Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1538/20.9BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 05/16/2024 |
Relator: | MARGARIDA REIS |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ERRO NA FORMA DE PROCESSO IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO |
Sumário: | A impugnação judicial tem por objeto a anulação, declaração de nulidade ou de inexistência, entre outros, do ato liquidação de tributos, e não o despacho que determina a reversão em sede do processo de execução fiscal - e, muito menos, o ato de determinação da preparação do procedimento de reversão. |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I. Relatório P..., inconformado com a sentença proferida em 2021-12-22 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a exceção de erro na forma do processo e absolveu a Fazenda Pública do pedido que formulou na impugnação judicial que ali intentou tendo por objeto os Despachos da Coordenadora da Seção de Processo Executivo Lisboa I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, que determinaram, respetivamente, a preparação do processo de reversão e a reversão contra si do processo de execução fiscal n.º 1101201400340057 e apensos, referente a dívidas de contribuições e cotizações e correspondentes juros do período compreendido entre 10/2013 e 04/2017, no montante total de EUR 904.113,55, originariamente interposto contra H....– Frio Industrial, S.A., vem dela interpor o presente recurso. O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: 1) A Sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que apenas a oposição à execução fiscal tem como objetivo a extinção total ou parcial da execução fiscal; 2) Conforme resulta claro da citação do ato de reversão da execução, cabia ao responsável subsidiário (i) requerer o pagamento em regime prestacional; (ii) deduzir a oposição judicial; deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no artigo 99.º do CPPT; 3) São fundamentos para a impugnação judicial, nos termos do artigo 99.º do CPPT, (i) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; (ii) Incompetência; (iii) Ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida; (iv) Preterição de outras formalidades legais; 4) O ora Recorrente apenas cumpriu o transmitido pela Autora do Ato de Reversão da dívida, impugnando o mesmo, nomeadamente por ausência de fundamentação; 5) Pelo que, ao decidir como decidiu, a sentença em crise violou o artigo 99.º do CPPT; 6) Do mesmo modo, foi violado o art.º 97.º, n.º 1 al. a) do CPPT, porquanto o ato posto em crise era, e é, impugnável judicialmente, sendo, no que ao Recorrente respeita, um ato tributário de liquidação de tributo, por isso mesmo, suscetível de impugnação judicial – porquanto nunca antes lhe fora liquidado nem exigido qualquer tributo no âmbito do processo de execução fiscal em causa; 7) Sendo que, nada na Lei Tributaria ou de Processo Tributário impede que o mesmo ato seja impugnado por ambas as vias -a impugnação judicial do ato e a oposição à execução fiscal – tal como, aliás, consta da citação recebida pelo Recorrente. Termina pedindo: Nestes termos, e nos mais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a Sentença recorrida ser revogada, atento o erro de julgamento, conforme resulta das conclusões das presentes alegações, e substituída por uma decisão que reconheça a adequabilidade da forma de processo, com o que se fará a costumada JUSTIÇA *** A Recorrida não apresentou contra-alegações. *** A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. *** Questões a decidir no recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT. Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ali se ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos arts. 97.º, n.º 1 al. a) e 99.º do CPPT.
II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: Para conhecimento da exceção dão-se por provados os seguintes factos: 1) Contra a sociedade H....– Frio Industrial, SA, foram instaurados os processos de execução fiscal nº 1101201400340057 e apensos, referente a dívidas de contribuições e cotizações do período compreendido entre 10/2013 e 04/2017 (certidão dívida, doc nº 1, da pi); 2) Desde 17/01/2012 que P..., ora impugnante figura como membro do órgão estatutário da sociedade identificada em 1) (facto não controvertido); 3) Por ofício datado de 04/02/2020 o impugnante foi notificado para exercer direito de audição prévia sobre o projeto de despacho de reversão dos processos identificados em 1) (doc nº 1, da pi); 4) Em 19/02/2020 o ora impugnante exerceu direito de audição prévia (doc nº 3, da pi); 5) Em 27/07/2020 foi proferido despacho de reversão contra o aqui impugnante (doc nº 3, da pi); 6) Em 30/07/2020 o impugnante foi citado (fls 134 a 156 do doc nº 1, da pi); 7) Em 19/10/2020 foi deduzida oposição à execução fiscal, pendente sob o nº 2037/20.4BELRS, no TT de Lisboa (fls 1 do Sitaf); 8) Em 31/10/2020 foi apresentada a presente impugnação (fls 1, do Sitaf). * II.2. Fundamentação de Direito Alega o Recorrente, e em síntese, que a sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por nela se fazer uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto nos artigos 97.º, n.º 1 al. a) e 99.º do CPPT. Vejamos então. O aqui Recorrente interpôs a impugnação judicial em apreço elegendo como seu objeto dois despachos exarados no seio do processo de execução fiscal n.º 1101201400340057 (e apensos), a saber, o (i) “Despacho Senhora Coordenadora da Secção de Processo de Execução de Lisboa I, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, exarado em 28.01.2020, ao abrigo do qual foi determinada a preparação do processo de reversão contra o autor, com base no projeto de decisão que o acompanhava, e notificado este para o exercido do direito de audição prévia (…)” e o (ii) “Despacho da Senhora Coordenadora da Secção de Processo de Execução de Lisboa I, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, exarado em 13.07.2020, ao abrigo do qual “atendendo aos elementos constantes no processo e não obstante os fundamentos invocados, encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no n.º 2 do art. 23.º da LGT, em conjugação com o art. 153.º do CPPT, para efetivação da reversão contra o responsável subsidiário, de acordo com o definido artº 24.º da LGT” (cf. fls. 1 e 2 da respetiva PI), peticionando, a final, a respetiva anulação (cf. fls. 24 da PI). Na sentença sob recurso decidiu-se, em síntese, pela verificação do erro na forma de processo, atendendo à inadequação do pedido relativamente à forma processual em causa, e ainda, pela impossibilidade de convolação no meio processual adequado, atendendo a que se mostrava ultrapassado o prazo para a interposição da oposição e a que, de qualquer modo, o Recorrente interpusera já uma oposição com o mesmo objeto. O erro na forma do processo é a nulidade principal decorrente do uso de uma forma processual inadequada à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo [cf. arts. 193.º e 196.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT], aferindo-se, por isso, através do pedido formulado na ação, tal como, aliás, vem sendo unanimemente reiterado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores (vejam-se neste sentido, designadamente, os Acórdãos proferidos pelo STA em 2012-03-28, no proc. 01145/11, em 2014-05-28, no proc. 01086/13, em 2017-09-13, no proc. 01399/16, ou em 2020-02-05, no proc. 01323/18.8BEAVR, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Quando afete todo o processo esta nulidade origina a exceção dilatória prevista no art. 89.º, n.º 4, alínea b) do CPTA, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, e dando lugar à absolvição da instância (cf. n.º 1 do art. 89.º do CPTA), consequência adequada ao caso em apreço, uma vez que, tal como apurado pelo Tribunal de primeiro conhecimento da causa, o aqui Recorrente interpusera já uma oposição à execução com o mesmo objeto (cf. neste sentido, o Acórdão proferido pelo STA em 2007-03-21, no proc. 01165/06, disponível para consulta em www.dgsi.pt), e ainda que assim não fosse sempre se revelaria ultrapassado o prazo para o efeito, circunstâncias que ditaram a impossibilidade de convolação na forma de processo adequada. Ora, o que claramente decorre da norma citada pelo aqui Recorrente, e cuja violação invoca, é que “o processo judicial tributário compreende (…) a impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta” [cf. alínea a) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT], e não, como pretende, o despacho de reversão em sede de execução fiscal. Ou seja, a impugnação judicial tem por objeto a anulação, declaração de nulidade ou de inexistência, entre outros, do ato liquidação de tributos, tal como enunciado na norma acabada de citar, e não, como pretende o aqui Recorrente, o despacho que determina a reversão em sede do processo de execução fiscal - e, muito menos, o ato de determinação da preparação do procedimento de reversão. Trata-se, de resto, de matéria abundantemente clarificada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que se têm pronunciado unanimemente no sentido de que o meio processual adequado para impugnar uma decisão relativa à reversão da execução fiscal é a oposição à execução fiscal (vejam-se nesse sentido, e a título meramente exemplificativo, os Acórdãos proferidos pelo STA em 2007-04-11, no proc. 0172/07, em 2011-07-13, no proc. 0328/12, em 2012-07-07, no proc. 0358/11, em 2014-02-05, no proc. 01803/13, em 2016-01-07, no proc. 01265/1, em 2016-02-17 no proc. 01314/15, em 2018-10-10, 0592/10.6BEPRT 0759/18, ou em 2019-12-17 no proc. 0449/18.2BELRA, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Por outro lado, mal se compreende a invocação, no caso, da alegada violação do disposto no art. 99.º do CPPT. Com efeito, e se bem se compreendem as alegações de recurso do aqui Recorrente, terá lançado mão da impugnação judicial por pretender assacar aos atos que elegeu como seu objeto vícios enumerados no art. 99.º do CPPT, por ter entendido que “o ato de reversão padece de alguns dos fundamentos previstos no artigo 99.º do CPPT, motivo pelo qual “decidiu, a par da oposição à reversão, impugnar o próprio ato de reversão” (cf. art. 12.º das alegações de recurso). No entanto, tal afirmação não resiste à leitura da petição inicial, pois o que da mesma claramente resulta é que as causas de pedir que invoca se enquadram no rol taxativo constante do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, a saber, nas alíneas b), e) e i) – respetivamente, a ilegitimidade do citado por não ser o responsável pelo pagamento da dívida, a falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade e a falta de fundamentação do despacho de reversão - daquele preceito. Por outro lado, é totalmente desadequada a qualificação jurídica que adianta para o ato de reversão da dívida, que manifestamente não é, como pretende, um qualquer ato de liquidação de um tributo, mas antes o ato através do qual a Administração conclui pela verificação, no caso concreto, dos requisitos legais para a reversão da dívida. Por fim, sempre se dirá que o argumento avançado pelo aqui Recorrente no sentido de “a própria Coordenadora da Secção de Processo de Lisboa I, ao proceder à citação” o ter informado que poderia opor-se à execução ou impugnar a liquidação - como de resto, decorre do disposto no art. 22.º, n.º 5 da LGT -, se revela despiciendo, pois tal circunstância não o legitimava a interpor uma impugnação judicial tendo por objeto o despacho de reversão e sustentada em causas de pedir adequadas à oposição à execução. Aqui chegados, estamos em condições de concluir que a sentença sob recurso, ao concluir, em face da total desadequação do pedido formulado na PI ao meio processual eleito pelo Recorrente não padece de qualquer erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação ao caso do disposto nos artigos 97.º, n.º 1 al. a) e 99.º do CPPT. Assim sendo, e em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado integralmente improcedente. *** Atento o decaimento do Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT. *** Dispõe-se no n.º 7 do artigo 6.º do RCP que nas causas de valor superior a EUR 275.000,00, como é o caso, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, pelo que as situações a que a lei concretamente se refere são meramente exemplificativas. No caso a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida justifica-se atendendo a que conduta processual das partes na presente instância de recurso não é merecedora de qualquer censura ou reparo, sendo que o concreto valor das custas a suportar calculado sobre a base tributável de EUR 904.113,55 a que corresponde o valor da causa, revelar-se-ia de outro modo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. Em face do exposto, deverá o remanescente da taxa de justiça ser desconsiderado nas custas do presente recurso, nos termos do disposto no supracitado n.º 7 do artigo 6.º do RCP. *** Conclusão: Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva: A impugnação judicial tem por objeto a anulação, declaração de nulidade ou de inexistência, entre outros, do ato liquidação de tributos, e não o despacho que determina a reversão em sede do processo de execução fiscal - e, muito menos, o ato de determinação da preparação do procedimento de reversão. III. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso. Custas pelo Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça. Lisboa, 16 de maio de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Patrícia Manuel Pires – Sara Loureiro. |