Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2983/09.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:CUSTOS
OFERTAS E PUBLICIDADE
ENCARGOS COM VIATURAS
Sumário:I - O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, determinando como ela deve aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, por terem sido incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.
II - Os encargos com portagens e estacionamentos não devem entender-se como incluídos no n.° 4, do artigo 41.º, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. T.... T...., S.A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o acto tributário de liquidação adicional de IRC, na parte relativa a correções à matéria coletável, a título de ofertas dos relógios e sacos de viagem, referente ao exercício de 1998 e improcedente quanto às demais correcções.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de negar provimento ao recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 684.º, nº s 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 do CPC (actuais artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC) ex vi artigo 281.º do CPPT.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir (i) como questão prévia da admissibilidade legal da junção de documentos com as alegações de recurso; (ii) se a sentença enferma de erro de julgamento por errada valoração da prova e de direito por violação do artigo 23.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto, que se transcreve ipsis verbis:


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original;imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”


“(texto integral no original; imagem)”



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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

A convicção do Tribunal fundou-se no seguinte:

«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos que se dão por reproduzidos, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório. E da razão de ciência das testemunhas, dado que o depoimento prestado, no que releva, se limitou a confirmar essa documentação ou à afirmação genérica de factos decorrentes da experiência comum de vida.»


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2. QUESTÃO PRÉVIA: Da junção de documento com as alegações de recurso

A Recorrente juntou com as alegações um documento, pelo que previamente à apreciação das questões suscitadas haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso (alínea K) das alegações de recurso).

O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 693.º-B Código de Processo Civil (CPC), actual artigo 627.º, n.º 1).

Efectivamente, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso.

Vejamos, então, o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.

De acordo com o preceituado no artigo 693.º-B, do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º.

O artigo 524.º do CPC preceituava:

1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.

Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) – cfr. entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.; Ac. STA de 27/05/2015, proc. n.º 0570/14, disponível em www.dgsi.pt/).

No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1.ª Instância, o advérbio “apenas”, usado no artigo 693.º-B do Código de Processo Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1.ª Instância, isto é, se a decisão da 1.ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1.ª Instância ser proferida (cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).

Sobre esta questão pronunciou-se este Tribunal Central Administrativo Sul, em acórdão de 08/05/2019, proferido no processo n.º 838/17.0BELRS, a cujo discurso fundamentador aderimos sem reserva, e do qual se transcreve a seguinte passagem:

«No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida. Por outras palavras, a jurisprudência sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos visando a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, mais não podendo servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/6/2016, proc.8610/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc.118/18.3BELRS; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230).» (vide ainda, a título de exemplo, no mesmo sentido Ac. do STJ, de 30/04/2019, processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/).

No caso dos autos, o Recorrente procedeu à junção de 1 documento, com as alegações, consubstanciados em artigos que constam do Caderno Especial Marketeer Farmacêutico, publicado na Revista Marketeer – estratégia, marketing e negócios, N.º 149, do mês de Dezembro de 2008.

A decisão recorrida foi proferida em 24/11/2008 e a instrução dos autos em primeira instância foi encerrada com o despacho para apresentação de alegações por escrito, nos termos do artigo 120.º, do CPPT, que foi proferido em 04/02/2005.

Do confronto de datas dos documentos, cuja junção se peticiona, resulta que só o doc. n.º 1 foi produzido em data posterior à decisão proferida nos presentes autos, verificando-se quanto a ele a superveniência objectiva.

Não obstante, a data da publicação ser posterior à data da prolação da sentença, os artigos não respeitam à realidade e usos inerentes ao sector farmacêutico no ano de 1998.

Por outro lado, também não se mostra necessária a junção de nenhum dos documentos em causa, nesta fase, pois a sua apresentação não se tornou justificada atenta a decisão recorrida.

Nesta conformidade, entende-se não estar verificada a circunstância que a lei considera, a título excepcional, como justificativa da apresentação de documentos com as alegações de recurso, donde decorre que a junção do documento não será admitida, para conhecimento de eventual alteração à decisão da matéria de facto.

Termos em que não se admite a junção do documento n.º 1 que acompanha as alegações de recurso, por inadmissibilidade legal, determinando-se o seu desentranhamento e devolução ao Recorrente.

Custas do incidente pela Recorrente, que se fixa pelo mínimo legal (artigo 7.º, n.º 4 do RCP).


