Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 13/07.1BECTB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 03/02/2023 |
Relator: | SUSANA BARRETO |
Descritores: | IVA TAXA REDUZIDA EMPREITADA |
Sumário: | Se nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não foram postos em causa os motivos de procedência da pretensão da Impugnante e ora Recorrida, por si só suficientes para suportar a decisão de procedência, este é manifestamente ineficaz enquanto forma de ataque à sentença recorrida. |
Votação: | Unanimidade |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por R… — Exploração de Águas, Lda., contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos períodos de 2002 e 2003 e de juros compensatórios no montante global de € 22 182,26. Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «Assim, nos termos dos artigos 639° e 640° (anteriores 685°-A e 685°-B) do Código de Processo Civil: a) Foram violados pela douta sentença a verba 2.17 da lista I anexa ao Código do IVA à data em vigor, o artigo 1207° do Código Civil, o artigo 1154° do Código Civil, fundamentadores das correcções efectuadas, tendo ainda a douta sentença desconsiderado o descritivo constante das facturas fundamentador das correcções em análise. b) Conforme consta do relatório de inspecção tributária ora em causa, foi efectuada a análise a todas as facturas relativamente às quais foram feitas as correcções em IVA anuladas pelo tribunal “a quo”, tendo os serviços de inspecção tributária verificado que nas facturas n° 86, 87, 88, 90, 94,97, 105,108,132,110,132,192,193, 198, e 200, emitidas doze no ano 2002 e as facturas n° 108, 110 e 132 no ano 2003, todas a juntas de freguesia, foi liquidado IVA à taxa de 5%, considerando a impugnante tais trabalhos enquadrados na verba 2.17 da lista I anexa ao ClVA. De acordo com essa verba são sujeitas a taxa reduzida “as empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais ..., desde que, em qualquer caso, as referidas empreitadas sejam directamente contratadas com o empreiteiro” (sublinhado nosso). c) Ora, verificaram os serviços de inspecção que em relação às facturas n° 86, 94, 97, 108, 110 e 132 não foi exibido qualquer contrato de empreitada, acrescendo o facto de, pela própria descrição das facturas, se verificar que mais não são do que um fornecimento de bens e ou serviços, não configurando uma empreitada mas sim uma mera prestação de serviços (preço por metro quadrado), logo, por si, não podendo beneficiar da redução do IVA para 5%. d) Por outro lado, da descrição das facturas constata-se que a impugnante não facturou em função das obras “empreitadas” mas sim em função dos trabalhos realizados e dos materiais vendidos, ou seja, em função dos metros quadrados, do preço por metro quadrado, dos materiais, do número de horas que a máquina trabalhou. Trata-se, pois, duma facturação à peça. A descrição das facturas mais não é do que um fornecimento de bens e/ou serviços. Como exemplo, a factura n° 132 (fls. 24 do processo administrativo organizado nos termos do art° 111° do CPPT) refere “58 m2 x 12,92 de fornecimento e assentamento de calçada a cubos de granito”; a factura n° 105 (fls. 21 do processo administrativo) refere “673 m2 x 12,45 fornecimento e assentamento de calçada 8.378,85€; 39m 2 x 8,90€ de levantamento e reposição de calçada = 347,10€”. e) Refere a impugnante nos n° 37 a 41 da petição que «quanto às formalidades, apesar de a lei poder dispensar da redução a escrito, quase todos os trabalhos realizados assentam em contratos de empreitada reduzidos a escrito conforme o próprio relatório refere. Por outro lado os elementos referidos no artigo 117° consideram-se integrados no contrato, ou seja, não têm que constar do contrato. Por fim deve referir-se que os contratos também contêm os elementos possíveis e necessários à sua validade, mencionados no artigo 118º”. f) No sentido de demonstrar que o alegado pela impugnante não correspondia à verdade e também no sentido de corroborar a bondade das correcções efectuadas pela inspecção tributária foi desde logo invocado pela fazenda o CPA. Tendo sido invocado o artigo 178/1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) à data em vigor nos termos do qual é contrato administrativo “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa”. E o n° 2 refere a título exemplificativo como contratos administrativos os contratos de empreitada de obras públicas. Mas o CPA não se limitou à definição de contrato administrativo e à