Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 123/19.2.BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 06/19/2024 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DECISÃO SUMÁRIA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE PRESCRITA NA LEI VÍCIO INSUSCEPTÍVEL DE INFLUIR NA DECISÃO DA CONFERÊNCIA ACTO DE LIQUIDAÇÃO DA COMPENSAÇÃO EQUITATIVA RELATIVA À CÓPIA PRIVADA |
Sumário: | I - Quando o relator verifique que alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso (art.º 652.º, n.º 1 al. b) do CPC), deverá ouvir ambas as partes (ou uma delas se a outra tiver suscitado a questão), antes de proferir decisão (art.º 655.º do CPC). II - Tal constitui um afloramento do princípio estruturante do contraditório, previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC. III - A ratio do preceito é evitar que as partes (ou a parte) sejam confrontadas com uma decisão-surpresa sobre que não tiveram a possibilidade de se pronunciar processualmente. IV - Não redunda em decisão-surpresa, a decisão sumária do relator que não conhece do objecto do recurso por incompetência material do Tribunal Tributário para conhecer da acção em que a causa de pedir é relativa à «Compensação Equitativa», sem antes ouvir a parte recorrente, quando a questão da incompetência, para além de suscitada nas contra-alegações da recorrida, já antes fora por esta abordada nos autos, quer nas alegações de direito em 1.ª instância (art.º 120.º do CPPT), quer em requerimento dirigido ao processo antes de proferida a sentença, em que reitera a sua posição quanto à possível incompetência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal para conhecer de acções com aquela causa de pedir e em que, inclusivamente, junta decisões judiciais de incompetência, declaradas pela Relação de Lisboa e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que julgam competente para o efeito o Tribunal da Propriedade Intelectual. V - Ainda que se entenda que a decisão sumária do relator preteriu a formalidade prescrita no art.º 655/2 do CPC, tal constitui mera irregularidade, insusceptível de influir na decisão da conferência, se a reclamante, prevenindo a hipótese de improcedência do vício, se pronuncia expressamente e exaustivamente na reclamação sobre as razões por que entende ser o Tribunal Tributário o competente para dirimir o litígio. VI - Os litígios em que se discute a (i)legalidade de quantias pagas a título de compensação equitativa para a cópia privada não respeitam as relações jurídico-tributárias, pelo que os tribunais tributários não são materialmente competentes para o seu conhecimento. VII - Nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art.º 8.º, nº 3, do Código Civil). |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO S…, UNIPESSOAL, S.A., vem reclamar para a conferência da decisão sumária do relator, de 25/10/2023, que jugou o Tribunal Central Administrativo Sul incompetente em razão da matéria para conhecer do mérito da impugnação judicial visando a anulação das quantias liquidadas a título de compensação equitativa relativa à cópia privada e competente para o efeito o Tribunal da Propriedade Intelectual, alegando para tanto, o seguinte: « 1.º No processo à margem identificado, a ora Reclamante interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a exceção dilatória por ilegitimidade ativa da Impugnante, aqui Reclamante. 2.º Entre outros fundamentos, a ora Reclamante apontou que a sentença enferma de erro de julgamento porquanto o Tribunal de primeira instância erroneamente considerou que, tendo em conta a redação do artigo 28.º da LGT e do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 62/98, de 01 de setembro, a Impugnante não tinha um interesse pessoal, direto e legítimo, porquanto quem suporta a liquidação e pagamento do tributo são os primeiros adquirentes dos equipamentos, limitando-se a Impugnante a ser uma mera intermediária com vista à cobrança e entrega das quantias à AGECOP. 3.º Resulta, no entanto, da decisão sumária sub judice que o Tribunal, ponderando as alegações apresentadas pela AGECOP – nas quais suscitou a questão da incompetência material do Tribunal de primeira instância para decidir a causa em apreço – decidiu, então, julgar o tribunal tributário absolutamente incompetente para conhecer da impugnação judicial. 4.º Neste contexto, fundamentando a decisão com base no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Tribunal afastou o conhecimento do objeto do recurso da ora Reclamante relativo ao erróneo julgamento do Tribunal de primeira instância quanto à procedência da exceção por ilegitimidade ativa da Recorrente. 5.º Na decisão ora reclamada, o Tribunal adere à decisão vertida no Acórdão proferido pelo Tribunal de Conflitos, em sede de Consulta Prejudicial, no âmbito do processo n.º 716/20.5BESNT, que transcreve, considerando que não é da competência dos tribunais tributários apreciar o litígio em causa. 6.º Por integral adesão e reprodução da fundamentação do acórdão do Tribunal dos Conflitos, entende o Tribunal que compete aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas “que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (cf. página 27 da decisão reclamada), ao abrigo dos artigos 211.º, n.º 1, da CRP, 64.º, do CPC e 40.º, n.º 1, LOSJ, e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, nos termos dos artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF. 3 7.º Por forma a apurar se a presente ação tem por objeto dirimir litígios de relações fiscais, o Tribunal de Conflitos, no qual se alicerça a decisão sub judice, considera que à luz das normas vertidas no artigo 82.º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, artigo 6.º, n.º 1 e artigo 7.º, ambos da Lei da Cópia Privada, da natureza jurídica da Compensação Equitativa e do conceito de “questão fiscal” debatida pela jurisprudência dos tribunais superiores, “(…) o que está em discussão no presente processo não respeita a uma relação jurídica tributária mas a uma relação jurídica privada”, que não cabe na esfera de competência dos tribunais tributários (cf. página 36 da decisão reclamada). 8.º Apreciando a natureza da Compensação Equitativa, o Tribunal conclui que as quantias cobradas pela AGECOP são receitas privadas. 9.º Refere a este respeito o Tribunal que “A matéria em causa nos presentes autos refere-se a cobrança de receitas de natureza privada e as partes em litígio são ambas de natureza privada, não integrando qualquer delas a administração tributária” (cf. página 36 da decisão reclamada). 10.º Em face do entendimento defendido pelo Tribunal dos Conflitos, julga o Tribunal “(…) o tribunal tributário materialmente incompetente para conhecer do mérito da impugnação judicial e competente para o efeito o Tribunal da Propriedade Intelectual – artigos 16.º e 18.º do CPPT” (cf. página 37 da decisão reclamada). 11.º Resulta, assim, da decisão sumária que estando perante uma matéria referente aos Direitos de Autor e uma receita de índole privada, assim como perante partes envolvidas no litígio (de natureza privada), não existe qualquer relação jurídico-tributária passível de ser analisada por um Tribunal Tributário, confiando a competência para apreciar estas matérias à jurisdição dos tribunais comuns, no caso ao Tribunal da Propriedade Intelectual. 12.º Constituindo estes os fundamentos de facto e de direito em que o Tribunal alicerçou a sua decisão sumária, não pode a mesma subsistir na Ordem Jurídica. 13.º Considerando que se trata de uma decisão sumária e o meio idóneo para impugnar essa decisão é a reclamação para a conferência, nos termos do artigo 652.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, cujo procedimento associado visa garantir o controlo horizontal das decisões do relator, tornando viável a substituição de uma decisão singular por uma decisão colegial (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 4140/16.6T8GMR.G1.S2, datado de 08.02.2018), apresenta a Reclamante a presente reclamação por dela não se conformar e pela mesma se considerar prejudicada, requerendo que sobre a matéria da decisão recaia um Acórdão, nos termos abaixo melhor enunciados. II. APRECIAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA a) Da violação do princípio do contraditório 14.º Na sua decisão ora reclamada, o Tribunal decidiu julgar o tribunal tributário incompetente para apreciar a impugnação judicial, obstando-se ao conhecimento do recurso. 15.º A questão em apreço foi suscitada pela Recorrida AGECOP que, nos termos das suas contra-alegações de recurso arguiu a incompetência absoluta do tribunal de primeira instância, peticionando a este Venerando Tribunal que absolve-se a Recorrida de ambas as instâncias. 16.º Nos termos do artigo 655.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, impõe-se que no caso de entender que não pode conhecer do objeto do recurso, o relator deve ouvir cada uma das partes, no prazo de 10 dias, antes de proferir decisão. 17.º Subsidiariamente aplicável por força do n.º 2 do artigo 655.º do CPC, dispõe o n.º 2 do artigo 654.º do mesmo diploma que “2 - Se a questão tiver sido suscitada por alguma das partes na sua alegação, o relator apenas ouve a parte contrária que não tenha tido oportunidade de responder.” 18.º Ora, no caso em apreço a Reclamante não foi convidada, em momento prévio à prolação da decisão sumária, a pronunciar-se sobre o não conhecimento por parte do Tribunal do objeto do recurso por existir uma questão cujo conhecimento precede o de qualquer outra matéria. 19.º Na verdade, em momento algum do processo foi a Reclamante convidada a pronunciar-se sobre a questão da incompetência do processo. 20.º Tal equivale a alegar que a decisão sumária proferida sem prévia audição da parte viola, claramente, o princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT. 21.º De facto, a omissão de tal notificação para pronuncia negou às partes o direito assegurado pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo e leal, designadamente por violação do princípio do contraditório, princípio este que vem sendo considerado pela jurisprudência ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1, desse mesmo artigo 20.º da Constituição. 22.º Neste sentido, outra conclusão não se alcança que não seja a que ocorreu uma violação do princípio do contraditório, suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa. 23.º A este respeito, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do qual considera o acórdão nulo por entender que “(…) o incumprimento pelo tribunal da relação do disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC é suscetível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.º 195.º n.º 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um ato que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório. (…) A intensidade desta violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada. (…) Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade.” (cf. acórdão proferido no processo n.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1, datado de 22.02.2017). 24.º É, precisamente, o que sucede no caso em apreço. 25.º Mesmo considerando a regra da apreciação da questão da incompetência material do Tribunal e do facto de a lei conferir prioridade no seu conhecimento, à parte não pode deixar de ser concedida a possibilidade de se pronunciar sobre o não conhecimento do objeto do recurso, sob pena de violar o artigo 655.º, do CPC e o princípio do contraditório. 26.º Aliás, tal violação ao princípio do contraditório e ao artigo 655.