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3. DE DIREITO

Vem sindicada a sentença de fls. 897 a 931 (da numeração dos autos de suporte físico) do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC referente ao exercício de 1998, no valor global de € 404.864,13 (Esc.: 81.167.971$00).

O objecto do presente recurso respeita à parte em que a impugnação foi julgada improcedente e manteve as seguintes correcções:

(i) Ofertas de artigos - € 86.859,85 (após a anulação parcial da correcção);

(ii) Ofertas de viagens - € 113.481,75;

(iii) Ofertas e publicidade (Despesas de Representação) - € 77.318,37;

(iv) Encargos relacionados com viaturas ligeiras - € 7.775,45.

A recorrente coloca sob censura a decisão da primeira instância, invocando errónea interpretação dos factos e do direito.

Antes de entrar na análise das questões, importa referir que se considera assente a factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida, uma vez que não foi impugnada nos termos do artigo 685-B do CPC, e não ocorre as situações previstas no artigo 712.º do CPC, pelo que não pode ser modificada oficiosamente.

Apreciando.

De acordo com o artigo 23°, n° 1, do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, os custos ou perdas relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim devem ser consideradas.

Desta forma, um custo, para ser considerado como fiscalmente relevante, tem de ser afeto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer que essa relação tenha de ser uma relação de causalidade necessária ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da atividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

Sobre a temática dos custos e sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão deste Tribunal Central Administrativo, de 14/01/2016, proferido no proc. n.º 00634/06, pela pertinência e clareza com que sintetiza a caracterização dos custos fiscais:

«A questão dos custos é uma matéria complexa, sobretudo devido à indeterminação do conceito de «indispensabilidade» (para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora) que a lei exige para a sua relevância fiscal.

Com efeito, os custos ou perdas da empresa constituem elementos negativos da conta de resultados, e são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa (cfr.artº.23, do CIRC).

A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico. (Ac. do TCAS n.º 04690/11 de 07-02-2012 Relator: J……).

Não podem ser contabilizados como custos despesas que não têm qualquer relação direta com a atividade principal da empresa e não revelem indispensáveis à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora.

E também não basta que sejam indispensáveis segundo um critério subjectivo qualquer, mas sim que o sejam comprovadamente. Isto é que sejam susceptíveis de comprovação objectiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo, que os contabiliza.

O requisito da indispensabilidade dos custos também não deve ser aferido por citérios abstractos mas sim de racionalidade económica. Ou seja, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora (Saldanha Sanches, Manual, pp. 385).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, a regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais e a noção legal de indispensabilidade tem de colocar-se numa perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.

O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, determinando como ela deve aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, por terem sido incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.

Portanto, o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário, e todo o gasto que contabilize como custo mas que se mostre estranho ao fim da empresa já não é custo fiscal, porque não é indispensável.

Como já se deixou expresso supra, em regra, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Deste modo, a indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo de inserção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.

É com este entendimento que iremos apreciar o imputado erro de julgamento da sentença recorrida ao ter validado as correcções efectuadas pela Administração Tributária.

Sobre as questões colocadas no presente recurso, já este Tribunal Central Administrativo Sul se pronunciou, no âmbito do processo n.º 2863/09.5BCLSB, de 05/03/2020 (disponível em www.dgsi.pt/), estando em causa as mesmas partes, sendo que as correcções em sede de IRC efectuadas pela Administração Tributária alicerçam-se em idêntica fundamentação, com a diferença de que os presentes autos respeitam à liquidação de IRC do ano de 1998 e no arresto citado estava em crise a liquidação de IRC do ano de 1996, e as alegações de recurso também são semelhantes.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço, e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do identificado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, e por as questões aqui em análise não deferirem, transcrevendo as passagens relevantes, relativamente a cada uma das questões suscitadas, cujo entendimento perfilhamos.


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3.1. Custos contabilizados com artigos para oferta (€ 86.859,85)

Alega a Recorrente que as ofertas dos objectos sub judice configuram procedimentos publicitários comprovados, que estão em relação directa com a sua actividade normal, que beneficiaram as entidades legalmente habilitadas a prescrever os medicamentos comercializados pela Recorrente e que são indispensáveis à realização dos seus proveitos e que está devidamente identificada em cada factura a indicação do código associado a cada medicamento (cfr. alíneas Q) R) e S) das conclusões da alegação de recurso.

