitação à Requerente dos documentos de suporte dos juros suportados com os empréstimos e despesas associadas e os seus meios de pagamento, a Requerente apenas apresentou, relativamente ao exercício de 2012, os documentos que constam da página 26 do Relatório da Inspecção Tributária, que atrás se reproduziu;
OO. A Requerente pagou a quantia de € 3.746.317,22 correspondente ao IRC e juros compensatórios liquidados (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
PP.Em 26-01-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
***
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.
Nos pontos indicados foi relevante o depoimento da testemunha Jorge Figueiredo, consultor que acompanhou a operação de financiamento, que aparentou depor com isenção e mostrou ter profundo conhecimento dos factos dos autos.
Designadamente quanto aos custos suportados com os financiamentos, apesar da referência que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz a deficiência de documentação, são de considerar provados já que na página 41 do Relatório da Inspecção Tributária se aceita explicitamente que eles ocorreram, dizendo:
Assim não obstante os custos serem efetivos, pois não se coloca em causa a veracidade da operação de aquisição e consequentes empréstimos, estando os mesmos contabilizados como tal, certo é que, não os considera a A.T. como comprovadamente indispensáveis e incorridos para obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, pelo anteriormente exposto, devendo o respectivo montante ser acrescido ao lucro tributável declarado.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção a matéria tributável da Requerente por entender que não devem ser considerados, para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, os gastos correspondentes aos juros suportados pela Requerente com empréstimos contratados para adquirir 70% da J…, por, em suma, não poderem ser considerados indispensáveis para a realização de proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012.
Adicionalmente, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as despesas com os juros não estavam suficientemente documentadas.
3.1. Questão da indispensabilidade dos gastos
O artigo 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012, estabelecia o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 23.º
Gastos
1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
(...)
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
Esta temática da indispensabilidade dos custos, para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, te sido tratada em vários acórdãos arbitrais, como é o caso dos de 15-06-2012, proferido no processo n.º 29/2012-T ( [1] ) e de 02-12-2013, proferido no processo n.º 101/2013-T, em termos que aqui essencialmente se aceitam e a seguir se seguem de perto, adaptados à situação em apreço.
São indispensáveis para realização dos proveitos as despesas sem as quais a empresa não poderia exercer a sua actividade nem obter os proveitos ou ganhos que obteve.
Não afasta uma conclusão no sentido dessa indispensabilidade a eventualidade de a empresa poder prosseguir a sua actividade sem realizar determinadas despesas, mas apenas um juízo no sentido de as despesas em causa não terem potencialidade para influenciar positivamente a obtenção de proveitos.
Uma conclusão no sentido da dispensabilidade das despesas para a obtenção do lucro tributável terá de assentar numa demonstração de que mesmo que não tivessem sido efectuadas as despesas em causa poderiam ser obtidos os proveitos ou ganhos que foram efectivamente obtidos.
O que significa que só é de afastar uma conclusão no sentido da indispensabilidade das despesas para a obtenção dos proveitos ou ganhos se se puder afirmar que essas despesas não tinham potencialidade para os influenciarem positivamente.
Assim, não é necessário para atribuir relevância fiscal aos encargos financeiros, demonstrar que eles produziram efectivamente um resultado positivo.
Basta que sejam actos que possam ser aceites como actos de gestão, actos do tipo dos que uma empresa realize com o objectivo de incrementar os proventos e com tendencial potencialidade para propiciar tal incremento.
Na verdade, o conceito de indispensabilidade de custos que consta do artigo 23.º n.º 1, do CIRC, não exige uma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose. ( [2] ) É às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses.
Não há qualquer suporte legal para a Autoridade Tributária e Aduaneira afastar a dedutibilidade de gastos por considerar que as opções de natureza empresarial das empresas não correspondem aos actos de gestão que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera preferíveis.
Nesta matéria, o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, rejeitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» ( [3] ).
O contribuinte, no exercício da liberdade de iniciativa económica nos quadros definidos na Constituição e na Lei que lhe é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa [arts. 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)], tem, em princípio, o direito de definir com relevância fiscal as estratégias empresariais que julgue adequadas e de escolher os meios para atingir os resultados que almeja, desde que não esteja prevista qualquer limitação justificada pela necessidade de assegurar a concomitante realização de outros valores com consagração constitucional. Incluir-se-á no núcleo essencial de tal direito, a liberdade dos agentes económicos formularem e concretizarem as suas opções de gestão, quando estas não afectem qualquer dos interesses constitucionais que se pretendem assegurar. Sendo certo que as exigências da tributação, necessária para assegurar o funcionamento geral do Estado, podem justificar limitações aos custos relevantes para efeitos fiscais, estas têm de decorrer da Constituição ou da Lei, como impõem aquelas normas constitucionais.
A esta luz, sendo a regra a liberdade de iniciativa económica e devendo a tributação das empresas incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP), a norma do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 2012, ao limitar a relevância dos gastos aos «que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» tem de ser entendida como permitindo a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que sejam potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto proporcionaram.