enumeração das suas espécies mais conhecidas. Incluiu no artigo 179° uma verdadeira norma de habilitação em matéria de celebração de contratos administrativos: a não ser que a lei o impeça ou que tal resulte da natureza das relações a estabelecer, as competências dos órgãos da administração pública podem ser exercidas por via da outorga de contratos administrativos. Mais. A administração pública, para além da outorga de contratos administrativos, também se pode vincular através de contratos de natureza jurídico-privada, submetidos a regras idênticas às aplicáveis aos contratos administrativos, nomeadamente no plano da formação do contrato, nos termos do D.L. n° 197/99, de 8/6, que estabelece o regime jurídico de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços e contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços (inclusivamente, o D.L. n° 134/98, de 15/05, consagrou expressamente a possibilidade de utilização do recurso contencioso contra actos administrativos relativos à formação de contratos da administração pública que não são necessariamente contratos administrativos). g) Por outro lado, no que concerne aos contratos de empreitada de obras públicas rege o D.L. n° 59/99, de 02/03, (regime jurídico das empreitadas de obras públicas), que estabelece as regras a que deve obedecer o contrato administrativo de empreitada de obras públicas. h) No que concerne às facturas ora em causa, como já evidenciado, é de referir que em relação a algumas não existe qualquer contrato de empreitada, sendo que, ao contrário do referido na petição, nos termos dos artigos 115° a 120° do D.L. n° 59/99, de 02/03 (regime das empreitadas de obras públicas), o contrato de empreitada está sujeito a forma escrita, sendo necessariamente precedido dum caderno de encargos/orçamento e duma proposta conforme aos modelos anexos àquele decreto-lei, o que não se verificou em relação às facturas ora em causa. Já nos termos dos artigos 59° e seguintes do D.L. n° 197/99, de 8/6, que estabelece o regime jurídico de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços e contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços, a celebração de contrato escrito não é exigida em várias situações, nomeadamente quando “a despesa seja de valor igual ou inferior a 10.000 contos”). Acresce ainda o facto de não haver sequer autos de medição, verificando-se uma facturação à peça em todas as facturas ora em causa, tratando-se efectivamente dum fornecimento de bens e serviços. i) Por outro lado, não há propostas de orçamento juntas pela impugnante nos termos do D.L. n° 59/99, de 02/03, que devem ser elaboradas em conformidade com os modelos constantes dos anexos àquele diploma, devendo tais propostas de orçamento desde logo referir qual o tipo de empreitada, como bem sabe a ora impugnante j) Por outro lado, quer as minutas dos contratos de empreitada (que estão sujeitas à aprovação da entidade competente para autorizar a respectiva despesa - artigo 116° do D.L. 55/99, de 02/03), quer os contratos de empreitada, devem ser elaborados pelo dono da obra, no que ora nos interessa, pelas juntas de freguesia, conforme artigos 115° e seguintes do decreto-lei antes referido. k) Acresce ainda o facto de nos contratos de empreitada juntos pela impugnante e ora juntos não se fazer qualquer referência à sua situação tributária, conforme estabelece o D.L. n° 236/95, de 13/09 . l) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos e da douta sentença, sendo de evidenciar o descritivo constante das facturas em causa nos autos. Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.» Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. O Ministério Público teve vista nos autos. Subiram os autos ao Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão sumária de 10 de maio de 2017, se declarou incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, sendo competente para esse efeito a Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença que julgou procedente a impugnação padece de erro de julgamento na interpretação dos factos e na aplicação do direito, ao considerar que os factos apurados são subsumíveis ao estabelecido na Verba 2.17 da Lista I anexa do CIVA. II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: a) A impugnante foi alvo de acção inspectiva que incidiu sobre os exercícios de 2002 e 2003 (cfr. Capítulo II do relatório de inspecção, a fls. 3 e ss. do PAT); b) A inspecção concluiu serem de efectuar correcções de natureza meramente