Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1197/08.7BELRA |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 09/26/2024 |
| Relator: | RUI A.S.FERREIRA |
| Descritores: | ADIANTAMENTOS POR CONTA DE LUCROS |
| Sumário: | I– A presunção legal ínsita no artigo 6º, nº 4, do CIRS não limita o conceito de “adiantamentos por conta de lucros” aos casos referidos nessa previsão legal; antes amplia o conceito também a esses casos (de adiantamento presumido), para além de todas as outras situações de “recebimentos efetivos” de quantias “por causa” do capital investido na empresa, mesmo quando tais recebimentos não tenham sido contabilizados pelas sociedades. II– Assim, do mesmo modo que se presume “adiantamento por conta de lucros” o simples “lançamento” de qualquer quantia em quaisquer contas-correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades, quando não resultem de mútuos, da prestação de serviços de trabalho ou do exercício de cargos sociais, também deverão ser assim qualificados os efetivos recebimentos, pelos sócios, de quaisquer quantias pertencentes à esfera jurídica da sociedade, ainda que não tenham sido objeto de contabilização pela sociedade, desde que o sócio não prove que esses recebimentos têm outra justificação; III– Na falta de prova, a cargo do impugnante, as importâncias resultantes da venda de imóveis pertencentes à sociedade e recebidas diretamente dos clientes pelo respetivo sócio-gerente, sem que tivesse havido qualquer contabilização na empresa vendedora, devem ser qualificadas como “adiantamentos por conta dos lucros” - e não como reembolso dos suprimentos contabilizados na empresa sem que o correspondente saldo credor do sócio tenha sido reduzido na mesma proporção daqueles recebimentos; |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tibutária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
* A Fazenda Pública não contra-alegou.* O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.* Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. * * Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.* São as seguintes as questões a decidir: a. Verifica-se erro de julgamento na fixação da matéria de facto? b. Verifica-se erro de julgamento quanto à exceção de caso julgado? c. Verifica-se erro de julgamento quanto à correção relativa aos rendimentos de capitais? * 2 – FUNDAMENTAÇÃO 2.A.- De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «A. Em 13.11.2007, ao abrigo da ordem de serviço interna n.º ................ e das ordens de serviço externas n.os ................ e ...................., todas de 26.10.2007, foi iniciada uma ação de inspeção ao Impugnante em sede do IRS, com incidência nos anos de 2002, 2003 e 2004, a qual terminou em 06.05.2008 – cf. pág. 2 do relatório de inspeção tributária (RIT) que consta de fls. 17 a 27 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;
* 3. De DireitoO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos artigos 635.º, nºs 4 e 5, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis por força do artigo 281.º do CPPT. Tal como foi já aqui referido, o Recorrente assaca à sentença sob recurso o erro de julgamento quanto à exceção de caso julgado (conclusões A a G) e erro de julgamento na fixação da matéria de facto, omitindo o facto invocado no artigo 63º da p.i. (conclusões H a J) e consequente erro de julgamento quanto à correção relativa aos rendimentos de capitais (conclusões L a N). Apreciando:
* B. Do erro de julgamento quanto à exceção de caso julgado (conclusões A a G)Quanto a essa questão, o recurso termina com as seguintes conclusões: «A) - No entendimento do recorrente, o Tribunal a quo efetuou um insuficiente e incorreto julgamento da matéria de fato. B) – Para que existisse caso julgado formado no processo ......./09.1BELRA, relativamente à liquidação do IRS de 2004, no que às mais valias do artigo urbano ....... da freguesia da Atouguia diz respeito, teria de ter sido dado como provado que a demonstração da liquidação do IRS de 2004 era a mesma em ambos os processos de impugnação. C) – Sucede, porém, que a liquidação de IRS relativa a 2004 contestada neste processo é a demonstração de acerto de contas 2008 ......., no montante de € 40.095,49, com data limite de pagamento em 20 de maio de 2008 enquanto a liquidação de IRS relativa a 2004 contestada no processo ......./09.1BELRA é a demonstração de acerto de contas 2008 ...................., no montante de € 23.522,16, com data limite de pagamento em 22 de dezembro de 2008. D) - Acresce que a ordem de serviço que está na origem da liquidação de IRS de 2004 contestada neste processo é a nº .................... enquanto que o procedimento que está na origem da liquidação de IRS de 2004 contestada no processo ......./09.1BELRA é o nº MV ........ / 2008. E) - Acresce ainda referir que o rendimento líquido alterado que está na origem da liquidação de IRS de 2004 contestada neste processo é de € 131.746,23, e o rendimento líquido alterado que está na origem da liquidação do IRS de 2004 contestada no processo .......709.1BELRA é de 192.023,76. F) - Não existindo identidade das liquidações contestadas neste processo e no processo ......./09.1BELRA não poderá falar-se de caso julgado. G) - Deste modo, não se provando a identidade de liquidações impugnadas neste processo e no processo ......./09.1BELRA, não poderia o Tribunal a quo ter julgado procedente a referida exceção de caso julgado.» Sobre isso, consta da sentença o seguinte: «Nas alegações escritas apresentadas pelo ERFP, foi invocada, além do mais, a exceção de caso julgado na parte relativa ao pedido de anulação da liquidação de IRS do ano de 2004 quanto às mais-valias geradas com a venda do prédio urbano ....... da freguesia de Atouguia que foi formulado na petição inicial, uma vez que esta questão já foi decidida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º ......./09.1BELRA. (…) Ora, de acordo com o peticionado na impugnação judicial que deu entrada neste Tribunal em 09.02.2009 e que correu termos sob o n.º ......./09.1BELRA, foi pedida a anulação “do ato impugnado de IRS de 2004, na parte das mais-valias do prédio urbano ....... da freguesia de Atouguia, em virtude da não sujeição a mais -valias”, tendo sido então aduzida uma argumentação em tudo idêntica à que consta da petição inicial que está na génese dos presentes autos, sendo que por sentença proferida em 20.04.2012 foi julgada parcialmente procedente (cf. informação que se extrai da plataforma SITAF). O ora Impugnante apresentou recurso jurisdicional da sentença proferida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º ......./09.1BELRA, tendo o Supremo Tribunal Administrativo (STA) negado provimento ao mesmo, sendo que esta decisão transitou em julgado (cf. informação que se extrai da plataforma SITAF). Assim sendo, existindo identidade de sujeitos, causa de pedir e de pedido com referência ao processo de impugnação judicial n.º ......./09.1BELRA, verificamos que em relação ao pedido respeitante à anulação da liquidação de IRS de 2004 quanto às mais-valias geradas com a venda do prédio urbano ....... da freguesia de Atouguia se verifica a exceção de caso julgado, pelo que, de acordo com as normas legais acima mencionadas, a Fazenda Pública deve, nesta parte, ser absolvida da instância.», pelo que, no segmento decisório, consta o seguinte: «decidimos: - absolver a Fazenda Pública da instância quanto ao pedido de anulação da liquidação de IRS na parte relativa às mais-valias geradas com a venda do prédio urbano ....... da freguesia de Atouguia; (…)». Em suma: a Fazenda Pública e o tribunal recorrido consideram que existe caso julgado quanto à questão da não sujeição a mais-valias da venda em 2004 do prédio urbano inscrito sob o artigo ....... da matriz da freguesia de Atouguia, Ourém, por identidade objetos e sujeitos do processo de impugnação nº ......./09.1BLRA, mas o Recorrente discorda por considerar que o objeto da presente ação é diferente do daquele processo. De facto, resulta do facto K) do probatório que o processo nº ......./09 .7BLRA tem como objeto (parcial) a liquidação adicional de IRS nº ...................., de 6/11/2008, no total de € 59.875,85, referente ao ano 2004; Por outro lado, o facto E) do probatório refere-se à liquidação adicional de IRS nº 2008....................., de julho de 2008, no total de € 31.981,72 (doc. 3 anexo à p.i.), fundada em ação de inspeção externa autorizada pela Ordem de Serviço nº ...................., de 27/10/2007, e decorreu no dia 6/5/2008. Portanto, a decisão proferida no processo nº ......./09.7BELRA não justifica a exceção de caso julgado, uma vez que não se pronunciou sobre o mesmo facto tributário subjacente à causa de pedir, não obstante os vícios imputados e argumentos usados pelo impugnante naquele processo serem idênticos aos imputados e usados pelo mesmo impugnante nos presentes autos. Isso não equivale a dizer, sem mais, que a sentença padece do invocado erro de julgamento nos moldes peticionados e com a abrangência requerida. Senão vejamos: desde há muito, a doutrina e a jurisprudência distinguem duas vertentes do caso julgado material: a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais. Quanto à função negativa ou exceção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Já quanto à função positiva ou autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais ALBERTO DOS REIS, a função negativa (exceção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade. Segundo outra linha de orientação, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado. “Com efeito, na sequência do já salientado, a autoridade do caso julgado apenas se estende a outros casos em que o objecto da acção anterior, ainda que não haja a tríplice identidade, se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto da acção ulterior, obstando a que a relação jurídica aí definida possa vir a ser contemplada de forma diversa. A tal respeito refere Miguel Teixeira de Sousa que “o caso julgado material pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior como excepção do caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente” e representa “o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” Assim, “quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente (…). Ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalecente um efeito vinculativo. [7] Mostra-se o instituto da autoridade de caso julgado caracterizado em termos de uma diversidade entre os objectos dos dois processos (o que não ocorre na excepção que tem subjacente uma identidade entre esses objectos) em que o decidido na primeira acção surge como condição, como pressuposto necessário para apreciação do objecto processual da segunda acção.[8] E porque apenas se consideram como estando sujeitas à referida autoridade as relações jurídicas interdependentes ou conexas que estejam ligadas à relação judicialmente decidida por um nexo de prejudicialidade[9], não se vislumbra de que forma a suposta regularidade das contas do exercício de 2016 (conclusão a que o tribunal chegou através dos factos que, indiciariamente, deu como provados no procedimento cautelar n.º ...../..., no qual se pedia a suspensão do exercício de funções da então administradora da sociedade Recorrente) se pode inscrever, como pressuposto indiscutível, no objecto do procedimento cautelar que visa a suspensão da deliberação de amortização das acções dos Requerentes.”. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.6.2021, Processo nº 543/18, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ec8b684bfc9fc545802586f10034600b?OpenDocument. Em suma: a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a questão jurídica ali definida venha a ser apreciada, de novo, de forma diversa. No processo de impugnação nº ......./09.7BELRA o mesmo impugnante pediu a anulação “do ato impugnado de IRS de 2004, na parte das mais-valias do prédio urbano ....... da freguesia de Atouguia, em virtude da não sujeição a mais-valias”, tendo sido então aduzida uma argumentação em tudo idêntica à que consta da petição inicial que está na génese dos presentes autos. A sentença julgou essa impugnação improcedente, na parte referente ao referido prédio. Nesse processo ficou decidido, com trânsito em julgado, que “estando provado que parte do prédio urbano que foi alienado em 2004 tinha natureza rústica na data da entrada em vigor do CIRS, pois resultou da anexação do prédio rústico, de natureza agrícola, inscrito sob o art. ..... com o prédio urbano inscrito sob o artigo ....., é de concluir que, em face do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão não se inserem no âmbito de incidência do IRS, isto no caso a sua aquisição ter ocorrido em data anterior à entrada em vigor desse imposto. A questão mais complexa, para efeitos de interpretação do artigo 5º, consiste, pois, em determinar o momento em que, para efeitos fiscais, se pode considerar que o recorrente adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio rústico. A escritura de justificação notarial da aquisição por usucapião ocorreu em 22/5/1995, mas o início da posse ocorreu em data anterior a 1/1/1989. Naquela escritura os justificantes declararam que «há mais de vinte anos sem a menor oposição de ninguém exercem a posse sobre o referido prédio». A controvérsia reside aqui: enquanto a sentença julgou que a transmissão da propriedade ocorreu com a justificação notarial, o recorrente entende que se verificou com o início da posse. (…) o que falta nos autos é a demonstração de que em 1/1/89 o recorrente já estava legitimado, através da usucapião, a dispor validamente do prédio que alienou em 2004. E daí que, por fundamentos diversos, a sentença recorrida tenha que ser mantida..” – Acórdão STA, de 30/01/2013, recurso nº 01072/12, proferido naquele processo (nº ......./09.7BELRA), conforme consulta ao processo disponível no SITAF; o referido acórdão também está disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b9e181bee 504274980257b1d00377cdc?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1. Do sumário desse acórdão consta o seguinte “I – O artigo 5. ° do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, deve ser interpretado no sentido de que não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano e sido alienado como tal. II – Tratando-se de aquisição por usucapião, a não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação do prédio rústico depende da prova de que na data da entrada em vigor do CIRS o alienante já podia invocar a usucapião, ainda que a escritura de justificação notarial tenha sido efectuada em data posterior.”. Uma vez que os factos trazidos aos presentes autos também não permitem conclusão diversa, verifica-se uma situação de autoridade de caso julgado, na medida em que este Tribunal sempre teria de considerar que a alienação onerosa do referido prédio não está abrangida pelo regime transitório referido no artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, que aprovou o Código do IRS, por não ter sido feita prova de que “em 1/1/89 o recorrente já estava legitimado, através da usucapião, a dispor validamente do prédio que alienou em 2004”. Até porque, estando estabilizada a matéria de facto, como acima já se viu, nos presentes não existe qualquer prova referente à aquisição do referido imóvel; pelo que, em rigor, existe absoluta falta de prova quanto ao que vem alegado na petição inicial. Sendo assim, o ali decidido quanto à mesma questão de direito, com reflexos nos presentes autos, impede que nestes seja proferida decisão de mérito divergente daquela. Assim, ainda que proceda o invocado pelo Recorrente quanto à verificação da exceção do caso julgado, tal como sentenciado pelo Tribunal a quo, a verdade é que face à verificação da figura da autoridade do caso julgado, e à concreta vinculatividade supra expendida, a pretensão do Recorrente improcede. * C. Do erro de julgamento quanto à correção relativa aos rendimentos de capitais (conclusões L a N)A Recorrente formulou as seguintes conclusões: «L) - Deste modo, provando-se que o recorrente era credor da sociedade de valores muito superiores aos valores que lhe foram corrigidos no relatório de inspeção, a qualificação das quantias de € 21.697,49, em 2002, de € 26.668,08, em 2003 e de € 193.500,00, em 2004, como rendimento de capitais traduz-se numa errónea qualificação para efeitos de imposto. M) – Por último, sempre se dirá que a interpretação e aplicação da alínea h) do n º 2 do artigo 5º do CIRS, em vigor ao tempo dos fatos, feitas pelo Tribunal a quo qualificou como rendimentos de capitais a distribuição de lucros sem tenham sido escriturados e lançados na conta de sócios. N) – De tudo o exposto resulta que a douta decisão recorrida violou o n º 1 do artigo 580º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do artigo 2º do CPPT e fez errada interpretação e aplicação da alínea h) do n º 2 do artigo 5º do CIRS, em vigor ao tempo dos fatos.» Na petição inicial, o impugnante começou por alegar que as quantias em causa serviram de reembolso de créditos que ele, sócio, tinha sobre a empresa, relativos a pagamentos efetuados por si de despesas não documentadas suportadas pela sociedade (artigos 49º a 61º da p.i.) ou, subsidiariamente, para reembolsar os suprimentos de que era credor sobre a sociedade gerida por si (artigos 62º a 68º da p.i.). Em resposta, a sentença recorrido julgou improcedente ambos os fundamentos, por falta de prova do alegado. De facto, não era possível decidir noutro sentido apenas com base na matéria de facto trazida aos autos. O Impugnante não provou a alegada existência de despesas não documentadas da empresa e que as mesmas tivessem sido pagas por si (facto não provado 1 do probatório, após aditamento efetuado no presente acórdão). Além disso, mesmo não discutindo a existência de créditos de suprimentos sobre a sociedade, nunca os recebimentos em causa poderiam ser imputados ao reembolso desse crédito: i) os pagamentos não foram efetuados diretamente pela sociedade, mas pelos clientes da sociedade; ii) os saldos da conta de suprimentos não foram diminuídos proporcionalmente aquelas quantias recebidas pelo sócio, uma vez que a conta de suprimentos não registou qualquer diminuição correspondente (facto provado L do probatório, após aditamento efetuado no presente acórdão). Portanto, o impugnante e agora recorrente não cumpriu o ónus de alegação indicado no artigo 3º do CPC nem o ónus probatório imposto pelo artigo 74º, nº 1, da LGT. Acresce que, em momento algum, a petição inicial se refere ao vicio de erro sobre os pressupostos de facto e ou de direito, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 5º, nº 2, h), do CIRS, na redação vigente na altura dos factos, por ausência do facto essencial relativo ao registo em qualquer conta-corrente da sociedade, sem ser de mútuo, suprimentos ou prestação e trabalho nos órgãos sociais. Na verdade, a AT limitou-se a citar a norma de incidência prevista no artigo 5º, nº 2, al. h), do CIRS, segundo a qual estão sujeitos a IRS os rendimentos de capitais, considerando-se como tais, designadamente, os adiantamentos por conta de lucros. Ora, os adiantamentos por conta dos lucros do exercício estão previstos no artigo 297º do CSC, mas apenas para as sociedades anónimas e desde que o contrato de sociedade os autorize previamente. Todavia, sabe-se que a lei fiscal é muito menos formalista e que dá prevalência à substância sobre a forma. Ou seja, para efeitos fiscais não deixam de ser adiantamentos por conta dos lucros os pagamentos de rendimentos do capital social efetuados pela sociedade aos seus sócios, ou algum deles, sem que estejam observados os requisitos legais acima referidos. Basta que sejam feitos “por causa” da titularidade da totalidade ou de parte do capital social. E não deixam de ser qualificados fiscalmente como adiantamentos por conta dos lucros as quantias retiradas, pelo sócio-gerente, para seu uso pessoal, com ou sem autorização ou conhecimento dos restantes sócios, se o recebimento de tais quantias não corresponder ao pagamento de quaisquer serviços ou ao reembolso de quaisquer créditos, e o direito subjacente a tais recebimentos assentar, portanto, exclusivamente no direito de o sócio quinhoar nos lucros da sociedade em cujo capital social participa. Do mesmo modo, que se considera “adiantamentos por conta de lucros” o simples “lançamento” de qualquer quantia em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades, quando não resultem de mútuos, da prestação de serviços de trabalho ou do exercício de cargos sociais, também deverão ser assim qualificados os efetivos recebimentos, pelos sócios, de quaisquer quantias pertencentes à esfera jurídica da sociedade, ainda que não tenham sido objeto de contabilização pela sociedade, desde que o sócio não prove que esses recebimentos têm outra justificação. Se assim não fosse, a AT ficaria impedida, em grande parte, de executar a sua missão, de prosseguir o interesse público, na vertente repressiva do combate à evasão e fraude fiscal. O facto de o artigo 6, nº 4, do CIRS prever a seguinte presunção legal: “4- Os lançamentos em quaisquer constas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros”, não significa uma limitação ao conceito fiscal de “adiantamentos por conta de lucros”, considerando-se como tais apenas aqueles que consistirem em “lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas nas respetivas sociedades”. Essa norma não limita aquele conceito, antes acrescenta esses “lançamentos” contabilísticos a todas as outras situações de “recebimentos efetivos” de quantias por conta dos rendimentos do capital, mesmo quando formalmente não tenham sido contabilizados pelas sociedades. De qualquer modo, a AT não invocou essa presunção. No caso dos autos não se gera qualquer dúvida: o Relatório de inspeção afirma, e o impugnante não nega, que a sociedade vendeu prédios urbanos (da sua esfera jurídica) e o sócio-gerente, em conluio com os clientes compradores, locupletou-se com parte do preço, que não foi declarado nas escrituras de compra/venda nem registado na contabilidade da sociedade. Trata-se de uma evasão fiscal muito aparente, que só não será tributada como rendimentos de capitais se o sócio-gerente invocasse e provasse factos que justificassem aquela situação. É isso que determina o disposto no artigo 74º, nº 1, da LGT. No caso, o impugnante não cumpriu esse ónus probatório, como acima se viu. Portanto, conclui-se que não se verifica o apontado erro sobre os pressupostos cometido nos atos tributários. O que equivale a dizer que este Tribunal não reconhece o vicio agora sob análise imputado à sentença. * 4 - DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em: a. Negar provimento ao recurso relativamente aos atos de liquidação de IRS dos exercícios de 2002 e 2003 e manter a decisão recorrida com todas as legais consequências. b. Conceder parcial provimento ao recurso relativamente ao ato de liquidação de IRS, do ano de 2004; c. Revogar a decisão recorrida na parte respeitante à exceção do caso julgado referente às mais-valias geradas com a venda do prédio urbano ....... da freguesia de Atouguia, e em consequência julgar improcedente. d. No demais, negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe e Notifique. Lisboa, em 26 de setembro de 2024 - Rui A.S. Ferreira (relator) – Ângela Cerdeira – Patrícia Manuel Pires (adjuntas) |