A Recorrente pugna pela anulação desta correcção e revogação da sentença nesta parte, insurgindo-se contra o entendimento vertido na sentença de que para a indispensabilidade do custo é fulcral o conhecimento do destinatário das ofertas por a seu ver violar o princípio da justiça, da igualdade, da tributação pelo lucro real.

A Administração Tributária procedeu a esta correcção por considerar que as mesmas não se enquadram no espirito de ofertas de pequeno valor, considerando-as dispensáveis para a realização dos proveitos (cfr. pontos 8 a 12do probatório).

A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação, tendo anulado esta correcção quanto aos valores corrigidos referentes a ofertas de “relógios expo”, “sacos de viagem” e relógios de pulso” no entendimento que se enquadram como «objectos de valor intrínseco insignificante», mantendo a correcção quanto a “barris” e “aparelhos extractores de cerveja”.

O acórdão de 05/03/2020 deste TCAS supra referido sobre esta questão expendeu o seguinte discurso fundamentador:

«(…) começamos por lembrar que no respeita à aceitação dos custos fiscalmente dedutíveis, o critério legal, constante do aludido artigo 23°, n° 1 do CIRC, assenta, efectivamente, na exigência de que tais custos, para além de devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto.

Explicando, é ponto assente que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.

No caso, da declaração fundamentadora como suporte da correcção verifica-se que a Administração Tributária nunca pôs em causa a efectividade das despesas nem demonstrou, como lhe competia, que essas despesas não se insiram no interesse societário, apenas as desconsidera para feitos do artigo 23.° do CIRC por não se enquadrarem no espírito de oferta de pequeno valor, de acordo com os usos e costumes comerciais.

Ora, corno acima já o dissemos, a Administração Tributária não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista ou quanto ao respectivo valor. Por conseguinte, não pode, por isso, manter-se a correcção cujo único fundamento assentou estritamente a circunstância dos custos contabilizados não se enquadrem no espírito de oferta de pequeno valor. E, sendo assim, como efectivamente é, não colocando a Administração Tributária em causa a efectividade dessas despesas, a correcção ora analisada não pode com o fundamento que a suportou permanecer na Ordem Jurídica.

Por conseguinte, procede nesta parte o recurso.»

Concluímos, assim, pela procedência, neste segmento, do recurso.


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3.2. Custos contabilizados como ofertas de viagens (€ 113.481,75)

De acordo com a fundamentação da presente correcção constante do ponto 13 do probatório, a Recorrente no exercício de 1998 contabilizou na conta 62218 – Ofertas, a quantia de € 113.481,75, referente ao pagamento de viagens a médicos para se deslocarem a congressos.

A Administração Tributária acresceu este montante à matéria colectável, alicerçando a correcção no seguinte:

«Os documentos enumerados referem-se a aberturas de crédito em agências de viagem, efectuadas em nome de médicos, para apoio em congressos. Da análise efectuada à documentação verificou-se que os elementos que serviram de base à contabilização eram insuficientes para poder considerar os valores atrás enumerados como custos fiscalmente aceites. De facto, a contabilização de facturas de agências de viagem relativas a abertura de crédito a favor de determinado médico, não comprova que os valores pagos correspondem a efectivas deslocações a eventos científicos, nomeadamente, seminários e congressos médicos. Isto porque, o beneficiário da abertura de crédito, pode utilizar esses valores em viagens pessoais de lazer, ou não utilizar quaisquer serviços recebendo. por vezes, um cheque de reembolso por serviços não utilizados.»

Concluiu a AT que o sujeito passivo não apresentou «(...) justificativos que permitissem concluir que os valores contabilizados em ofertas acima mencionados tivessem sido utilizados em congressos ou outros eventos científicos provasse a participação dos médicos em eventos científicos.

Neste contexto, o valor de 22.751.049$00 (€ 113.481,75 – cento e treze mil, quatrocentos e oitenta e um euros e setenta e cinco cêntimos) será acrescido à matéria colectável por força do art. 23. Do CIRC, ado que ficou por provar a efectividade e a indispensabilidade do custo.»

A sentença recorrida validou a correcção efectuada pela Administração Tributária.

Invoca a Recorrente que a classe médica é um dos principais “promotores do sucesso empresarial, materializado no sucessivo aumento das vendas e proveitos declarados nos vários exercícios – 48% em 1996, 24,69% em 1997, 24,67% em 1998 e 39,25% em 1999 -, porquanto é deles que depende a prescrição dos produtos farmacêuticos por si produzidos e comercializados. Argumenta que as correcções relativas a ofertas objecto de correcções respeitam a custos globais de marketing com o objectivo de divulgar e promover os produtos/medicamentos junto das entidades habilitadas a prescreve-los, sendo o médico um interveniente essencial neste processo, pois, sem a sua acção directa, não existe o acto de compra dos produtos da Recorrente, e consequentemente proveitos tributáveis em sede de IRC. Mais alega que as correcções violam o artigo 74.º da LGT.

Vejamos.
No caso dos autos está-se perante uma situação em que a AT pretende fazer uma correção ao valor declarado pela Impugnante (aumentando a matéria tributável declarada do IRC de 1998) por considerar que esta não tem direito à dedução fiscal do custo contabilizado com suporte em faturas.

A Recorrente sustenta que cabia à AT fazer a prova dos factos que invoca, nos termos do artigo 74.º da LGT, não podendo inverter o ónus da prova para a Recorrente (alínea F) das conclusões da alegação de recurso).

Analisadas as facturas que sustentam os custos com ofertas de viagens contabilizados pela Recorrente verifica-se que todas elas identificam o médico e o congresso (fls. 113 a 209 dos autos de suporte físico referidas no ponto 17 do probatório; e ponto 34 do probatório).

A AT tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a liquidar o IRC adicional, sendo que a inexistência ou insuficiência dessa demonstração terão como consequência a desconsideração do facto, que se terá por não verificado.

No caso em apreço não há dúvida que a AT não fez a prova que lhe era exigida, como melhor se verá infra.

Prosseguindo com o discurso fundamentador do Acórdão deste TCAS de 05/03/2020, proferido no processo n.º 2863/09:

«Como se sabemos, estabelecendo o artigo 75.°, n.° 1 da LGT uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte ("[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (...)"), cabe a Administração Tributária o ónus da prova da falta de correspondência com a realidade do teor das declarações (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos. Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária — Anotada e Comentada, 4. cd., Vislis. 2012, p. 664).

Neste contexto, em sede de acção de inspecção, cabe à Administração Tributária demonstrar os pressupostos que legitimam a correcção à declaração do contribuinte, ou seja, os factos constitutivos desse direito, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 74.° da LGT.

Da fundamentação aduzida pela Administração Tributária decorre que foram desconsiderados os custos contabilizados tia rubrica - Viagens - pela ausência de prova justificativa da participação dos médicos nos eventos científicos. Sendo neste argumento que radica a correcção, e perfilhando nós o entendimento no Acórdão do STA, de 29.03.2006, proferido no processo n.° 1236/05, no sentido de que «Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa» (Acárd5o do STA. de 29.03.2006. proferido no processo n.° 1236/05, disponível em texto integral em www.dgsi.ot), significa, que não colocando a Administração Tributária a efectividade dos correspondentes custos, nem que os mesmos surgem à margem de qualquer conexão com a actividade da Recorrente a correcção não pode manter-se com o fundamento que a suporta.

De resto, o entendimento de que a indispensabilidade se reconduz à exigência de uma relação de causalidade necessária e directa entre custos e proveitos há muito recusada pela doutrina e pela jurisprudência. (Vide por todos, o Acórdáo do STA de 24.09.20 14, proferido no processo n.° 779/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)»

Pelo exposto, procede, neste segmento, o recurso.


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3.3. Ofertas e publicidade consideradas despesas de representação (€ 77.318,37)

A Administração Tributária entendeu, de acordo com o teor do Relatório de Inspecção Tributária, que a Recorrente contabilizou despesas referentes a inscrições em eventos científicos, estadias, jantares e encontros com a classe médica (€ 118.875,84) e com publicidade respeitante à organização congressos, apoio e inscrição de profissionais de saúde (€ 267.715,98), que deviam ter sido consideradas como despesas de representação, tendo acrescido à matéria colectável a quantia de € 77.318,37 (= € 23.775,17 + € 53.543,20) (pontos 19 a 21 e 22 a 23 do probatório).

A Recorrente defende, em suma, que tais custos jamais poderão ser qualificados como despesas de representação, e como tal sujeitos à tributação agravada, na medida em que o enquadramento fáctico em que os mesmos são incorridos inviabilizam a sua subsunção a tal conceito, por tais custos estão directamente relacionados com a politica de marketing da Recorrente, sendo legalmente admitidos nos termos do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19/04.

A sentença sob recurso, aderiu à tese da Administração Tributária, considerando que estes encargos com a realização de eventos se inserem na facti specie do artigo 41.º, n.º 3 do CIRC.

No acórdão deste TCAS que vimos referindo ponderou-se sobre a matéria das ofertas consideradas despesas de representação o seguinte:

Nos termos do artigo 41.º, n.° 3, do CIRC (na redacção à data dos factos), «c1onsideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades».

Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidade.

Esclarece a doutrina, que «[a]s despesas de representação englobam os gastos registados pela empresa de alojamento, restaurante, recepção e espectáculos (elemento factual,), que pela sua própria natureza são adequadamente aptos à satisfação indistinta de necessidades profissionais e/ou pessoais (elemento material), pelo que se torna dfícil ou quase impossível reconduzi-los a cada uma dessas esferas (elemento finalístico).» (Tomas Castro Tavares, "Regime Jurídico das Despesas de Representaçào". Fisco n.° 95/96, p. 81),

E, continua aquele autor referindo que «O regime fiscal das despesas de representação tem de dar guarida a dois interesses conflituantes: permitir, por um lado, a dedução integral das que assumam carácter profissional. Impedir, por outro lado, o suporte empresarial de gastos privados (..), que se traduz, na prática, numa ilícita dupla evasão alternativa: os beneficiários tendem a não pagar imposto por esses rendimentos em espécie, sendo difícil o respectivo controlo pela máquina fiscal, justamente por causa das características destas despesas. » (.....quando for possível estabelecer, com certeza e rigor, a ligação exclusivamente empresarial ou pessoal de certas despesas de representação, devem então conferir-se, in toto, os respectivos efeitos fiscais ", ou seja, a dedutibilidade total dos custo (ligação exclusivamente empresarial) ou a não dedutibilidade integral desses custos (ligação exclusivamente pessoal).

Estabelecia o Decreto-Lei n.° 100/94, de 19 de Abril, no seu artigo 9.°, sob a epígrafe "Acções de Formação" (na redacçào vigente no anos de 1996) que: «[n]as acções de promoção de vendas, o acolhimento deverá ser sempre de nível razoável e ter um carácter acessório em relação ao objectivo principal da reunião, não devendo esta ser alargada a pessoas que não sejam profissionais de saúde.».

Conforme resulta da fundamentação vertida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30.11.2010, proferida em sede do processo n.° 04002/10: «De acordo com tal legislação consideram-se custos de acolhimento das referidas pessoas os encargos com a respectiva inscrição, deslocação e estada em manifestações de carácter científico e ainda em acções de promoção de medicamentos que comportem urna efectiva mais-valia cientifica ou ganho formativo para os participantes.

Acresce que a estada não deverá exceder o período compreendido entre o dia anterior ao do início e o dia seguinte ao do termo do evento ou das acções deformação ou de promoção de medicamentos nem comportar benefícios de carácter social prevalecentes sobre o objectivo cientjtico e profissional."

Ora, no caso em presença não questionando a AF quer a efectivação da despesas nem que as mesmas foram incorridas com profissionais de saúde, o que aliás admitiu, não poderá a correcção manter-se.

Adicionalmente se dirá, como bem refere a Impugnante "[a] própria Administração Tributária veio a reconhecer, já em 2009, que as empresas da indústria farmacêutica podem realizar, nos termos da lei, congressos e eventos médicos, devendo tal custo ser aceite fiscalmente, conforme informação vinculativa referente ao processo 1648/09, com Despacho do Director-Geral, em 16 de Junho de 2009.”

Termos em que deve ser anulada a correcções efectuada pelos serviços de inspecção no montante de é'368. 830,25, ao classficar este montante associado a eventos científicos como despesas de representação.».

Efectivamente, é este, de resto, o entendimento deste Tribunal Central Administrativo, que num caso em tudo idêntico ao presente, se pronunciou no sentido pugnado em 1.ª Instância, ao referir que: « (...) no que diz respeito ao conceito de despesas de representação, atento o disposto no art°. 81, n 7, do C.I.R.C. (cfr. anteriormente o art°. 4, nº. 6, do dec. lei 192/90, de 9/6; actual 88, n°. 7, do C.I.R.C.), devem considerar-se como abarcando tal conceito, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos, no país ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades (cfr.ac. TC.A.SuI-2Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac. TC.A.Sul-2Secção, 7/5/2015, proc.8534/15; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.202 e seg.).