aritmética, relativamente a IVA, no valor de € 19.977,37, em relação ao exercício de 2002, e de € 323,84, em relação ao exercício de 2003 (cfr. Mapa resumo das correcções resultantes da acção inspectiva, a fls. 2 do PAT); c) No relatório de inspecção, escreveu-se no Capítulo III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável, além do mais, o seguinte: 1-IVA Da análise ao registo de serviços prestados, verificamos que nas facturas emitidas às Juntas de Freguesia, foi liquidado IVA à taxa de 5%, tendo considerado tais trabalhos enquadrados na verba 2.17 da Lista I anexa ao CIVA, apesar de, nalguns casos, não ter sido exibido contrato de empreitada (conceito definido no artigo 1207.º do C.Civil). No entanto, das facturas emitidas, quer em relação àquelas que foi exibido contrato quer às restantes, verificamos que a maioria, pela sua própria descrição, mais não são do que um fornecimento de bens e ou serviços, não configurando uma empreitada - em que o objecto é a realização de uma "obra-resultado", mas sim uma mera prestação de serviços (preço por m2), definido nos termos do artigo 1154º do C.Civil, em que apenas e tão somente há um "resultado". Elaborou-se o quadro seguinte, com a identificação das facturas (valores, descrição) e respectivo contrato: Deste modo, consideramos que tais trabalhos efectuados (tendo em conta a descrição nas facturas e inexistência de contratos) se traduz num mera prestação de serviços, não lhe sendo aplicável a verba 2.17 da Lista I anexa ao IVA - taxa de 5%, mas sim taxa normal de 19%. No quadro seguinte, apurou-se IVA em falta, em cada um dos exercícios de 2002 e 2003, respectivamente de €20.657,87 e €323,84, resultante da diferença de taxa aplicada de 5% para 17% (até 5/06/2002) ou 19%. d) As conclusões do relatório foram sancionadas a 26/10/2004 (cfr. despacho de fls.1 do PAT); e) Foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA, sendo estas as liquidações impugnadas (cfr. proposta de decisão da reclamação graciosa e introito da PI):
Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte: Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa. E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se: Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados. II.2 Do Direito Na sequência de procedimento inspetivo a Autoridade Tributária e Aduaneira corrigiu o IVA liquidado faturas emitidas pela Impugnante e ora Recorrida, identificadas na alínea c) dos factos provados, por considerar não ser aplicável às operações em causa a taxa reduzida de 5%, e emitiu as liquidações adicionais impugnadas. Notificada da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e dos respetivos juros, respeitantes aos períodos de 2002 e 2003, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso. Alega, em suma, erro de julgamento porquanto as operações subjacentes às faturas em causa são tributadas à taxa normal, por se tratarem de meras prestações de serviço, não lhes sendo aplicável a tributação pela taxa reduzida prevista na verba 2.17 da Lista l anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA). Na ótica da Recorrente, nos presentes autos, está, pois, em causa qual a taxa aplicável aos serviços prestados pela Impugnante e ora Recorrida, nos anos de 2002 e 2003, alegando verificar-se o erro de julgamento, ao se ter considerado estarem reunidos os pressupostos de aplicação da taxa reduzida às operações em causa. Preliminarmente, vejamos, ainda que de forma necessariamente sumária, algumas das principais caraterísticas deste imposto e da legislação aplicável, com relevo para a decisão do caso em análise. Como é consabido o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) é um imposto indireto que incide sobre o consumo (transmissão de bens e prestações de serviços), plurifásico porque se aplica a todas as fases do circuito económico e não cumulativo, porque em cada uma delas apenas se tributa o valor acrescentado, em cada fase, por cada um dos operadores económicos. Nas palavras de Clotilde Celorico Palma: [o] IVA é caracterizado, essencialmente, como um imposto indireto, de matriz europeia, plurifásico, que atinge tendencialmente todo o ato de consumo através do método subtrativo indireto. Como operações tributáveis em sede de IVA temos as transmissões de bens e as prestações de serviços (cf. nº 1 do artigo 1º CIVA). No artigo 18º do CIVA prevê a aplicabilidade de três taxas: a taxa normal, a taxa intermédia e a taxa reduzida. A taxa normal do IVA aplica-se sempre que ao