Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:448/13.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
OBSCURIDADE
AMBIGUIDADE
Sumário:I. É nula a sentença quando o destinatário da mesma ficar sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu ou quis decidir.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *

Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 05.04.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi ordenada a convolação do requerimento de reclamação graciosa em requerimento de revisão do ato tributário na impugnação apresentada por R………….. – Empreendimentos I………….., Lda. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e da dos respetivos juros compensatórios, atinentes ao exercício de 2006.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“i. Em causa nos presentes autos está a impugnação judicial contra a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico, referente à Reclamação Graciosa apresentada quanto à liquidação adicional IRC n.º ………………..657, do exercício de 2006.

ii. Para julgar a impugnação procedente, determinou a douta sentença, a convolação do requerimento reclamação graciosa em requerimento de revisão do ato tributário, pois entende que “ pese embora, a Impugnante tenha denominado requerimento de “reclamação graciosa”, analisados os argumentos expendidos naquele instrumento é possível concluir que a pretensão da mesma era requerer a revisão do ato tributário, suscitando o erro imputável aos serviços da Camara Municipal de S..............”

iii. Ora entende a recorrente que, precisamente neste ponto, do qual se recorre, não se decidiu, sem quebra do merecido respeito, de forma acertada, como se tentará demonstrar.

iv. Em nosso entendimento a sentença recorrida fez errado julgamento, neste ponto, e em consequência, errou na aplicação do direito, ao concluir pela convolação da Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico.

v. Não há, salvo devido respeito por opinião diversa, fundamento para a convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão oficiosa do ato tributário,

vi. A convolação justifica-se por razões de economia processual, pelo que só deve ser efetuada quando tiver alguma utilidade. Não deve operar-se, sob pena da prática de atos inúteis, proibida por lei, a convolação.

vii. O valor patrimonial tributário, não pode voltar a ser apreciado no procedimento administrativo de liquidação, uma vez que após a notificação da 2.ª avaliação não foi oportunamente impugnado tornando-se definitivo, consolidou-se na ordem jurídica com força de caso decidido ou caso resolvido.

viii. Os meios administrativos foram esgotados para avaliar a pretensão do impugnante, vem agora o Tribunal “a quo” permitir abrir mais uma via administrativa para avaliar uma questão sobre a qual, o próprio tribunal “ a quo” entendeu já haver caducado o direito de ação.

ix. Nem a douta sentença fundamenta o que a levar a concluir que essa fosse a pretensão do contribuinte.

x. Nem do teor da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico apresentado se depreende que a pretensão da Impugnante fosse apresentar um pedido de revisão oficiosa.

xi. Esta questão não foi suscitada pela Impugnante nem pela recorrente.

xii. Para além do que, a douta sentença não esclarece qual o ato tributário que, a seu ver, poderia ser objeto do pedido de revisão oficiosa: se a liquidação se a fixação do VPT resultante da avaliação que serviu de base à liquidação.

xiii. Se a pretensão do mesmo é atacar o VPT fixado, uma vez que as áreas tomadas em consideração para o efeito do cálculo do VPT não correspondem às áreas efetivas a impugnação judicial é o meio próprio.

xiv. Se a pretensão é a anulação da nota de liquidação referente ao exercício de 2006, emitida com base num valor patrimonial tributado apurado erradamente, também já foi analisado em sede de reclamação graciosa, apresentada tempestivamente, e também já o foi em sede de recurso hierárquico, sendo agora sindicada em sede de Impugnação judicial.

xv. Mais uma vez, com ressalva do devido respeito por opinião diversa, parecem-nos os meios indicados para suscitar a legalidade da liquidação.

xvi. Foram os meios processuais adequados para fazer valer os seus direitos da Impugnante.

xvii. Ora sendo meio processual adequado mais uma vez se repete, que não existe fundamento para a convolação dos autos em pedido de revisão oficiosa do ato tributário,

xviii. Além do que, se é certo que essa área declarada não corresponde à área efetiva, não é menos certo que, não era possível à AT determinar a área, tal só veio acontecer com a entrega da certidão da Câmara Municipal de S............. em 2010.

xix. Sendo que só a partir de 2010 é que a certidão retificativa da Câmara com informação onde constam as áreas efetivas só poderá produzir efeitos a partir da data da sua entrega, pois só a partir deste momento é que se torna possível a pretensão dos Impugnantes.

xx. Todo o exposto, demonstra, com ressalva do devido respeito por opinião diversa, que a sentença recorrida procedeu a uma incorreta aplicação do direto à factualidade apurada, pelo que incorreu em erro de julgamento devendo ser revogada por via da procedência do presente recurso.

xxi. Ao decidir no sentido em que o fez, violou a sentença os artigos 97 n.º 3 da LGT e 98 n.º 4 do CPPT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências”.

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. No caso em apreço há necessidade da correcção de um erro cometido, não imputável ao sujeito passivo, a ora Recorrida, que levará a uma redução elevada do valor patrimonial tributário do prédio em análise nos presentes autos e a uma redução substancial da consequente liquidação de IRC.

2. A Fazenda Pública quer manter no ordenamento jurídico um erro de avaliação, com consequente erro de liquidação de imposto, que conduz à arrecadação de tributo de montante substancialmente superior ao que é devido face à lei.

3. A Fazenda Pública aceita que as áreas tomadas em consideração para o efeito do cálculo do valor patrimonial tributário do prédio da Recorrida não correspondem às áreas efectivas do prédio da Recorrida, pois incluem parcelas de terreno do domínio municipal e parcelas de terreno da propriedade de terceiros, além de não ter sido considerado o atravessamento de uma ribeira, que impede a existência de um piso de estacionamento.

4. O valor patrimonial tributário - que engloba diversas parcelas que não são propriedade da Recorrida - foi fixado pela Autoridade Tributária em 640.770,00 Euros.

5. A Fazenda Pública admite ter ocorrido naquela avaliação um erro não imputável ao sujeito passivo, a ora Recorrida.

6. Apesar de conhecer a existência do erro cometido, bem como, de conhecer que está a ser exigido um valor de imposto indevido, a Fazenda Pública entende que a convolação não deve ser efectuada, uma vez que, só deve ser efectuada quando tiver alguma utilidade.

7. A correcção mais significativa à matéria colectável do exercício de 2006 da Recorrida, cuja liquidação de IRC se discute, foi motivada pela avaliação do prédio inscrito na matriz sob o artigo matricial urbano …….., da freguesia de S. Julião, S............., que resultou no valor patrimonial tributário de 640.770,00 Euros.

8. A avaliação do prédio baseou-se nas incorrectas informações iniciais prestadas pelos Serviços Técnicos da Câmara Municipal de S............., que anexaram ao prédio da Recorrida as referidas parcelas de terreno do domínio municipal e parcelas de terreno da propriedade de terceiros, além de não terem considerado o atravessamento de uma ribeira, que impede a existência de um piso de estacionamento.

9. Foi apresentada reclamação nos termos do artigo 76°. do CIMI, tendo sido invocado que as áreas consideradas na Ia. avaliação eram incorrectas, não tendo a Autoridade Tributária desenvolvido qualquer actuação para apurar a verdade material.

10. Somente por certidão emitida em 21.03.2010 a Câmara Municipal de S............. veio rectificar/certificar a área do prédio vendido pela Recorrida, reportando a edificabilidade à data de 05.04.2006.

11. Na sequência do pedido da recorrida, a Divisão de Avaliação da Propriedade e Estudos, da Direcção de Serviços de Avaliação, da Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou o parecer com o n°. 117/2012 (Alínea S) da Fundamentação de Facto), no qual admite que foram consideradas pela Administração Tributária áreas incorrectas, as quais a certidão camarária vem clarificar e reportar a Abril de 2006, como se transcreve:

"Na situação em apreço, e face aos elementos de que dispomos (certidão camarária/fls.6 e 7/DSA) as áreas a considerar seriam, Area de implantação 185,00 m2 (e não 362,24 m2 como considerado na avaliação), Area bruta de construção 690 m2 (240 m2 / área bruta dependente + 450 m2 /STP) (considerada 2.687,90 m2 na avaliação), e Área bruta dependente 240.00 m2 (de 1.014,90 m2 para 240 m2) ()”

12. Refere a douta sentença, que: “No caso vertente, verifica-se que, por erro dos serviços da Câmara Municipal de S............., as áreas tomadas em consideração, para efeitos de cálculo do valor patrimonial tributário do prédio em referência, não correspondem às áreas efectivas [cff. alíneas C) e F)].

Assim, tendo em consideração o disposto no artigo 58.° da LGT que: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedidoimpunha-se que a Administração Tributária tivesse convolado o requerimento de reclamação graciosa em requerimento de revisão de ato tributário, atenta a tempestividade do mesmo.

Importa, também, referir que o conceito “serviços”, plasmado no artigo 78.°, n.° 1 da LGT, deve ser interpretado num sentido mais amplo, integrando também os serviços da Câmara Municipal, porquanto no caso em concreto, o erro teve origem nesses serviços, erro esse que influenciou/determinou a atuação dos serviços da administração tributária, e consequentemente originou reflexos negativos na esfera jurídica da Impugnante.

13. Nos termos do artigo 78° da LGT a Autoridade Tributária deveria e deve rever o acto tributário.

14. Neste sentido leia-se a nota 8 ao artigo 78°. da LGT, da Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, pelos Drs. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4a. Edição 2012, nas páginas 710 e 711, que se transcreve:

“(...) Com efeito, este dever de rever os actos injustos é um corolário do dever de actuaçao segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (art. 266.°, n.° 2, da CRP), pelo que não é constitucionalmente admissível o estabelecimento, pela lei ordinária, de casos de dispensa de observância de tal directriz de actuação.

Trata-se, assim, de um poder-dever do dirigente máximo do serviço. (2)

Este dever de actuar em sintonia com o princípio da justiça, impõe que o dever de revisão seja estendido a situações em que há excesso de liquidação e o erro não for imputável aos serviços.

Há códigos tributários em que se preveem situações em que é imposto o dever de efectuar a revisão oficiosa, apesar de não haver erro imputável aos serviços.

Uma das situações é a do art. 115.° do CIMI que, como se vê pela referência a restituição de imposto feita no seu n.° 2, abrange tanto os casos de erro a corrigir ofíciosamente beneficiar a administração como aqueles em que beneficia o contribuinte.

(...)

Não há fundamento para uma distinção entre os vários tipos de impostos para estabelecer o dever de corrigir oficiosamente erros nas liquidações que beneficiaram a Administração.

Na verdade, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.°, n. 2, da CRP e 55.° da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei. (1)"

15. Referem ainda os mesmos Autores em nota de pé de página, na página 710, com relevância para O caso em apreço, que: “Na verdade, a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266.°, n.° 1, da CRP e 55.° da LGT), pelo que, independentemente da prova de culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços.”

16. A Recorrente entende que a sentença recorrida errou na aplicação do direito, ao concluir pela convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão de acto tributário, por não existir fundamento para tal nos termos do disposto no artigo 97°. n°. 3 da LGT e artigo 98°., n°. 4 do CPPT.

17. Analisadas as normas legais citadas pela Fazenda Pública, podemos concluir que nada obsta à convolação ordenada pela Meritíssima Juiz a quo, pois seguindo os princípios que devem nortear a actuação da Administração Tributária, esta, por aplicação do disposto no artigo 52° do CPPT, estava obrigada a ter convolado o requerimento de reclamação graciosa em requerimento de revisão do acto tributário.

18. Confonne nota 1 ao artigo 78°. da LGT, na Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, pelos Drs. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “(...) a revisão prevista neste art.78.° tem o seu campo de aplicação em qualquer caso em que tenha havido um acto autónomo de fixação da matéria tributável ou um acto de liquidação (...)”. (negrito nosso), pelo que tem aplicação no caso em apreço.

19. A LGT, conforme dispõe o seu artigo 2o., sobrepõe-se ao CPPT.

20. Neste sentido a nota da página 305 do livro “Tributação do Património”, de António Santos Rocha e Eduardo José Martins Brás, 2015, Almedina, que se transcreve: “Tendo em atenção a relação entre ambas, a LGT considerada como de enquadramento ou lei geral, e o Código do IMI considerado como de detalhe ou lei especial, sempre se terá de concluir que, as regras de revisão oficiosa da liquidação previstas pelo art. 78.° LGT são inteiramente aplicáveis ao IMI, (...)”. O que resulta do n°. 1 do artigo 115° do CIMI.

21. A Recorrente ao alegar a impossibilidade da convolação da Reclamação Graciosa no meio de defesa consagrado no artigo 78° da LGT, está a preterir o direito de defesa da Recorrida, que a lei claramente lhe concede, pois ocorreu um erro de que resultou colecta de montante superior ao legalmente devido, conforme alínea c) do n°. 1 do artigo 115º do CIMI, que se transcreve:

Artigo 115.º Revisão oficiosa da liquidação e anulação

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.° da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

a) ()

b) (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

d) (...)

22. Convocamos o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 23.03.2017, no processo n°. 1349/10.0BELRS, pelo relator, Exmo. Senhor Desembargador Dr. Joaquim Condesso, cujos Descritores e Sumário se transcrevem:

“ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.

REGIME DE REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO PREVISTO NO ART°.78, DA L.G.T.

CASOS DE INICIATIVA OFICIOSA DE REVISÃO COMO UM PODER-DEVER DA FAZENDA PÚBLICA.

ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS. ART°.78, N°.1, 2ª. PARTE, DA L.G.T.

O ART°.78, N°.2, DA L.G.T., FICCIONA, PARA EFEITOS DE REVISÃO OFICIOSA DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO, O ERRO NA AUTOLIQUIDAÇÃO COMO ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS. ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS ABARCA TAMBÉM OS ERROS DE DIREITO.

Sumário: 1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

2. O regime de revisão do acto tributário previsto no art°.78, da L.G.T., consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitrai (cfr.art°s.70 e 102, do C.P.P.T.; dec.lei 10/2011, de 20/1).

3. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do art°.78, n°. 1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no art°.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do n°. 1, do art°.78), a injustiça grave ou notória (cfr.n°.4, do art°.78) ou a duplicação de colecta (cff.n°.6, do art°.78, da L.G.T.).

4. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (art°.266, n°.2, da C.R.P., art°.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.

5. O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o art°.78, n°.1, 2.ª parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial.

6. A autolíquidação também pode ser objecto de revisão por iniciativa da A. Fiscal. O art°.78, n°.2, da L.G.T., ficciona, para efeitos de revisão oficiosa do acto de liquidação, o erro na autolíquidação como erro imputável aos serviços. Esta solução legal compreende-se à luz de dois pressupostos: por um lado, a imputação do erro aos serviços é entendida objectivamente, não relevando aqui a apreciação de elementos de culpa dos serviços (que dificilmente se verificariam nos casos de autoliquidação, com excepção das situações em que o erro resulta de instruções da Fazenda Pública); por outro lado, o legislador entendeu que as diferenças técnicas no apuramento do imposto não eram motivo racional suficiente para justificar um tratamento diferenciado, para efeitos de revisão do acto, entre os vários tributos.

7. O erro imputável aos serviços, ficcionado no caso das autoliquidações, atento o disposto no citado art°.78, n°.2, da L.G.T., abarca também os erros de direito, enquanto fundamento de revisão do acto tributário.”

23. Acompanhando o sentido de se dever manter no ordenamento jurídico a decisão da convolação do requerimento de reclamação graciosa em requerimento de revisão do acto tributário constante da douta sentença recorrida, convocamos o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 13.07.2016, no processo n°. 09740/16, pelo Relator, Exma. Senhora Desembargadora Dra. Lurdes Toscano, cujos Descritores e Sumário se transcrevem:

“ERRO NA FORMA DE PROCEDIMENTO - CONVOLAÇÃO - RECLAMAÇÃO GRACIOSA - REQUERIMENTO (IN)IDÓNEO

Sumário: I - Nos termos previstos no art. 52° do CPPT, uma vez que o procedimento corre perante a Administração Tributária, a esta cabe ordenar a forma adequada de procedimento.

II - Numa análise cuidada do requerimento apresentado pelo Administrador da Insolvência verifica-se que nela vem mencionado expressamente o acto de liquidação adicional de IRC que tinha acabado de lhe ser notificado. Para além disso, foi anexado ao requerimento a cópia integral do próprio acto de liquidação, pelo que fácil seria fazer a identificação do acto e a sua conexão.

III - Temos de ter presente que nos termos do artigo 69° do CPPT determina-se que o procedimento de reclamação graciosa tem como regras fundamentais, entre outras, a simplicidade de termos e brevidade das resoluções e a dispensa de formalidades essenciais [alíneas a) e b) do referido artigo].

IV - A Autoridade Tributária bem compreendeu que o que se pretendia era a anulação dos actos de liquidação emitidos em nome da sociedade insolvente e, nesse âmbito, do acto de liquidação adicional respeitante ao IRC de 2013 dessa sociedade. A Autoridade Tributária apenas não aceitou a convolação de tal requerimento em reclamação graciosa, porque discorda do entendimento que lhe subjaz, qual seja, o de que as obrigações fiscais inerentes a uma sociedade em liquidação cessam com a declaração de insolvência.

V - Ora, nos termos do artigo 52° do CPPT, em caso de erro no procedimento, a convolação apenas poderá não ser aplicada quando o contribuinte não apresente qualquer elemento probatório susceptível de sustentar a sua pretensão, não quando a Autoridade Tributária não concorde com o entendimento exposto por esse mesmo contribuinte. Para além do mais, a AT encontra-se adstrita a um dever de decisão genérico acerca de toda e qualquer pretensão que lhe seja dirigida pelos contribuintes, tal como impõe o artigo 56° da LGT.

VI - A sentença recorrida andou bem, ao ordenar a convolação do requerimento em reclamação graciosa, nos termos do artigo 52° do CPPT, em face da idoneidade do referido requerimento, mas sobretudo, porque os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária nunca poderiam sustentar a não convolação.

VII - A referida convolação encontra, ainda, justificação atenta a necessidade de sobreposição do imperativo de obtenção da justiça material aos entraves de índole formalista. O que tudo concretiza a aplicação dos princípios da tutela judicial efectiva, pro actione ou anti-formalista e da obtenção da justiça material, (negrito nosso)

24. Não podemos deixar de dizer, que no caso em apreço o erro cometido é tão evidente, sendo igualmente tão evidentes e graves os prejuízos causados à Recorrida, que temos dificuldade, num Estado de Direito, em analisar os argumentos da Fazenda Pública, aqui Recorrente, que contrariam todos os princípios defendidos pela LGT, pela CRP e pelo CPPT.

25. Neste sentido as notas das páginas 82 e 83, do livro “Direito do Procedimento Tributário”, de Diogo Leite de Campos e Susana Soutelinho, 2013, Almedina, que se transcrevem: “O procedimento administrativo tributário, enquanto actividade da AT dirigida a liquidar os tributos, a fiscalizar a sua liquidação e cumprimento e a exigir o seu cumprimento, está sujeito ao princípio da boa fé. (...) o princípio da boa fé é um dos limites da actividade discricionária da Administração e deve reger as relações entre a Administração e os administrados.”

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, e com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, confirmada a decisão recorrida, mantendo-se a douta sentença na ordem jurídica, por assim se fazer

Justiça”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença recorrida padece de nulidade, por ambiguidade ou obscuridade?

b) Há erro de julgamento, uma vez que não se reúnem condições para convolar o pedido de reclamação graciosa em pedido de revisão?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 28/08/2002, a Impugnante entregou a declaração de rendimentos – Modelo 22, referente ao ano de 2001, onde apurou o prejuízo de € 141.438,98 (cfr. fls. 36 a 38 do suporte físico dos autos).

B) Em 02/04/2007, a Impugnante entregou a declaração de rendimentos – Modelo 22, referente ao ano de 2004, onde apurou o prejuízo de € 82.211,67 (cfr. fls. 39 a 42 do suporte físico dos autos).

C) Em 21/03/2010 foi emitida certidão pela Câmara Municipal de S............., onde consta, entre o mais, o seguinte:

“(…) CERTIFICA, (…) que o prédio urbano sito (…), inscrito sob o artigo mil novecentos e sessenta e três da respectiva matriz da freguesia de São Julião, possui uma área de quatrocentos e sessenta e um metros quadrados vírgula trinta e dois. ---------------------

(…)

--- Nestes termos, e garantindo a aplicação dos parâmetros constantes nos artigos supracitados, obtêm-se os seguintes valores: STP – quatrocentos e cinquenta metros quadrados; – Área de implantação* - cento e oitenta e cinco metros quadrados, - Número máximo de pisos – três, Área bruta dependente – duzentos e quarenta metros quadrados.

(…)

--- * O polígono de implantação – é a linha poligonal fechada que delimita uma área do solo no interior da qual é possível edificar.

--- Mais se certifica que a edificabilidade constante na presente certidão, reporta-se à data de cinco de Abril do ano de dois mil e seis, sendo a área de construção permitida para o prédio em apreço, inscrito sob o artigo mil novecentos e sessenta e três, da Freguesia de São Julião, não contemplando a área de servidão, a qual seria a afectar ao domínio público, e não contemplando as áreas das parcelas da Câmara Municipal e terceiros, que seriam a anexar ao prédio inscrito sob o artigo mil novecentos e sessenta e três, (…)

(…) A presente certidão foi requerida por R……………….., LIMITADA através do requerimento registado nesta Secção a dezoito de Novembro do ano findo, sob o número mil setecentos e trinta e quatro. ----- (…)”. (cfr. fls. 18-19 do suporte físico dos autos).

D) Em 25/10/2010, pela Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de S............., foi elaborado “Relatório de Inspecção”, entre o mais, com o seguinte teor:

« Texto no original »

E) Em 27/10/2010, foi elaborada “Informação complementar à ordem de Serviço nº OI201003113, com o seguinte teor:

“Sujeito Passivo: R…………….. – Empreendimentos I………………, Lda.

(…)

O sujeito passivo enviou em 26-Outubro de 2010, via fax o direito de audição que constitui o anexo 1.

O sujeito passivo contesta a correcção que incidiu sobre a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor de escritura no montante de € 266.671,58 € em virtude da avaliação do artigo …….da freguesia de S. Julião conter um erro grave ao considera que a área bruta resultava somente do terreno da requerente.

Apreciado o mesmo cumpre-nos informar o seguinte:

O sujeito passivo foi notificado do valor patrimonial tributário decorrente da 2ª avaliação nos termos do CIMI, no montante de € 640.770,00 em 2008-01-15 (anexo 2).

Poderia, aquando da notificação da 2.ª avaliação – 2008-01-15 ter requerido no prazo de 30 dias o afastamento da aplicação do disposto no artº 58º A do CIRC conforme prevê o artº 129, do CIRC – Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis.

Da análise efectuada não consta que tenha usado da prerrogativa prevista no art. 129º do CIRC, pelo que não se pode atender à pretensão do sujeito passivo, sendo de manter as correcções inicialmente propostas. (…)”. (cfr. fls. 28 do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

F) Em 11/02/2011, pela Divisão de Planeamento Urbanístico, da Câmara Municipal de S............., foi elaborada “Análise / Informação Técnica”, com o seguinte conteúdo:

“(…)

Processo N.º: 1734/10

Requerimento N.º: 9395/10

Data de Entrada: 2010/11/18

Designação do Requerimento: Pedido de Certidões Diversas

Requerente Principal: R…………LDA

Localização da Obra: RUA OCIDENTAL DO MERCADO E RUA PRIMEIRO DE MAIO (…)

Parecer:

Em resposta às questões colocadas, informo o seguinte:

A parcela em análise tem edificabilidade construtiva, conforme a informação anteriormente prestada pela DIPU na data de 6/12/2010, não sendo necessário reunir com a parcela confinante a sul.

Relativamente ao estacionamento poderá ser invocado e justificado o artigo 126º do regulamento do PDM quando comprovada a impossibilidade ou a inconveniência de natureza técnica nomeadamente em função de características geológicas do solo, níveis freáticos dado ser o caso, uma vez que se constata o atravessamento da ribeira.

Caso o requerente pretende-se uma maior edificabilidade, teria que reunir com a parcela confinante a sul dada a irregularidade da parcela.

O pedido de certidão apresentado pelo requerente, enquadra-se nos termos previstos no Anexo 1 do artigo 37º do CIMI, aprovado pelo Dec. Lei nº 287/2003 de 12 e Novembro.

A informação que se segue e que a CMS se propõe certificar, é relativa à capacidade máxima edificável para a parcela, dada a aplicação de parâmetros urbanísticos nos artigos do PDM em vigor, conforme a classe de espaço onde se insere.

Caso disponha de projecto aprovado pela CMS, a capacidade construtiva para a parcela, corresponde à STP proposta no âmbito do projecto de arquitectura aprovado em sede de Licenciamento ou Comunicação Prévia, conforme o referido no ponto 2 e 3 do artigo 37º - Anexo 1 – do CIMI.

A viabilidade construtiva refere-se a uma parcela com a área de 461,32m2.

Em tempos, para o local existiu uma proposta para um edifício de habitação/comércio, com ¾ pisos, em que a parcela em causa encontrava-se reunida com as parcelas confinantes a norte e a sul, para um melhor aproveitamento da área e a sua envolvente.

Assim, proponho que se certifique o seguinte:

O prédio urbano, inscrito sob o art.º ……. da respectiva matriz da Freguesia de S. Julião, possui uma área de 461,32m2.

Para o local existe o Plano de Pormenor para a Frente Ribeirinha de S............. promovido pela S............. Polis, Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis em S............., S.A. (SSP) pública.

A 10ª Versão do Plano Pormenor, define o local como – “Edificado existente” – Art.º 17º do Regulamento da Polis – “1. No edificado existente aplica-se o disposto no Plano Director Municipal”

(…)

Nestes termos, e garantindo a aplicação dos parâmetros constantes nos artigos supracitados, obtêm-se os seguintes valores:

S.T.P. – 450 m2;

Área de implantação * - 185 m2;

N.º máx. de pisos – 3;

Área bruta dependente – 240 m2.

Mais se informa que, no âmbito do processo de licenciamento ou do pedido de informação prévia, serão consultadas as seguintes entidades: A ARH do Alentejo, IP, Évora, e o IPPAR, ficando sempre sujeito a parecer favorável destas duas entidades.

Nota:

*”O Polígono de implantação – é a linha poligonal fechada que delimita uma área do solo no interior da qual é possível edificar”

Em anexo à certidão deverá, conforme instruções da Direcção do Departamento de Urbanismo, ser remetida ao requerente, cópia integral da última Informação técnica que propõe a emissão da respectiva certidão. (…)”. (cfr. fls. 20 e 21 do suporte físico dos autos).

G) Em 15/02/2011, a Diretora do Departamento de Urbanismo proferiu despacho de concordância com o parecer constante da Informação Técnica referida na alínea antecedente (cfr. fls. 20 do suporte físico dos autos).

H) Em 07/04/2011, a Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de S............. 1, reclamação graciosa, requerendo a anulação da liquidação adicional de IRC de 2006 (Liquidação de IRC ……………………657, compensação n.º …………………955 de 29/10/2010), no valor de € 30.596,29, da qual consta, entre o mais o seguinte:

« Texto no original»

(…)”. (cfr. fls. 3 a 8 do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

I) Em 19/04/2011 foi elaborada Informação no sentido de ser deferida parcialmente a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante, quanto à liquidação de juros compensatórios, constando da mesma, entre o mais, o seguinte: “(…) Embora ainda não tivesse decorrido o período mínimo, em 2003/03/31, optou pelo regime de contabilidade, em conformidade com as normas antes referidas, passando a estar enquadrado no regime geral, por opção no período 2003/01/01 a 2005/12/31. (…) Decorrido o período de 3 anos, não tendo exercido a opção para permanecer no regime geral até 2006/03/31 e possuindo os requisitos de enquadramento no regime simplificado no exercício de 2006, é obrigatoriamente tributado por este regime. (…)” (cfr. fls. sem numeração do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

J) Em 09/05/2011, sobre a Informação referida na alínea antecedente, recaiu o seguinte despacho: “Considero a informação junta como PROJECTO DE DECISÃO do processo de reclamação abaixo identificado.

Notifique o reclamante para no prazo de 10 dias contados continuamente e nos termos previstos na alínea b) do nº 1 art. 60º da LGT, exercer, querendo, o direito de audição, oralmente ou por escrito.” (cfr. fls. sem numeração do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

K) Pelo ofício n.º 012958, de 10/05/2011, expedido por correio registado, com aviso de receção, a Direção de Finanças de S............. comunicou à Il. Mandatária da Impugnante de que dispunha de 10 dias para o exercício do direito de participação sobre o projeto de decisão da reclamação graciosa (cfr. fls. sem numeração do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

L) Em 24/05/2011, deu entrada na Direção de Finanças de S............., requerimento apresentado pela Impugnante no qual exerceu o seu direito de audição, requerendo a substituição do projeto de decisão (cfr. fls. sem numeração do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

M) Pelo ofício n.º 016568, de 25/05/2011, expedido por correio registado com aviso de receção, a Direção de Finanças de S............., comunicou à Il. Mandatária da Impugnante, que foi deferida parcialmente a reclamação apresentada (cfr. fls. sem numeração do procedimento de reclamação graciosa que integra o processo administrativo em apenso).

N) Em 23/06/2011, a Impugnante entregou a declaração de rendimentos – Modelo 22, referente ao ano de 2005, onde apurou o prejuízo de € 73.594,89 (cfr. fls. 43 a 45 do suporte físico dos autos).

O) Em 24/06/2011, a Impugnante, através da sua Il. Mandatária, apresentou recurso hierárquico (cfr. fls. sem numeração do processo administrativo em apenso).

P) Em 22/08/2011, pela Direção de Finanças de S............., foi elaborada Informação com o seguinte conteúdo:

“Assunto: RECURSO HIERÁRQUICO DA DECISAO DE DEFERIMENTO PARCIAL DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA

Entidade recorrida: Chefe de Divisão de Justiça Tributária (Acto praticado por delegação de competências do Exm.º Director de Finanças).

Recorrente: R………………. – Empreendimentos I………………., Lda.

Imposto: IRC de 2006 Reclamação graciosa n.º 2---------------------

(…)

No vertente recurso hierárquico as alegações e argumentação tecidas pelo recorrente são idênticas às que expendeu anteriormente em sede de procedimento de reclamação graciosa. (…) afigura-se-nos que deverá ser de indeferir o presente recurso hierárquico, mantendo-se o acto recorrido. (…) (cfr. fls. sem numeração do processo administrativo em apenso).

Q) Em 02/09/2011, sobre a Informação referida na alínea antecedente, recaiu o seguinte despacho: “Concordo. Remeta-se à DSIRC para apreciação e superior decisão.” (cfr. fls. sem numeração do processo administrativo em apenso).

R) Em 19/12/2011, deu entrada na Direção de Serviços de Avaliações, pedido de retificação do valor patrimonial tributário do artigo urbano n.º ………, da freguesia de São Julião, S............., com o seguinte conteúdo:

« Texto no original»

S) Em 08/05/2012, pela Divisão de Avaliação da Propriedade e Estudos, da Direção de Serviços de Avaliações, da Autoridade Tributária e Aduaneira, foi elaborado o parecer n.º 117/2012, no âmbito do processo n.º 1/2012, tendo como assunto: “Pedido de Rectificação do VPT – art.º …………… (S. Julião) S............. – R…………….. Empreendimentos I ………………… Ldª”, onde consta, entre o mais, o seguinte:

“(…) Vem a R……………….– Empreendimentos I……………… Ldª dirigida ao Director Geral da Autoridade Tributária apresentar um pedido de rectificação do valor patrimonial tributário (fls. 10/DAS) relativamente ao lote de terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ………….. da freguesia de S. Julião em S..............

(…)

FACTOS

Em 5 de Abril de 2006 A lcides Ferreira de Pin…………………..ho apresentou a declaração modelo 1 do IMI – registo n.º 978119…………, por motivo de “1ª transmissão na vigência do IMI”

O referido prédio foi avaliado em 17.01.2007 – ficha de avaliação n.º …………… (…)

(…)

Do resultado fixado em 1.ª avaliação - € 640.770,00, foi A ……………….. devidamente notificado em 12.02.2007 (fls. 11/DSA).

Em Março de 2007, apresentou reclamação nos termos do art.º 76º do CIMI, alegando que as áreas consideradas na 1ª avaliação são incorrectas (fls. 14/DAS).

Em 20 de Dezembro de 2007 foi efectuada a 2ª avaliação – ficha de avaliação nº 1950785 (fls. 14/DAS), mantendo-se o valor já fixado em 1ª avaliação - (…) com voto contra do louvado da parte, uma vez que o projecto aprovado e constante do processo não corresponde à verdadeira viabilidade construtiva do terreno tendo em consideração que a área do terreno não permite implantar o referido projecto (…) conforme consta no termo de avaliação (fls. 18/DSA).

Em 18 de Novembro de 2010 requereu o signatário à CMS nova certidão de viabilidade construtiva por entender que, a edificabilidade que serviu de base à avaliação estaria incorrecta. Para além de considerar a parcela em apreço considera outras áreas de domínio municipal, que lhe haveriam de ser transmitidas (…).

(…)

PARECER

Na situação em apreço, e face aos elementos de que dispomos (certidão camarária/fls. 6 e 7/DAS) as áreas a considerar seriam, Área de implantação 185,00m2 (e não 362.24 m2 como considerado na avaliação), Área bruta de construção 690 m2 (240 m2 / área bruta dependente + 450.00 m2 /STP) (considerada 2.687,90 m2 na avaliação), e Área bruta dependente 240.00 m2 (de 1.014.90 m2 para 240,00 m2). De facto foram consideradas áreas incorrectas aliás a certidão camarária vem não só clarificar a situação mas reportá-la a Abril de 2006.

Conforme determina o artº 77 do CIMI, do resultado da 2ª avaliação cabe impugnação judicial nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) o qual no seu artigo 134º refere que os actos de fixação de valores patrimoniais tributários podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a notificação ao contribuinte (notificação em 15.01.2008 – fls. 41/DAS), com fundamento em qualquer ilegalidade – não tem aplicabilidade nesta situação, por já ter sido largamente ultrapassado o prazo de 90 dias desde a notificação.

O parecer jurídico nº 404/2006 de 7 de Agosto do jurista, Sr. Dr. A …………………..da DSJC, cujo entendimento relativo a avaliação com erros desta natureza é o de que as mesmas podem ser anuladas nos termos e prazo previsto no art. 141º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) não tem aplicabilidade nesta situação, por já ter sido largamente ultrapassado o prazo de um ano desde a notificação (notificação em 3.08.2007).

Não existem por isso mecanismos legais que permitam a anulação da avaliação, dado que o contribuinte não deduziu impugnação contra a avaliação realizada em 20.12.2007.

Entendemos que ultrapassado o prazo de impugnação, nos termos do artº 134º do CPPT, assim como o prazo de revogação nos termos do artº 141º do CPA, somos do parecer que o processo deverá ser indeferido.

À Consideração Superior (…)”. (cfr. fls. 28 a 32 do suporte físico dos autos).

T) Sobre o parecer referido na alínea antecedente, em 15/05/2012, a Subdiretora-Geral, proferiu o seguinte despacho: “Concordo. Nos termos e com os fundamentos expostos na presente informação indefiro a pretensão da requerente.” (cfr. fls. 28 do suporte físico dos autos).

U) Pelo ofício n.º 05708, de 01/06/2012, com a menção “Registado com Aviso de Recepção”, tendo como assunto: “NOTIFICAÇÃO – PROCº 1/2012 DA DSA”, o Serviço de Finanças de S............. 2, comunicou à Impugnante o despacho proferido pela Subdiretora Geral na Informação n.º 117/2012, referente ao processo n.º 1/2012 da Direção de Serviços de Avaliação (cfr. fls. 27 do suporte físico dos autos).

V) Em 27/11/2012, pela Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, foi elaborada a Informação n.º 2286/2012, com o seguinte teor:

« Texto no original»

W) Em 10/12/2012, sobre a Informação referida na alínea antecedente, recaiu o seguinte despacho: “Indefiro o recurso com os fundamentos invocados”. (cfr. fls. sem numeração do processo administrativo em apenso).

X) Pelo ofício n.º 00701, de 24/01/2013, expedido por correio registado com aviso de receção, o Serviço de Finanças de S............. 1, comunicou à Il. Mandatária da Impugnante, que o recurso hierárquico foi indeferido (cfr. fls. sem numeração do processo administrativo em apenso).

Y) Pelo ofício n.º 00702, de 24/01/2013, expedido por correio registado com aviso de receção, o Serviço de Finanças de S............. 1, comunicou à Impugnante que o recurso hierárquico foi indeferido (cfr. fls. sem numeração do processo administrativo em apenso).

Z) Por carta registada expedida em 29/04/2013, a Ilustre Mandatária da Impugnante enviou a presente impugnação judicial ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (cfr. fls. 1 do suporte físico dos autos)

AA) Em 30/04/2013 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada a presente impugnação judicial (cfr. fls. 1 do suporte físico dos autos)”.

II.B. Quanto aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Factos não provados

i) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação n.º…………………657, no valor de € 30.596,29”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O facto acima elencado considera-se como não provado, porquanto não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo desse facto. * A factualidade elencada como provada decorre, essencialmente, do teor dos elementos documentais constantes dos autos, salientando-se, a este propósito, que tais documentos não foram objeto de impugnação. De resto, o apoio documental dos factos enunciados encontra-se especificamente indicado em cada alínea do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença, por obscuridade ou ambiguidade

Considera a Recorrente, desde logo, que não resulta da sentença recorrida que ato, no entender do Tribunal a quo, pode ser objeto do pedido de revisão oficiosa: se a liquidação de IRC, se a fixação do VPT resultante da avaliação que serviu de base à liquidação.

Assim, ainda que inominadamente, é invocada nulidade da sentença, por ambiguidade e obscuridade, questão a apreciar prioritariamente, por motivos de precedência lógica.

Vejamos, então.

In casu, e não obstante ser ato mediato impugnado a liquidação de IRC de 2006, o Tribunal a quo (mal ou bem, não cumpre aqui apreciar, dado que, nessa parte, a decisão não foi objeto de recurso) julgou verificada a caducidade do direito de ação, quanto ao pedido de alteração de valor patrimonial tributário, e, no mais, ordenou a convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão, julgando prejudicada a apreciação do demais alegado pela ora Recorrida.

Portanto, o que se extrai é que, numa impugnação que visou, mediatamente, uma liquidação de IRC, o Tribunal a quo entendeu que o ato de fixação do VPT era também posto em causa.

É este entendimento que conduz a que consideremos, tal como a Recorrente, que a sentença recorrida é nula, por obscuridade.

Nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ex vi art.º 2.º, al. e), do CPPT:

“1 - É nula a sentença quando:

(…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível…”.

Com efeito, na sequência da reforma do processo civil de 2013 e da eliminação do incidente de aclaração ou esclarecimento, antes previsto no art.º 669.º, n.º 1, al. a), do CPC/1961, o legislador consagrou uma nova nulidade da sentença, justamente consubstanciada na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (1).

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.11.2018 (Processo: 0149/18.3BALSB), “é «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível»”.

Assim, enquadram-se nestas situações os casos em que a fundamentação da sentença não faz dela uma peça processual compreensível.

Retornemos ao caso dos autos.

A possibilidade de ser ordenado que uma reclamação graciosa seja convolada em pedido de revisão previsto no art.º 78.º da LGT não é, em abstrato, de rejeitar no contencioso tributário. Trata-se, por exemplo, de situação compaginável, quando uma reclamação graciosa seja indeferida por intempestividade, mas se conclua que o requerido seria tempestivo para efeitos de pedido de revisão.

Não é este o caso dos autos, no entanto, uma vez que, na reclamação graciosa em causa, a administração se pronunciou sobre o requerido, em termos de mérito.

Do discurso fundamentador da sentença, não se consegue, efetivamente, alcançar que ato, no fundo, o Tribunal a quo entende que deveria ser objeto de conhecimento em sede de procedimento de revisão.

Diz-se o seguinte na sentença:

“Resulta dos presentes autos que, a Impugnante, na sequência da notificação da supra mencionada liquidação [de IRC], apresentou, junto do Serviço de Finanças de S............. 1, requerimento denominado “reclamação graciosa” [cfr. alínea H)].

No sobredito requerimento a Impugnante, mencionou, logo nos primeiros artigos (1 a 7), que a avaliação ao prédio inscrito na matriz sob o artigo n.º 1963 da freguesia de S. Julião, S............., resultava de “informações incorretas prestadas pelos Serviços Técnicos da CM de S.............”.

Ora, o procedimento de reclamação graciosa, tal como o processo judicial de impugnação, têm idêntico objeto e podem ser deduzidos por iguais fundamentos – cfr. artigos 68.º, 70.º, 99.º e seguintes do CPPT – cabendo, do indeferimento daquele, além do recurso hierárquico facultativo, também a impugnação judicial – cfr. artigos 67.º, 76.º, 97.º, n.º1, alínea c) e 102.º, n.º 2, todos do CPPT – sendo que, nos casos em que a impugnação judicial tem por objeto imediato tal despacho de indeferimento, a liquidação reclamada, constitui o seu objeto mediato.

No caso em análise, pese embora, a Impugnante tenha denominado o requerimento de “reclamação graciosa”, analisados os argumentos expendidos naquele instrumento é possível concluir que a pretensão da mesma era requerer a revisão do ato tributário, suscitando o erro imputável aos serviços da Câmara Municipal de S..............

(…)

No caso vertente, verifica-se que, por erro dos serviços da Câmara Municipal de S............., as áreas tomadas em consideração, para efeito de cálculo do valor patrimonial tributário do prédio em referência, não correspondem às áreas efetivas [cfr. alíneas C) e F)].

Assim, tendo em consideração o disposto no artigo 58.º da LGT que: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”, impunha-se que a Administração Tributária tivesse convolado o requerimento de reclamação graciosa em requerimento de revisão de ato tributário, atenta a tempestividade do mesmo”.

Ora, se, de um lado, o Tribunal a quo refere que é ato impugnado a liquidação de IRC, de outro refere que houve erro na consideração das áreas para efeito de cálculo do VPT.

Como menciona a Recorrente, não se consegue aferir, com este discurso, afinal a que ato o Tribunal a quo se refere: se ao ato de liquidação de IRC e ao ato de fixação do VPT.

Tal circunstância torna a sentença recorrida uma peça quer ambígua, quer obscura, devendo a mesma ser declarada nula e serem devolvidos os autos ao Tribunal a quo, para que o mesmo profira nova decisão, suprida de tal nulidade. Com efeito, sendo certo que o n.º 1 do art.º 665.º do CPC refere que, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer o objeto da apelação”, consideramos que a presente nulidade deve ser suprida pelo Tribunal a quo, porquanto só tal circunstância permite aferir a efetiva posição da instância e, assim, conhecer cabalmente o recurso apresentado.

A presente decisão implica que se considere prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

Uma vez que a Recorrida contra-alegou, é a mesma responsável pelas custas na presente instância (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida, por ambiguidade e obscuridade, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para prolação de nova decisão;

b) Custas pela Recorrida na presente instância, por ter contra-alegado;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de outubro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Patrícia Manuel Pires)

(Rui A. S. Ferreira)

(1) V. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.05.2014 (Processo: 01638/13)