No caso "sub judice ", do exame da factualidade provada (cfr. nºs. 4 e 5 do probatório), deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade in?pugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se mantfesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do n". 1 do probatório (comércio por grosso de produtos farniacéuticosl, assim devendo enquadrar-se no art°. 23, nº. 1, al.b,), do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade, conforme se entendeu na decisão recorrida.» (Acórdão de 12.01.2017, proferido no processo n.° 09894/16, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Esta a jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera, já que se entende que a respectiva fundamentação é inteiramente transponível. pois que. também no nosso caso, não estamos perante despesas de representação mas, antes isso sim, perante despesas com Publicidade- Propaganda.»

Continuando com o discurso fundamentador do Acórdão deste TCAS, transcreve-se o excerto em que aprecia a correcção relativa às despesas contabilizadas na conta 62233125 – Publicidade:

«Vejamos, então, se a reclassificação das despesas em causa como despesas de representação feita pela Administração Tributária que a Recorrente havia contabilizado nas rubricas de publicidade, está correcta.

No caso, a Administração Tributária não põe em causa que os custos foram efectivamente suportados, mas que as despesas devem ser sujeitas à tributação autónoma de 20% de harmonia com o previsto no artigo 41°, n°1 al.g) do CIRC.

Nos termos do artigo 3.° n.° 1 do Código da Publicidade (CP) aprovado pelo Dec.-Lei n.° 330/90, de 23/10 (em vigor à data dos factos), considera-se publicidade, (...), qualquer forma de comunicação feita no âmbito de uma actividade comercial, (...), com o objectivo de promoverofornecimento de bens ou serviços, (...).

Assim, a definição do que seja publicidade servirá apenas como argumento ou índice do que possa ser considerado, caso a caso, conforme a actividade em questão, despesa normal de exploração.

A publicidade é um instrumento ao serviço da actividade económica. Com ela visa-se propiciar o conhecimento por parte do público da existência da empresa, da actividade que desenvolve, da qualidade ou potencialidade dos produtos ou serviços produzidos ou comercializados, etc.

No caso em apreço, a Recorrente tem como objecto social a indústria e o comercio de produtos e especialidades farmacêuticas, medicamentos, produtos quaimicos, dietéticos, higiene e alimentar encontrando-se sujeita ao regime jurídico da publicidade dos medicamentos para uso humano, aprovado pelo Dec.-Lei n.° 100/94, de 19 de Abril, sendo certo que nos termos do estatuído nesse diploma (artigos 9.° e 1 0.°) as empresas da indústria farmacêutica podem suportar os custos de acolhimento de pessoas habilitadas a prescrever ou dispensar medicamentos em eventos científicos e acções de formação e de promoção de medicamentos, desde que, em qualquer caso, tais incentivos não fiquem dependentes ou constituam contrapartida da prescrição de medicamentos.

Ora, no caso, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da Recorrente, assim devendo enquadrar-se no artigo 23.°, n°1, al.b), do CIRC, enquanto despesas de publicidade.

De resto, nem tão pouco se diga, como o faz a Administração Tributária de que os custos em análise não visam publicitar a Recorrente, ou seus medicamentos, quanto a própria afirma que estão em causa brochuras de medicamentos com a designação do medicamento publicitada.»

Termos em que procede, neste segmento, o recurso.


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3.4. Encargos relacionados com viaturas ligeiras (€ 7.775,45)

A Administração Tributária procedeu a esta correcção, de acordo com o referido no Relatório de Inspecção Tributária, no entendimento que os encargos com viaturas ligeiras não contemplam os custos suportados com portagens, estacionamento e juros de lesasing, donde deriva a dedutividade dos 20%, por força do artigo 41.º, n.º 4, do CIRC (pontos 24 a 26 do probatório).

A sentença recorrida secundou a legalidade do entendimento da Administração Tributária, considerando que todos os encargos relacionados com viaturas estão sujeitos à limitação consagrada no artigo 41.º, n.º 4 do CIRC.

Insurge-se a Recorrente contra esse entendimento advogando que estes encargos não respeitam directamente a encargos com viaturas ligeiras, mas antes (e mais directamente) à natureza da actividade prosseguida pela Recorrente e pelo seu exercício, por necessitar de ter uma frota de viaturas ao seu serviço atribuídas aos seus delegados comerciais, supervisores, etc., que as utilizam diariamente como instrumentos de trabalho nas suas deslocações.