bem ou serviço em causa não couber uma das duas taxas reduzidas previstas nas Listas I e II anexas ao CIVA. Na lista I – Bens e Serviços sujeitos a taxa reduzida, temos no que aqui interessa, a verba 2.17 que tinha a seguinte redação: 2.17 - As empreitadas de bens imóveis em que são donos da obra autarquias locais, associações de municípios, ou associações e corporações de bombeiros, desde que, em qualquer caso, as referidas obras sejam directamente contratadas com o empreiteiro. Assim, para aplicação desta norma temos que estar perante um contrato de empreitada de bens imóveis, que o dono da obra seja uma autarquia local, associação de municípios ou associações e corporações de bombeiros e que as obras sejam diretamente contratadas com o empreiteiro. Não definindo o Código do IVA o que se deve entender por empreitada vejamos a noção civil constante do artigo 1207.º do Código Civil (CC): Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço. A empreitada é uma modalidade de contrato de prestação de serviços, em que o dono da obra encarrega o empreiteiro de realizar uma obra de acordo com as suas estipulações. A caraterística fundamental deste contrato é o facto de nele se prometer o resultado de uma atividade, sem subordinação à direção da outra parte (Apud. V. Serra, RLJ, 112º-203). Quanto ao que se devia entender por empreitada de obras públicas: O Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de março, entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, que aprovou o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, dizia no nº 3 do artigo 2º: 3- Entende-se por empreitada de obras públicas o contrato administrativo, celebrado mediante o pagamento de um preço, independentemente da sua forma, entre um dono de obra pública e um empreiteiro de obras públicas e que tenha por objecto quer a execução quer conjuntamente a concepção e a execução das obras mencionadas no n.º 1 do artigo 1.º, bem como das obras ou trabalhos que se enquadrem nas subcategorias previstas no diploma que estabelece o regime do acesso e permanência na actividade de empreiteiro de obras públicas, realizados seja por que meio for e que satisfaçam as necessidades indicadas pelo dono da obra. E no nº 1 do artigo 1º para o qual remete este artigo: 1 - Para os efeitos deste diploma são consideradas obras públicas quaisquer obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, limpeza, restauro, reparação, adaptação, beneficiação e demolição de bens imóveis, destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica, executadas por conta de um dono de obra pública. Vejamos, então: Nos presentes autos não vem posto em causa a qualidade dos agentes que nela atuaram: nem a atividade que o Impugnante e ora Recorrido exerce nem que os trabalhos foram prestados a uma autarquia local. O dono da obra é, pois, uma autarquia local. Resulta do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, parcialmente transcrito na alínea c) dos factos provados, que a correção foi efetuada quanto às faturas relativamente às quais não foi exibido contrato reduzido a escrito e/ou por ter sido considerado que pelo descritivo das faturas não se estaria perante um contrato de empreitada. Nas conclusões de recurso, todavia, insiste nos mesmos argumentos apresentados em sede de contestação, procurando justificar as correções à taxa de imposto aplicada e a liquidação adicional efetuada com base na falta ou irregularidades formais de outros elementos documentais exigidos pelo regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de março, elencados nas alíneas h) a k) das conclusões das alegações de recurso: além de estar sujeito à forma escrita, ter de ser precedido de um caderno de encargos/orçamento e de uma proposta conforme aos modelos anexos àquele decreto-lei (…) não haver sequer autos de medição (…) propostas de orçamento juntas pela impugnante nos termos do D.L. n° 59/99, de 02/03, que devem ser elaboradas em conformidade com os modelos constantes dos anexos àquele diploma, devendo tais propostas de orçamento desde logo referir qual o tipo de empreitada. Vejamos o decidido na sentença no segmento que aqui interessa: «Importa dizer que nos autos a FP vem apresentar fundamentos para a actuação da AT que não se encontram vertidos no relatório, pelo que os mesmos não podem ser considerados. A verificação da legalidade dos actos tributários sub judice tem de ser apreciada tendo em conta os fundamentos contemporâneos da mesma. Ora a AT não faz no relatório de inspecção, qualquer referência quer à falta de orçamentos, quer à falta de autos de medição. Como resulta com razoável clareza do relatório de inspecção, a decisão da AT fundou-se na verificação de dois factos: - A inexistência de contratos entre as Juntas de Freguesia e a impugnante; - O descritivo das facturas da impugnante. Partindo da observação destes dois factos, a AT concluiu que os contratos celebrados entre a impugnante e as Juntas de Freguesia em causa, são contratos de mera prestação de serviços, que não contratos de empreitada. Assim sendo, se existiu outra fundamentação para os actos de liquidação adicional, esta não foi exteriorizada pela AT e portanto não pode ser levada em consideração. E quanto aos fundamentos expressos no relatório de inspecção, importa dizer que, tal como alega a impugnante, a AT apesar de verificar que quanto a certas “prestações de serviços” existia de facto a redução a escrito de contratos, o que é evidenciado no relatório de inspecção, não deixou de fundamentar a sua conclusão na descrição de facturas e inexistência de contratos. Ora tal está em contradição com a realidade encontrada pela AT e de que esta deu conta no relatório, no quadro onde especificou quais as “prestações de serviços” que tinham ou não tinham contrato. E das catorze facturas cujo IVA liquidado a AT decidiu corrigir de 5% para 19%, encontramos apenas seis em relação às quais não foi encontrado pela AT qualquer contrato. Desde já se impõe a anulação das liquidações impugnadas, quanto às facturas em relação às quais foi reduzido a escrito contrato, como foi descrito pela AT, por contradição na fundamentação desta parte do relatório de inspecção. Vejamos então, quanto às facturas 86, 94, 97, 108, 110 e 132, aquelas em relação às quais a AT indicou não existir contrato subjacente, se é suficiente a fundamentação expendida. Ora neste ponto a impugnante vem dizer que a AT funda a sua decisão na inexistência de contrato e na descrição das facturas, sem porém referir em que medida a inexistência de contrato é fundamento para a sua conclusão de os serviços em causa serem “meras prestações de serviços”, não configurando assim contratos de empreitada. E tem razão, tanto assim é que veio a FP explicitar na sua contestação que os contratos administrativos em questão teriam de ser reduzidos a escrito, entendimento que, em suma fundou do artigo 171.º então em vigor do CPA, e no Decreto-Lei n.º59/99. Vimos já que esta motivação para os actos impugnados não consta dos mesmos, pelo que a mera indicação de que inexistiam contratos, não basta para que o destinatário do acto alcance por que razão de direito este facto permite a conclusão a que chegou a AT, e é isso mesmo que a impugnante alega. Ademais veja-se que a impugnante não se defende, em momento algum, contra a necessidade ou desnecessidade de redução de contratos a escrito, porque manifestamente não alcança em que medida é que tal é relevante para a tomada de decisão da AT. Ora o dever de fundamentar os actos administrativos, e bem assim os actos da AT, serve, para além do controlo interno da administração, para que o destinatário do acto apreenda por que motivos a AT decidiu como decidiu, por forma a poder com eles conformar-se ou contra os mesmos reagir. É certo que não restam dúvidas que é apreensível que a decisão da AT se baseou na descrição das facturas e na inexistência de contratos, e tanto permitia que a impugnante viesse infirmar estes factos, mas tal não bastava. É que para que a impugnante pudesse deduzir a sua defesa, era imprescindível que a AT externasse por que razão dava relevo a esta realidade que enunciou. E se quanto à descrição das facturas a AT explica que tal descrição é inapta a traduzir um verdadeiro contrato de empreitada porque nas mesmas se faz referência a medidas e não a obras, sem mais, quanto à falta de contratos nada mais disse, não explicando por que razão os contratos tinham, na sua óptica, de existir.» Na sentença recorrida considerou-se, assim, procedente a impugnação, por carência da fundamentação do ato de liquidação. Com efeito, na sentença recorrida decidiu-se, e a nosso ver bem, que tal configurava uma fundamentação a posteriori por se tratar de argumento que apenas foi suscitado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em sede de contestação, e que não constava da fundamentação contemporânea do ato, não tendo os Serviços de Inspeção Tributária mencionado na motivação do ato a não verificação destas exigências, com evidente prejuízo para a defesa da Impugnante e ora Recorrida. Considerou-se ainda na sentença recorrida que a motivação do ato de liquidação externada no relatório dos Serviços de Inspeção Tributária era insuficiente para a conclusão que dele se extraiu. Ora, desde já adiantaremos que estes fundamentos de procedência da impugnação não foram eficazmente atacados em sede recursiva. Com efeito, as deficiências ou insuficiências apontadas ao descritivo constante das faturas e documentos de suporte constitui fundamentação a posteriori do ato tributário, o que não é legalmente admissível e, logo, não pode ser aqui apreciado. É pacífico que para apreciação judicial da legalidade do ato, tem de atender-se à fundamentação contextual, Sabido que o direito à fundamentação dos actos administrativos reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos que aí foram enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não será de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, pois se assim não fosse o particular ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma outra realidade e isso representaria uma contracção do seu direito de impugnação contenciosa face à impossibilidade de utilizar os meios conferidos por lei para sindicar os actos tributários e que são mais favoráveis que os meios conferidos por lei para impugnar decisões judiciais (Ac. STA de 2016.01.27, Proc nº 0324/15, disponível em www.dgsi.pt). É pacífica e consolidada a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nesse sentido, da qual citamos apenas, porque mais recente o acórdão de 2021.02.17, Proc nº 02111/14.6BEPRT, de cujo sumário transcrevemos: «O direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários reclama que o particular apenas tenha de defender-se dos pressupostos inicialmente enunciados e dos quais se distraíram os efeitos lesivos, não sendo de admitir qualquer fundamentação a posteriori nem o aproveitamento do acto quando isso implique a valoração de razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação.» Ora, a Recorrente nas alegações de recurso, além de não impugnar a matéria de facto assente, não ataca este segmento da sentença, pelo que o recurso está condenado ao fracasso, precisamente por não ter sido atacado este fundamento de procedência da impugnação. Mas mais, nas alegações e conclusões de recurso também não foi atacado ou sequer mencionado o julgamento de contradição entre a motivação do ato e que diz respeito a que no relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária não se fazer a distinção entre a correção das faturas relativamente às quais foi apresentado contrato, das emitidas sem ter sido exibido o respetivo contrato e da insuficiência da fundamentação material do ato de liquidação neste último caso. As questões suscitadas pela Recorrente nas alegações de recurso centram-se tão só na qualidade e natureza das operações tituladas pelas faturas e, logo, se devem ser tributadas por aplicação da taxa normal ou à taxa reduzida, defendendo que os serviços prestados devem ser tributados como mera prestações de serviços, não podendo, pois, ser qualificados como se de verdadeiras empreitadas se tratasse. Nada se dizendo sobre se a motivação contemporânea do ato de liquidação era suficiente para a conclusão que dele se extraiu. Com efeito, se nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não foi posta em causa a análise feita pelo Tribunal recorrido, este é manifestamente ineficaz enquanto forma de ataque à sentença recorrida. Não tendo sido, pois, objeto do recurso, delimitado pelas respetivas conclusões, os motivos de procedência da pretensão da Impugnante e ora Recorrida, por si só suficientes para suportar a decisão de procedência. Assim, por falta eficácia no ataque esta é de confirmar e inútil se torna averiguar os demais motivos alegados nas conclusões das alegações de recurso. Em face do exposto, improcede, pois, o recurso. Sumário/Conclusões: Se nas alegações de recurso e respetivas conclusões, não foram postos em causa os motivos de procedência da pretensão da Impugnante e ora Recorrida, por si só suficientes para suportar a decisão de procedência, este é manifestamente ineficaz enquanto forma de ataque à sentença recorrida. III - Decisão Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, que decaiu, com dispensa da taxa de justiça pela Recorrida por não ter contra-alegado. Lisboa, 2 de março de 2023 Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês |