Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 302/19.2 BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/06/2022 |
Relator: | SUSANA BARRETO |
Descritores: | IRC AVALIAÇÃO DIRETA CORREÇÕES TÉCNICAS AVALIAÇÃO INDIRETA |
Sumário: | I - A contabilidade dos sujeitos passivos, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade. II - Com efeito, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. III - No entanto, esta presunção de veracidade termina quando se verificar que contabilidade revela omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75/2 LGT). IV - A Autoridade Tributária e Aduaneira ao considerar que os movimentos a crédito nas contas bancárias não refletidos na contabilidade da empresa eram rendimento tributável para efeito de determinação do rendimento coletável, recorreu a meios próprios da metodologia indireta. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subseção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…SA, contra a liquidação adicional nº 2018 8310005718 de IRC do ano 2014, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul, recurso limitado à parte em que decaiu e que respeita à correção relativa à omissão de rendimentos, no valor de € 950 276,90, e aos juros compensatórios correspondentes à parte da liquidação anulada. Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões: A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. B. Não pode a Fazenda Pública concordar com a decisão do douto Tribunal, pois ao contrário do entendimento vertido na sentença aqui em análise, os SIT, através da análise às duas contas bancárias, bem como do confronto dos movimentos a crédito e a débito efetuados nas mesmas, aliado à justificação e à documentação apresentada pela Impugnante, ora recorrida, no decurso do procedimento de inspeção, foi possível aos SIT apurar os montantes exatos que entraram nas referidas contas durante o ano de 2014, e, por consequência, apurar os rendimentos omitidos na contabilidade da Impugnante, fundamentando, quer qualitativa quer quantitativamente, as correções efetuadas. C. Não obstante, o entendimento do Tribunal a quo, a correção efetuada em sede de IRC poderia ser feita, como foi, perante o simples cálculo resultante da diferença entre o total dos montantes creditados nas contas bancárias e o total dos créditos efetuados para a L..., aceites pelos SIT como constituindo rendimento da Impugnante. D. É importante ressalvar, que ao contrário do decidido, a AT estava impedida, no caso concreto, de seguir o caminho da avaliação indireta. E. Por outro lado, ainda que se admitisse que existiram efetivas prestações de serviços pela L... a terceiros, os documentos constantes dos autos não provam, salvo o devido respeito, que exista correspondência entre os montantes devidos pelos formandos à L... e os montantes depositados na conta bancária da Impugnante, ora recorrida. F. Atente-se, por importante se revelar, que a Impugnante encontrava-se obrigada a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida e não podemos olvidar, que o método utilizado pela Impugnante, ora recorrida, não se restringiu apenas a um período de tributação. G. Contrariamente ao que menciona a douta sentença que ora se recorre, os SIT, no decurso do procedimento inspetivo e de acordo com o princípio da descoberta da verdade material e da boa fé, notificaram o sujeito passivo, no sentido de justificarem e comprovarem documentalmente os movimentos das referidas contas bancárias, que, não apresentou de imediato todos os documentos que entendeu necessários. H. Salvo a devida vénia, a grande maioria dos documentos juntos aos autos, são cópias de contratos de formação que, ao contrário do entendimento vertido na douta sentença, não demonstram que efetivamente tenham sido prestados quaisquer serviços pela L... aos formandos, sendo ainda certo que quase a totalidade destes documentos é desacompanhado do envio de qualquer faturação emitida L.... I. Assim, ao anular parcialmente a liquidação, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento em matéria de direito, razão pela qual a douta sentença recorrida não se deverá manter na ordem jurídica. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA! A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, concluindo como se segue: A. Ao contrário do que defende a Fazenda Pública, o Tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que não deve conceder-se provimento ao recurso nem revogar a decisão proferida. B. O facto de, durante algum tempo (entre 2014 e 2017), terem existido contas bancárias em nome da Entidade Recorrida que não eram por si movimentadas (às quais os SIT tiveram acesso) não permite, por si só, considerar que todos os movimentos realizados nessas contas tinham impacto nos proveitos e gastos da Entidade Recorrida. C. Aliás, o motivo que presidiu à existência dessas contas, e à sua movimentação por terceiros, ficou bem esclarecido através da prova realizada. D. Os SIT entenderam que a Entidade Recorrida não cumprira com as suas obrigações contabilísticas e não reflectira na sua contabilidade todas as operações por si realizadas, pelo que entenderam que todas as entradas de valores não justificadas, bem como os valores que, alegadamente, não haviam sido transferidos para a S...correspondiam a rendimentos da Impugnante (nos termos do disposto no artigo 20.º do Código do IRC), rendimentos que esta havia omitido. E. É, todavia, essencial compreender algo que a Fazenda Pública desconsiderou, e que é da maior relevância: a Entidade Recorrida não ministrava, nem nunca ministrou, cursos de formação piloto de aeronave, mas apenas cursos de técnico de manutenção de aeronaves. F. Por esse motivo, qualquer valor que pudesse ter entrado na esfera jurídica da Entidade Recorrida, relacionado com o pagamento de cursos de formação de piloto de aeronave, nunca poderia ser considerado um rendimento da Entidade Recorrida, pois esta não prestava (nem presta) aqueles serviços. G. Pelo que, repete-se, necessariamente se conclui que o procedimento inspectivo foi conduzido sem qualquer preocupação com o apuramento da verdade material, o que é manifestamente inaceitável, e desrespeitou o princípio do inquisitório. H. Nos termos da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações apresentadas pelos contribuintes, bem como se entende que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque. I. E tal não foi respeitado: os SIT presumiram que todos os lançamentos a crédito das contas bancárias em causa nos presentes autos constituíam o montante correspondente a prestações de serviços efetuadas pela Entidade Recorrida. J. Esta presunção não é aceitável, na medida em as entradas nas contas não correspondem, necessariamente, a omissões de rendimentos decorrentes de transmissões de bens ou prestações de serviços. K. O procedimento de inspecção tributária aqui em causa deu origem aos seguintes processos e decisões: a. IRC 2014 - Processo n.º 302/19.2 BESNT (trata-se dos presentes autos), tendo sido proferida sentença favorável à Entidade Recorrida, agora objecto de recurso; b. IVA 2014 – Processo arbitral n.º 183/2019-T, que foi julgado totalmente procedente, tendo as liquidações adicionais emitidas sido anuladas; c. IRC 2015/2017 – Processo n.º 533/19.5BESNT, que corre termos também no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, Unidade Orgânica 1 e que aguarda a realização da inquirição de testemunhas; d. IVA 2015/2017 – Processo arbitral n.º 328/2019-T, que, na parte respeitante a este tema, foi julgado procedente, tendo as liquidações adicionais sido parcialmente anuladas. L. Verifica-se, assim, que não assiste razão à Fazenda Pública ao considerar que a decisão a quo merece censura, quando tem sido unânime a apreciação que da mesma é feita, no sentido de dar razão à Entidade Recorrida. M. Pelo que, a Decisão a quo não padece de qualquer erro de julgamento em matéria de direito, pelo que deverá manter-se na ordem jurídica, negando-se provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá negar-se provimento ao recurso apresentado pela Entidade Recorrente, por não provado, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, assim se fazendo, Justiça!. O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito. Saber a Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu a critérios próprios da metodologia indireta, quer para concluir pela omissão à contabilidade de proveitos, quer para quantificar o valor desses mesmos proveitos omitidos ou se procedeu a meras correções técnicas. II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: A) A Impugnante, S… S.A. (à data dos factos, denominada A… COMPANHIA DE TRANSPORTES E SERVIÇOS AÉREOS S.A.), com o NIPC 502…., é uma sociedade anónima, que iniciou a atividade em 01.05.1990 e que tem como objeto social “promover a publicidade aérea fotografia e filmagens aéreas, transporte não regular de mercadorias, fretamento e aluguer de aeronaves voos para observação panorâmica e vigilância, trabalhos agrícolas aéreos, representação de firmas nacionais e estrangeiras, importação de material e equipamentos aeronáuticos e promover passeios turísticos de barco, escola de pilotagem, de mecânicos e técnicos de manutenção de aeronaves e formação dos mesmos, indústria de comércio de bens e tecnologias militares. – [facto não controvertido, constante do relatório de inspeção, a fls. 549/580 dos autos]; B) A Impugnante explora as ligações entre aeródromos portugueses, em particular, fazendo a ligação entre Bragança e Portimão. - [facto não controvertido, alegado no § 2º, ponto 4 da petição inicial]; C) A par desta atividade, a Impugnante ministra cursos de formação para técnicos de manutenção de aeronaves e, pontualmente, faz cursos de paraquedismo – [facto provado pelo depoimento da testemunha M…]; D) A Impugnante não ministra cursos de piloto – [facto provado pelos depoimentos das testemunhas M… e M…]; E) A entidade que ministra os cursos de formação de pilotos é a L... (atualmente, S…) – [facto provado pela testemunha M…]; F) Na sequência de factos que remontam a 2004, o administrador P…esteve inibido do uso de cheques – [facto provado pela testemunha C…]; G) No ano de 2014, a Impugnante era titular das contas bancárias nº 0..., sediada no N... e nº 0...., também do N..., as quais não se encontravam refletidas na contabilidade, bem como os respetivos movimentos de débito e crédito – [facto que se extrai do relatório de inspeção tributária, a fls. 549/580 dos autos]; H) Algumas receitas relacionadas com a atividade empresarial passaram a ser movimentadas nas contas identificadas na alínea antecedente, designadamente, da empresa L... – E…S.A. – [facto que se extrai do relatório de inspeção tributária, a fls. 549/580 dos autos e corroborado pelo depoimento das testemunhas M…e M…]; I) O IBAN das contas, para se efetuarem as transferências bancárias referentes ao pagamento dos cursos era indicado pelo Sr. P…– [facto instrumental, provado pelo depoimento das testemunhas M… e M…]; J) Os cursos de piloto, em 2014, custavam cerca de € 40.000/€ 50.000 e os cursos de técnico de manutenção de aeronaves cerca de € 8.000/€ 10.000 – [facto instrumental provado pelo depoimento da testemunha M…]; K) Os cursos são, com frequência, pagos pelos pais, avós ou outras pessoas, que não o próprio aluno – [facto instrumental provado pelos depoimentos das testemunhas M… e M…]; L) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI201700769, emitida pela Direção de Finanças de Faro, foi determinado o início da ação inspetiva, de natureza externa, ao exercício de 2014, de âmbito geral, tendo como alvo a ora Impugnante – [cf. relatório de inspeção tributária, a fls. 549/580 dos autos]; M) Na sequência da ação de inspeção, referida na alínea antecedente, foi elaborado, em 26.10.2018, o Relatório de Inspeção Tributária (doravante, RIT) no âmbito do qual são realizadas correções meramente aritméticas à matéria tributável de IRC, do exercício de 2014, no valor total de € 1.312.991,44, com origem nos gastos com embarcações e eletricidade (€ 5.827,50), gastos de 2013 (€ 74.819,52), rendimentos omitidos nas contas (€ 950.276,90), reconhecimentos de gastos (€ 73.000,00), depreciações e amortizações (€ 13.489,48), mais valias (€ 52.965,00), despesas com aeronave SE (€ 37.227,62), despesas com aeronave CS (€ 23.500,41) e ajudas de custo (€ 81.885,00) – [cf. relatório de inspeção tributária, a fls. 549/580 dos autos]; N) Do relatório de inspeção, referido na alínea que antecede, constam, designadamente, os seguintes factos e fundamentos das correções à matéria tributável de IRC, do exercício de 2014: “(…) III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL A contabilidade do sujeito passivo (adiante designado por s.p. ou A...) foi disponibilizada pelo presidente do conselho de administração do mesmo, na sede da sociedade. Foram analisados os ficheiros SAFT da contabilidade, balancetes e os documentos de suporte contabilístico, do ano de 2014 e os ficheiros SAFT-T integrais da faturação dos mesmos anos. Foram também efetuados cruzamentos com a diversa informação que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem ao seu dispor. III.1. Descrição dos factos No âmbito da sua atividade, em 12.05.2014, o s.p. celebrou com o Estado Português um contrato de concessão de exploração de serviços aéreos regulares entre Porto Santo/Funchal/Porto Santo, com início a 01.06.2014 e término a 31.05.2017. No entanto, o s.p. já explorava esta linha aérea desde 01.01.2014, através de ajuste direto realizado com o Estado Português. Além destes serviços, e através da análise efetuada aos ficheiros SAFT-T integrais da faturação, verificou-se que o s.p., no ano em análise, prestou ainda serviços de formação, horas de voo, “hour building”, aluguer de simulador de aeronaves, fotografia aérea, saltos tandem, publicidade aérea, gestão de aeronavegabilidade e voos turísticos. (…) III.1.3. Contas bancárias omitidas na contabilidade No âmbito do procedimento inspetivo que se encontra a decorrer ao sujeito passivo P…, Administrador da A…, ao abrigo da ordem de serviço nº OI201700768, emitida em 28.09.2017 e após uma notificação efetuada ao mesmo, em 09.02.2018, detetou-se, através dos elementos disponibilizados pelo Sr. P…, como resposta àquela notificação, que a A… era titular de uma conta bancária, sediada no N..., nomeadamente, a nº 0..., que não se encontrava refletida na contabilidade. Neste seguimento, notificou-se a A…, ao abrigo do nº 4 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e em conformidade com os artigos 9º, 28º e 48º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), em 19.03.2018, para autorizar, por escrito, o acesso a toda a informação bancária e documentos bancários de todas as contas tituladas pela sociedade, referentes aos movimentos realizados no ano de 2014, tendo sido concedida. Pelo que solicitou-se ao Banco de Portugal a identificação de todas as contas bancárias em nome do s.p. relativas ao ano de 2014, constantes das bases de dados daquela instituição. Em resposta, o Banco de Portugal identificou as referidas contas, tendo-se verificado que além da conta nº 0..., existia uma outra, nomeadamente, a conta nº 0... também sediada no N..., que, à semelhança da primeira, não se encontrava refletida nos elementos contabilísticos. Deste modo, notificou-se o s.p. em 15.06.2018, ao abrigo do estabelecido no nº 4 do artº 59º da LGT, conjugado com o artigo 9º do RCPITA, do seguinte: 1 – Justifique, comprovando documentalmente, a natureza dos créditos nas contas tituladas pela A…–, S.A., nomeadamente, contas nºs 0.... e 0...., do N... Banco, conforme valores constantes nos extratos de conta que constituem o anexo 1, com exceção das transferências da conta de serviço e de outras contas da sociedade. Nos casos em que estes valores respeitem a rendimentos de vendas e/ou prestações de serviços, identifique as correspondentes faturas emitidas; 2 – Justifique, comprovando documentalmente, a natureza dos valores debitados nas contas tituladas pela A…(…) 0... e 00..., do N..., conforme valores constantes nos extratos de conta que constituem o anexo 1, com exceção das transferências da conta de serviço e de outras contas da sociedade, bem como identifique os beneficiários desses valores (nome e NIF). Em resposta a esta notificação, o s.p. veio esclarecer que “os depósitos junto do N.... nºs 00... (conta 1) e 000... (conta 2) foram utilizadas até ao respetivo encerramento como contas do Sr. P…, pese embora a A… figurar como titular, as quais eram utilizadas para situações já conhecidas pela AT, como levantamentos de numerário do cofre do Sr. P…, e pagamentos de suprimentos à A...., em consequência das mesmas transferências…”. (…) Analisando as duas contas bancárias, verifica-se que a maioria dos créditos (entradas) nas mesmas, respeitam a transferências interbancárias efetuadas por particulares. Existem alguns depósitos em numerário e transferências de outras empresas. Relativamente aos débitos (saídas), verifica-se a existência de movimentos para o administrador P… para a L... – Escolas de Aviação Civil, S.A., NIPC 50… (empresa em que P… é presidente do conselho de administração), para particulares, para pagamento de créditos entre outras. Estas duas contas bancárias refletem movimentos, que comprovadamente tem origem numa atividade económica, só no ano de 2014, o número de movimentos a crédito totalizam 368, excluídos os movimentos com a conta de serviço. Estas duas contas bancárias, tituladas pelo s.p. não estão registadas na contabilidade, bem como os seus movimentos, a débito e a crédito, não se encontram registados na contabilidade. Relativamente a toda esta situação, o s.p. veio esclarecer, na referida resposta (…), que “todas as transferências de pessoas particulares (identificadas nos extratos) respeitam a serviços de formação e ensino de pilotos pela L..., os quais, como se disse, por lapso na identificação dos depósitos, eram transferidos para esta conta. Assim que identificados, o titular da conta, Sr. P…, transferia os respetivos montantes para depósito da L..., sendo que na maioria das situações, essa devolução para a L... era realizada no espaço de poucos dias. Posteriormente e como referido, a L... emitia as respetivas faturas (anexas)”. Uma vez que o s.p. juntou algumas faturas emitidas pela L..., para esclarecer esta situação, efetuou-se o cruzamento entre o montante das faturas emitidas ao cliente e o valor transferido por este e, posteriormente, verificou-se que estes montantes tinham sido transferidos para a L.... Há situações em que é comprovado pelos documentos, nomeadamente, faturas e movimentos financeiros, que de facto a justificação dada pelo s.p. é aceitável/comprovada (anexo 3) e outras em que não se consegue apurar o relacionamento descrito (anexo 4). A justificação dada pelo s.p. de que os recebimentos de particulares eram referentes a serviços prestados pela L..., cujas faturas eram emitidas por esta, e que os valores eram transferidos posteriormente para a L..., não tem aderência aos valores refletidos nas contas bancárias em análise, pois os recebimentos de particulares totalizam o montante de € 899.781,99 e as transferências para a L... totalizam o montante de € 126.616,30, no ano de 2014. Além destes créditos com origem em particulares, que o s.p. refere estarem relacionados com prestações de serviços efetuadas pela L..., mas que não comprovou documentalmente a origem e natureza dos mesmos, existem outros, nomeadamente, depósitos em numerário, depósito de cheques, créditos que o s.p., refere na resposta à notificação, tratarem-se de acertos com a empresa A…, Lda (empresa cujo gerente é P…, adiante designada por Aerotécnica) e outros que diz referirem-se “ao reembolso ao Sr. P… do adiantamento do pagamento de serviços de reparação automóvel e fornecimento de material aeronáutico devidos pela A…, que depois foram transferidos para outra conta pessoa do Sr. P…”. Todas estas situações que não foram comprovadas documentalmente e que se desconhece a origem e natureza dos montantes creditados nas contas bancárias (1 e 2), encontram-se indicados no anexo 4 ao presente relatório e irão ser consideradas rendimentos omitidos, nos termos do artigo 20º do CIRC. Para o cálculo do valor dos rendimentos omitidos, expurgaram-se alguns movimentos a crédito, nomeadamente, os movimentos entre contas, os créditos que pela descrição do movimento estão relacionados com a A…, Aerotécnica, L... e P...e outros em que foi aceite a justificação dada pelo s.p., por ter sido comprovada documentalmente. O sujeito passivo, ao omitir as contas bancárias nºs 0007 0447 8215 e 0001 8968 3695, não cumpriu com as obrigações contabilísticas, nos termos do artigo 123º do CIRC, bem como não refletiu todas as operações por si realizadas, nos termos do artigo 17º do CIRC. Resumidamente e por mês (anexo 4), os montantes apurados de rendimentos omitidos no ano de 2014, são os a seguir indicados:No que diz respeito, aos débitos bancários presentes nestas duas contas, e conforme já foi referido, na notificação efetuada ao s.p. era solicitado para comprovar documentalmente a natureza dos mesmos e a identificação dos beneficiários, indicando respetivo nome e NIF. O s.p. na resposta à notificação, apenas identificou três beneficiários, nomeadamente, C…, NIF 164 …, K…, NIF: 2… e A…, NIF: 2…. Entretanto expurgou-se desta listagem, os movimentos entre contas de serviço, os movimentos para as empresas do grupo (Aerotécnica e L...), para os beneficiários atrás identificados e os referentes a despesas bancárias e respetivo imposto de selo. Em anexo 5, encontram-se identificados os débitos efetuados nas contas omitidas, cuja natureza se desconhece e/ou não foi comprovada documentalmente, conjugado com a falta de identificação dos beneficiários. De acordo com o nº 1 do artigo 88º do CIRC, as despesas não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, pelo que no capítulo III.2, das correções irão ser apuradas as respetivas correções às tributações autónomas, a aplicar aos montantes indicados no anexo 5. (…) III.1.12. Ajudas de custo/Gastos com alojamento No ano de 2014, o s.p. contabilizou ainda, como gasto do exercício, na conta SNC 62512 – Deslocações e estadas, o montante total de € 81.885,00, suportados por faturas emitidas pela C…, Unipessoal, Lda., NIPC 508…. Adiante designada por C..., empresa esta detida em 100% pela A… e cujo objeto social da mesma é “Desenvolvimento e fabricação de sistemas de software e de hardware de apoio e controlo a veículos aeroespaciais”. As referidas faturas são as seguir indicadas:Estas faturas referem-se a prestações de serviços de “Alojamento da Tripulação, Supervisor e Mecânico”. Foram solicitados esclarecimentos ao s.p. para indicar o local do alojamento e das pessoas beneficiárias do mesmo. Na resposta dada, o s.p. vem indicar o local do alojamento e das pessoas beneficiárias do mesmo. Na resposta dada, o s.p. vem indicar que o alojamento constante das faturas 2, 5, 7, 10 e 16, ocorreu na Madeira e nas restantes em Porto Santo. Além disso, esclarece que o alojamento destinou-se aos pilotos constantes nas escalas mensais que enviou, ao supervisor B…e ao mecânico J.... No entanto, verifica-se que nos recibos de vencimento destas pessoal, estão incluídas ajudas de custo diárias, com exceção do co-piloto E…. Este funcionário, aquando da celebração do contrato de trabalho, tinha morada no Funchal. De acordo com o artigo 8º do Decreto-Lei nº 106/98 de 24 de abril, o abono da ajuda de custo corresponde ao pagamento de uma parte da importância diária que estiver fixada ou da sua totalidade de acordo com as seguintes percentagens: - 50% para despesas com alojamento; - 50% para despesas com refeições. Dado o montante da ajuda de custo processada pela A… aos seus funcionários, verifica-se que a mesma inclui a comparticipação em despesas de alojamento e refeição. Verifica-se assim que o s.p. contabilizou entre gastos em duplicado. Por exemplo no mês de janeiro de 2014, o s.p. suportou ajudas de custo, no montante de € 9.450,00, pagas aos funcionários constantes na escala de serviço apresentada, e por outro lado, contabilizou também como gasto, o valor de € 6.360,00, referente a alojamento para as mesmas pessoas suportado pela fatura 2014/2 da C.... Deste modo, os gastos contabilizados, originados pelas faturas emitidas pela C..., indicadas no quadro 11, não poderão ser aceites fiscalmente, nos termos do nº 1 do artigo 23º do CIRC, uma vez que os funcionários já se encontram a ser ressarcidos, através do recebimento de ajudas de custo, por se encontrarem deslocados do seu domicílio. III.2. Correções (…) III.2.2. Correções à matéria tributável de IRC - [cf. relatório de inspeção tributária, a fls. 549/580 dos autos]; O) Do relatório de inspeção referido em N), no capítulo intitulado “IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTOS”, consta, designadamente, o seguinte: “(…) Relativamente ao ponto III.1.3 – Contas bancárias omitidas na contabilidade, o s.p. discorda da correção proposta no projeto de relatório de inspeção tributária, já que esclarece que a maioria dos montantes propostos para correção, nomeadamente, € 523.111,20, “respeitam a serviços de formação profissional pagos por alunos da L..., e posteriormente transferidos pelo Sr. P… para a devida conta bancária desta empresa”. Acrescenta que “não é devido IVA no valor de € 224.965,58, na medida em que os serviços de formação”, conforme certificação da L... que junta “e restantes parcelas do total identificado pela AT como alegados rendimentos da a… são isentos de IVA”. Refere que, em sede de IRC, “os rendimentos em causa respeitam à L... e não à A…, pelo que esta correção não deve ser feita na A… . Isto é, não deverá ser a A…a considerar rendimentos que não são seus, nos termos do artigo 18º e seguintes do IRC”. Acrescenta ainda que “voltou a conciliar as entradas e as faturas emitidas pela L... e identificou mais faturas emitidas por esta e que correspondem a valores que deram entrada nas referidas contas, ascendendo a € 104.002,98, conforme cópias” de faturas que junta ao direito de audição. Refere que “os restantes valores, nomeadamente, € 415.521,02, correspondem na sua maioria a rendimentos da L..., que está a identificar todos os valores que não deram origem à emissão de fatura, e vai regularizar voluntariamente a situação. Relativamente ao total de € 455.000,00, incluídos nos € 978.111,20, trata-se de suprimentos, provindos de levantamento do cofre do Sr. P… e não rendimentos da sociedade”, que já foram considerados nas correções efetuadas em sede de inspeção ao mesmo, no ano de 2014. Como já foi esclarecido em sede de projeto, detetou-se durante o procedimento inspetivo, que o s.p. era titular de duas contas bancárias, no N..., cujos movimentos não se encontravam refletidos nos elementos contabilísticos do mesmo. Apesar do s.p. referir que tratam-se de serviços prestados pela L..., esta situação não foi comprovada documentalmente, já que o s.p. envia cópias de contratos de formação celebrados entre a L... e os seus alunos, que não provam que aqueles rendimentos provenham da L.... O que se verifica é que os rendimentos entram em contas tituladas pelo s.p., portanto, entram à esfera do mesmo. Apesar do s.p. referir que estes montantes são depois transferidos para a L..., a discrepância existente entre o montante das entradas de rendimentos e os valores das saídas para a L..., é muito elevada, conforme já tinha sido referido no projeto de relatório. Ou seja, verifica-se sim, um acréscimo de rendimento na esfera do s.p. Para se apurar o montante dos rendimentos omitidos, repercutidos nestas duas contas bancárias, expurgaram-se alguns movimentos a crédito, nomeadamente, movimentos entre contas, os créditos que pela descrição do movimento estão relacionados com a A…, Aerotécnica, L... e P… e outros em que a justificação dada pelo s.p. foi aceite por ter sido comprovada documentalmente. Uma vez que o s.p., nesta fase, voltou a conciliar as entradas nas contas bancárias com as faturas emitidas pela L... e veio “justificar” o montante de € 104.002,98, procedeu-se à análise da documentação que juntou. Adotou-se o mesmo critério que tinha sido utilizado aquando da análise inicial, ou seja, aqueles valores que entraram nas contas bancárias, cujo s.p. apresentou a fatura emitida pela L..., à pessoa que efetuou a transferência ou que está relacionada com esta e posteriormente, o montante foi transferido para a L..., aceitou-se a justificação do s.p.. Porque só desta forma é que o s.p. demonstra que recebeu importâncias por conta da L.... Encontra-se nesta situação as faturas FA2014/28 (€ 9.000,00), FA 2014/24 (E 1.000,00), FA 2014/30 (E 2.000,00), FA 2014/137 (E 3.334,30) e FA 2014/179 (€ 12.500,00), o que perfaz o montante total de € 27.834,30, cuja justificação é aceite. Relativamente às restantes situações indicadas no documento 6, detetaram-se algumas divergências nas justificações prestadas, tais como: o valor da fatura emitida pela L... e o nome do cliente coincide com o montante da entrada na conta bancária e com o ordenante da transferência, mas posteriormente, este valor não é transferido para a L..., o valor da fatura emitida pela L... não coincide com o montante da entrada na conta bancária e a fatura indicada como justificativo para aquela entrada, já foi indicada para outro movimento a crédito do mesmo montante. Relativamente ao facto do montante de € 455.000,00 respeitantes a depósitos em numerário, já terem sido alvo de tributação, em sede de IRS, do Sr. Pedro Leal, no ano de 2014, esta afirmação não se encontra de todo correta, uma vez que estes rendimentos que entraram na conta bancária como depósitos em numerário, se posteriormente foram transferidos para contas bancárias da A…, encontrando-se lançados contabilisticamente como sendo suprimentos do administrador, Sr. P…, aquando da análise efetuada à conta SNC 2532000000004 – P…, ao ano de 2014, foram desconsiderados, os movimentos bancários que tinham origem nestas contas bancárias omitidas, já que as mesmas eram tituladas pelo s.p.. Estes depósitos em numerário foram tratados como rendimento do s.p., uma vez que não foi comprovado documentalmente a origem dos mesmos. (…)” - [cf. fls. 583/593 dos autos]; P) A Chefe de Equipa dos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Faro exarou parecer, datado de 26.10.2018, que confirmou as correções constantes do relatório de inspeção – [cf. fls. 549/550 dos autos]; Q) Na mesma data, o Diretor de Finanças de Faro, proferiu despacho de concordância com o parecer referido na alínea antecedente e com o relatório da ação inspetiva – [cf. fls. 549 dos autos]; R) Na sequência das correções à matéria tributável do exercício de 2014, foi emitido o ato tributário de liquidação adicional de IRC nº 2018 8310005718 e juros compensatórios (nº 2018 00000306063), no montante total de € 295.628,46 – [cf. fls. 288/289 e 527/546 [16/17] dos autos]; S) Em 09.11.2018, foi instaurado o processo de inquérito nº 608/18.8 IDFAR, em que são suspeitos A… S.A., que procedeu à sua redenominação para SEVEN AIR e P… , em que é investigado um crime de fraude fiscal qualificada, sendo que as infrações indiciadas são referentes aos anos de 2014 a 2017 – [cf. ofício do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Faro, Departamento de Investigação e Ação Penal – 1ª Secção de Portimão, a fls. 655 dos autos]; T) Em 28.12.2018, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 3433201801330381 – [facto que se extrai da informação prestada pelo Serviço de Finanças de Cascais 2, constante do PA, a fls. 527/546 [8] dos autos]; U) No âmbito do processo de execução, identificado na alínea anterior, a Impugnante prestou, como garantia, hipoteca voluntária sobre as aeronaves com as matrículas CS-A... e CS-D... – [facto que se extrai da informação prestada pelo Serviço de Finanças de Cascais 2, constante do PA, a fls. 527/546 [8] dos autos]. Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte: Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, designadamente, não está provado, com relevo para a decisão de mérito, que: 1) Que as duas contas bancárias, identificadas em G), eram movimentadas pelo sócio P…, através de um cartão de crédito emitido em seu nome – [facto alegado no § 2º, ponto 7 da petição inicial]. E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se: Nos termos do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência. Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, no processo administrativo apenso e informações oficiais juntas e não impugnadas, tal como se foi fazendo referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório. No que tange aos factos provados constantes das alíneas C), D), E), H), I) e K) contribuiu decisivamente para a convicção do Tribunal o depoimento da testemunha Miguel Ângelo Gonçalves Brandão, comercial, que trabalha para a Impugnante desde 2010 e que, de forma assertiva e sem hesitações, revelou que a sua função é vender produtos e serviços, desde cursos de pilotos, a serviços de publicidade aérea, prestando o necessário acompanhamento aos clientes, nomeadamente na explicação de como funcionam os cursos ministrados. Relatou, ainda, que é comum os cursos serem pagos por outras pessoas que não os alunos, dando como exemplos os pais/avós e que era ele o responsável pelo envio, via mail, aos alunos, de toda a informação relativa aos cursos, incluindo o IBAN para a realização dos pagamentos, IBAN este que lhe era fornecido pelo Sr. P…. Porque lhe foi perguntado, afirmou que a Impugnante não ministrava cursos de piloto e que os alunos deste curso eram só da L.... A Impugnante apenas ministrava cursos de técnico de manutenção de aeronáutica, uma vez que cada empresa do grupo se dedicava a uma área de negócio. Confrontado com os nomes indicados na petição inicial, a testemunha reconheceu vários nomes como alunos da L..., explicando que se lembrava perfeitamente dos nomes, uma vez que eram pessoas que voltavam muitas vezes à empresa, para renovar as qualificações, e realizar o número de horas de voo exigidas pelas companhias aéreas. Atendendo ao depoimento espontâneo e considerando o conhecimento do funcionamento e organização empresarial da Impugnante, o testemunho mereceu a credibilidade do Tribunal. Para prova dos factos constantes das alíneas D), H), I), J) e K), relevou o depoimento da testemunha M…, que trabalha no grupo S..., desde 1998, tendo desempenhado vária funções: área administrativa, assessora da administração, secretária-geral, entre outras, servindo de elo de ligação entre a administração e a contabilidade. A referida testemunha relatou ao Tribunal que lhe competia fazer o controlo dos pagamentos e recebimentos dos alunos (parte financeira), referindo que os cursos de piloto e de técnico de manutenção de aeronaves tinham valores completamente diferentes (os primeiros custavam cerca de € 40.000/€ 50.000 e os segundos cerca de € 8.000/€ 10.000), pelo que era possível perceber, pelos montantes das entradas nas contas bancárias, que respeitavam aos cursos de piloto. Acrescentou que, no que se refere aos cursos, a L... emitia sempre as correspondentes faturas. Em consonância com o testemunho anterior, que, com frequência os cursos são pagos pelos pais/avós dos alunos ou pelo cônjuge, por empresas, ou seja, por terceiros que não o aluno e que era comum os cursos serem pagos em prestações, atendendo aos elevados valores envolvidos. Afirmou que era o Sr. P... que indicava para que contas deviam ser feitos os pagamentos. Explicou, ainda, em Tribunal, que a empresa dá formação teórica e prática, sendo os exames realizados pela ANAC – Autoridade Nacional de Aviação Civil, pelo que, com recurso aos contratos de formação, às faturas emitidas pela L... e à documentação enviada para a ANAC, efetuar-se a correspondência das transferências bancárias e os cursos de piloto, ministrados pela L.... O depoimento foi efetuado de forma espontânea, revelando um conhecimento alargado, no tocante à organização empresarial da Impugnante, pelo que também se mostrou credível. Relativamente à testemunha C…, foi o mesmo relevante para prova do facto constante da alínea F), atendendo ao conhecimento pessoal, de há muitos anos, com o Sr. Pedro Leal. Revelou possuir um conhecimento da estrutura societária da Impugnante, bem como a atividade das empresas, desde logo, porque possui um contrato de trabalho com a S...desde junho do corrente ano. Referiu, em Tribunal, que o Sr. P...é um self made man e que a gestão das empresas era bastante rudimentar, já que este não possuía conhecimentos técnicos nem se fazia rodear de profissionais competentes. Narrou, ainda, que a gestão empresarial conheceu um período de total desnorte, no ano de 2012, quando, num acidente de avião, o Sr. P...perdeu um filho. Do relato que efetuou, relativamente aos antecedentes da ora Impugnante, logrou convencer o Tribunal de que o Sr. P...se encontrava, desde 2004 e à data dos factos, inibido do uso de cheques, ainda que não tenha sido apresentada qualquer prova documental que comprovasse e corroborasse tal facto. No entanto, o mesmo não se pode observar quanto à efetiva movimentação das contas bancárias, em causa nos presentes autos, por parte do Sr. P…, através de um cartão de crédito, uma vez que não foram carreados aos autos quaisquer elementos probatórios, de cariz documental, que permitissem concluir pela existência desses movimentos, razão pela qual, foi dado como não provado o facto constante do ponto 1. Todavia, tal conclusão não contraria os movimentos evidenciados nas contas que tinham origem na pessoa do Sr. P…, circunstância que está reconhecida no relatório de inspeção tributária. Relativamente ao depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, L…, não contribuiu o respetivo depoimento, ainda que prestado de forma desinteressada e espontânea, para a decisão sobre a matéria de facto, uma vez, que sendo a inspetora tributária que desenvolveu o procedimento inspetivo e autora do relatório de inspeção, limitou-se a reiterar as conclusões a que chegou e que se mostram espelhadas no referido relatório. Ainda assim, a testemunha salientou que, da análise que efetuou aos movimentos financeiros, evidenciados nas contas bancárias, não refletidas na contabilidade, que aceitou valores relativos a depósitos, como pagamentos realizados à L..., consoante as justificações apresentadas pela Impugnante. Mais referiu que não foram utilizados métodos indiretos, porque não foi necessário presumir valores; partindo dos extratos bancários da empresa, os valores das omissões eram conhecidos, por isso, a avaliação da matéria tributável efetuou-se de forma direta. Os valores entraram na esfera do contribuinte e, por isso, foram considerados rendimentos da empresa, por aumentarem o património. Porque lhe foi perguntado, em concreto, relativamente aos movimentos bancários de particulares, identificados no anexo 4 do relatório de inspeção, afirmou que os serviços de inspeção não tentaram apurar que transferências respeitavam a cursos de pilotos e que transferências respeitavam a cursos de técnico de manutenção aeronáutica. Nessa medida, não investigaram, junto dos ordenantes das transferências, qual o motivo da realização do pagamento, ainda que tivessem informação sobre o nome dos mesmos. Relativamente às entradas em numerário, esclareceu que não se apurou a origem dos créditos. II.2 Do Direito A Impugnante e ora Recorrida foi alvo de procedimento inspetivo externo ao exercício de 2014 que concluiu, no segmento que aqui interessa, pela verificação de omissão de rendimentos e corrigiu a matéria tributável declarada pela empresa para mais € 950 276,90, dando origem à liquidação impugnada. A impugnação foi julgada parcialmente procedente, e anulada a liquidação impugnada (nº 2018 8310005718), na parte correspondente à correção à matéria tributável, relativa à omissão de rendimentos, no valor de € 950,276,90 e a sua manutenção, na parte relativa à correção dos custos não dedutíveis fiscalmente (ajudas de custo), no valor de € 81.885,00, devendo, igualmente, anular-se, os juros compensatórios correspondentes à parte ora anulada (cf. dispositivo da sentença recorrida). O presente recurso é também ele parcial, recorrendo a Autoridade Tributária e Aduaneira apenas da decisão na parte em que lhe foi desfavorável e em que decaiu e que, como vimos já supra, respeita à procedência da impugnação quanto à correção à matéria tributável, por omissão de proveitos. Decidiu-se, na sentença recorrida, anular a referida correção, porquanto os Serviços de Inspeção Tributária na metodologia usada para a determinação da matéria coletável, terem feito uso de presunções, próprias da avaliação indireta, e não meras correções técnicas. É contra este entendimento a que se dirigem as conclusões das alegações de recurso, defendendo a ora Recorrente que a matéria coletável foi determinada através de correções meramente técnicas e não por recurso a métodos indiretos. Vejamos então: Em linhas simples e como decorre factualidade assente, no decurso do procedimento inspetivo os Serviços de Inspeção Tributária, após indagação, detetaram a existência de duas contas bancárias tituladas pela Impugnante e ora Recorrida, contas essas cujos movimentos não estavam refletidos na contabilidade da empresa. E, com base nos movimentos a crédito, concluíram pela omissão de proveitos e corrigiram, em conformidade, a matéria tributável antes declarada. Na sentença recorrida esta correção foi anulada com fundamento em a matéria tributável da Impugnante ter sido corrigida com recurso a presunções e logo, que teria sido usada uma metodologia própria da avaliação indireta, com evidente prejuízo para a defesa da Impugnante, que assim não teve oportunidade de se defender através dos meios legais e próprios, nomeadamente de recurso para a Comissão de Revisão. A sentença recorrida começa por distinguir o que se deve entender por avaliação direta e indireta da matéria tributável e identificar os casos em que se deve recorrer a uma ou a outra das metodologias, citando a principal legislação aplicável, em termos tais que, quanto a este trecho, não nos merece censura e que pouco mais haverá a acrescentar. Diz no segmento aqui em causa: (…) Nos termos do artigo 81º da Lei Geral Tributária, “[a] matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a Administração Tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei.” (nº 1) Dispõe o artigo 82º da Lei Geral Tributária que a competência para a avaliação direta é da administração tributária e, nos casos de autoliquidação, do sujeito passivo (nº 1), sendo a competência para a avaliação indireta da administração tributária (nº 2). Por seu turno, o artigo 83º da Lei Geral Tributária explicita que “[a] avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação” ao passo que a “avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração disponha”, sendo que esta metodologia de avaliação da matéria tributável é, nos termos do nº 1 do artigo 85º do mesmo corpo de normas, subsidiária da avaliação direta e que a AT apenas a ela pode recorrer quando verifique a existência dos pressupostos para a mesma, nos termos definidos nos artigos 87º e ss. da LGT. Ou seja, tanto a avaliação direta como indireta têm por fim determinar o valor dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação. No primeiro caso, a avaliação é feita com base em elementos de prova do valor real dos bens ou rendimentos tributáveis e, por isso, visa-se determinar com exatidão esse valor. Os casos em que se procede a avaliação indireta, previstos no artigo 82º da LGT são situações em que não existem elementos fiáveis suficientes para demonstrar exatamente o valor daqueles bens ou rendimentos. Por essa razão, a avaliação dos bens ou rendimentos sujeitos a tributação é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária dispuser, inclusivamente alguns que poderiam ser utilizados na avaliação direta. [cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2ª Reimpressão, 1999, Lisboa, Vislis Editores, pp. 289]. Como se tem entendido pacificamente na jurisprudência dos tribunais superiores, “o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no art.º 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º e 89.º do mesmo diploma legal. (…) Daí a preferência pela avaliação direta, porquanto, em princípio, esta refletirá tais rendimentos efetivos.” [cf. Acórdão do TCAS de 14.03.2019, proferido no processo 8160/14.7 BELSB e no mesmo sentido, Acórdão do STA, de 17.03.2010, processo nº 01211/092]. A avaliação direta, por outro lado, tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cf. o artigo 75º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo artigo 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando as declarações ou os elementos contabilísticos revelarem “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. O recurso a qualquer das metodologias, direta ou indireta, não depende de um critério discricionário da Administração Tributária, constituindo, antes, um poder a que a mesma se encontra vinculada, na estrita medida do necessário, para combater a fraude e evasão fiscais, com o duplo objetivo de evitar o emagrecimento do Estado e de repartir equitativamente, nos termos constitucionais estabelecidos, a carga fiscal. Pode, no entanto, referir-se que a Administração Tributária se encontra vinculada ao recurso às correções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, esteja em condições de apurar com efetividade os rendimentos a tributar. Se tal desiderato se vier a revelar inviável, deverá, pois, lançar mão dos métodos indiretos [neste sentido, Diogo Leite de Campos et al, op.cit. pp. 289 e 291]. O recurso à avaliação indireta da matéria tributável enquanto método subsidiário da avaliação direta, apenas pode verificar-se nos casos e condições expressamente previstos na lei. O artigo 87º da LGT identifica, então, os pressupostos, que permitem à Administração Tributária o recurso à avaliação indireta e que a seguir se discriminam: − Regime simplificado de tributação; − Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; − A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica; − Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89º-A. Neste domínio, a violação do dever de cooperação só constitui pressuposto para a aplicação da metodologia indireta quando impossibilitar a determinação do lucro tributável com base na declaração do contribuinte. Pretendeu-se, deste modo, associar o carácter excecional dos métodos indiciários com o aprofundamento do princípio da tributação do rendimento real. Nesta conformidade, a tributação com base na metodologia indireta está expressamente condicionada pela impossibilidade de comprovação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação do lucro tributável e, portanto, ao esgotamento prévio de todos os meios de apuramento da matéria tributável efetivamente obtida. Convoque-se a este propósito que “[d]o caráter subsidiário da avaliação indireta (cf. artigo 85º, nº 1 da LGT), resulta que na interpretação das normas legais que a regulam designadamente, nas que se referem à aplicação dos métodos indiretos, se deve privilegiar o sentido que garanta a preferência pela avaliação direta.” [cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.06.2021, tirado no processo nº 02577/09.6 BEPRT]. Com efeito, a determinação do rendimento real e efetivo deve ser, em primeira linha, o declarado pelo Contribuinte, atribuindo a lei, como forma controlar e de evitar a fraude e evasão fiscais, à Autoridade Tributária e Aduaneira, um poder/dever de fiscalização. Nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. No entanto, esta presunção de veracidade termina quando se verificar que contabilidade revela omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (artigo 75/2 LGT). Todavia, para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos exige-se que as omissões, erros e inexatidões sejam de tal modo graves que impeçam o conhecimento da matéria tributável real do contribuinte [artigo 75/2.a) da LGT]. Na verdade, e como é consabido, a aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria tributável é subsidiária em relação à avaliação direta (cf. artigo 85/1 da LGT). Ainda assim, o recurso à determinação da matéria coletável através de métodos indiretos impõe o esgotamento dos restantes meios de averiguação da verdade, investigando a montante e a jusante, gozando o Contribuinte como goza da presunção de veracidade da escrita. Como vimos já, no cumprimento do seu poder/dever de correção, a Autoridade Tributária e Aduaneira só deverá fazer uso da avaliação indireta quando de todo se comprove a impossibilidade de quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à sua correta determinação [artigo 87/1.b) da LGT]. Mas será que no caso concreto em análise e como alega a Recorrente, a correção à matéria tributável teve por base elementos e informações de natureza objetiva, designadamente os extratos bancários da empresa, que espelham os fluxos financeiros e as operações não contabilizadas? Ou, como se decidiu na sentença recorrida a Administração Tributária para a determinação da matéria tributável recorreu a presunções e estimativas, próprios da avaliação indireta? Vejamos o que se decidiu. Prossegue a sentença recorrida sobre a metodologia usada para a determinação da matéria coletável: (…) Como resulta do probatório [alíneas N) e O)], a metodologia prosseguida pela Inspeção Tributária, no apuramento da matéria coletável de 2014, no que tange à correção por omissão de rendimentos, consistiu essencialmente, em analisar os movimentos a crédito nas contas bancárias, tituladas pela Impugnante e não refletidas na contabilidade [alínea G)], expurgando os movimentos entre contas, os créditos que pela descrição, do movimento estão relacionados com a A..., Aerotécnica, L... e P...e outros em que a justificação apresentada pela Impugnante foi aceite, por ter sido comprovada documentalmente. Todos os outros movimentos, registados a crédito, e cuja origem não se conseguiu comprovar, foram considerados rendimentos nos termos do artigo 20º do Código do IRC. Constata-se assim, pela metodologia atrás descrita que foram detetadas omissões nos registos contabilísticos e na contabilidade que afetam a veracidade da declarativa, nos termos e para os efeitos do artigo 75º, nº 2 da LGT, o que permite afastar a presunção de veracidade ínsita no nº 1 do mesmo preceito. No entanto, alega a ora Impugnante que a AT, no caso “sub judice”, perante a posição assumida no RIT, não poderia ter procedido à liquidação adicional de IRC, com base em simples correções aritméticas. Como sublinha, a AT socorreu-se da existência de movimentos a crédito, nas referidas contas, como se houvesse uma inevitável ligação racional e lógica entre os movimentos bancários e a omissão de registo de transmissões de bens ou prestações de serviços, não se determinando o valor real dos rendimentos omitidos, nem a sua natureza. Considerando eventuais lacunas e insuficiências da contabilidade, deveria antes ter feito uso da avaliação indireta. Como acima se referiu, o recurso à avaliação indireta só se mostra legalmente admissível no pressuposto da impossibilidade, ou mais latamente, da inviabilidade de quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação do lucro tributável e, portanto, ao esgotamento prévio de todos os meios de apuramento da matéria tributável efetivamente obtida [vide, em idêntico sentido, António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Reis dos Livros, pp. 363]. Assim sendo e como decorre do quadro legal supra sumariado, a AT não pode, indistintamente, escolher tributar um sujeito passivo com base na avaliação direta ou indireta, sendo que a avaliação indireta, a suceder, tem de resultar da demonstrada verificação dos respetivos pressupostos. É por esta razão que é fundamental apurar a natureza jurídica da avaliação levada a cabo, pois, no caso mais do que um simples equívoco na denominação da mesma, uma avaliação indireta a que a AT escolha chamar de avaliação direta terá como consequência a falta de demonstração dos pressupostos legitimadores da avaliação de facto e de direito levada a cabo. Decorre do probatório que no procedimento inspetivo, a inspeção tributária obteve autorização da Impugnante para o acesso às contas e movimentos financeiros evidenciados nas contas bancárias por si tituladas, incluindo todos os movimentos bancários, como se depreende do ponto III.1.3. do relatório, reproduzido na alínea N) do probatório, o que motivou o pedido ao Banco de Portugal relativo à identificação de todas as contas bancárias tituladas pela Impugnante, tendo-se constatado a existência de duas, que não estavam refletidas na contabilidade. Da análise efetuada pela Inspeção Tributária e cujas conclusões estão espelhadas no RIT, elaborado na sequência da OI201700769, constatou-se que, durante o ano de 2014, deram entrada em contas bancárias tituladas pelo sujeito passivo (por via de depósitos em numerário e cheques ou por transferências bancárias de outras entidades/pessoas) importâncias não comprovadas documentalmente, nomeadamente por faturas [cf. alínea N) do probatório onde se reproduz o Capítulo III do RIT]. Os depósitos bancários, cuja origem é desconhecida, estão evidenciados no mapa de apuramento realizado no Anexo 4 ao RIT. Compulsados o referido anexo 4 do RIT, verifica-se que existem muitos depósitos com a descrição “Depósito Cheques OIC” e “Depósito numerário”, sem indicação de proveniência ou origem, bem como, se verifica a existência de transferências bancárias, cujo ordenante se encontra identificado. No entanto, para validar a informação resultante da análise da informação bancária, mormente, no que toca aos movimentos refletidos no anexo 4 do relatório, verificou-se que a Inspeção Tributária não procurou saber, designadamente, junto dos ordenantes das transferências bancárias, identificados, qual o destino desses movimentos bancários e qual o intuito da realização dessas entregas pecuniárias. Na verdade, no relatório da AT não encontramos uma referência que seja quanto aos esforços empreendidos por esta para provar que cada um dos depósitos se referia a prestação de serviços, tanto no que respeita aos depósitos de cheques, como no que respeita aos depósitos em numerário ou transferências bancárias. Aliás, diligências instrutórias que entendemos serem perfeitamente exequíveis, dada a autorização fornecida para o acesso à informação bancária. No entanto, a própria técnica responsável pela ação inspetiva afirmou, em Tribunal, que os serviços de inspeção não tentaram apurar que transferências respeitavam a cursos de pilotos e que transferências respeitavam a cursos de técnico de manutenção aeronáutica; que não investigaram, junto dos ordenantes das transferências, qual o motivo da realização do pagamento, ainda que tivessem informação sobre o nome dos mesmos e que, relativamente às entradas em numerário, esclareceu que não se apurou a origem dos créditos. Por outro lado, observe-se e que conforme flui da factualidade assente, designadamente, quanto aos factos instrumentais provados, que as transferências bancárias, em muitos casos, eram efetuadas por terceiros, que não os próprios alunos. E, ainda que tal se erigisse como um obstáculo à identificação das transferências, poder-se-ia, nem que seja, com recurso à amostragem, tentar alcançar o nexo de causalidade entre as aludidas transferências e a prestação de serviços ministrada pela L..., ou, se fosse caso disso, pela Impugnante. Desse modo, determinar-se-ia, com maior rigor, a natureza da prestação de serviços em causa. Neste desiderato, infere-se, do teor do relatório de inspeção tributária, que o que a AT fez foi concluir a partir de um facto conhecido – os depósitos – um facto desconhecido – a prestação de serviços omitida – sem circunscrever o nexo de causalidade subjacente aos mesmos. Ou seja, socorreu-se de um juízo presuntivo, com base nas máximas da experiência, para presumir que os depósitos efetuados na conta da Impugnante, que não tinham origem conhecida, se reportavam a prestações de serviços omitidas referentes ao exercício da sua atividade, sem se preocupar em saber qual a natureza das prestações de serviço omitidas. Ainda que se reconheça alguma razoabilidade nas asserções efetuadas pela Inspeção Tributária, à luz da verosimilhança dos raciocínios e do silogismo a que se chegou nas conclusões do Relatório de inspeção, atendendo a que, sendo as contas bancárias tituladas pela Impugnante, os valores creditados entram, efetivamente, na sua esfera jurídica. E dada a inexistência de suporte documental dos valores movimentados nas contas, bem como o elevado montante dos depósitos em numerário, podiam levantar suspeitas de uma eventual elisão fiscal. No entanto, a conclusão lapidar de que os mesmos correspondem a serviços omitidos, nos termos do artigo 20º do CIRC, sem se determinar, pelo menos, a natureza das prestações de serviços, atendendo ao espetro da atividade empresarial da Impugnante, é uma presunção, um juízo hipotético de conteúdo genérico, assente na experiência comum, “adquirido, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extração de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil”, como se deduz da explicação vertida no Acórdão do STJ, de 06.07.2011, processo nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1. Acresce que, é igualmente indiciadora da abrangência da presunção, e da lógica indiciária subjacente às conclusões da ação inspetiva, o facto da quantificação se ter feito pelos fluxos financeiros, evidenciados nas contas bancárias e, não obstante, se ter acrescido, a este valor, o IVA correspondente, liquidado à taxa de 23%. Ora, se os referidos fluxos financeiros fossem a contraprestação pelos serviços omitidos, tal ilação tem como pressuposto de que o IVA já estaria incluído naquele valor. Ou seja, a operação de quantificação teria que ter em consideração que aquele valor já englobaria o IVA, não sendo, pois, de acrescer imposto, à taxa legal. Denote-se, ainda, como se observou na decisão do CAAD, proferida no processo nº 183/2019-T, referente à aqui Impugnante, mas que incidiu sobre a legalidade das liquidações de IVA “[n]o caso dos autos, tudo leva a crer que houve uma omissão de rendimentos resultante da deturpação, e mesmo omissão, da documentação de suporte das operações registadas, dedução indevida de IVA, inexistência de documentos e omissão de duas contas bancárias com movimentos avultados, o que não transmite qualquer credibilidade da contabilidade. Com efeito, a utilização indiscriminada dessas contas bancárias para movimentação de dinheiros de diferentes empresas e dinheiros particulares, constitui uma inegável promiscuidade entre carteiras, ou dito de outra forma, comprova de forma irrefutável a confusão ou promiscuidade entre esferas jurídicas das empresas e aponta para a inexistência de autonomia patrimonial entre as empresas e entre estas e o seu sócio, levando-nos a inferir que não estamos perante meros erros contabilísticos, de arquivo e/ou outros, mas de uma atuação intencional no sentido de ocultar rendimentos. E na verdade, face à manifesta impossibilidade de quantificação direta dos elementos necessários à correta determinação da matéria tributável, perante a insuficiência de elementos contabilísticos resultantes da sua irregularidade (alínea a) do artigo 88º da LGT) encontravam-se reunidos os pressupostos para a AT determinar a matéria coletável com recurso a métodos indiretos, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º da LGT, desde que cumprisse também os demais requisitos legais, nomeadamente, o de fundamentação. (…). Todavia, a AT perante inexistência de prova da origem e natureza dos montantes creditados nas contas bancárias (1 e 2), não fez meras correções diretas de registos contabilísticos, mas considerou como rendimentos tais montantes, nos termos do artigo 20.º do CIRC, e sujeitou os rendimentos omitidos a IVA, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA, à taxa normal de 23% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º. Claramente, a AT socorreu-se de raciocínios presuntivos para determinar a matéria coletável. Pois das omissões contabilísticas e, sobretudo, das discrepâncias dos movimentos bancários não explicadas pelo contribuinte, a AT presumiu rendimentos obtidos como contraprestação de prestações de serviços, que sujeitou a IVA, tendo depois presumido que todos estes montantes diziam respeito a prestações de serviços tributadas à taxa de 23%, bem sabendo que o contribuinte pratica operações isentas.” Destarte, a posição da Impugnante afigura-se correta, mas mesmo que o não fosse sempre a presente impugnação procederia, pois das duas uma: ou, como defende a Impugnante, é uma presunção afirmar que os depósitos nas contas bancárias analisadas em virtude da autorização de acesso a todos os documentos bancários, para efeitos do artigo 63º-B da Lei Geral Tributária, são, na verdade, rendimentos omitidos, ou, ainda que se pudesse considerar tal raciocínio como integrador de uma avaliação direta, sempre se concluiria pelo incumprimento do ónus da prova que impendia sobre a AT no sentido de provar que os depósitos efetuados nas contas referidas e ainda que provenientes de clientes da Impugnante se referiam a proveitos/réditos não faturados. Sendo que, reitere-se, a opção por correção técnica ou métodos indiretos, não está no âmbito dos poderes discricionários da AT, mas qualquer um deles constitui um poder vinculado, conforme se pode ler no acórdão do TCAN, de 13.07.2017, no processo n.º 01686/07.0BEVIS “(…) ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efetividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indireta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.” Destarte, não é possível acompanhar o raciocínio da AT para concluir que a avaliação levada a cabo foi uma avaliação direta, uma vez que esta assenta de forma clara em presunções – a presunção de que os depósitos nas contas do impugnante são rendimentos omitidos, mormente, porque os mesmos depósitos são efetuados em numerário e cheques, sem identificação do titular e, portanto, cuja origem não é possível descortinar. Por outro lado, não existiu qualquer atividade instrutória da AT nesse sentido, ou seja, no intuito de conhecer a origem e proveniência dos depósitos, não efetuando qualquer cruzamento entre a informação das transferências dos ordenantes e elementos constantes das listagens de alunos que pudesse obter, junto da Impugnante, que nem sequer foram solicitadas. Nem se denota qualquer atividade investigatória, relativamente aos montantes depositados, designadamente, quanto aos valores em causa, para inferir da natureza das prestações de serviços omitidas, tanto mais, que se demonstrou nos presentes autos que a Impugnante não ministra cursos de piloto e que os custos desta formação ascendem a valores de cerca de € 40.000,00/€ 50.000,00 [cf. alíneas D), E) e J) do probatório]. E nessa medida, aliás, como invocado pela Impugnante, foi violado o princípio do inquisitório, corolário do objetivo da prossecução do interesse público que se impõe à atividade da Administração em geral, resultando de uma conceção finalista do procedimento, expressa no artigo 58º da LGT, que dispõe que a Administração, no procedimento, deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Com efeito, ou a AT procedia como procedeu, mas demonstrava que os elementos encontrados afastavam a verdade fiscal das declarações e das demonstrações financeiras da Impugnante, assumindo que aquela não era já possível alcançar, dentro de um juízo de razoabilidade e dos elementos que dispunha, presumia a matéria coletável lançando mão da avaliação indireta, ou perante os elementos que encontrou, continuava a sua atividade instrutória, seguindo aqueles movimentos a crédito nas contas bancárias, designadamente, junto dos ordenantes das transferências bancárias, de quem os movimentos financeiros provêm, de forma a afirmar, com a certeza que só uma instrução mais alargada podia trazer, e já não com base em meras presunções, que aqueles eram provenientes do pagamento de prestações de serviços não declaradas, sendo, ainda possível, mediante essa recolha de elementos, determinar, em concreto, em que consistiam essas prestações de serviços. A avaliação levada a cabo, nos termos em que o foi, apesar de ser denominada pela AT como avaliação direta, de jure não o é, pois até a fundamentação do ato - os valores depositados nas contas do impugnante são rendimentos omitidos - demonstra de forma inequívoca que o mesmo se baseia numa presunção, presunção que, refira-se, podia integrar a avaliação indireta, mas nunca uma verdadeira forma de proceder à avaliação direta. Assim sendo, não nos resta alternativa se não concluir nos termos invocados pela Impugnante, na sua petição inicial, no sentido de que as correções levadas a cabo pela AT, baseadas nos movimentos bancários, apenas estariam legitimadas em sede de avaliação indireta, uma vez que a quantificação direta e exata da matéria tributável, exigiria que os SIT identificassem a origem dos movimentos a crédito nas citadas contas bancárias e demonstrassem que correspondiam à contrapartida de prestações de serviços efetuadas pela Impugnante, o que conforme referiu a testemunha arrolada pela Fazenda Pública não foi feito. Convoque-se, em abono do supra expendido, o Acórdão do TCAS de 18.06.2015, processo nº 08641/15: “III. Em toda esta análise perpassa uma atividade que é característica da avaliação indireta, sendo que o próprio conteúdo do relatório utiliza raciocínios que são apenas consentâneos com o plano das presunções e dos métodos indiretos de avaliação. IV. Portanto, as correções efetuadas não traduzem, na medida em que assentam em presunções, a comprovação e quantificação direta e exata de elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável, sendo certo que, não é o facto de a Administração se socorrer de elementos de que disponha reveladores da efectiva capacidade contributiva do sujeito passivo – no caso, entre outros, valores fornecidos por clientes da Requerente e pela própria Requerente – que faz com que se possa afirmar que a avaliação é direta, que as correções são meras correções técnicas. V. Mesmo em sede de avaliação indireta a Administração Tributária não está dispensada de se apoiar, tanto quanto possível, em elementos relevadores de efetiva capacidade contributiva do sujeito passivo (cfr. artigo 90º da LGT). VI. A AT, no caso em análise, sob a capa de alegadas correções técnicas, corrigiu e alterou valores declarados com recurso a métodos indiretos, sem que tal recurso tenha sido acompanhado do necessário procedimento, o qual reclamava especiais deveres à Administração (designadamente de fundamentação – artigo 77º, nº 4 da LGT) e consagra especiais direitos e garantias ao contribuinte (designadamente o pedido de revisão, previsto no artigo 91º e ss. da LGT, sendo ainda de assinalar, em certos casos, o encurtamento do prazo de caducidade de direito à liquidação quando esta decorre da aplicação de métodos indiretos, tal como resulta do artigo 45º, nº 2 da LGT).” [v., também, o Acórdão de 30.09.2019, processo nº 546/10.2 BECTB]. No mesmo sentido, milita o Acórdão do TCAS de 18.04.2018, proferido no processo nº 8451/15, que sufraga que: “O pressuposto inultrapassável para que a AT, vinculadamente, lance mão da metodologia direta ou de metodologias alternativas, radica na circunstância de os factos fiscalmente relevantes serem, à luz de parâmetros de razoabilidade e normalidade, incontroversamente conhecidos – caso em que não pode deixar de corrigir aritmeticamente – ou de o não serem e de, então, se tornar necessário determiná-los a partir de outros que o sejam e que em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência se mostrem consubstanciar factos-índice adequados a tal extrapolação. Partindo a AT da análise dos movimentos financeiros refletidos nas contas bancárias dos sócios da impugnante, e familiares dos sócios, para concluir pela omissão à contabilidade de custos e de proveitos e determinar a respetiva quantificação, fez uso de métodos indiretos, ainda que sob a capa de correções técnicas ou meramente aritméticas. 