Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:519/18.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO - ARTIGO 3° N.º 2
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:Retira-se da norma ínsita no artigo 3.º do CIUC na alteração que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 41/2016, de 1 de agosto, que a intenção do legislador foi, ali, a de fazer recair as regras de incidência do imposto nas pessoas (singulares ou coletivas de direito publico ou privado) que sejam considerados proprietários nos termos das regras do registo automóvel, o que significa que estamos na presença de uma presunção decorrente do registo, porém, ilidível nos termos gerais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a primeira Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

C....., S.A, que integrou por fusão O BANCO C....., S.A., antes denominado BANCO B....., S.A., antes denominado BANCO M....., S.A., e antes ainda T......., S.A, veio deduzir impugnação judicial contra o indeferimento da reclamação graciosa que visou as liquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) relativas ao mês de janeiro de 2017.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 09 de junho de 2022, julgou improcedente a impugnação.

Inconformado, a C..... S.A., veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«i) Todos e cada um dos veículos automóveis a que se reporta o Imposto de Circulação objecto da Impugnação onde foi proferida a sentença recorrida foram e são objecto de Contratos de Locação operacional com contratos autónomos de promessa de compra e venda firme;

ii) Todos e cada um dos veículos referidos nos autos estavam na posse dos locatários operacionais referidos, à data da liquidação do imposto mencionado no autos, isto é em Janeiro de 2017, como nos ditos autos têm que ser dado como provado, como se requer ao invés do que decidido foi;

iii) Assim, por errada interpretação e aplicação, no entender do recorrente, da matéria de facto que se tem que considerar provada nos autos, e por violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do Código do Imposto Único de Circulação , quer na versão actual, quer na versão anterior, por violação também do disposto no artigo 5° do Registo Automóvel, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada por Acórdão que julgue a impugnação Judicial totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo


JUSTIÇA.»
»«

A recorrida, FAZENDA PUBLICA, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

»«

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer no sentido de que o recurso não deverá ser julgado procedente.

»«

Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – OBJECTO DO RECURSO

Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639 n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas de pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida á apreciação do Tribunal a quo.

Assim, as questões a apreciar e decidir nesta sede são, segundo percebemos, as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da matéria de facto e por violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), e do disposto no artigo 5° do Registo Automóvel.

III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1) A Impugnante realizou, na posição de locadora, os seguintes contratos de locação operacional de veículos automóveis:

    Matrícula
Data
    Contrato
NIF
    Locatário
Fim do Contrato
    …….VZ
    08-02-2004
    …….16
    08-02-2009
    ……ZJ
    08-01-2005
    ……85
    08-01-2010
    …..-ZM
    23-02-2005
    ……..54
    23-02-2010
    …….84
    23-01-2007
    …….37
    23-01-2012
    ……SX
    23-12-2007
    …….94
    23-12-2010

    …..-41
    08-02-2007
    ……03
    08-02-2014
    …..-57
    23-02-2007
    …….16
    23-02-2013
    ……-QX
    23-07-2007
    …….77
    23-07-2011
    …….-51
    08-01-2008
    ……18
    08-01-2014
    ……-77
    23-12-2007
    ……10
    23-12-2011
    …..-90
    23-02-2008
    ……36
    23-02-2012
    ……-64
    23-02-2008
    ……53
    23-02-2013
    …..-QX
    23-02-2008
    …..80
    03-02-2014
    …..-22
    08-03-2008
    ……27
    08-06-2013
    …….-91
    08-02-2008
    ……27
    08-05-2013
    ……-45
    08-02-2008
    …..27
    08-05-2013
    …..-SZ
    10-02-2002
    …..68
    10-03-2008
    ……-VX
    10-01-2004
    …..93
    10-01-2010
    ……-06
    10-02-2008
    …...08
    10-03-2013
    ……-25
    20-02-2011
    ….41
    20-01-2015
    …..-79
    10-06-2012
    …..42
    10-04-2016
    …..-13
    15-04-2012
    …….05
    15-02-2015
    ……-94
    08-07-2008
    ……99
    08-07-2014
    ….-UM
    27-05-2009
    ……80
    27-05-2014
    …..-92
    27-06-2009
    ……36
    27-06-2019
    …..-77
    22-02-2013
    …….66
    20-03-2017
    ……-16
    27-02-2011
    …….10
    27-06-2012
    ……-53
    07-01-2014
    ……..80
    05-05-2017
    …..-ZL
    16-12-2014
    …….87
    25-01-2019
(cf. contratos a págs. 48 a 120 de fls. 130 a 249, fls. 252 a 490, págs. 1 a 103 de fls. 103 a 114, págs. 115 a 177 de fls. 609 a 785, fls. 788 a 991 e págs. 1 a 39 de fls. 994 a 1128 do SITAF);

2) Nos contratos descritos em 1) está definido que a Impugnante mantém a propriedade do veículo e o locatário o gozo temporário do mesmo, durante um período de tempo estipulado, mediante o pagamento de rendas (cf. contratos a págs. 48 a 120 de fls. 130 a 249, fls. 252 a 490, págs. 1 a 103 de fls. 103 a 114, págs. 115 a 177 de fls. 609 a 785, fls. 788 a 991 e págs. 1 a 39 de fls. 994 a 1128 do SITAF);

3) Em janeiro de 2017 os serviços da Administração Tributária (AT) emitiram em nome da Impugnante duas liquidações de IUC respeitantes aos veículos referidos em 1) no valor total de € 5.525,89:

…..-VZ……2565,89
….-ZJ……30379,00
…….-ZM……3052,00
……-84……2942,18
……-SX…..2842,18
…..-41…..9232,00
…..-57…..4052,00
……-QX….38379,00
……-51…..89184,00
…..-77……2265,89
…..-90……23162,23
…..-64…..50232,26
…..-QX…..38289,00
…..-22…..89569,00
…..-91-----89293,00
……-45…….89293,00
…..-SZ……8652,00
…..-VX…….8732,00
…..-06……8952,00
…..-25……94184,00
…..-79……9352,00
…..-13…..94184,00
…..-94….23162,23
…..-UM……88569,00
…..-92…..6056,03
…..-77…..89184,00
…..-16….89379,00
…..-53….94379,00
….-ZL….84108,00
(cf. informação a págs. 1 a 15 de fls. 130 a 249 do SITAF);

4) Na mesma data os veículos descritos em 1) estavam registados em nome da Impugnante sem apresentações pendentes e sem registo de outros ónus ou encargos (facto não controvertido e cf. certidões, respetivamente, a págs. 71, 70, 58, 88, 82, 57, 78, 85, 83, 86, 64, 84, 44, 45, 75, 59, 60, 54, 68, 76, 69, 55, 79, 73, 72, 61, 66, 87, 56 de fls. 609 a 785 do SITAF);

5) Na Em 07-02-2017 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome da Impugnante do qual se extrai ter em vista reclamar graciosamente das liquidações descritas em 3) (cf. reclamação a fls. 56 a 85 do SITAF);

6) Em 09-02-2018 os serviços da AT elaboraram em nome da Impugnante uma informação sobre a reclamação descrita em 5), no sentido do seu indeferimento parcial por os veículos se encontrarem registados em nome da Impugnante e por terem sido extintos os registos de locação financeira em data anterior ao das liquidações (cf. informação a págs. 2 a 12 de fls. 40 a 51 do SITAF);

7) Em 14-02-2018 foi proferido despacho a concordar com a informação descrita em 6) (cf. despacho a págs. 2 de fls. 40 a 51 do SITAF);

8) Em 13-03-2018 deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF).


*

Consideram-se não provados os seguintes factos:

a) Todos os veículos em causa estavam entregues em regime de locação financeira, em poder dos locatários;

b) Os locatários dos veículos em causa incumpriram os contratos de locação.


*

Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.

*

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.

No caso dos documentos de origem pública, reconheceu-se o valor probatório conferido pelo disposto nos artigos 369.°, n.° 1, 370.°, n.° 1 e 371.°, n.° 1, todos do Código Civil, e quanto aos de origem particular, o valor decorrente dos artigos 373.°, n.° 1, 374.°, n.° 1 e 376.°, n.° 1, todos do Código Civil, e em conformidade com o artigo 34.°, n.° 2, do CPPT.

Os factos não provados resultam de não terem sido juntos aos autos qualquer elemento no sentido pugnado.»


»«

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IUC referente ao mês de janeiro de 2017, com a consequente absolvição da Fazenda Pública dos pedidos.

Tal como se deixou expresso na delimitação do objeto do recurso, as questões que, segundo percebemos, nos vem colocadas reportam-se às de saber se a sentença recorrida padece de errada interpretação e aplicação da matéria de facto provada nos autos, e violação do disposto no n° 2 do artigo 3° do CIUC, quer na versão atual, quer na versão anterior, por violação também do disposto no artigo 5° do Registo Automóvel – (concl. iii)

Encetamos, desde logo, por constatar que está em causa a atividade de locação financeira de veículos automóveis e o conflito tem o seu ponto fulcral na identificação e determinação do sujeito passivo do imposto.

Apelamos agora, à fundamentação jurídica em que se estribou a improcedência do pedido que, para o que aqui releva, é a seguinte:

«(…)
A incidência subjetiva do IUC está definida no artigo 3.° do seu Código onde, à data dos factos, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 41/2016, de 1 de agosto, se dispunha que:
"1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.
2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.
3 - É ainda equiparada a sujeito passivo a herança indivisa, representada pelo cabeça de casal.".
O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional, conforme o n.° 1 do artigo 6.° do CIUC, tendo o registo de veículos automóveis por fim dar publicidade à situação jurídica dos mesmos, com vista à segurança do comércio jurídico, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 54/75, de 12 de fevereiro.
As alíneas a), d), e e) do n.° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 54/75 consagra ainda que estão sujeitos a registo, o direito de propriedade e de usufruto, a locação financeira e a transmissão dos direitos dela emergentes, e o aluguer por prazo superior a um ano, quando do respetivo contrato resulte a existência de uma expectativa de transmissão da propriedade.
Como decorre do quadro legal acabado de expor, a regra é a de que o facto gerador e a incidência subjetiva são estabelecidos com base nos dados constantes do registo automóvel.
Igualmente, o sistema de tributação assenta nos elementos constantes do registo automóvel quanto à incidência temporal e subjetiva do imposto e aos deM..... elementos relevantes para a liquidação do imposto.
Todavia, antes da alteração efetuada pela Lei n.° 41/2016 era pacificamente considerado que o artigo 3.° do CIUC recortava a incidência subjetiva do imposto com fundamento numa presunção, isto é, na consideração de que os sujeitos passivos do imposto, os proprietários dos veículos, serão as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.
Aliás, este preceito, antes da data dos factos, devia ser conjugado com o artigo 19.° do CIUC, norma revogada pela Lei n.° 7-A/2016, de 30 de março, a partir de 31 de março de 2016, no qual se estabelecia que "Para efeitos do disposto no artigo 3.° do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.° da lei da respectiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados.".
Já após a referida alteração essa presunção cessou, sendo o sujeito passivo do imposto a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor, sendo que o n.° 2 equipara aos sujeitos passivos, para esse efeito, os titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.
Como indica a jurisprudência, que acompanhamos inteiramente, em pronúncia sobre a nova redação do artigo 3.° do CIUC, aqui aplicável:
«[...] Em face da nova redação conferida ao preceito, dúvidas não subsistem que o legislador pretende que seja sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre veículo. (...)»
É verdade que o identificado Decreto-Lei veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado (doravante LOE) para 2016, no seu artigo 169°, e aprovada pela Lei n° 7-A/2016, de 30 de Março. [...]
Ora, não se julga que a supra transcrita seja uma norma verdadeiramente interpretativa.
Dúvidas não existem de que a lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169°, classifica a alteração legal a efectivar quanto ao artigo 3° do CIUC como tendo carácter meramente interpretativo. Já a norma habilitada se limita a estabelecer, no seu preâmbulo, o seguinte: "(...) Finalmente, o artigo 169° da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (...)"
Porém, não classifica a norma como tendo natureza interpretativa, apesar de o diploma assumir que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de "ultrapassar dificuldades interpretativas".
Da redacção dada ao n° 1 do artigo 3.° do CIUC pelo Decreto-Lei n° 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados. [...]
É, portanto, certo que o artigo 169° da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autorizou a alteração da redacção do n° 1 do artigo 3.° do CIUC. O que foi cumprido pelo Decreto-Lei n° 41/2016, passando esta norma a prever que "São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos".
Trata-se de norma claramente inovadora, uma opção legislativa diversa da anterior, e, como tal, a nova redacção do n.° 1 do artigo 3.° do CIUC só se aplica para futuro, não se aplicando ao caso sub judice em que estão em causa os anos de 2009 a 2012. [...]» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.° 00611/13.4BEVIS, de 21-02-2019. No mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.° 0467/14.0BEMDL 0356/18, de 03-06-2020, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Atento o exposto, a redação do artigo 3.° do CIUC, em vigor à data, não contempla uma presunção e, consequentemente, não se coloca aqui a questão de saber se a elisão de uma presunção foi realizada, antes atribui exclusiva relevância à pessoa que consta do registo, independentemente de ser ela ou não a proprietária ou a possuidora da viatura no momento da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto.