Vejamos.

No acórdão deste TCAS de 05/03/2020 que se vem citando, cuja fundamentação acompanhamos, escreveu-se sobre esta questão, o seguinte:

«O artigo 41.º, n.° 4, do CIRC (na redacçao em vigor no momento da ocorrência dos factos tributários em apreço) sob a epígrafe « Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», estabelecia que «Excepto tratando-se de viaturas afectas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a ser alugadas no exercício da atividade normal do respectivo sujeito passivo e sem prejuízo do disposto na alínea i) do n 1] do artigo 32º e nas alíneas i) e j) do n°1 do presente artigo, também não são dedutíveis, para efeitos de determinação do lucro tributável, 20% dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, designadamente reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, reparações e combustível.».

Conforme já o subscrevemos no Acórdão deste Tribunal Central de 09.03.2017, proferido no processo n.° 08955/15, em que fomos Adjunta «(…) é no artigo 23° do CIRC que está fixado o critério para efeitos de determinação dos encargos contabilísticos que podem ser qualificados como custo fiscal e que o artigo 41 .° apenas disciplina ou consagra as limitações à dedutibilidade de certos custos já previamente admitidos pelo artigo 23° do CIRC, o que toma, a nosso ver, irrelevante a argumentação aduzida pela recorrente, como factor de oposição à aplicação do n.° 4, do artigo 41.º do mesmo Código, de que foi dado como provado que tais viaturas eram utilizadas no desenvolvimento da sua actividade, por a admissão de tais custos, à luz daquele preceito geral, pressupor já, precisamente, essa relação - mas, sim, pela resposta que deva ser dada quanto à amplitude fáctica admitida pelo regime legal invocado pela correcção legal impugnada.

Ora, quanto à primeira questão — traduzida na consideração de que a norma abrange todo o tipo de despesas relacionadas com as viaturas -, entendemos que a resposta só pode ser negativa. Efectivamente, tendo presente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei e que o legislador consagrou a solução mais acertada, mas também não esquecendo a incontornável presunção de que a solução consagrada o foi nos termos mais adequados àquilo que era a sua vontade (artigo 9°, do Código Civil), a única conclusão possível é a de que se fosse sua intenção fosse abarcar todo o tipo de despesas se teria limitado a afirmar que, mesmo que contabilizados como custos ou perdas de exercício, e salvo as excepções aí consagradas, não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável 20% de todos os encargos relacionados com viaturas ligeiras, qualquer que fosse a sua natureza.

Não foi, porém, essa a sua opção, pelo que, a solução que haja de ser dada ao problema interpretativo que se nos coloca, perante a opção do legislador por uma regulamentação exemplificativa, haverá de ser encontrada na resposta que dermos à questão de saber se os encargos relativos a portagens e estacionamento são por natureza semelhantes aos encargos aí contemplados e, consequentemente, fazem parte do núcleo de despesas que o legislador pretendeu que fossem entendidos como englobados pelo termo "designadamente" aí aposto.

Adiantamos, desde já, que a nossa resposta a esta questão é igualmente negativa por entendermos que a semelhança entre a natureza dos encargos previstos na norma e os demais encargos comprovados e que se ofereçam como susceptíveis de ser fiscalmente relevantes para efeitos de aplicação do regime consagrado no n.° 4, do artigo 41.° do CIR só pode radicar no nexo de causalidade necessário e directo entre a viatura enquanto bem da empresa e o encargo suportado. É, se bem vemos, para esse elemento primário, para essa ligação directa, necessária, intrínseca e física - através do bem em si mesmo considerado ou através do contrato que subjaz ao encargo — que os exemplos adiantados pelo legislador no n.° 4 do preceito nos remetem (reparações, amortizações, seguros, rendas, alugueres e combustível) e esse nexo fisico ou contratual não é encontrado nos encargos de estacionamento e de portagens.

É verdade que, podemos dizê-lo, nos encargos cuja dedução de 20% vem questionada nos autos também existe esse nexo de causalidade, uma vez que os valores de portagens ou de estacionamentos só são devidos porque há uma viatura, há um bem sem o qual não haveria cobrança de portagens nem custos com estacionamentos. Ou seja, pode afirmar-se, seguramente, que tais encargos (portagens e estacionamentos), tal como as reparações, as rendas ou alugueres, só existem porque esse mesmo bem existe. Acontece porém que, distintamente do que ocorre com os encargos-tipo ou exemplos enumerados na lei, que existem independentemente da utilização do bem na actividade, aquelas portagens ou estacionamento, já admitidas como custos para efeitos do artigo 23.° do CIRC, mais do que estarem relacionadas com a viatura, estão directamente relacionadas com a actividade empresarial, sendo este o marco, insiste-se, se bem vemos, relevante para efeitos do regime fiscal consagrado. Aliás, como afirma a recorrente, com o que concordamos (distintamente do que acontece com a densificação que faz do termo designadamente por "peças" e "acessórios" quanto a nós absolutamente integrado no exemplo reparação constante da norma), bem pode acontecer que tais encargos ocorram independentemente de serem utilizadas viaturas ligeiras de passageiros, designadamente através da utilização na actividade empresarial de viaturas mistas ou motociclos, ambos sujeitos a cobrança de portagens e de estacionamento e sem que de qualquer forma se possa afirmar (porque não existe qualquer possibilidade de ser encontrado um mínimo razoável de correspondência literal na norma—artigo 9.° do Código Civil) que a redução de 20% prevista na lei é aplicável a esse tipo de viaturas.

Acresce que, um outro elemento interpretativo, que perpassa já do que vimos expondo e que inquestionavelmente tem que ser relvado, é o do objectivo prosseguido pelo legislador com a instituição desta concreta restrição à dedução e que foi, como é por demais sabido, "compensar/anular" os abusos, muitas vezes cometidos, decorrentes de aquisições de viaturas, sobretudo do tipo "ligeiros" utilizados para transporte de passageiros, através de sociedades - beneficiando do regime fiscal então associado a essa aquisição associado — mas para serem utilizados de forma exclusiva ou preponderante por particulares e para fins particulares. Foram, pois, no mínimo primacialmente, as viaturas em si (a sua aquisição) que estiveram na mira do legislador e não as despesas de portagens e estacionamentos a ela associados, cuja relação com a actividade é objecto de controlo ao nível do artigo 23.° do CIRC.

Tudo, pois, argumentos que nos inculcam, pelo menos mais fortemente, a convicção de que a realidade fáctica em presença nos autos não deve entender-se como subsumível à previsão da norma legal ou, o mesmo é dizer, que os encargos com portagens e estacionamentos não devem entender-se como incluídos no n.° 4, do artigo 41.º, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.», (disponível em vww.dgsi.pt).

Não havendo razões sérias para alterar o entendimento consagrado do Acórdão parcialmente supra transcrito, e recordando a Administração Tributária não questionou/negou que os juros das rendas de locação financeira são encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, não podemos deixar de concluir que as verbas contabilizadas com portagens, estacionamentos e juros do leasing não estão abrangidas no âmbito da aplicação do n.° 4, do artigo 41°, do ClRC.»

Pelo exposto, procede, neste segmento, o recurso.


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3.5. Juros indemnizatórios

A Impugnante peticionou o pagamento de juros indemnizatórios tendo a decisão da primeira instância dado procedência parcial a este pedido, por ter julgado improcedente a impugnação quanto às correcções objecto do presente recurso.

Atendendo ao que acaba de ser exposto e considerando o enquadramento jurídico feito na decisão da primeira instância, resulta que tal pedido deve proceder integralmente por se verificarem os requisitos exigidos pelos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.


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Impõe-se, pois, conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida que assim não decidiu.

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Conclusões/Sumário:

I. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, determinando como ela deve aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, por terem sido incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.

II. Os encargos com portagens e estacionamentos não devem entender-se como incluídos no n.° 4, do artigo 41.º, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) Julgar inadmissível, porque ilegal, a junção aos autos do documento anexo às alegações de recurso e, em consequência, determina-se o desentranhamento de tal documento e a sua devolução à apresentante;

b) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar procedente a impugnação judicial e, consequentemente, anular, na parte subsistente, a liquidação adicional de IRC do ano de 1998, condenando-se também nesta parte a Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios.

Sem custas, por a Fazenda Pública delas estar isenta na data de instauração do presente processo [artigo 3.º, n.º1, alínea a), do RCPT].

Custas do incidente a cargo da Recorrente pelo mínimo.

Notifique.

Lisboa, 12 de Maio 2022.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)