Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2058/11.8BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/13/2019 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | REVERSÃO DA EXECUÇÃO; ÓNUS DA PROVA DA GERÊNCIA EFECTIVA. |
Sumário: | 1. Não existe presunção legal que imponha que, verificada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. 2. Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acórdão I- Relatório I..........., melhor identificada nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiária da executada “M....... & I........... Lda.”, deduzir oposição à execução fiscal n.º 3107200401083…., movida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívida proveniente IVA no montante total de € 17.458,05. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 128 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 28 de Junho de 2017, julgou procedente a oposição. Nas alegações de fls. 148 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), a recorrente, FAZENDA PÚBLICA, formulou as conclusões seguintes: «A. In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 23.º, 24.º, n.º 1, al. a) e b) e art. 74.º ambos da LGT; art. 153.º e al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; arts. 342.º, 344.º, 349.º e 350.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT, assim como B. Deveria ter considerado e valorizado o teor da douta petição inicial aduzida pelo Oponente, mormente o vertido no seu item 6.º, o acervo probatório documental constante de fls. 15, o documento de fls. 27, o documento de fls. 88 e 89 devidamente condimentados com o Princípio da Legalidade, conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que, C. se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela legitimidade da Oponente para figurar enquanto executada, por reversão, nos processos de execução fiscal n.os 31072000401083… (e apensos) cuja dívida exequenda se cifra em EUR 17.458,05 proveniente de IVA (2002 a 2007), tal como infra melhor se explanará. D. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante o acervo probatório documental constante dos autos, a matéria de facto dada como assente, conjugadamente com a factualidade que não foi considerada provada devidamente integrada com os demais elementos constantes dos autos, E. mormente do acervo probatório documental (entre outra, o vertido no item 6.º do douto petitório da Oponente, no qual consta uma confissão expressa do mesmo, a qual, não foi considerada, e por conseguinte, nem tão pouco valorizada pelo respeitoso areópago a quo, tal como sucedeu relativamente aos documentos de fls. 15, fls. 27 e fls. 88 a 90 dos autos) não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão sindicada, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ao caso vertente. F. Outrossim, o sobredito “erro de julgamento” (consubstanciado na errada valoração e consideração do acervo probatório constante dos autos) foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso vertente. G. PELA SUA PERTINÊNCIA, RELEVANTE FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO, atinente à vexata quaestio do caso vertente, dá-se aqui como integralmente vertido, por economia e celeridade processual, todo o escopo do plasmado no douto PARECER do DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (vide fls. dos autos e fls. 2 do douto aresto a quo). PARECER aquele, que inclitamente, se pronunciou pela IMPROCEDÊNCIA da Oposição sub judice. H. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova documental produzida, a qual, faz parte integrante dos presentes autos, fazendo, por isso, uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos, mormente das normas legais supra vazadas ao corpo factual do caso em apreço. I. Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado nos itens 18.º ao 54.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante. J. Consequentemente, são manifestamente insuficientes os factos apurados nos autos para conduzirem à prova necessária que conduza à ilegitimidade da Oponente. K. Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o areópago a quo, preconizou erro de julgamento. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais. X A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações. X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos parecer no sentido da improcedência do recurso. X II- Fundamentação.Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. X 2.1.De Facto. A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes: «1. Os autos de execução n.º 3107200401083…, instaurado em 19/12/2004, contra a Sociedade M....... & I........... Lda., por dívidas de IVA de 2002 no montante de € 2.494,00 – cfr. consta de cópia do respetivo PEF aqui em anexo. 2. A estes autos foram apensos os processos que infra se discriminam, ficando a dívida a valer por € 17.956.80:
Tudo conforme consta doa cópia do respetivo PEF aqui em anexo 3. No âmbito do processo executivo supra identificado foi proferido pelo Chefe do respetivo Serviço de Finanças, em 13/09/2011, o despacho que a seguir parcialmente se transcreve: “Texto Integral” Tudo conforme consta da cópia do PEF aqui em anexo. 4. Na mesma data (13/09/2011) foi endereçada à aqui Oponente carta registada e aviso de recção que foi assinado em 19/09/2011, dando-lhe conta de que contra si havia sido revertida a divida a que nos vimos referindo cuja execução havia sido instaurada em nome da sociedade identificada em 1., deste probatório – cfr. consta da cópia do PEF, em anexo. 5. A presente oposição foi deduzida em 29/09/2011 – cfr. fls. 7 dos autos. 6. A sociedade “M....... & I........... Lda.,” foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (Cod Aces. 3421-…..-8572) a que corresponde a matrícula anterior 25…/1993-04-13 – cfr. consta do PEF aqui em anexo 7. Na certidão que antecede refere-se que sociedade devedora originária supra identificada teve por objecto o comércio por grosso de produtos hortícolas – CAE 46382-R3, cancelada em 15/12/2008 (Insc.3). Factos não provados Dos autos não resulta provada a data em que o que a sociedade devedora originária cessou actividade. Também não resulta provado que a Oponente tenha exercido as funções administração ou gestão da sociedade devedora originária e/ou que tenha tido culpa na frustração do património da mesma para fazer face aos créditos tributários. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. «» No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental constante dos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra.Quanto aos factos não provados resultam da falta de elementos que comprovem material e objetivamente quer o exercício ou, não exercício de actividade da sociedade devedora originária e bem assim do exercício (ou não) de funções de gerente da aqui Oponente.» X Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:8. A sociedade devedora originária foi constituída em 13.04.1993 – fls. 88/89. 9. Eram sócios gerentes da sociedade M......... e I........... - fls. 88/89. 10. A sociedade devedora originária obrigava-se mediante a assinatura de um gerente - fls. 88/89. 11. Por inscrição de 15/12/2008, foi averbada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade originária devedora - fls. 88/89. 12. Em 31.05.2001, a sociedade cedeu o espaço designado por A8 113, local onde exercia a actividade de comércio por grosso de produtos hortícolas à sociedade L...... & B......, C........, Lda., o que foi formalizado através de contrato de 02.12.2012 – fls. 53/55.2.2. De Direito 2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida a fls. 128 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 28 de Junho de 2017, que julgou procedente a oposição deduzida por I..........., a qual, na qualidade de responsável subsidiária da executada “M....... & I........... Lda.”, contesta a execução fiscal n.º 3107200401083…, movida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, tendo por objecto a cobrança coerciva de dívida proveniente IVA no montante total de € 17.458,05. 2.2.2. Para julgar procedente a oposição, a sentença considerou, em síntese, que: «“In casu”, conforme decorre do probatório (factos não provados) dos autos não resulta provado quaisquer factos constitutivos da responsabilidade da Oponente pela divida exequenda e bem assim que a mesma tenha exercido as funções administração ou gestão da sociedade devedora originária nos anos a que respeitam os tributos e/ou que tenha tido culpa na frustração do património da sociedade para fazer face aos créditos tributários. A Oponente invoca que não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora e que não se mostra factualmente contrariado. A Fazenda Pública se pretendia efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a sociedade devedora originária devia, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. Na verdade a Oponente é identificada no projeto de reversão, mas nada se refere quanto à sua responsabilidade na condução efetiva dos destinos da mesma. Por outro lado, a Fazenda Pública não invoca qualquer facto que seja suscetível de assentar a sua culpa. Sendo de notar que o despacho de reversão é também omisso quanto a estes elementos. Donde se conclui pela impossibilidade de determinação objetiva da existência de qualquer nexo de causalidade entre a atuação, muito menos culposa, da Oponente e a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária e por conseguinte pela falta dos pressupostos legais de que depende a reversão». 2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Alega para tanto que a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto. Vejamos. Compulsadas as alegações de recurso, para além da matéria aditada oficiosamente, e analisados os documentos invocados, não existe outra que cumpra considerar. De onde se extrai que não existe nos autos prova da prática de actos concretos em nome da sociedade por parte da oponente no período relevante (dívidas de IVA de 2002 a 2006). A recorrente não logra, pois, impugnar de forma eficaz a referida matéria. A invocação de que o outro gerente sofreu um acidente vascular cerebral em 1998 e de que a sociedade se obrigava com a assinatura de um gerente não é só por si suficiente para assegurar o cumprimento do ónus da prova da gerência de facto da revertida no período relevante. Com as mesmas partes, a mesma sociedade devedora originária, mas tendo por objecto a oposição deduzida pela recorrida contra a reversão por dívidas de IRC, dos anos de 2002 a 2006, este TCAS teve ocasião de proferir o Acórdão, em 08.02.2018, P. 6771/13[1] (2057/11.0BELRS), a qual ora se reitera (artigo 8.º/3, do CC). «No âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente. A este propósito de referir que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT , é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência de gestão de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)»[2]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados»[3]. «Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. // A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. // Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. // Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal»[4]. No caso em exame, está em causa a reversão da execução contra a oponente por dívidas de IRC de 2002 a 2006. É certo que a recorrente foi um dos sócios da sociedade devedora originária, desde a sua constituição; no entanto, a mencionada sociedade obrigava-se com a assinatura de um gerente[5]; dos autos não resulta a existência de actos de gestão efectiva da sociedade imputados à recorrente. Como se sabe, «compete à AT invoca como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período que a lei releva para a constituição da responsabilidade subsidiária. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito»[6]. Do exposto resulta que os autos não comprovam o exercício da gerência efectiva por parte da oponente, no período em que as dívidas em causa foram postas a pagamento. O ónus da prova da gerência efectiva corre por conta do exequente, ou seja, a Fazenda Pública, donde resulta, à míngua de elementos que corporizem o preenchimento do pressuposto em apreço, o soçobrar da pretensão executiva em liça. Pelo que a oposição deve ser julgada procedente com base na falta de demonstração da gerência efectiva por parte da oponente. O que implica a extinção da execução quanto à oponente». Aplicando o raciocínio explanado ao caso vertente, é de referir que o ónus da prova da gerência efectiva não se mostra comprovado nos autos. Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1º. Adjunto) (2º. Adjunto) ------------------------------------------- [1] Com mesmo relator. [2] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54. [3] Acórdão do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10. [4] Acórdão do Pleno da Secção Tributária do STA, de 28.02.2007, P. 01132/06 [5] N.º 10 do probatório. [6] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 56. |