M....., a este entendimento não obsta o n.° 2 do artigo 3.° do CIUC, porquanto a equiparação ali prevista tem necessariamente de ser conjugada com o n.° 1 da mesma norma.
Assim, se após a referida alteração legislativa o efetivo proprietário não é sujeito passivo, desde que não seja a pessoa identificada no registo, por maioria de razão não pode funcionar a equiparação a proprietário dos locatários financeiros e titulares dos outros direitos previstos no n.° 2 do artigo 3.° do CIUC se aqueles não constarem do registo automóvel.
Acresce que o facto de ter sido celebrado um contrato de locação por dado prazo não significa que o mesmo não haja sido resolvido ou extinto até ao momento da exigibilidade do imposto, sendo certo que, na data do facto tributário, todos os veículos estavam registados em nome da Impugnante, sem apresentações pendentes e sem registo de outros ónus ou encargos, nomeadamente de qualquer locação, como decorre das certidões da Conservatória do Registo Automóvel descrita no facto provado em 4).
Outrossim, a aplicação do n.° 2 do artigo 3.° do CIUC sempre teria de assentar na vigência do contrato de locação, o qual extingue-se no termo do respetivo prazo, por caducidade, de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 1051.° do Código Civil, ou por outros motivos, designadamente, a resolução, nos termos dos artigos 1047.° e 1048.° do Código Civil e 16.° e 17.° do Decreto-Lei n.° 149/95, de 24 de junho.
Decorre do exposto, ao contrário do entendimento da Impugnante, que mesmo que se considerasse provado que os veículos em causa estavam entregues em regime de locação financeira, em poder dos locatários, e que estes incumpriram os referidos contratos de locação, o que não é o caso dos autos, pelo contrário, atentos os pontos a) e b), tal factualidade não era suscetível de fazer atuar a equiparação prevista no n.° 2 do artigo 3.° do CIUC.
Isto porque, como se disse, o sujeito passivo do IUC não é aquele que tem a posse ou a mera detenção, nem o que utiliza ou circula com o veículo, mas antes aquele em nome do qual a propriedade se encontra registada ou, em alternativa, aquele possuidor de um dos outros direitos equiparados previstos no n.° 2 do artigo 3.° do CIUC.
(…)» fim de citação

E assim é, com efeito retira-se da norma ínsita no artigo 3.º do CIUC em vigor à data dos factos que a intenção do legislador foi a de fazer recair as regras de incidência do imposto nas pessoas (singulares ou coletivas de direito publico ou privado) que sejam considerados proprietários nos termos das regras do registo automóvel, o que significa que estamos na presença de uma presunção decorrente do registo, porém, ilidível nos termos gerais.

Seguindo este entendimento a sentença recorrida, por considerar, face à materialidade dada(1) por provada, que os veículos aqui em causa se encontravam, em janeiro de 2017, registados em nome da Impugnante, concluiu no sentido da inexistência de qualquer violação do disposto nos n.° 1 e 2 do artigo 3. ° do CIUC.

Dissente do assim entendido, a recorrente, alicerçando-se em conceitos conclusivos como, nomeadamente,”[T]todos e cada um dos veículos automóveis a que se reporta o Imposto de Circulação objecto da Impugnação (…) foram e são objecto de Contratos de Locação operacional com contratos autónomos de promessa de compra e venda firme.” ou “[T]todos e cada um dos veículos referidos nos autos estavam na posse dos locatários operacionais referidos, à data da liquidação do imposto mencionado no autos, isto é em Janeiro de 2017, (…).”

Ora, do que se deixa dito e da leitura que se faz do salvatério pode afirmar-se que os fundamentos aduzidos são, manifestamente insuficiente, para os fins visados pela recorrente, quando com eles pretende atacar o julgamento da matéria de facto.

Mas vejamos.

Como temos vindo a assumir(2), a impugnação da matéria de facto, encontra-se, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado o recurso quanto à matéria de facto estará condenado ao insucesso.

Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com este âmbito, impondo-se-lhe, por conseguinte, respeito pela plena satisfação das regras ali previstas.

Dito isto e regressando à situação que nos ocupa damos conta que o recorrente não põe em causa a matéria de facto apurada no texto decisório, limitando-se, outrossim, a contestar genericamente a matéria de facto dada por provada e não provada na sentença recorrida.

Ora, o artigo 639.º do CPC faz recair sobre o recorrente o encargo de concluir de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.

Convocando, neste sentido o acórdão este TCAS de 29/05/2014, proferido no processo n.º 07209/13 que nos diz que a norma citada “… faz recair sobre o recorrente o encargo de circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência, o qual se desdobra em dois distintos ónus. O primeiro, o de alegar, sob pena de indeferimento do recurso (cfr.641, nº.2, al.b), do C.P.Civil). O segundo, o de formular conclusões da alegação, sob pena de não se tomar conhecimento do recurso (cfr.artº.639, nº.3, do C.P.Civil).
O ónus de formular conclusões na respectiva alegação só pode considerar-se satisfeito quando o recorrente fecha a sua minuta pela enunciação de proposições que sintetizem com clareza, precisão e concisão os fundamentos ou razões jurídicas pelos quais se pretende obter o provimento do recurso (anulação, alteração ou revogação da decisão do Tribunal "a quo").
É que, consoante os casos, o recorrente pode pretender a revogação da decisão impugnada, seja para que o Tribunal "ad quem" profira nova decisão, substituindo-se ao Tribunal recorrido (sistema de substituição), seja para que os autos sejam devolvidos ao Tribunal "a quo" para proferir nova decisão (sistema de cassação). Por outro lado, o recorrente pode pretender a revogação da decisão injusta (afectada por erro de julgamento - "error in iudicando") ou a anulação da decisão afectada por invalidade ("error in procedendo").”- fim de citação

Termos em que, no trilho estabelecido no n.º 3 do artigo 639.º do CPC, não pode agora a judicatura tomar o conhecimento do semelhante recurso, na sua totalidade, dado que o vício de que padecem as conclusões afeta toda a apelação(3).

Assim sendo, como vimos que é, o pedido encontra-se condenado ao insucesso, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

IV- DECISÂO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da primeira Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e mante a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente

Registe e Notifique

Lisboa em 02 de março de 2023

Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta
(Com assinatura digital)



(1)Pontos 3) e 4) do probatório
(2)Vide acórdão deste Tribunal proferido em 22/10/2020 no processo n.º 1447/11.2BELRS
(3)Vide neste sentido, entre outros o acórdão do STA proferido em 23/9/2010 no recurso n.º 845/08 e do TCA em 10/12/2003, no processo n.º 00470/03