º, do CPC é agravada pelo facto de o Tribunal de primeira instância ter reconhecido que era dotado de competência material para decidir a causa em apreço, ao considerar que “(…) não havendo motivos para se determinar oficiosamente a sua incompetência absoluta, em razão da relação material controvertida tal como foi configurada pelo A., sustentada na liquidação de um tributo( a referida compensação equitativa), e cuja pretensão radica nas pretensas ilegalidades conformadoras de um acto tributário, entende-se que , sendo o mesmo ainda susceptível de constituir uma “contribuição para o desenvolvimento da actividade cultural” caso em que parte da receita é afecta ao “Fundo de Fomento Cultural” (…)” (cf. despacho judicial proferido a 21.01.2020 junto aos autos). 27.º Ou seja, em causa nos autos nunca esteve a questão da incompetência material do Tribunal para dirimir o pleito, antes e apenas a questão da legitimidade processual da Reclamante para figurar como parte no processo de impugnação judicial. 28.º E, por tal, o recurso interposto contesta a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância que considera que a Reclamante não é parte legítima, absolvendo as Rés da instância. 29.º No caso em apreço não só o Tribunal não conhece do objeto do recurso como não permite à Reclamante defender-se, em momento prévio à prolação da decisão, relativamente a uma questão que foi invocada nas contra-alegações de recurso. 30.º Razão pela qual deve a decisão sumária ser revogada, por padecer de nulidade, por força da conjugação de normas previstas no artigo 655.º e no artigo 195.º, n.º 1, todos do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, atenta à clara violação do princípio do contraditório. b) Da competência do Tribunal Tributário 31.º Sem prejuízo do supra exposto e admitindo-se a possibilidade de inexistir uma nulidade da decisão sumária – o que só por mero exercício do patrocínio se concebe sem conceder – sempre se alegue que esta decisão deve ser revogada porquanto labora em erro de julgamento na apreciação do pressuposto processual referente à competência material do Tribunal Tributário para dirimir o presente litígio. Vejamos. 32.º Tal como acima relatado, o Tribunal considera que os Tribunais Tributários não são dotados de competência material para emitir uma pronúncia sobre o mérito da lide uma vez que a matéria em causa é conexa com o Direito de Autor e com a aplicação do CDADC, a receita proveniente da cobrança da Compensação Equitativa é de índole privada, e as partes envolvidas são dotadas de natureza privada, pelo que não existe qualquer relação jurídico-tributária. 33.º A título preliminar importa salientar que o julgamento assente na decisão sumária, por transcrição do acórdão do Tribunal dos Conflitos, não se subsume à verificação objetiva dos pressupostos processuais referentes à competência material do Tribunal Tributário. 34.º Antes, a decisão sumária evidencia uma posição do Tribunal que extravasa a análise formal do objeto da lide, pedido e causa de pedir, fundamentando o julgamento sobre a (in)competência do Tribunal de primeira instância para conhecimento da pretensão aduzida na impugnação judicial pela Reclamante, como esta a configurou, concluindo que não se está na presença de um tributo e de uma relação jurídica tributária. 35.º Com efeito, o Tribunal, no julgamento sumário que efetua ao recurso interposto da sentença, pronuncia-se sobre a natureza jurídica da Compensação Equitativa para a definir no sentido de não possuir uma natureza de tributo. 36.º Tal equivale a afirmar que o Tribunal, ao efetuar o julgamento da forma como o faz, pronuncia-se sobre o mérito da ação porquanto o objeto da ação, tal como a Reclamante o configurou, centra-se, precisamente, na qualificação da Compensação Equitativa como um tributo e nas concretas ilegalidades que a liquidação desse tributo encerra, sendo que ao invés de emitir um julgamento de improcedência do recurso, por entender não considerar verificadas tais ilegalidades, designadamente em razão da natureza do tributo, considera-se incompetente para o conhecimento que na verdade promove, ainda que perfunctoriamente. 37.º Sucede que, para apreciar a competência dos Tribunais em razão da matéria “(…) há que ter em primeira linha de conta, conforme uniformemente tem sido o entendimento da jurisprudência, ao pedido e a causa de pedir, ou seja, há que atender há natureza da relação jurídica material em apreço segundo a versão apresentada em juízo pelo autor atendendo-se ao direito de que o mesmo se arroga e que pretende ver judicialmente protegido (…)” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 92/11.7TBPNC-A.C1, de 4.6.2013, nosso destacado). 38.º Ou seja, na aferição da competência em razão da matéria, o Tribunal deve promover por uma análise que tenha como pressuposto e limite a configuração da demanda como o autor a apresentou, devendo ser definida a competência à luz da pretensão apresentada em Tribunal, em respeito pelo interesse em agir que motivou a ação processual, o que não se verifica no presente caso, em que claramente o Tribunal conheceu do objeto do litígio, reconfigurando-o. 39.º No aresto citado, o Tribunal da Relação de Coimbra deixa claro que, para efeitos de aferição da competência do Tribunal, não cabe a este imiscuir-se no conhecimento da demanda (ainda que algum aspeto relacionado com a causa de pedir ou pedido consoante a sua distinta interpretação tenha consequências ao nível da matéria sob apreciação), devendo tal decisão ser relevada para o julgamento final (podendo no limite, não vencendo a interpretação com que os autores configuraram a demanda, haver lugar à improcedência da ação) e atentando-se apenas ao cerne da ação tal como delineado pelo autor. 40.º No entendimento do TRC no aresto citado e por referência à questão aí apreciada conclui o Tribunal que “(…) releva o facto de o cerne da acção, tal como delineado pelos autores, ter, ou não, a ver com o chamamento, interpretação e aplicação de regras de cariz administrativo - podendo, assim, no limite, o tribunal comum ser o competente, mesmo que o autor actue no âmbito da gestão pública, desde que para a tutela da sua pretensão convoque normas de índole jurídico-privada e se coloque numa posição processual de igualdade perante a outra parte (…)” (cf. idem). 41.º No presente caso, a Reclamante configurou a sua ação – ou seja, o objeto, pedido e causa de pedir -com sustentação em jurisprudência e doutrina que convocam a aplicação das normas fiscais na apreciação da compensação equitativa, sendo com este enquadramento – sustentado e fundamentado, reitere-se – que pretende ver conhecida a sua pretensão, a qual é da competência dos tribunais tributários, sem prejuízo da procedência ou improcedência da ação. 42.º Veja-se, igualmente, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido a 06.05.2010, no processo n.º 3777/08.1TBMTS.P1.S1, nos termos do qual refere expressamente que “(…) a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, independentemente do mérito ou demérito da pretensão deduzida. É na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer, e como se decidiu no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 25.05.2006, processo 026/05 «A determinação do Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor afere-se em função dos termos em que a acção vem proposta e com os fundamentos em que ela se estriba e não com as pessoas das partes, a sua legitimidade, ou a procedência da acção.»” (nosso sublinhado). 43.º Ou seja, “a competência em razão da matéria do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir, o que significa que a questão terá que ser apreciada independentemente do mérito da acção.” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 26.01.2023, no processo n.º 19792/21.7T8PRT-A.P1, nosso sublinhado). 44.º Sucede que, ao avaliar a legalidade da sentença versada sobre a competência material nos termos que o faz, designadamente conhecendo da natureza da compensação equitativa e da relação jurídica subjacente ao litígio, que considerou que não tinha natureza tributária, o Tribunal encontra-se a conhecer efetivamente do litígio nos termos em que a Reclamante o configurou. 45.º Ora, ao emitir este juízo, o Tribunal não subsume a sua análise à matéria puramente adjetiva sobre os pressupostos da competência material à luz dos termos em que o pleito foi configurado pela Reclamante, ou seja, à luz da sua pretensão, conforme se impunha atento o artigo 16.º do CPPT e artigos 1.º, n.º 1 do ETAF e 202.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, da CRP. 46.º Pelo contrário, o Tribunal requalifica e reconfigura a ação, considerando que em causa estão fundamentos que apontam para a ilegalidade da Lei da Cópia Privada que regula o disposto no artigo 82.º do CDADC, o que pressupõe que a matéria em causa é de natureza privada. 47.º E partindo de tal avaliação e redefinição do objeto do pleito e da pretensão da Reclamante, considera, então, que o Tribunal competente é o Tribunal de Propriedade Intelectual. 48.º Sucede que, como se enaltece no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 209/14.0TTGRD-A.C1, “(…) Pode considerar-se entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado (conforme Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 91). A apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja, pelo pedido do autor e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo autor. Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, conforme se observa entre outros dos acórdãos do STJ de 6/6/78, BMJ 278/122, de 20/10/93, in ADSTA, 386/227, de 9/2/94, in CJSTJ, t. 1, p. 288, de 19/2/98, in CJSTJ, t. 1, p. 263, de 3/5/2000, in CJSTJ, t. 2, pag. 39, e de 14/5/2009, in www.dgsi.pt (…)” (nosso realce). 49.º Na esteira do aresto citado resulta à evidência que a competência material de um Tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, pelo que para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados, sob pena de se definir como competente um Tribunal que não tem, efetivamente, competência para conhecer da pretensão da Reclamante nos termos em que a mesma a elegeu, por outros palavras para conhecer da causa de pedir e pedido que dão expressão à concreta motivação em agir da Reclamante. 50.º Atento a todo o exposto, não podem subsistir dúvidas que a análise da competência material para o conhecimento do mérito da presente lide, com a amplitude e termos com que foi promovida pelo Tribunal na sua decisão sumária é ilegal, sendo que o conhecimento da mesma nos termos legais apenas admite a conclusão de que a jurisdição tributária é competente para conhecer o litígio, pelo que deve proceder a presente reclamação. 51.º Veja-se, ademais, que resulta à evidência do referido que o Tribunal também aprecia o mérito da causa porquanto incide o seu juízo sobre a substância objetiva do pleito, considerando que, ao contrário do que defende a Reclamante, não se está na presença de uma relação jurídica tributária e a Compensação Equitativa não tem natureza de tributo. 52.º A inadmissibilidade do conhecimento da incompetência nestes termos evidencia-se igualmente por esta razão. 53.º Com efeito, na presente situação o Tribunal conheceu da natureza da Compensação Equitativa para concluir que a mesma não tem natureza de tributo, pelo que o Tribunal Tributário deve julgar-se materialmente incompetente para conhecer do mérito da ação. 54.º Ora, tal juízo quanto à natureza da Compensação Equitativa não tem força de caso julgado. 55.º Por seu turno o Tribunal de Propriedade Intelectual já não terá de se pronunciar sobre esta questão, na medida em que a sua competência se funda na prévia qualificação efetuado pelo Tribunal nos presentes autos. 56.º Assim sendo, estamos perante uma situação em que não haverá meio – o que equivale a dizer tutela jurisdicional efetiva – para obter uma decisão de mérito quanto à natureza da Compensação Equitativa, ficando esta questão de elevada importância relegada para um conhecimento meramente incidentalmente e perfunctório, sem força de caso julgado, o que igualmente não se pode admitir que, na melhor aplicação do direito, ocorra. 57.º O que se verifica na prática é uma reconfiguração do pedido e causa de pedir apresentada pela Reclamante, resultante de um conhecimento da lide para efeitos de aferição da competência que extravasa os parâmetros legais, e que constitui um manifesto erro de julgamento. 58.º Admitindo-se, por mera cautela de patrocínio, que é admissível o conhecimento da competência material com a amplitude promovida pelo Tribunal, ou seja, abrangendo a análise da qualificação da natureza jurídica da compensação equitativa, que constitui o objeto da lide, sempre enferma a decisão reclamada de erro de julgamento da matéria de direito por errónea apreciação da matéria substantiva, porquanto se demonstrou nos presentes autos que a Compensação Equitativa possui a natureza de um verdadeiro tributo. Vejamos. 59.º Como defendido nos termos da petição inicial, a “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada” é uma figura dotada de natureza jurídico-tributária, aprovada pela Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, pelo que, ao contrário do juízo formulado pelo Tribunal na sua decisão sumária, a causa de pedir enquadra-se efetivamente na relação jurídico-tributária prevista nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da LGT. 60.º A propósito da discussão e respetivo reconhecimento da natureza tributária desta compensação, o Tribunal Constitucional (TC) entendeu que, a respeito da renumeração prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, “Não pode, por outro lado, acompanhar-se o argumento de que estamos perante uma compensação com uma contrapartida, que, por isso, não se encontra sujeita ao mesmo tratamento jurídico-constitucional dos impostos, não correspondendo a uma contribuição de direito público, mas, antes, a uma obrigação de natureza jurídico-privada, apesar de ter a sua origem directamente na lei” (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/2003, proferido no processo nº 340/999, nosso sublinhado). Continua aquele douto Tribunal que “(…) a prestação em causa tem a sua origem numa imposição coativa, no exercício do imperium estatal, e não num exercício pelo particular da sua autonomia privada nem diretamente pelo particular adquirente de aparelhos ou suportes, nem sequer, coletivamente, pelos seus representantes” (cf. idem, nosso sublinhado). 61.º Como reconhece o Tribunal por adesão ao acórdão do Tribunal dos Conflitos, em consequência da declaração de inconstitucionalidade das normas do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro por violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, foi o legislador fiscal obrigado a alterar aquela lei. 62.º E fê-lo porque em causa estava uma norma que consagra um tributo e que não poderia ser fixada através de um despacho ministerial como o foi. 63.º Para o que releva para o caso em apreço resulta evidente que o Tribunal Constitucional não tem dúvidas sobre a qualificação jurídico-tributária desta compensação, rejeitando, precisamente, o argumento de que a mesma tem adjacente uma obrigação jurídico-privada. 64.º Argumento esse que foi, com o devido respeito, erroneamente sustentado na decisão sumária. 65.º Na verdade, no entendimento do Tribunal Constitucional, a esta compensação deve ser conferido um tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos, uma vez que resulta de uma imposição coativa, no exercício do imperium estatal, e não numa obrigação do foro meramente privado. De acordo com o Tribunal Constitucional, “é indiferente, na perspectiva do Tribunal, a qualificação precisa da figura em causa como imposto ou como realidade situada no domínio da «parafiscalidade», tratando-se, de qualquer modo, de um tributo que deve ser objecto do tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos.” (cf. acórdão n.º 616/2003, proferido no processo nº 340/999, sublinhado nosso). 66.º Em igual sentido, veja-se o entendimento assente na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito de processo de intimação que correu termos sob o n.º 547/18.2BELRS, no qual a Reclamante figurava como autora, em sentença já transitada em julgado: “(…) resulta do exposto que, devendo a “compensação equitativa” ser objecto de tratamento reservado aos impostos, então não poderá deixar de se concluir que a relação controvertida que se estabelece por efeito daquele tributo, em especial a respeito do pedido de isenção/reembolso, estabelecida entre as Requerentes e a Entidade requerida tenha natureza jurídico-fiscal.”. (nosso realce e sublinhado). 67.º Assim, determinou aquele Tribunal que “(…) se a «compensação equitativa» equivale a um imposto, e se o mesmo é cobrado e gerido pela AGECOP, que actua no exercício de «imperium estatal», resulta que, não obstante tratar-se de uma entidade de direito privado (ainda que de natureza híbrida, como refere o Tribunal Constitucional), a mesma integra, para efeitos da presente acção e tal como configurado pelas Requerentes, o conceito amplo de administração fiscal” (nosso sublinhado). 68.º De facto, ao contrário do que se extrai da sentença ora recorrida, nessa sentença o Tribunal Tributário de Lisboa conclui que: “O entendimento do Tribunal Constitucional, que equipara a imposto a “compensação equitativa” que subjaz à relação em causa nos autos; A integração da AGECOP (Entidade requerida) no conceito amplo de administração fiscal; A natureza acessória e urgente do presente meio processual; A forma como as Requerentes configuraram o litigio em sede de requerimento inicial, É de concluir que estamos perante uma relação jurídico-tributária, sendo, portanto, de julgar improcedente a invocada excepção de incompetência material deste Tribunal” (cf. sentença proferida no processo n.º 547/18.2BELRS, nosso destacado e sublinhado). 69.º A este propósito, num caso idêntico ao aqui em apreço, no âmbito do processo de impugnação n.º 123/19.2BESNT, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou-se competente em razão da matéria, não tendo aquele Tribunal suscitado qualquer dúvida quanto a esse pressuposto processual. 70.º Acresce que a referida natureza tributária da remuneração é igualmente assumida no Parecer n.º 76/98 da então Direção Geral das Contribuições e Impostos - Centro de Estudos Fiscais, o qual sofreria despacho de concordância por S. Exa. o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (22 de dezembro de 1998), o qual foi junto aos autos como documento n.º 5 da reclamação graciosa que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial. 71.º No âmbito do referido Parecer, a administração tributária procedeu à análise das questões fiscais inerentes, incluindo igualmente a respetiva conformidade da “compensação devida aos autores pela reprodução ou gravação de obras” para com o Direito Comunitário. 72.º Também a doutrina entendeu que a Compensação Equitativa deverá ser perspetivada numa ótica jurídico-tributária. 73.º No entendimento de CARLOS LOBO, “(…) mesmo atendendo ao facto de ser o próprio CDADC a prever a existência de uma semelhante Compensação Equitativa, a margem de liberdade à disposição do legislador é perfeitamente compatível com a consagração de um regime compensatório de natureza distinta dos Direitos de Autor, o que inequivocamente sucedeu neste caso (ainda que com os problemas aqui suscitados), em que se enveredou pela consagração de um regime de natureza jurídico-fiscal.” (cf. página 11 do doc. n.º 4 junto à reclamação graciosa constante do procedimento administrativo junto aos autos, nosso sublinhado). 74.º Nesta senda, conclui o autor que “(…) a natureza da Compensação Equitativa em muito ultrapassa a estrutura e âmbito de um mero regime tarifário, impondo-se como uma ilegítima modalidade de tributação dotada de caráter aparentemente generalizado (independentemente da verificação de um prejuízo) e definitivo, salvo alteração legislativa em sentido contrário, o que reforça a inadequação do referido modelo àquelas que são as efetivas necessidades de resposta ao problema económico da base.” (cf. página 18 do Parecer junto aos autos). 75.º O entendimento do autor, propugnado ao longo de todo o Parecer, tem alicerce na conclusão do Tribunal Constitucional, quando este menciona que: “Pode, assim, concluir-se que, deva ou não ser rigorosamente caracterizada como imposto ou, antes, como receita coactiva “parafiscal”, dele próxima, a “quantia” ou “remuneração” prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, deve ser tratada, do ponto de vista jurídico-constitucional, no quadro da norma do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República, que determina que caberá à lei determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (e isto, portanto, apenas no plano da tipicidade e da legalidade tributárias, deixando em aberto a constitucionalidade material desta figura, para além destes parâmetros).” (cf. acórdão n.º 616/2003, proferido no processo nº 340/999, sublinhado nosso). 76.º O entendimento sobre a natureza tributária da Compensação Equitativa é, igualmente, partilhado por JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, que afirma que estamos perante um verdadeiro imposto. 77.º Com efeito, o autor rejeita qualquer correspondência entre o que se paga a título de compensação e uma prestação realizada pelos titulares. 78.º E, por esta razão, não seria adequado defender a existência de uma compensação ou remuneração. 79.º Além disto, estaria ainda em causa uma figura fiscal, porque o instituto incide sobre atos que não se prenderiam com utilizações e as receitas obtidas seriam, em parte, consignadas a fins de interesse público (cf. «Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos», Coimbra, 2012 [reimpressão], páginas 248 e 251). 80.º A este respeito, também DAVID COIMBRA PAULA tende a aceitar a qualidade da Compensação Equitativa como tributo, reportando-se ao entendimento de Oliveira Ascensão, apontando que no caso em apreço “Esta tese ganha força se pensarmos que não existe qualquer correspondência direta entre o pagamento da compensação e uma prestação a cargo dos titulares de direitos de autor e conexos.” (cf. «A cópia para uso privado e a compensação equitativa da Directiva 2001/29/CE à Lei nº 49/2015», in Revista de Direito Intelectual, nº 1 – 2017, Almedina, página 47). 81.º Por fim, também no mesmo sentido, SÉRGIO VASQUES alerta para a existência de tributos atípicos, categoria em que se poderá incluir a compensação equitativa para a cópia privada (cf. «Manual de Direito Fiscal», Almedina, 2.ª edição, página 206). 82.º Ora, em face da jurisprudência e doutrina supra citada é imperioso concluir que a Compensação Equitativa deve ter tratamento reservado aos tributos, a relação controvertida estabelecida entre a Reclamante e a AGECOP tem obrigatoriamente natureza jurídico-fiscal, sendo por isso os atos de liquidação objeto dos presentes autos uma liquidação do tributo que deve ser anulado atendendo à sua inconstitucionalidade e a sua ilegalidade, por violação de preceitos constitucionais ordenadores e orientadores do ordenamento jurídico-tributário. 83.º Entendimento, aliás, igualmente propugnado pelo Digno Magistrado do Ministério Público no Parecer junto aos autos na primeira instância, datado de 13.06.2019, no qual propugna pela procedência da impugnação. 84.º Ora, não tendo o Tribunal, na sua douta decisão sumária aqui reclamada, entendido que a Compensação Equitativa se trata de um tributo, enquadrando a relação jurídica sub judice como privada porquanto a receita tem natureza privada e as partes em litígios são ambas privadas, dúvidas não restam, pois, que enferma a decisão de erro de julgamento da matéria de direito por erróneo enquadramento jurídico da Compensação Equitativa e errónea interpretação do regime jurídico previsto na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da LGT. 85.º Por outro lado, não se poderão acolher as conclusões do Tribunal, vertidas na decisão reclamada, nos termos das quais defende que, em face da análise do regime jurídico em apreço, “As quantias por ela cobradas destinam-se a compensar os titulares dos direitos de autor, sujeitos privados, pelos danos sofridos com a excepção da cópia privada, e não a satisfazer encargos públicos” (cf. página 36 da decisão reclamada, nosso sublinhado). 86.º Na decisão sumária na qual é citado o Acórdão do Tribunal dos Conflitos, considera o Tribunal que a Compensação Equitativa não pode ser entendida como uma receita fiscal do Estado, tratando-se de uma receita de índole privada destinada a compensar os autores pelos danos sofridos com a exceção da cópia privada. 87.º O entendimento do Tribunal colide com o entendimento do Tribunal Constitucional vertido no supra citado acórdão relativamente à alocação da receita proveniente da cobrança da Compensação Equitativa, prevista no artigo 7.º da Lei da Cópia Privada. 88.º De facto, é entendimento do Tribunal Constitucional que “Embora o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e o artigo 2º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, se refiram apenas a “uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos”, o artigo 7º, n.º 1, deste último diploma impõe à pessoa colectiva beneficiária que afecte “20% do total das remunerações percebidas para acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos”, apenas o remanescente sendo repartido entre organismos representativos dos autores, dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e videográficos e dos editores, nos termos do n.º 2 do referido artigo 7º. Uma parte, que não pode ser considerada insignificante, das receitas da “quantia” em questão é, pois, afectada desde logo a fins públicos – como as acções de incentivo à actividade cultural –, que transcendem as categorias de beneficiários em causa.” (cf acórdão n.º 616/2003, sublinhado nosso). 89.º Do exposto decorre que, mesmo que uma parte do regime jurídico da Compensação Equitativa seja voltado para a proteção dos criadores e titulares dos direitos, enquanto agentes privados, a verdade é que tal regime contempla finalidades e objetivos ligados exclusivamente à prossecução do interesse público. 90.º É inegável que parte das verbas da Compensação Equitativa, previstas no artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 62/98 de 01 de setembro, aproximam a compensação ao conceito de tributo. 91.º Razão pela qual não se pode deixar de subscrever o entendimento do Tribunal Constitucional no supra citado acórdão quando o mesmo refere que “(…) na verdade, se bem que a finalidade dessa “quantia”, proclamada pela lei, seja a de “beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores, os produtores fonográficos e os videográficos” (artigo 2º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro e já o artigo 82º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), a verdade é que, entre os destinos impostos pela Lei n.º 62/98 (mas não pelo referido artigo 82º do Código de Direito de Autor, na redacção dada pela Lei n.º 114/91, de 3 de Setembro) para esta “quantia” se encontra também a sua afectação a finalidades que vão além de uma verdadeira remuneração dos autores ou dos outros beneficiários em causa – “acções de incentivo à actividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos”, nos termos do citado artigo 7º da Lei n.º 62/98. (…) Trata-se, pois, pelo menos numa parte que não é insignificante, de montantes afectos também a finalidades públicas, que transcendem o universo dos titulares dos direitos de autor, indo para além de uma eventual compensação a estes.” (cf. acórdão 616/2003, sublinhado nosso). 92.º Acresce que, ao contrário do entendimento vertido na decisão sumária, a AGECOP não é uma entidade que atua no exercício de liquidação e cobrança da Compensação Equitativa na qualidade de mero ente privado. 93.º Efetivamente, como já defendido e demonstrado nos presentes autos, decorre dos poderes conferidos pelos estatutos da AGECOP um ius imperi que permite a equiparação da AGECOP a um órgão da Administração Pública. 94.º Na verdade, face à natureza tributária da Compensação Equitativa, e ao disposto no artigo 1.º, n.º 3, da LGT e no artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, outra conclusão não se extrai que não seja a que a AGECOP, enquanto entidade legalmente incumbida da liquidação e cobrança da Compensação Equitativa para a Cópia Privada – competências atribuídas pelo artigo 6.º da Lei da Cópia Privada – deve considerar-se parte integrante da administração tributária em sentido lato. 95.º Com efeito, quanto aos tributos administrados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, as competências são exercidas pelos órgãos periféricos locais ou regionais que a compõem, quais sejam, os serviços de finanças, as delegações aduaneiras, os postos aduaneiros, as direções de finanças e as alfândegas (cf. artigo 6.º, nos 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), sem prejuízo do regime especial aplicável aos Grandes Contribuintes. 96.º Quanto a tributos não administrados pelas aludidas entidades integrantes da Autoridade Tributária e Aduaneira, as competências atribuídas no CPPT aos órgãos periféricos locais serão exercidas pelas entidades territorialmente competentes para a sua liquidação e cobrança e as competências atribuídas aos órgãos periféricos regionais pelos órgãos imediatamente superiores àquelas, conforme resulta do n.º 6 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro. 97.º Ora, no caso sub judice a Compensação Equitativa configura um tributo administrado pela AGECOP. 98.º Efetivamente, resulta do n.º 2, do artigo 3.º, e do n.º 1, do artigo 6.º, ambos da Lei da Cópia Privada, que o montante respeitante à Compensação Equitativa “(…) é gerido pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º (…)” e “A cobrança, gestão e distribuição da compensação equitativa a que se refere o artigo 3.º incumbem à AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada (…)”. 99.º Também em face do disposto no artigo 3.º, n.º 1, dos Estatutos da AGECOP, se conclui que a administração da compensação equitativa incumbe à AGECOP, aí se estabelecendo que “A AGECOP tem por objeto a cobrança, gestão e distribuição das quantias previstas no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, nos termos da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto e pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho”. 100.º Assim, e ao contrário do entendimento vertido na decisão sumária, enquanto entidade responsável pela liquidação e cobrança/administração da Compensação Equitativa, a AGECOP integra a administração tributária em sentido lato, enquanto uma das entidades legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de tributos a que se refere o artigo 1.º, n.º 3, da LGT. 101.º Com efeito, nos termos da aludida norma, “Integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais.” (sublinhado nosso). 102.º A este respeito, o já citado Acórdão n.º 616/2003 do Tribunal Constitucional invoca a dúvida sobre a natureza desta entidade, enquanto ente de natureza pública que liquida e cobra esta compensação: “Por outro lado, suscitam-se dúvidas sobre a verdadeira natureza jurídico-privada da «pessoa colectiva» beneficiária prevista no artigo 6º da Lei nº 62/98 (…). Ora, as regras constitucionais sobre a definição dos elementos caracterizadores dos impostos não podem deixar de aplicar-se por existir uma consignação legal das receitas a favor de uma entidade diversa do Estado ou de uma pessoa colectiva de direito público, e que – como será porventura o caso – tenha natureza híbrida, desde que para a prossecução de finalidades públicas. (…)” (nosso sublinhado). 103.º Ora, uma vez mais, também quanto à natureza da entidade impugnada a decisão sumária labora em erro, porquanto é evidenciado a natureza pública da AGECOP e a sua integração no conceito amplo de administração tributária para efeito de liquidação, gestão e cobrança da Compensação Equitativa. 104.º Por todas as razões expostas deve a decisão sumária ser revogada e substituída por um Acórdão que julgue o recurso procedente, como aliás propugnado no parecer do Digno Magistrado do Ministério Público. 105.º Por último, a decisão sumária enferma não só de erro de julgamento como a interpretação normativa efetuada pelo Tribunal ao artigo 1.º, n.º 1 do ETAF e artigos 202.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da CRP atenta contra os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais. 106.º Dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do ETAF que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.”. 107.º Tal norma exprime a imposição constitucional prevista no artigo 212.º, n.º 3, da CRP que atribui aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. 108.º Ora, em linha com o entendimento da jurisprudência acima citada, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela avaliação da configuração da lide, nos termos apresentados pelo autor na petição inicial, não estando admitida em tal análise o conhecimento, do mérito da pretensão deduzida. 27 109.º É na avaliação do modo como o autor configura a ação, por consideração ao objeto da lide, pedido e causa de pedir, que o Tribunal se deve guiar na tarefa da determinação da competência do tribunal e não na ponderação qualitativa dos termos em que assentam o pleito e a sua redefinição, sob pena de violar o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP. 110.º No caso em apreço, a interpretação normativa dos artigos 1.º, n.º 1, do ETAF e artigos 202.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da CRP no sentido de estas disposições permitirem uma avaliação da competência material do Tribunal Tributário com uma amplitude que legitima o conhecimento, ainda que incidental, do mérito da lide conduz à violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais. 111.º Mais ainda, a interpretação normativa dos artigos 1.º, n.º 1, do ETAF e artigos 202.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da CRP no sentido de estas disposições permitirem uma análise do Tribunal que extravase a avaliação adjetiva da demanda conforme configurada pelo sujeito processual, materializada no seu objeto, pedido e causa de pedir, viola o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. 112.º Com efeito, tais princípios opõem-se a uma interpretação da norma de competência da jurisdição fiscal que legitime um conhecimento apriorístico do pleito, a ponto de reconfigurar o objeto da ação definido pelo autor na petição inicial. 113.º Efetivamente, um juízo nos termos do qual é conhecido o objeto (e requalificado o mesmo) e promovida uma análise dos autos com uma amplitude que altera os termos da ação, redefinindo o objeto do pleito, anulando a própria existência da pretensão inicial do autor, veda o direito do sujeito processual a obter uma decisão judicial que verse sobre os exatos termos em que foi proposta a ação. 114.º E nem se diga que tal direito constitucional se encontra assegurado, na medida em que o Tribunal indica qual a jurisdição e o Tribunal específico competente para dirimir o caso – neste caso, o Tribunal de Propriedade Intelectual –, porquanto o objeto, a causa de pedir e o pedido, nos exatos termos em que foram formulados pela Reclamante – e não nos termos em que foram reformulados pelo Tribunal na decisão sumária – não podem ser apreciados por outro Tribunal que não seja o especificamente dotado de competência em matéria tributária para julgar a ação. 115.º Ou seja, o Tribunal da Propriedade Intelectual não é materialmente competente para conhecer da pretensão da Recorrente por consideração ao objeto identificado pela Recorrente – ato tributário, ao pedido – de anulação e à causa de pedir – violação de lei e princípios fiscais, sendo estes (e não os que agora o Tribunal elenca) que materializam a pretensão do autor e enformam a sua motivação em agir, que desta forma ficam sem tutela jurisdicional efetiva. 116.º Como acima referido, esta avaliação qualificativa promovida pelo Tribunal no âmbito da aferição da competência material encerra um juízo de prognose quanto ao mérito da pretensão deduzida que contraria a regra de apreciação da competência dos Tribunais vertida nos artigos 1.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, alínea a) e 49.º, n.º 1, alínea a), subalínea i) do ETAF e artigos 202.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, da CRP, sendo suscetível, desde logo, de alterar os termos da pretensão e do objeto da ação, tal como configurada pela parte processual, vedando o conhecimento da pretensão nos termos em que a mesma o configurou, consubstanciando uma violação do acesso ao direito. 117.º Por outro lado, tal apreciação judicial e consequente pronúncia sobre o objeto e a causa de pedir, no sentido de conferir uma nova roupagem ao pleito completamente diferente daquela que havia sido desenhada pela Reclamante, inviabiliza a prolação de uma decisão de mérito versada sobre a específica pretensão e fundamentos tal como formulados pela parte nos autos, em violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva. 118.º O princípio da plenitude da garantia jurisdicional efetiva, patente no artigo 268.º, n.º 4, da CRP, deve ser percebido juntamente com o artigo 20.º da CRP, o qual consagra o direito geral de acesso à tutela jurisdicional efetiva. De acordo com o n.º 5 do artigo 20.º da CRP, “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” (sublinhado nosso). 119.º De facto, a consagração de uma tutela efetiva dos direitos dos particulares não se basta com o direito de acesso aos tribunais, sendo que “O princípio da efectividade articula-se, assim, com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia” (cf. CANOTILHO, J. J. Gomes, «Constituição Portuguesa Anotada», Volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2006, p. 416, sublinhado nosso). 120.º Com efeito, também já decidiu o Tribunal Constitucional (TC), em 05.04.1995, no acórdão n.º 194/95, que “(...) A elevação do princípio da tutela jurisdicional efetiva a direito fundamental, nos termos dos artigos 20.º e 268º/4 e 5 da Constituição, implica a concretização do seu conteúdo percetivo mínimo ao nível da Constituição, traduzido nos seguintes vetores: a) primeiro, a garantia de uma tutela jurisdicional administrativa sem lacunas, consubstanciada no princípio de que a qualquer ofensa de direitos ou interessas legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da Administração Pública deve corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada” (sublinhado e realce nosso). 121.º Neste sentido, não basta que exista o direito ao acesso a um Tribunal para dirimir um conflito, é necessário que, à luz do artigo 20.º e artigo 268.º, n.º 4 da CRP, essa garantia jurisdicional seja adequada a avaliar o objeto, a causa de pedir e o pedido, nos exatos termos em que o pleito foi estruturado pelo autor da ação. 122.º Assim, o direito ao acesso à justiça não pode ser limitado por um juízo apriorístico do mérito da ação, que desvirtua o interesse em agir do autor e que cria um entrave à apreciação adequada e plena do pleito, sob pena de ser violado o princípio do acesso ao direito e o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva. 123.º A interpretação que o Tribunal efetua, na sua decisão sumária, ao disposto aos artigos 1.º, n.º 1 do ETAF e artigos 202.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, da CRP, redunda numa preclusão do acesso aos meios processuais tributários, por alegada falta de competência em razão da matéria, o que comporta uma violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais. 124.º Tendo tal interpretação sido efetuada pelo Tribunal, não pode a decisão sumária reclamada manter-se, devendo por tal ser revogada.Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exas., se dignem a admitir a presente reclamação e, em consequência, seja proferido Acórdão em Conferência deste Tribunal que se debruce sobre a matéria objeto da decisão reclamada, revogando-se a decisão reclamada e substituindo-a por outra que julgue procedente o recurso interposto, com as demais consequências legais.». Respondeu a parte contrária nos seguintes termos: « 1. No dia 27 de outubro, foram as Partes notificadas da Decisão Sumária proferida neste Venerando Tribunal segundo a qual: ▪ «Com a fundamentação expressada no transcrito acórdão, julga-se o tribunal tributário materialmente incompetente para conhecer do mérito da impugnação judicial e competente para o efeito o Tribunal da Propriedade Intelectual – artigos 16.º e 18.º do CPPT.» — cf., Decisão Sumária, p. 39 (cit., itálico como destaque nosso). 2. Esse mesmo entendimento, de resto, é o seguido em dezenas de acórdãos deste mesmo Venerando Tribunal Central, bem como em outras tantas dezenas de sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no Tribunal Tributário de Lisboa e ainda no Tribunal da Relação de Lisboa… 3. Mais, esta comunhão de entendimentos foi confirmada pelo Tribunal de Conflitos, como resulta inclusivamente da Decisão Sumária em causa que transcreve parte desse Acórdão. Ainda assim (e no seu direito, naturalmente), a Reclamante procedeu à apresentação de Reclamação para a Conferência à qual agora se responde. 5. Ora, a Reclamante vem reclamar com base no argumento de que: ▪ A Decisão de primeira instância tinha por base o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade (cuja relevância para a Reclamação realizada pela Autora não se compreende); ▪ Ocorreu nos Autos uma violação do Princípio do Contraditório; ▪ O facto de que, supostamente, nos presentes Autos se ter aferido da incompetência sobre a matéria com base na alínea k) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ (vide artigo 3.º da Reclamação). 6. Veremos, de seguida, por que motivos é de concluir que nenhum dos argumentos acima exposto é procedente. Da exceção dilatória de ilegitimidade: 7. Em sede de primeira instância a Associação já havia alegado que 2 (duas) exceções dilatórias enfermavam os presentes Autos; a saber: a primeira era a ilegitimidade da Autora, e a segunda era a incompetência da jurisdição. 8. Em sede de primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a primeira dessas exceções decidiu (e bem) que a Reclamante (então Autora) era «parte ilegítima para a ação». 9. Dessa Sentença, a Autora interpôs recurso para este Venerando Tribunal. 10. Por sua vez, o Tribunal Central Administrativo Sul procedeu à análise e julgamento dos Autos que continham os já mencionados ‘pecados originais’ de ilegitimidade e incompetência… 11. Para esse efeito, de resto, clarifica o artigo 576.º do CPC que as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal. 12. O motivo pelo qual as exceções dilatórias têm esse efeito prende-se com o facto de as mesmas representarem a falta de ou ausência de pressupostos processuais que, não sendo suscetíveis de sanação ou suprimento, obstam a que o tribunal conheça do mérito da ação judicial. 13. E ainda nesse sentido, cabe recordar que, nos termos do artigo 278.º do CPC resulta que: ▪ «O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: o Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal; o Quando anule todo o processo; o Quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada; o Quando considere ilegítima alguma das partes; o Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória. ▪ Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou a irregularidade tenha sido sanada» (cit.). 14. Acresce que, nos termos do artigo 608.º do CPC, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. 15. Isso significa que um tribunal pode considerar que a procedência lógica tem início pela legitimidade, e outro tribunal pode considerar que essa procedência tem por base a competência. 16. O Direito Processual português admite ambas as soluções que não originam um qualquer erro ou vício na Sentença produzida. Da alegada violação do princípio do contraditório: 17. Como referimos acima, a Reclamante, alega, com fundamento no artigo 655.º do CPC que teve lugar violação do Princípio do Contraditório uma vez que não foi chamada a pronunciar-se sobre a exceção de incompetência alegada pela Associação nas Contra-alegações de Recurso. Ora, 18. A alegação de ‘exceção dilatória por incompetência absoluta da jurisdição administrativa e fiscal’ não foi um argumento novo e inovador apenas plasmado nas contra-alegações de recurso… 19. Na verdade, ainda nas alegações finais da primeira instância, a Associação invocou a incompetência absoluta da jurisdição e disso notificou a Autora (vide fls. 457 e 459 do SITAF). 20. Essas alegações finais foram submetidas no dia 31 de maio de 2019. 21. No dia 6 de junho de 2019, a Reclamante (então Autora) submeteu as suas alegações finais, onde optou por não responder à exceção. 22. E, no dia 25 de novembro de 2019, a Associação juntou aos Autos requerimento onde se informava o Tribunal da alteração do artigo 111.º da LOSJ, o qual foi notificado à Autora (fls. 553 do SITAF). 23. Mais uma vez, a Reclamante (então Autora) optou por não responder a esse requerimento. 24. Depois, em 26 de fevereiro de 2020, a Reclamante (então Autora) apresentou requerimento e alegações de recurso… 25. Sendo que, nesse mesmo recurso, a Autora, (então Recorrente), veio discorrer, DURANTE 8 PÁGINAS (pg. 21 a 28), sobre a natureza tributária da compensação equitativa e sobre a competência tributária da AGECOP… 26. É caso para perguntar: — Afinal, que outra pronúncia queria ainda a Recorrente ter? 27. Mas mais, a exceção da incompetência é novamente alegada nas Contra-alegações de recurso da Associação, submetidas no SITAF no dia 26 de março de 2020 — vide fls. 676 do SITAF. 28. Sendo que, naturalmente, essas contra-alegações foram notificadas à Autora (então Recorrente) pela Associação (fls. 674 do SITAF). 29. E, uma vez mais… após os 10 dias de vista dessas Contra-alegações a Autora (então Recorrente) nada disse! 30. Por fim… no dia 25 de setembro de 2023, a Associação veio aos Autos comunicar a Decisão do Tribunal de Conflitos (fls. 765 do SITAF), que também havia sido notificado à ora Autora…. E, imagine-se, ‘uma vez mais’ (é a terceira vez que escrevemos este segmento…) a Autora ignorou os 10 dias de vista desse requerimento e escolheu não se pronunciar… 31. Perante todas estas oportunidades, perante todas as notificações realizadas pela Associação, vem agora a Autora alegar violação do contraditório… 32. É difícil concluir se tal alegação da Autora/Recorrente, ora Reclamante, é grave pelo contexto material que se supra se expôs ou pelo facto de a Autora parecer concluir que as notificações entre mandatários não têm qualquer efeito jurídico, não se tendo bem a certeza de qual a conclusão mais grave. 33. Termos em que, com serenidade, se pugna pela improcedência da invocação do vício de violação do Princípio do Contraditório. Da alegação de nulidade da Decisão Sumária com fundamento na Decisão de Incompetência: 34. O (suposto) argumento da ora Reclamante de que existe ‘erro de julgamento’ (cit. artigo 31.º da Reclamação) não só não é fundamento de reclamação para a conferência, como não é sequer verdadeiro… 35. Com efeito, em nenhum momento dos Autos se retira que a principal razão para a declaração de incompetência é a apreciação tout cour da alínea k) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ. 36. Ao invés, e como veremos, o argumento utilizado (e bem) respeita à inexistência de uma relação jurídica tributária … aliás, na data em que os Autos foram instaurados (2019) a alínea k) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ ainda não existia!!! 37. De resto, o mais inusitado é que pretende a Reclamante um novo recurso, situação, obviamente, inadmissível, desde logo processualmente. 38. Ora, como de pode aferir da leitura da Decisão Sumária Reclamada, o fundamento decisório teve por base o Acórdão do Tribunal de Conflitos, onde ser afirma: «Em suma, não estamos perante uma relação jurídica tributária. A matéria em causa nos presentes autos refere-se a cobrança de receitas de natureza privada e as partes em litígio são ambas de natureza privada, não integrando qualquer delas a administração tributária. Está em discussão uma relação jurídica privada que não cabe na esfera de competência dos tribunais tributários» (cit. pg. 36 da Decisão Sumária). 39. Pelo que, não se compreende o conteúdo da Reclamação, nem qual seja a vantagem pretendida pela Reclamante em ficcionar uma realidade que facilmente é comprovada como não constar dos Autos. 40. Mais que isso, na veneranda Decisão Reclamada nunca é citada, para efeitos decisórios, a aplicação do artigo 111.º da LOSJ; e esta é apenas mencionada na citação do Tribunal de Conflitos, não é o fundamento decisório, como já por várias vezes se reiterou… 41. Mais ainda, como decorre das páginas 11 e 12 da Decisão do Tribunal de Conflitos: «Ora, o que está em discussão no presente processo não respeita a uma relação jurídica tributária mas a uma relação jurídica privada» (cit.). 42. É essa ausência de relação jurídico-tributária o fundamento decisório do Tribunal de Conflitos. 43. Aliás, a Decisão do Tribunal de Conflitos seria a mesma, mesmo que não existisse TPI porque aquilo que o Tribunal conclui é que a jurisdição competente é a dos tribunais comuns e não a jurisdição administrativa e fiscal. 44. Perante tudo isto, é ainda com mais espanto que se confirma que, na Reclamação realizada, a Reclamante solicita a não aplicação de uma norma que, por sua vez, não foi aplicada por nenhuma das instâncias, com fundamento em erro de julgamento. 45. A Reclamante também parece querer afirmar que ‘decisões sobre a competência dos TAF não podem ser sumárias’, com o único fundamento de que (?) não era assim que o Tribunal da Relação de Coimbra operava em 2013 (?) – artigos 37.º a 40.º da Reclamação… 46. Após essa afirmação da Reclamante, esta vem ainda invocar que a Decisão Sumária veio ‘reconfigurar a ação’, isto porque pugna uma visão geral e abstrata realizada quanto à competência dos tribunais para conhecer de litígios referentes à compensação equitativa (?)… 47. Veja-se: essa reconfiguração, a ter existido, o que nem por hipótese se admite, não veio do conhecimento da competência da jurisdição; veio, isso sim, da circunstância de um privado (a Reclamante) ter impugnado uma prestação pecuniária que não configura um tributo, na medida em que se limita a ser um pagamento entre privados… 48. Por outro lado, sustenta ainda a Reclamante temer que o tema fique sem análise por ter de ser apreciado pelo Tribunal da Propriedade Intelectual (artigo 114.º da Reclamação), argumentação que, no mínimo, é incompreensível!! 49. De seguida, e procurando agora atingir o ‘fundo da questão’, a Reclamante vem afirmar que a Associação é dotada de ius imperi (artigo 93.º a 97.º da Reclamação) para, assim, insistir na sua posição de que estamos perante uma relação tributária. 50. Sucede que tal assim não o é (e se fosse, seria uma novidade para a Associação…), uma vez que a Associação se limita a cumprir a Lei, sendo que a Lei apenas lhe impõe obrigações, mas não consagra quaisquer poderes… 51. Essa argumentação da Reclamante já constava das suas alegações de recurso, que foram frontal e cabalmente respondidas nas contra-alegações de recurso pela Associação, e as quais se consideram integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais. Com efeito, Não estamos perante uma Reclamação para a conferência, mas antes perante um encoberto recurso com base em alegado erro de julgamento. Ora, 52. A figura da Reclamação para a conferência exige uma motivação, autónoma, de rebatimento jurídico das razões ou dos fundamentos da decisão de que se reclama, no sentido de demonstrar a sua ilegalidade, obrigando assim o reclamante a demonstrar a ilegalidade que aponta à decisão reclamada, no caso, a decisão sumária do relator. 53. Sucede que, a Reclamante não questiona, sequer, o primeiro fundamento para a prolação da Decisão Sumária: o enquadramento realizado pelo Tribunal de Conflitos. 54. Sucede que também não o questionou perante o Tribunal de Conflitos. 55. Também não o questionou no Processo onde a Consulta do Tribunal de Conflitos foi proferida (Processo n.º 716/20.5BESNT), onde inclusivamente, sem mais, requereu a remessa dos Autos para o Tribunal da Propriedade Intelectual, não vendo qualquer problema com essa decisão – vide doc. n.º 1, em anexo. 56. Ou seja: aquilo que foi aceite sem qualquer problema para a mesma questão de Direito na decisão de primeira instância é fortemente reclamado nesta instância. 57. Considerando ainda que a Reclamação constitui um mecanismo de reexame da decisão singular; e ainda, 58. Que este Venerando Tribunal já produziu, sobre o mesmo processo referente a outros anos, Acórdãos e outras Decisões Sumárias exatamente no mesmo sentido… 59. Fica demonstrada a inutilidade do reexame pedido pela Reclamante que requer a reapreciação daquilo que é um resultado consensual por todas as instâncias, seja dos Tribunais Administrativos e Fiscais seja dos Tribunais Comuns, onde inclusivamente o Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou duas vezes sobre o mesmo tema. 60. É o mesmo que dizer que aquilo que a Reclamante aqui procura é um terceiro exame de legalidade num mesmo processo sendo que já houve lugar a mais de 20 outros exames TODOS NO MESMO SENTIDO contrários à pretensão da Reclamante. 61. Parece ser excessivo juntar em sede de resposta à Reclamação toda essa documentação aos presentes Autos – até porque a grande maioria já se encontra junto do Processo – mas a Parte encontra-se verdadeiramente disponível para remeter as certidões e sentenças que compõem os 20 processos já decididos… Acresce que, 62. Em nenhum momento a Reclamante aduziu qualquer argumento que, nesta sede, rebatesse a argumentação que levou ao resultado proclamado na decisão reclamada, atenta a especificidade da Sentença recorrida e a consequente repercussão na sua admissibilidade de revista. 63. Antes, a Reclamante pugnou, fundamentalmente, pela procedência de fundamentos atinentes à admissibilidade de uma revista excecional – o que manifestamente extrapola o objeto da decisão reclamada, pois, seja qual for a modalidade de revista, o certo é que esta nunca seria de admitir nos contornos em que se apresenta. 64. Até porque, como bem refere o artigo 652.º e o artigo 656.º do CPC: «Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia» (cit.). 65. Ora esta questão já foi decidida, sempre da mesma forma nos seguintes Processos: ▪ 1192/16.2 BESNT: Foi proferido Acórdão pelo TCAS no mesmo sentido dos Autos, agora recorrido para o TC; ▪ 322/17.1 BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos; ▪ 1073/18.5 BELRS: Foi proferido Acórdão pelo TCAS no mesmo sentido dos Autos; ▪ 1631/17.5 BESNT: Foi proferido Acórdão pelo TCAS no mesmo sentido dos Autos, agora recorrido para o TC; ▪ 1632/17.3 BESNT: Foi proferido Acórdão pelo TCAS no mesmo sentido dos Autos; ▪ 599/18.5 BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 1334/18.3 BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 123/19.2 BESNT: Foi proferida Decisão Sumária por este Venerando Tribunal no mesmo sentido dos próprios Autos; ▪ 84/20.5 BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para o STA; ▪ 83/20.7 BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 716/20.5BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, tendo a Reclamante pedido que a mesma fosse reencaminhada para o TPI; ▪ 717/20.3BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 718/20.1BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 111/21.9BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 192/21.5BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos; ▪ 692/21.7BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos; ▪ 959/21.4BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos; ▪ 91/22.3BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 121/23.1BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal; ▪ 868/23.2BESNT: Foi proferida Sentença no mesmo sentido dos Autos, agora recorrida para este Tribunal. 66. Ora, perante esta jurisprudência, não parece excessivo considerar que, de facto, a questão discutida no recurso se considerava já jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado. 67. Pelo que bem andou o Venerando Relator ao decidir como decidiu, através de Decisão Sumária. Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se o conhecimento da inadmissibilidade da Reclamação Formulada pela Reclamante, com as demais consequências legais.». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência da reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada e, consequentemente, a improcedência do recurso. II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA Transcreve-se o essencial do teor da decisão sumária reclamada: « S…, S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que na verificação da excepção dilatória de ilegitimidade da Impugnante, absolveu a entidade impugnada da instância de impugnação judicial intentada para sindicância do indeferimento tácito da reclamação graciosa referenciada ao acto de liquidação da “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada”, emitido pela Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP) e efectuado relativamente ao 1.º trimestre de 2018. Alega para tanto, conclusivamente: « ». A entidade impugnada, Associação para a Gestão da Cópia Privada, apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões: « «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» «Imagem em texto no original» ». O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo no sentido da procedência do recurso, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de conhecer do mérito da impugnação. 2 – ENQUADRAMENTO FÁCTICO– JURÍDICO Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida: « Compulsados os autos verifica-se o seguinte: A) A Impte é uma sociedade comercial que tem por objecto principal a comercialização de produtos eléctricos e electrónicos, incluindo acessórios, peças, software e aplicações, assim como a prestação de serviços de instalação, reparação, e manutenção desses equipamentos. –cfr artº 23º da p.i. B) No âmbito da sua actividade e aquando da venda dos aparelhos referidos supra, a Impte procede à cobrança de uma “Compensação Equitativa” aos seus clientes, sobre a forma de um montante pecuniário incluído no preço de venda dos mesmos, a qual é comunicada trimestralmente á Associação para a Gestão da Cópia Privada” (AGECOP), entidade que se encontra incumbida de garantir a cobrança das quantias compensatórias junto dos fabricantes e importadores dos equipamentos a ela sujeitas, com a discriminação das quantidades, preços de venda dos aparelhos acrescido da “Compensação”, assim como a totalidade do tributo cobrado, após o que a dita Associação confirma a sua recepção e envia nota das quantias devidas e dados bancários para o seu depósito, procedendo a Impte de seguida á sua entrega á mesma Associação – cfr “Aviso de Cobrança” de fls 50 v e 51 e “ Recibo” de fls 55 v e 56, e nº 1, do artº 82º do CDADC e artº 2º, 3º, 5º e 6º, da Lei nº 62/98, de 01.09. (Lei da Cópia Privada), com as alterações operadas pela Lei nº 49/2015, de 05.06. e pelo Dec.-Lei nº 100/2017, de 23.08. C) Nos termos do disposto no nº 1, do artº 5º, da Lei da Cópia Privada, resulta que a responsabilidade pelo pagamento das compensações equitativas fixadas na mesma Lei, incumbe ao primeiro adquirente dos aparelhos e suportes em território nacional, com exclusão dos destinados a exportação ou reexportação.». *** Vem suscitada nas contra-alegações a questão da incompetência material dos tribunais tributários para conhecer do mérito da impugnação. O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria – art.