3. A decisão de tributação por métodos indiretos desacompanhada do especial procedimento a que está sujeita, mostra-se ilegal por violação de direitos e garantias do contribuinte”. Em conclusão, atendendo a que a presunção de rendimentos, consubstanciada na aplicação de métodos indiretos pela AT, sem a concomitante observância dos requisitos legais para a sua aplicação, o qual está sujeito a especiais deveres, nomeadamente de fundamentação, e cujo regime legal consagra direitos e garantias específicos ao contribuinte e considerando, ainda, que a AT deveria ter fundamentado não só o recurso a métodos indiretos, bem assim como a adequação do raciocínio presuntivo utilizado ao caso concreto, impõe-se determinar a ilegalidade da liquidação com a sua consequente anulação, o que se decidirá a final, no tocante à correção, em causa. (…) Na verdade, pode extrair-se do relatório de inspeção tributária elaborado pelos Serviços e transcrito nas alíneas N) e O) dos factos provados, que a Autoridade Tributária e Aduaneira recolheu indícios sérios e suficientes para por em dúvida a veracidade da contabilidade da Impugnante: a existência de duas contas bancárias com movimentos a débito e a crédito, não refletidas na contabilidade e a existência de depósitos provenientes de particulares e saídas de dinheiro para outras empresas que tinham o mesmo administrador (L... e Aerotécnica) e lançamentos contabilísticos como sendo suprimentos do administrador. Desde já adiantaremos que acompanhamos a decisão recorrida quando conclui ter sido seguida uma metodologia própria da utilização de métodos indiretos. Ora, e como é consabido, em regra, o IRC é apurado a partir da contabilidade das empresas, que deve espelhar, de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis e sem prejuízo das eventuais correções impostas pelas leis tributárias, o lucro tributável - cf. artigos 3°, nº 1, alínea a) e 17º, n° 1 e 3 do Código do IRC. Nos termos do artigo 17/1 CIRC, o lucro tributável das pessoas coletivas (…) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código. E, diz o artigo 20/1 CIRC, com a redação que aqui interessa, consideram-se rendimentos e ganhos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (a) os relativos a vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens; (b) rendimentos de imóveis; (c) de natureza financeira, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, prémios de emissão de obrigações e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado; (d) rendimentos da propriedade industrial ou outros análogos; (e) prestações de serviços de carácter científico ou técnico; (f) ganhos por aumentos de justo valor em instrumentos financeiros; (g) ganhos por aumentos de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais; (h) mais-valias realizadas; (i) indemnizações auferidas, seja a que título for; (j) subsídios à exploração. Tanto mais que se trata aqui de empresa obrigada a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial (cf. artigos 29º a 31º do Código Comercial) e fiscal (cf. artigo 123º do CIRC), a qual permita o controlo do lucro tributável. E é sobre o contribuinte impende o dever de declarar os ganhos. No relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária (RIT) perante os movimentos a crédito em contas da empresa não refletidos na contabilidade, e à míngua de outra explicação, concluiu que estes só podiam ser entendidos como rendimentos empresariais omitidos à tributação. Diz-se no relatório supra transcrito na alínea N) dos factos provados: (…) Todas estas situações que não foram comprovadas documentalmente e que se desconhece a origem e natureza dos montantes creditados nas contas bancárias (1 e 2), encontram-se indicados no anexo 4 ao presente relatório e irão ser consideradas rendimentos omitidos, nos termos do artigo 20º do CIRC. Para o cálculo do valor dos rendimentos omitidos, expurgaram-se alguns movimentos a crédito, nomeadamente, os movimentos entre contas, os créditos que pela descrição do movimento estão relacionados com a A…, Aerotécnica, L... e P...e outros em que foi aceite a justificação dada pelo s.p., por ter sido comprovada documentalmente. Ora, como vimos já e não é negado pela Impugnante e ora Recorrida, durante o procedimento inspetivo foi detetada a existência de duas contas bancárias em seu nome, não relevadas na contabilidade e com movimentos a crédito. Vejamos, pois, por que é que consideramos que a Autoridade Tributária recorreu a presunções para quantificar os rendimentos que teriam sido auferidos pela Impugnante e ora Recorrida, com base naqueles movimentos a crédito nas contas bancárias e para os quais não foi apresentada qualquer justificação. Com efeito, e tal como se decidiu na sentença recorrida, a Autoridade Tributária e Aduaneira, considerou que os movimentos a crédito nas contas bancárias (facto conhecido) eram rendimento tributável (presunção). Neste sentido veja-se o recente Ac. TCAS de 2019.12.13, Proc. nº 170/15.3BECTB, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos e do qual se cita: (…) Com efeito, a AT partiu de um facto conhecido objetivo (a saber, a identificação de discrepâncias entre os rendimentos inscritos na contabilidade e os fluxos identificados nas contas bancárias, facto esse que nunca foi posto em causa, não tendo, por isso, o Tribunal a quo de modo algum desconsiderado os elementos coligidos pela AT durante o procedimento inspetivo globalmente considerado) para firmar um facto desconhecido (ou seja, o de que a diferença apurada corresponde a rendimentos auferidos), sem que haja qualquer elemento factual adicional que permita sustentar esta conclusão. (…) Ora, este uso de uma presunção, como ocorreu in casu, implica, desde logo, que não se esteja perante a aplicação de métodos diretos de correção da matéria coletável, estando sim a mesma a ser indiretamente corrigida (1) Mais, como foi indiretamente corrigida, mas de forma não assumida – uma vez que a AT reputou as correções em causa como correções técnicas –, não foram seguidos os procedimentos atinentes à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, já sumariamente explanados supra. Como bem refere o Tribunal a quo, para que se pudesse falar na correção através de métodos diretos, em casos como o dos autos, cumpria efetuar diligências adicionais por forma a caraterizar e quantificar, com a certeza que tem de estar inerente a esta metodologia corretiva, os bens e serviços inerentes a tais fluxos e respetivos clientes, o que não ocorreu. Não se trata de demonstrar que os fluxos bancários respeitam à atividade empresarial, mas sim que respeitam a rendimentos da Recorrida. O facto de, segundo a Recorrente, tais diligências não serem possíveis, por não ter sido possível aferir a origem dos fluxos em causa, é, na verdade, mais um argumento no sentido de que estamos perante uma avaliação indireta camuflada de avaliação direta. O mesmo se refira quanto ao mencionado no tocante ao facto de os clientes da Recorrida não serem conhecidos. Face à circunstância de a AT ter partido de uma presunção para fixar a matéria coletável e, não obstante, ter considerado estar-se perante a aplicação de métodos diretos, existe a montante um vício do procedimento que torna irrelevante o alegado em torno de caber à Recorrida o ónus da prova da origem das transações. Essa distribuição do ónus da prova apenas relevaria se os métodos aplicados, diretos ou indiretos, o tivessem sido nos termos legalmente prescritos, o que, como vimos, não ocorreu. Como tal, de modo algum o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 74.º da LGT e no art.º 342.º do Código Civil. Carece ainda de pertinência a alegada violação do princípio da verdade material, porquanto, como já referimos, foram aplicados apenas de forma aparente “métodos diretos”, uma vez que se partiu de presunções (de que os influxos em causa eram rendimentos), o que se consubstancia como metodologia inerente a métodos indiretos, mas de forma a não respeitar o procedimento legalmente previsto para esta metodologia de determinação da matéria coletável. Todo este quadro procedimental fere de ilegalidade os atos tributários dali resultantes. Ainda que se reconheça que a existência de fluxos financeiros, prima facie, não justificados pode indiciar omissão de rendimentos, há métodos e formas próprias de conduzir o procedimento, a que a AT está vinculada. Não tendo a AT seguido o procedimento nos termos exigidos (obtendo informação que permitisse, partindo de indícios, chegar a uma certeza ou, não a obtendo, encetando o procedimento de aplicação de métodos indiretos), foi a própria AT quem se colocou na posição de impedir a aferição da verdade material. Aliás, diga-se a este propósito, que, ao contrário do referido pela Recorrente, o Tribunal a quo não impos a demonstração de pressupostos de recurso a métodos indiretos. Como claramente resulta do discurso fundamentador da sentença, “com o que atrás afirmámos não nos pronunciamos sobre se in casu estariam verificados os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta, o que dizemos é algo diferente, é que a avaliação levada a cabo nos termos em que o foi, apesar de ser denominada pela AT como avaliação directa, de iure não o é, pois a fundamentação do acto, demonstra de forma inequívoca, que o mesmo se baseia numa presunção”. Da mesma forma e pelos mesmos motivos não houve qualquer violação do princípio da tributação pelo lucro real nem do conceito de rendimento acréscimo, simplesmente porque não foi demonstrado, de forma alguma, que o diferencial apurado correspondesse a rendimento. Esta fundamentação é inteiramente transponível para o caso em análise. Com efeito, no caso, se os movimentos a crédito nas contas bancárias não refletidos na contabilidade indiciavam omissão de proveitos, ao determinar a sua quantificação a Autoridade Tributária e Aduaneira fez uso de meios próprios da metodologia indireta, recorrendo a presunções. Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao considerar que os movimentos a crédito nas contas bancárias não refletidos na contabilidade da empresa eram rendimento tributável para efeito de determinação do rendimento coletável, recorreu a meios próprios da metodologia indireta. A sentença recorrida encontra-se bem fundamentada, citando e seguindo o decidido no Ac. TCAS de 2018.04.18, no processo nº 8451/15 e não merece a censura que lhe foi feita e é de confirmar. Em face do exposto, improcedem as conclusões de recurso. * Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 Código de Processo Civil (CPC): a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT. Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 524/1, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas ficam a cargo da Recorrente, que decaiu. III - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, que decaiu. Lisboa, 6 de dezembro de 2022 Susana Barreto Tânia Meireles da Cunha Jorge Cortês ___________________________ (1) V., em situação com similitudes com a presente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.11.2012 (Processo: 04205/10). V. igualmente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.11.2019 (Processo: 7735/14.9BCLSB). |