Assim, é errado entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar a correcção em causa, ao entender que o requisito da indispensabilidade «deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa». Na verdade, o risco é um elemento inerente à actividade empresarial, sendo a realização de investimentos normalmente efectuada com base em meras expectativas de obtenção de rendimentos futuros, cuja concretização depende de múltiplos factores, que, num mundo globalizado, apenas em pequena parte podem ser controlados por uma empresa isoladamente e, por isso, não pode antever com exactidão o que se vem a revelar inútil ou evitável para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora.
No caso em apreço, como foi explicado pela testemunha Jorge Figueiredo, houve razões económicas que justificaram, em 2007, a aquisição pela Requerente de 70% do capital da F..... C.......... , decidida pelos investidores do fundo CG Malls Europe.
A Requerente estava em condições para obter os financiamentos em condições favoráveis e os seus gestores do referido fundo entendiam que interessava concentrar a propriedade e a gestão do F...... Com a compra, efectuada em condições normais de mercado, a Requerente passou a beneficiar das rendas e poderia vir auferir mais-valias provenientes da valorização do imóvel.
Trata-se se um acto de gestão normal contrair um empréstimo para auferir de rendimentos e possíveis mais-valias e claramente inserido no objecto social da Requerente que é «a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como A..... bem como o arrendamento, exploração e gestão do A....., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade» (Certidão Permanente que consta da parte II do processo administrativo).
Aliás, no caso em apreço, como referiu a testemunha J...... , a aquisição até se veio a revelar como um bom negócio, apesar da crise económica que afectou o sector imobiliário a partir de 2008 (que não era previsível em 2007), pois as rendas mantiveram-se estabilizadas apesar da crise e depois recuperaram e não ocorreram menos-valias derivadas de desvalorização do imóvel, pois ele não foi vendido.
Por isso, tem de se concluir, como já se concluiu no processo arbitral n.º 614/2015-T, que os financiamentos referidos foram contraídos no interesse da Requerente, pelo que se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012 imputáveis à aquisição de 70% do capital social da F..... C.......... , existindo nexo entre esses encargos e a prossecução da actividade económica da própria Requerente, inclusivamente com potencialidade para gerar incrementos patrimoniais na esfera jurídica desta, que não seriam gerados sem a aquisição da participação social em causa.
Por outro lado, a prova produzida mostra que não houve a «duplicação dos encargos relativos a juros» que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como suporte da correcção efectuada.
Na verdade, os juros suportados pela F..... C.......... com o financiamento destinado à aquisição do imóvel (com utilização de um empréstimo de 135.175 milhões de euros), que são imputados à Requerente por via da imputação da matéria colectável daquela nos termos do regime de transparência fiscal, são distintos dos juros suportados pela Requerente com a aquisição da participação social, pois no preço desta foi considerado o passivo daquela sociedade, como se vê pelo valor da avaliação efectuada por uma entidade independente (€ 381.297.000,00, como se vê pelo documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, tendo a Requerente adquirido 70% desse valor, isto é, € 266.907.900) e o valor dos financiamentos obtidos pela Requerente (cerca de € 175.200.000).
No que concerne à «insuficiência do preenchimento dos requisitos formais pelo facto de não serem conhecidos, à data, os documentos emitidos pelos beneficiários dos rendimentos» que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório da Inspecção Tributária, deixa de ter relevância quando refere «os custos serem efetivos, pois não se coloca em causa a veracidade da operação de aquisição e consequentes empréstimos, estando os mesmos contabilizados como tal» (página 41 do Relatório da Inspecção Tributária).
Na verdade, em 2012, o artigo 23.º do CIRC não fazia as exigências formais que vieram a ser introduzidas no seu n.º 4, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que os gastos podiam ser provados por qualquer meio de prova, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-09-2015, proferido no processo n.º 028/15.
Sendo assim, o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter considerado provado que os gastos foram suportados, obsta a que se dê relevância a qualquer insuficiência formal para efeito de dedutibilidade dos encargos em causa. De resto, no presente processo, foram apresentados, no âmbito dos documentos n.ºs 8 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, inúmeros documentos comprovativos dos gastos suportados, cuja falsidade ou irrelevância não foi questionada na Resposta ( [4] ), no mínimo teria de se ficar na dúvida sobre a realização das despesas referidas, dúvida essa que teria de ser valorada processualmente a favor da Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Por outro lado, a circunstância de a obtenção dos empréstimos se inserir na estratégia empresarial de entidades relacionadas e poder ter em vista a obtenção de vantagens fiscais não afecta o juízo sobre a dedutibilidade dos encargos à face do artigo 23.º, n. 1, do CIRC, sendo certo que o eventual planeamento fiscal não foi censurado no procedimento tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira por qualquer das vias procedimentalmente adequadas, designadamente demonstração de violação de regras sobre preços de transferência ou de verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso.
Conclui-se, assim, que nenhum dos fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, justifica que não se considerem dedutíveis os gastos derivados dos referidos financiamentos.
Assim, a correcção efectuada ao abrigo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e as liquidações de IRC e juros compensatórios com base nela efectuada, enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justificam a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
4. Reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente pagou a quantia liquidada e pede o seu reembolso, com juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, o praticou sem suporte legal.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de IRC n.º 2016 83……. e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016 00……, na qual se apura o valor global de imposto e respetivos juros compensatórios;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 3.746.317,22, acrescida de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data em que for efectuado o reembolso.”

***

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no processo nº 680/2016T, que julgou procedente a impugnação arbitral deduzida contra o ato de liquidação nº 2016 83……, e respetiva demonstração de acerto de contas nº 2016 000……, respeitante ao IRC do exercício de 2012, no valor de Euros 3.746.317,22.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, competindo, assim, aferir se o Tribunal Arbitral Coletivo incorreu em omissão de pronúncia:

Ø Por não ter determinado as consequências da procedência da ação na liquidação, concretamente, por não constar na parte dispositiva do Acórdão a anulação do ato de liquidação.

Ø Por não se ter pronunciado sobre questão inerente à existência de um grupo de entidades relacionadas e da sua relevância na determinação do interesse próprio da Impugnada na realização da despesa e inerente indispensabilidade para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora.

Ø Por não emitir pronúncia específica quanto à questão da repartição do ónus probatório das partes e da fundada dúvida.

Apreciando.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .

Ora, subsumindo-se a arguida nulidade, no citado normativo, concretamente, na alínea c), vejamos, então, se a mesma procede.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS(1) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Vejamos, então, se assiste razão à Impugnante.

A Impugnante defende que a decisão arbitral ora impugnada ao ter deliberado “Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de IRC n° 2016 83…… e respectiva demonstração de acerto de contas n° 2016 00….., no qual se apura o valor global de imposto e respectivos juros compensatórios”, cometeu omissão de pronúncia por não ter determinado as consequências de tal procedência quanto à sua repercussão na liquidação que foi objecto de apreciação pelo Tribunal Arbitral, designadamente, por não constar da parte dispositiva do Acórdão a anulação, ou não, da referida liquidação.

Dissente a Impugnada alegando que no que respeita à alegada omissão de identificação da cominação legal na sequência do deferimento da pretensão da Impugnada, a mesma não se verifica, porquanto a decisão remete para a procedência do pedido efetuado pela Impugnada, cuja consequência não pode ser outra que não a anulação do ato tributário. Mais sustenta que, em todo o caso, sempre a declaração de ilegalidade da liquidação implica, per se, que a mesma deixe de existir na ordem jurídica.

Apreciando.

Comecemos por atentar no pedido constante na petição inicial.

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente formulou o seguinte pedido:

“Deverá o presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral ser julgado totalmente procedente e, em consequência:

(i) Seja anulada a correção à matéria coletável de IRC de 2012, no montante de EUR 11.297.848,73 com o fundamento de que tal correção incorre em vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, traduzido na errónea aplicação do artigo 23.º do CIRC;

(ii) Seja anulada a liquidação de IRC nº 2016 8310… e respetiva demonstração de acerto de contas nº 2016 00…., na qual se apura o valor global de imposto e respetivos juros compensatórios de €3.746.317,22, referente ao exercício fiscal de 2012, com fundamento de que a mesma padece de vício de violação de lei , procedendo-se ao reembolso das quantias entretanto indevidamente pagas acrescidas de juros indemnizatórios vincendos e vencidos, calculados à taxa máxima legal, até efetivo e integral pagamento, tudo com as demais consequências legais.”

Vejamos, ora, qual o conteúdo do dispositivo da decisão arbitral, ora, objeto de impugnação:

“Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral de IRC n.º 2016 831…… e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016 00……, na qual se apura o valor global de imposto e respetivos juros compensatórios;

b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente da quantia de € 3.746.317,22, acrescida de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à data em que for efectuado o reembolso.”

Com efeito, compulsado o teor do dispositivo da decisão arbitral constata-se que a mesma julga procedente o pedido de pronúncia arbitral com expressa referência ao ato de liquidação impugnado e com identificação do seu valor global, com condenação expressa no reembolso da quantia indevidamente paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, ora, como é bom de ver, contrariamente ao defendido pela Impugnante inexiste qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

É certo que não existe qualquer menção expressa à anulação do ato de liquidação impugnado conforme demanda a melhor técnica jurídica, de todo o modo, tendo a Impugnada peticionado a procedência do pedido de pronúncia arbitral por vício de violação de lei, requerendo, em consequência, a anulação do ato de liquidação e respetiva demonstração de acerto de contas e como corolário sequente o reembolso da quantia indevidamente paga, a verdade é que ao ter sido julgado integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral por verificação do aludido vício legal nele está contemplado, necessariamente, a cominação inerente, ou seja, a anulação do ato tributário ilegal.

Ademais, se no dispositivo da decisão arbitral consta expressamente a condenação ao reembolso da quantia paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, e se esta cominação mais não representa que um ato consequente decorrente da anulação do ato tributário por ocorrência de vício legal substantivo, outra conclusão não se pode retirar que não a de que o Tribunal Arbitral coletivo decretou a sua anulação.

Acresce, que o próprio artigo 100.º da LGT, sob a epígrafe de “efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo” estatui que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Ou seja, do teor literal do citado normativo resulta uma imposição clara à Administração Tributária de reconstituir a situação que hipoteticamente existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal, sendo de relevar, neste particular, que não se trata tão-só de apartar o ato viciado da ordem jurídica, havendo, outrossim e por consequência direta de invalidar os efeitos que tal ato teve, ou seja, considerar nulos todos os atos subjacentes que lhe deram execução(2).

Ora, face a todo o exposto, e tendo em consideração que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida não teve qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras, dimana inequívoco que, in casu, pelos motivos explanados não se verifica a arguida nulidade.

Mas continuemos a apreciação do vício de omissão de pronúncia o qual, como vimos, foi aduzido numa tripla perspetiva.

A Impugnante sustenta que o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre questão que devia ter conhecido, como seja, a da existência de um grupo de entidades relacionadas e da sua relevância na determinação do interesse próprio da Impugnada na realização da despesa e sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

Concretiza, neste particular, que invocou no ponto VIII a XI das contra-alegações que a alocação da participação financeira à Impugnada e a concomitante contração dos financiamentos necessários para a sua aquisição, não se inscreverem em qualquer interesse próprio da requerente, mas antes, no interesse de terceiros, uma vez que, as motivações económicas e financeiras que influenciaram a decisão não se ativeram, em primeira linha, ao interesse da atividade prosseguida em Portugal.

Defende, assim, que a vertente da indispensabilidade do custo, e concreta subsunção normativa no artigo 23° do CIRC, foi colocada segundo uma perspetiva da existência de uma unidade de intenção e concomitante ação desse grupo económico, a qual não apreciada pelo Tribunal Arbitral.

Dissente a Impugnada contra-alegando, para o efeito, que o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre a aludida questão, relevando que a mesma não era pertinente para averiguar da indispensabilidade dos gastos em causa.

Mais sustenta que a admitir-se que a manutenção da correção da matéria coletável corrigida com referência ao exercício de 2012 com fundamento na alegada existência de um grupo ou de uma unidade de intenção, tal constituiria fundamentação a posteriori o que é manifestamente ilegal e rejeitada pelos Tribunais Superiores.

Apreciando.

Como visto, a Impugnante aduz que convocou a existência de um grupo empresarial e que alocou a indispensabilidade do gasto ao escopo empresarial de terceiros, convocando, para o efeito, as alegações produzidas no processo arbitral, mormente, nos pontos VIII a XI. De facto, atentando nas aludidas alegações verifica-se que a Impugnante, convocou, efetivamente, que a decisão foi tomada dentro de uma estratégia de grupo não consistindo numa decisão individualmente tomada, sublinhando, outrossim, que a Impugnada não conseguiu demonstrar de forma credível qual foi o interesse próprio na aquisição da aludida participação social.

Porém, se é certo que a Impugnante convocou a aludida realidade igualmente certo é que o Tribunal Arbitral Coletivo analisou a questão inerente à estratégia empresarial e suas implicações, ainda que não lhe tenha atribuído o relevo por si almejado.

Mas atentemos, então, com o devido pormenor.

Cotejando o teor da decisão arbitral coletiva verifica-se que a mesma analisa de forma clara e inequívoca a obtenção dos empréstimos e sua inserção na estratégia empresarial de grupo, bastando, para o efeito, atentar no excerto que infra se transcreve:

“[a] circunstância de a obtenção dos empréstimos se inserir na estratégia empresarial de entidades relacionadas e poder ter em vista a obtenção de vantagens fiscais não afecta o juízo sobre a dedutibilidade dos encargos à face do artigo 23.º, n. 1, do CIRC, sendo certo que o eventual planeamento fiscal não foi censurado no procedimento tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira por qualquer das vias procedimentalmente adequadas, designadamente demonstração de violação de regras sobre preços de transferência ou de verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso.”

Ora, atentando na aludida transcrição dimana inequívoco que o Tribunal Arbitral, contrariamente ao alegado pela Impugnante, analisou a existência de um grupo de entidades relacionadas e da sua relevância na determinação do interesse próprio da Impugnada na realização da despesa e sua indispensabilidade para a realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

Com efeito, o Tribunal Arbitral coletivo chamou à colação a efetivação dos gastos à luz da estratégia empresarial referindo, de forma expressa e independentemente da bondade da posição, que em nada releva tal circunstância para efeitos de subsunção normativa no artigo 23.º do CIRC, vindo, inclusive, enfatizar que o, eventual, planeamento fiscal nunca havia sido objeto de qualquer censura no procedimento tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira por qualquer das vias procedimentalmente adequadas, designadamente demonstração de violação de regras sobre preços de transferência ou de verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral anti abuso.

É certo que o Tribunal Arbitral Coletivo não o relevou da forma pretendida pela Impugnante, porém tal situação não radica, de todo, em omissão de pronúncia.

Aqui chegados, subsiste apenas por analisar a omissão de pronúncia relacionada com a alegada falta de pronúncia sobre a repartição do ónus da prova e de saber a quem competia provar a indispensabilidade do custo com a inerente análise da fundada dúvida probatória convocada pela Administração Tributária no relatório inspetivo.

A Impugnante concretiza que tal questão se encontrava devidamente individualizada e concretizada no ponto XXXIV) das suas contra-alegações e não foi objeto de pronúncia, nem tão-pouco se encontrava prejudicada face à solução do litígio.

Dissente a Impugnada, alegando que o Tribunal Arbitral se pronunciou sobre a fundada dúvida sobre a indispensabilidade dos gastos em causa, entendendo que a Impugnada conseguiu demonstrar que efetivamente os gastos em causa para além de relacionados com o seu escopo societário - obtenção de lucro -, também foram indispensáveis, nos termos do n,° 1 do artigo 23.° do Código do IRC, para a obtenção de rendimentos passíveis de tributação em sede de IRC.

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o excerto que a Impugnante faz alusão para fundamentar a sua pretensão, concretamente, o ponto XXXIV, o qual apresenta o seguinte teor:

“[f]icou bem patente no processo que a AT apresentou uma fundada dúvida quanto à indispensabilidade do custo e a requerente face a esta fundada dúvida da AT não conseguiu demonstrar a indispensabilidade do custo e impendia sobre a mesma o ónus da prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (…)”

A Impugnante, como visto, convoca omissão de pronúncia por não ter sido analisada a questão da repartição do ónus da prova, mormente, em sede de indispensabilidade do custo, não aflorando, nessa medida, a fundada dúvida que, alegadamente, a Administração Tributária teria levantado em sede de relatório inspetivo.

Porém, mais uma vez não lhe assiste razão.

Mas vejamos com o pormenor que se impõe o afloramento da questão, alegadamente, omitida pelo Tribunal Arbitral Coletivo, transcrevendo os excertos que se reputam relevantes para o efeito:

“é errado entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar a correcção em causa, ao entender que o requisito da indispensabilidade «deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora da empresa». Na verdade, o risco é um elemento inerente à actividade empresarial, sendo a realização de investimentos normalmente efectuada com base em meras expectativas de obtenção de rendimentos futuros, cuja concretização depende de múltiplos factores, que, num mundo globalizado, apenas em pequena parte podem ser controlados por uma empresa isoladamente e, por isso, não pode antever com exactidão o que se vem a revelar inútil ou evitável para a realização de proveitos ou manutenção da fonte produtora.

No caso em apreço, como foi explicado pela testemunha J...... , houve razões económicas que justificaram, em 2007, a aquisição pela Requerente de 70% do capital da F..... C.......... , decidida pelos investidores do fundo CG Malls Europe.

A Requerente estava em condições para obter os financiamentos em condições favoráveis e os seus gestores do referido fundo entendiam que interessava concentrar a propriedade e a gestão do F..... . Com a compra, efectuada em condições normais de mercado, a Requerente passou a beneficiar das rendas e poderia vir auferir mais-valias provenientes da valorização do imóvel.

Trata-se se um acto de gestão normal contrair um empréstimo para auferir de rendimentos e possíveis mais-valias e claramente inserido no objecto social da Requerente que é «a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como A....., bem como o arrendamento, exploração e gestão do A....., bem como quaisquer outros atos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade» (Certidão Permanente que consta da parte II do processo administrativo).

Aliás, no caso em apreço, como referiu a testemunha Jorge Figuieredo, a aquisição até se veio a revelar como um bom negócio, apesar da crise económica que afectou o sector imobiliário a partir de 2008 (que não era previsível em 2007), pois as rendas mantiveram-se estabilizadas apesar da crise e depois recuperaram e não ocorreram menos-valias derivadas de desvalorização do imóvel, pois ele não foi vendido.

Por isso, tem de se concluir, como já se concluiu no processo arbitral n.º 614/2015-T, que os financiamentos referidos foram contraídos no interesse da Requerente, pelo que se verifica o requisito da indispensabilidade exigido pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para a dedutibilidade dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012 imputáveis à aquisição de 70% do capital social da F..... C.......... , existindo nexo entre esses encargos e a prossecução da actividade económica da própria Requerente, inclusivamente com potencialidade para gerar incrementos patrimoniais na esfera jurídica desta, que não seriam gerados sem a aquisição da participação social em causa.

Por outro lado, a prova produzida mostra que não houve a «duplicação dos encargos relativos a juros» que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como suporte da correcção efectuada.

Na verdade, os juros suportados pela F..... C.......... com o financiamento destinado à aquisição do imóvel (com utilização de um empréstimo de 135.175 milhões de euros), que são imputados à Requerente por via da imputação da matéria colectável daquela nos termos do regime de transparência fiscal, são distintos dos juros suportados pela Requerente com a aquisição da participação social, pois no preço desta foi considerado o passivo daquela sociedade, como se vê pelo valor da avaliação efectuada por uma entidade independente (€ 381.297.000,00, como se vê pelo documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, tendo a Requerente adquirido 70% desse valor, isto é, € 266.907.900) e o valor dos financiamentos obtidos pela Requerente (cerca de € 175.200.000).

No que concerne à «insuficiência do preenchimento dos requisitos formais pelo facto de não serem conhecidos, à data, os documentos emitidos pelos beneficiários dos rendimentos» que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere no Relatório da Inspecção Tributária, deixa de ter relevância quando refere «os custos serem efetivos, pois não se coloca em causa a veracidade da operação de aquisição e consequentes empréstimos, estando os mesmos contabilizados como tal» (página 41 do Relatório da Inspecção Tributária).

Na verdade, em 2012, o artigo 23.º do CIRC não fazia as exigências formais que vieram a ser introduzidas no seu n.º 4, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, pelo que os gastos podiam ser provados por qualquer meio de prova, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 09-09-2015, proferido no processo n.º 028/15.

Sendo assim, o facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira ter considerado provado que os gastos foram suportados, obsta a que se dê relevância a qualquer insuficiência formal para efeito de dedutibilidade dos encargos em causa. De resto, no presente processo, foram apresentados, no âmbito dos documentos n.ºs 8 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, inúmeros documentos comprovativos dos gastos suportados, cuja falsidade ou irrelevância não foi questionada na Resposta ( [4] ), no mínimo teria de se ficar na dúvida sobre a realização das despesas referidas, dúvida essa que teria de ser valorada processualmente a favor da Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.”

Ora, atentando na decisão recorrida verifica-se que o Tribunal Arbitral colegial relativamente à indispensabilidade dos gastos, no item 3.1., começa por convocar o preceito legal relevante, ou seja, o artigo 23.º do CIRC, traçando depois o conceito de indispensabilidade que reputa pertinente para o efeito, concretizando, nessa medida que “não é necessário para atribuir relevância fiscal aos encargos financeiros, demonstrar que eles produziram efectivamente um resultado positivo”, densificando, ulteriormente, que não é exigível “[u]ma ligação causal entre custos e proveitos, bastando que as despesas tenham uma relação com o objecto da empresa, sejam incorridas no âmbito da sua actividade ou evidenciem um business purpose (…) É às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses.”, concluindo, neste âmbito, que “o controle da Administração Tributária tem de ser um controle pela negativa, rejeitando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos”.

Após traçar o enquadramento jurídico com a correspondente densificação dos conceitos de direito, faz a devida transposição do direito ao acervo fático dos autos, com a abordagem concreta da prova realizada nos autos, na sua dupla vertente, ou seja, prova testemunhal e prova documental, e conclui pela dedutibilidade fiscal dos gastos em causa, subsumindo-os no artigo 23.º do CIRC, pelo que, como é bom de ver não existe qualquer omissão de pronúncia em termos de análise do ónus probatório e da concreta fundada dúvida.

Ora, face ao exposto dúvidas não subsistem de que inexiste a alegada omissão de pronúncia, pois o Tribunal Arbitral Coletivo analisou a questão da prova com a devida densificação dos correspondentes meios probatórios, é certo que em termos de indispensabilidade não aborda, de forma expressa e taxativa, a questão relacionada com a fundada dúvida, mas a verdade é que não o fez, independentemente da bondade da sua posição, atenta a solução que adotou, ou seja, porque entendeu que a Impugnada logrou provar, na sua opinião, de forma inequívoca a indispensabilidade dos gastos para a realização dos proveitos e para a manutenção da fonte produtora. Note-se que inexiste omissão de pronúncia quando a apreciação de uma questão resulte prejudicada face à solução conferida ao litígio.

Em face de todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos dimana evidente que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão arbitral sub judice, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da Impugnante(3).

Aqui chegados subsiste apenas por analisar a questão da dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça, relevando, desde já, que a decisão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça somente tem aplicação no âmbito da presente instância de impugnação da decisão arbitral junto deste T.C.A.Sul, que não na instância arbitral(4)

Apreciando.

No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns – encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, assim, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO.

Condena-se a Impugnante em custas, com dispensa, na presente instância de impugnação de decisão arbitral, de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 17 de outubro de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Anabela Russo)



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(1) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143
(2)Vide neste âmbito, José Maria Fernandes Pires e outros-Lei Geral Tributária, anotada e comentada:Almedina, 2015, p.1002.
(3) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07 de novembro de 2012 e bem assim Aresto do mesmo Tribunal proferido no processo nº 829/12.7 BELRA.
(4) Vide Acórdãos do TCA Sul, proferidos nos processos 9420/16 e 31/17, de 29 de junho de 2016 e 22 de março de 2018, respetivamente.