º 13.º do CPTA. Sobre a questão da competência material dos tribunais administrativos para conhecer das questões suscitadas na impugnação judicial, já se pronunciou, com a autoridade que lhe é própria, o Tribunal de Conflitos no seu recente ac. de 5 de Julho de 2023, exarado no proc.º 04/22-CP, pelo que nos limitamos a aderir aos seus fundamentos e conclusões, que com a devida vénia transcrevemos no segmento mais impressivo: « Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211º, n.º1, da CRP, 64.º do CPC e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/8 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF). A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), com delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4). Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Como se viu, está em discussão nos autos a legalidade da cobrança da quantia prevista no artigo 82.º (Compensação devida pela reprodução ou gravação de obras) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDAC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março, com subsequentes alterações, que dispõe: "No preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, eléctricos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se, incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos", exceptuando-se apenas o caso daqueles aparelhos e suportes serem adquiridos “por organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a diminuídos físicos visuais ou auditivos”. Aquele artigo 82.º veio a ser regulado pela Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (alterada pela Leis n.ºs 50/2004, de 24 de Agosto, 49/2015, de 05 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 100/2017, de 23 de Agosto e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março), que estipula no artigo 2.º: “Com vista a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos, uma quantia é incluída no preço de venda ou disponibilização: a) De todos e quaisquer aparelhos que permitam a fixação de obras; b) Dos suportes materiais virgens digitais ou analógicos, com exceção do papel, previstos no n.º 4 do artigo 3.º, bem como das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se", estabelecendo o artigo 3.º, sob a epígrafe "Compensação equitativa", que: "1 - A quantia referida no artigo anterior tem a natureza de compensação equitativa, visando compensar os titulares de direitos dos danos patrimoniais sofridos com a prática da cópia privada. 2 - Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público mediante a prática de atos de comércio, o preço de venda ao público das fotocópias de obras, eletrocópias e demais suportes inclui uma compensação equitativa correspondente a 3 /prct. do valor do preço de venda, antes da aplicação do IVA, montante que é gerido pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º 3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, e em ordem a permitir a sua correta exequibilidade, devem as entidades públicas e privadas que utilizem, nas condições supramencionadas, aparelhos que permitam afixação e a reprodução de obras e prestações, celebrar acordos com a entidade gestora referida no número anterior. 4 - No preço da primeira venda ou disponibilização em território nacional e antes da aplicação do IVA em cada um dos aparelhos, dispositivos e suportes analógicos e digitais que permitem a reprodução e armazenagem de obras, é incluído um valor compensatório nos termos da tabela anexa à presente lei e da qual faz parte integrante". Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro "A cobrança, gestão e distribuição da compensação equitativa a que se refere o artigo 3.º incumbem à AGECOP - Associação para a Gestão da Cópia Privada, adiante designada entidade gestora, pessoa coletiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão coletiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores". Aquela associação deve "afetar 20 /prct. do valor total das compensações equitativas percebidas para ações de incentivo à atividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos" e, deduzidos os custos do seu funcionamento, em percentagem fixada consoante os casos "para os organismos representativos dos autores, para os organismos representativos dos editores, para os organismos representativos dos artistas, intérpretes ou executantes e para os organismos representativos dos produtores de fonogramas ou de videogramas” (artigo 7.º). Previa-se, ainda, no artigo 5.º -A da mesma Lei, norma entretanto revogada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que "A partir de 2015, em cada ano civil, caso o montante da compensação equitativa cobrado pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º seja superior a 15 milhões de euros, o montante superior a esse valor constitui receita própria do Fundo de Fomento Cultural e destina-se a contribuir para financiar programas de incentivo à promoção de atividades culturais e à criação cultural e artística, com prioridade ao investimento em novos talentos” A Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação - transposta pela Lei n.º 50/2004 de 24 de Agosto, que introduziu alterações ao CDADC e à Lei n.º 62/98 -, admite que os Estados membros possam estabelecer excepções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.º da Directiva "em relação às reproduções em qualquer meio efectuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de carácter tecnológico, referidas no artigo 6.º, à obra ou outro material em causa" (artigo 5.º). A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a propósito da interpretação da Directiva, tem considerado que o conceito de “compensação equitativa”, na acepção do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2001/29, é um conceito autónomo de direito da União, que deve assim ser interpretado de maneira uniforme em todos os Estados-Membros que tenham introduzido uma excepção e que decorre dos considerandos 35 e 38 da Diretiva 2001/29 que a concepção e o nível da compensação equitativa estão ligados ao prejuízo que resulta para o autor da reprodução da sua obra protegida, efectuada sem a sua autorização. Nesta perspetiva, a compensação equitativa deve ser vista como a contrapartida do prejuízo sofrido pelo autor. Tendo em conta as dificuldades práticas para identificar os utilizadores privados e os obrigar a indemnizar os titulares do direito exclusivo de reprodução do prejuízo que lhes causam, o Tribunal admitiu ser permitido aos Estados-Membros instaurar, para efeitos do financiamento da compensação equitativa, uma «taxa por cópia privada», a cargo, não das pessoas privadas visadas, mas das que disponibilizam os equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução digital. No quadro desse sistema, é às pessoas que dispõem desses equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução que incumbe pagar a taxa por cópia privada e uma vez que o referido sistema permite que os devedores repercutam o montante da taxa por cópia privada no preço da disponibilização dos referidos equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução ou no preço do serviço de reprodução prestado, o encargo da taxa é, em definitivo, suportado pelo utilizador privado que paga esse preço, e isto em conformidade com o «justo equilíbrio» a encontrar entre os interesses dos titulares do direito exclusivo de reprodução e os dos utilizadores de material protegido (cfr., entre outros, acórdãos de 21.10.2001, Padawan, C-467/08, de 16.06.2011, Stichting de Thuiskopie, C-462/09, de 11.07.2013, Amazon.com International Sales e o., C-521/11 e de 5.03.2015, Copydan Bândkopi, C-463/12). Tal como é referido no processo, algumas normas da Lei n.º 62/98 foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional em processo de fiscalização abstracta sucessiva. No acórdão n.º 616/2003, o Tribunal Constitucional, sem tomar posição definitiva sobre a qualificação precisa da prestação pecuniária em causa, concluiu, com dois votos de vencido, "que, deva ou não ser rigorosamente caracterizada como imposto ou, antes, como receita coactiva "parafiscal", dele próxima, a "quantia" ou "remuneração" prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, deve ser tratada, do ponto de vista jurídico-constitucional, no quadro da norma do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República, que determina que caberá à lei determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (e isto, portanto, apenas no plano da tipicidade e da legalidade tributárias, deixando em aberto a constitucionalidade material desta figura, para além destes parâmetros). Por conseguinte, o montante da remuneração devida - que, grosso modo, se aproxima do conceito de "taxa" do imposto - teria de ser fixado por lei, não podendo sê-lo, como se prevê no artigo 3º, n.º 1 da Lei n.º 62/98, através de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ou, nos termos do n.º 2 desse mesmo artigo 3º, através de acordo entre a associação criada pelo artigo 6º da Lei n.º 62/98 e as entidades públicas ou privadas que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações" tendo decidido "declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 3º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, por violação do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa". Em consequência foi alterada a Lei da Cópia Privada, através da Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto, passando o artigo 3.º a prever directamente as quantias a incluir no preço de venda ao público das compensações equitativas. Também a doutrina se tem debruçado sobre a natureza jurídica da “compensação equitativa” com posições nem sempre coincidentes (cfr. a resenha feita em Compensação equitativa por cópia privada digital, Mariana Mourão Reis, in Revista Electrónica de Direito, Fev. 2019, pag. 24 e ss). Todavia, para aferir a competência jurisdicional, importa saber se estamos perante uma relação jurídica fiscal porque, como se disse, cabe aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas "emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais". O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido (acórdão de 03.02.2016, proc. 0862/15) que o conceito de relação jurídica tributária "além de ter definição legal no nº 2 do art. 1º da LGT (é a relação estabelecida entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas) e de ter indicadas (no nº 2 do mesmo art.1º) as entidades da AT que podem figurar como sujeitos dessa relação, também tem o seu objecto normativamente especificado: dispõe-se no art. 30º da LGT que integram a relação jurídica tributária, o crédito e a dívida tributários; o direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição; o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto; o direito a juros compensatórios; o direito a juros indemnizatórios (...) Daí que, (...) se deva considerar como consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que constitui questão fiscal, aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da actividade tributária da administração (Além do citado ac. do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. nº 01771/13, cfr., igualmente, os acs. do Plenário, de 21/3/2012, proc. nº 189/11; de 27/5/2009, proc. nº 119/08; de 2/4/2009, proc. nº 987/08)". E no acórdão de 04.12.2019, Proc. 01898/14.0BELRS, o Supremo Tribunal Administrativo afirmou que "(...) deve entender-se por "questão fiscal", aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. Sendo assim "questão fiscal" aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366). Ou, por outras palavras, está-se perante "questão fiscal" "quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas" (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan)". O Tribunal dos Conflitos também considerou, citando decisões do Supremo Tribunal Administrativo, que por "questões fiscais, deve entender-se tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos." (cfr. acórdão de 25.09.2014, Proc. 029/14, disponível em www.dgsi.pt). Ora, o que está em discussão no presente processo não respeita a uma relação jurídica tributária mas a uma relação jurídica privada. De facto, a AGECOP é uma pessoa colectiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão colectiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores e que tem por objecto cobrar, gerir e distribuir as quantias pagas a título de “compensação equitativa”. As quantias por ela cobradas destinam-se a compensar os titulares dos direitos de autor, sujeitos privados, pelos danos sofridos com a excepção da cópia privada, e não a satisfazer encargos públicos. Em suma, não estamos perante uma relação jurídica tributária. A matéria em causa nos presentes autos refere-se a cobrança de receitas de natureza privada e as partes em litígio são ambas de natureza privada, não integrando qualquer delas a administração tributária. Está em discussão uma relação jurídica privada que não cabe na esfera de competência dos tribunais tributários. Por outro lado, extrai-se da leitura do requerimento inicial que a Impugnante pretende a anulação das quantias pagas a título de compensação equitativa, com fundamento em alegadas ilegalidades da Lei 62/98 que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Daí resulta que a causa de pedir no presente processo versa questões relativas ao regime jurídico da cópia privada e, nessa medida, a sua apreciação cabe na competência dos tribunais judiciais, mais concretamente ao Tribunal da Propriedade Intelectual por, nos termos da alínea k) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ, lhe competir conhecer das questões relativas a acções em que a causa de pedir verse sobre o regime jurídico da cópia privada. Pelo exposto, e nos termos do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, acordam em emitir pronúncia no sentido de que cabe aos Tribunais Judiciais conhecer da presente acção, no caso ao Tribunal da Propriedade Intelectual. (…)». Com a fundamentação expressada no transcrito acórdão, julga-se o tribunal tributário materialmente incompetente para conhecer do mérito da impugnação judicial e competente para o efeito o Tribunal da Propriedade Intelectual – artigos 16.º e 18.º do CPPT. 3 – DECISÃO Por todo o exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 652.º, n.º 1 alíneas b) e c) e 656.º do CPC, julgo absolutamente incompetente para conhecer da impugnação judicial o tribunal tributário. Condena-se a Recorrente em custas, com dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça (art.º 6.º, nº 7 do RCP), por simplicidade e se tratar de questão já decidida por tribunal superior.». * APRECIAÇÃO EM CONFERÊNCIA A reclamação assenta em dois fundamentos: (i) preterição do princípio do contraditório uma vez que foi proferida pelo Relator decisão sumária de não conhecer do objecto do recurso por incompetência material dos tribunais tributários para o efeito sem que antes a recorrente fosse chamada a pronunciar-se sobre a decisão, violando assim o disposto no art.º 655.º do CPC; (ii) erro de julgamento quanto à incompetência material dos tribunais tributários para conhecer da questão suscitada. Determina o art.º 655.º do CPC: «Artigo 655.º 1 - Se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.Não conhecimento do objeto do recurso 2 - Sendo a questão suscitada pelo apelado, na sua alegação, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior». De acordo com o n.º 2 do art.º 654º, «Se a questão tiver sido suscitada por alguma das partes na sua alegação, o relator apenas ouve a parte contrária que não tenha tido oportunidade de responder». O incumprimento pelo tribunal de recurso do disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC é susceptível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.º 195.º n.º 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um acto que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório, que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil e tributário – vd. ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/22/2017, proferido no proc.º 5384/15.3T8GMR.G1.S1. Mas será que no caso, ocorre tal nulidade processual? A resposta é negativa, porquanto, como bem salienta a Recorrida, a questão da incompetência do tribunal tributário para conhecer do objecto do recurso não foi primeiro suscitada nas contra-alegações de recurso jurisdicional. Na verdade, a entidade impugnada, recorrida e ora reclamada – “AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada” – já nas alegações de direito em 1.ª instância (art.º 120.º do CPPT), havia suscitado tal excepção, como se alcança das seguintes passagens (consta a fls.136 dos autos): « 4. De resto, a própria competência do tribunal é questionável, em razão da matéria. 5. De facto, como referiu na p.i., existem especialidades no presente caso… algumas das quais que até se poderiam entender no sentido da incompetência do presente Tribunal. 6. Tal poder-se-ia justificar por a Compensação Equitativa ser uma exceção ao Direito de Autor, exceção essa que se encontra definida nos termos da Lei da Cópia Privada e foi inclusivamente modelada por Diretiva Comunitária. 7. Acresce, que a Associação foi constituída de acordo com o regime das Associações sem fins lucrativos, conforme com os ditames da Lei Civil, pelo que não decorre dos poderes conferidos pelos Estatutos da Associação nenhum ius imperi que permita a sua equiparação a um órgão da Administração (1). (1) Aliás, veja-se que nem se pode imputar à Associação qualquer poder de autoridade, porquanto, quer a fiscalização do cumprimento da Lei da Cópia Privada, quer o processamento e aplicação das coimas resultantes de contraordenações, não são da competência da Associação, mas sim da Inspeção-Geral das Atividades Culturais, conforme preconiza o artigo 9.º do referido diploma. 8. De resto, dado que a Associação não é uma entidade administrativa, não se vê como a ação aqui esgrimida se possa enquadrar dentro da jurisdição administrativa e fiscal… 9. Tudo indicaria pois, no entender da Associação, que caberia, ao invés, o Tribunal da Propriedade Intelectual a competência in casu, mais a mais por ser um tribunal de competência muito abrangente, quer territorialmente falando (todo o território nacional), quer sobretudo em termos materiais; veja-se o elevado número de alíneas que compõem o artigo 111º da LOSJ e a sua amplitude – vide Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, que criou Tribunal de Competência Especializada para a Propriedade Intelectual. 10. Todavia, mesmo que não se considere padecer a presente ação de Incompetência Absoluta (…)» Ainda antes de proferida sentença em 1.ª instância, a entidade impugnada, recorrida e ora reclamada, requereu, em 25/11/2019 (consta a fls.189 dos autos), a junção aos autos de decisões judiciais da Relação de Lisboa e do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, declarando-se incompetentes em razão da matéria para conhecer da questão da “Compensação Equitativa” e julgando competente para o efeito o Tribunal da Propriedade Intelectual, outrossim, chamando a atenção para a (então, recente) alteração à LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário) – Lei n.º 55/2019, de 5 de Agosto – que, entretanto, passou a consagrar, na alínea k) do n.º 1 do seu artigo 111.º, que “Compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a: «Acções em que a causa de pedir verse sobre o regime jurídico da cópia privada»”, e lembrando, entre o mais, que tudo indica “…não nos encontrarmos sequer perante uma modalidade de contencioso por natureza dos Tribunais Administrativos (quanto mais dos Fiscais)”. Por conseguinte, a incompetência dos Tribunais Tributários para conhecer de acções em que a causa de pedir é relativa à «Compensação Equitativa» não configura questão nova suscitada nas contra-alegações de recurso jurisdicional e de que a recorrente e ora reclamante não tivesse tido oportunidade de se pronunciar anteriormente. Como a jurisprudência superior, quer dos tribunais comuns, quer da jurisdição administrativa e fiscal, o têm salientado, “o princípio do contraditório encontra-se ínsito na garantia constitucional de acesso ao direito consagrada no art.º 20.º da CRP e traduz-se na possibilidade dada às partes de exercerem o seu direito de defesa e exporem as suas razões no processo antes de tomada a decisão. É o princípio do contraditório – com expressão na lei ordinária nos artigos 3.º, n.º 3, e 4.º do CPC – que garante uma participação efectiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de equilíbrio e lealdade processuais e lhes assegura a participação em idênticas condições até ser proferida a decisão. Tal princípio proíbe as chamadas decisões-surpresa, ou seja, impede que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de apreciação oficiosa, sem que as partes tenham tido a prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária” – vd., entre muitos, o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/24/2017, proferido no proc.º 6131/12.7TBMTS-A.P1.S1. Ora, o escopo de prevenir decisões-surpresa, que está na base do princípio do contraditório, não deixa de estar assegurado quando a questão de incompetência (sobre que não foi ouvida a reclamante, nos termos do art.º 655.º do CPC) havia já sido suscitada nos autos pela parte contrária, em diversas ocasiões, optando a impugnante, recorrente e ora reclamante, por não abordar a questão nas suas intervenções processuais subsequentes. Portanto, em bom rigor, a nosso ver não ocorre nulidade processual por preterição do contraditório previsto no art.º 655.º do CPC, porque essa norma está pensada para as situações em que o relator, no exercício das funções que lhe são atribuídas pelo artigo 652.º, n.º 1 alínea b), do CPC, constata existirem circunstâncias (por exemplo, a irrecorribilidade dos despachos) que obstam ao conhecimento do objecto do recurso, nunca antes suscitadas nos autos em termos de possibilitar a pronúncia de uma (art.º 655/2 do CPC) ou de ambas as partes, que não é a situação dos autos. De qualquer modo, mesmo a ter ocorrido preterição da formalidade prescrita no art.º 655.º do CPC na decisão sumária do relator, a mesma não constitui irregularidade susceptível de influir na decisão da conferência, uma vez que, prevenindo a hipótese de improcedência do vício alegado, a reclamante pronuncia-se expressamente e exaustivamente na reclamação sobre as razões por que entende ser o Tribunal Tributário o competente para dirimir o litígio. Ora, sobre a questão da competência do Tribunal Tributário para conhecer do objecto do recurso, a decisão sumária reclamada (a que vem imputado erro de julgamento) limita-se a remeter para o acórdão do Tribunal de Conflitos, de 07/05/2023, lavrado no processo n.º 04/22 – P, que transcreve, na esteira do qual foram já proferidas outras tantas decisões de 1.ª instância e deste mesmo Tribunal, não se descortinando na reclamação argumentos válidos que imponham que nos afastemos do decidido pelo Tribunal de Conflitos, com a autoridade que lhe é própria, até tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como preconizado no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil. A conferência decide, por conseguinte, confirmar a decisão sumária do relator e indeferir a reclamação. III. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária do Relator. Sem custas. Lisboa, 19 de Junho de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Susana Barreto ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |