Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:468/12.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPOSTO DE SELO.
CASH POOLING
Sumário:A incidência do Imposto de Selo em operações de concessão de crédito, no âmbito de contrato de cash pooling, não ofende o princípio da capacidade contributiva, porquanto o imposto incide sobre a concessão e a utilização de crédito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
G............. M………….. Portugal, S.A, (actualmente denominada S……………… Portugal, S.A., sociedade que incorporou por fusão a O…………..– Portugal, anteriormente com a sociedade impugnante), deduziu impugnação judicial contra a liquidação de Imposto de Selo nº ………………….., do exercício de 2008, no valor de €670.629,16, e respectivos juros compensatórios, perfazendo a quantia global de €761.783,79.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 1103 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 22/12/2022, julgou a impugnação judicial improcedente. Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 1132 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a sociedade impugnante, alegou e formulou as conclusões seguintes:
“1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IS n.º ………………..172 e correspondente liquidação de juros compensatórios, respeitante ao ano de 2008;
2.ª O Tribunal a quo concluiu que as operações de transferência de saldos entre as contas da Impugnante e da sociedade centralizadora de tesouraria constituem operações financeiras e, por conseguinte, sujeitas a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;
3.ª No entender da Recorrente o Tribunal a quo não procedeu a uma análise crítica da prova produzida, circunstância que inquina a sentença recorrida de nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º do CPPT;
4.ª No probatório da sentença recorrida o Tribunal a quo deu por provada a celebração do contrato e por reproduzido o teor do contrato, no entanto e salvo o devido respeito, não especificou quais as concretas operações realizadas entre as partes e que mereceram a qualificação de “operação de crédito”;
5.ª Assim, afigura-se à Recorrente que o Tribunal a quo não cuidou de analisar devidamente o contrato subjacente às operações objeto de tributação, nem as concretas operações realizadas ao abrigo daquele contrato;
6.ª Sem prejuízo do exposto, a sentença recorrida padece de insuficiente fundamentação de facto, impondo-se a necessidade de ampliação da matéria de facto, para dar por provado a seguinte factualidade relevante:
i) O “Deposit/Loan Agreement” celebrado entre a Impugnante e a G………… é regido pela lei sueca e submetido pelas partes, de forma irrevogável, à jurisdição sueca (cf. cláusulas 18 e 19 do contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 e seguintes dos autos);
ii) De acordo com aquele contrato, define-se “depósito” como a operação em que a entidade aderente aplica excedentes de tesouraria junto da entidade centralizadora sueca G…………. (cf. contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
iii) De acordo com aquele contrato, define-se “mútuo” como a operação entre as partes mediante a qual a G……….. financia a aderente até um limite máximo definido e revisto anualmente (cf. contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
iv) No ano de 2008 a Impugnante não contraiu qualquer empréstimo junto da G…………….. ao abrigo da previsão de constituição de “mútuos” estabelecida no contrato celebrado com aquela, tendo-se limitado a constituir os designados “depósitos” e a efetuar os intitulados “levantamentos de depósitos” sempre parciais (cf. anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
v) Os referidos “depósitos” foram contabilizados como tal numa conta POC de disponibilidades # 18 – Outras aplicações de tesouraria, não tendo sido contabilizados com a natureza de financiamentos (cf. relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
vi) De acordo com o contrato celebrado e no que concerne às operações de gestão centralizada de tesouraria (“cash pooling”), a entidade aderente pode constituir os depósitos que entender junto da G……………, com a submissão de pedido/comunicação numa base diária, e pode levantar os depósitos efetuados junto daquela entidade a todo o momento e sem qualquer penalização, apesar do prazo definido de duas semanas renovável automaticamente (cf. cláusula 3.3.1. do contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
vii) De acordo com o contrato e no que concerne às operações de “cash pooling”, a entidade aderente pode contrair empréstimos junto da G………….. até ao limite máximo definido, com a submissão de pedido numa base diária, e pode reembolsar os empréstimos contraídos junto daquela entidade a todo o momento e sem qualquer penalização, apesar do prazo definido de duas semanas renovável automaticamente (cf. cláusula 3.3.1. do contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
viii) Não decorre do contrato celebrado nenhuma faculdade simétrica da G……………efetuar depósitos e levantamentos a todo o tempo junto da aderente, ou contrair empréstimos junto da aderente até um certo montante máximo, por sua iniciativa e a todo o tempo, mediante saque de fundos à aderente, não se prevendo tão-pouco a faculdade da G……….. solicitar fundos à aderente (cf. contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
ix) Não decorre do contrato celebrado uma obrigação da aderente transferir um concreto montante para a entidade centralizadora G……….. mediante transferência bancária (cf. contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
x) No caso de constituição de depósitos pela aderente, após o envio da correspondente instrução/previsão à G ………, a aderente compromete-se a transferir o montante por si comunicado para uma conta de que é titular (“Overlay Account”) para ser posteriormente transferido para a sua conta de referência junto da entidade centralizadora (cf. cláusula 4.1. do contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
xi) No caso de necessidade de financiamento por mútuo por parte da aderente, a GMETC compromete-se, desde que o montante não exceda o limite máximo de mútuo definido, a transferir o montante da conta de referência para a conta da titularidade da aderente no montante comunicado e após a instrução da aderente (cf. contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
xii) As transferências por parte da aderente para a conta da sua titularidade (“Overlay Account”) para posterior transferência para a conta de referência correspondem, de acordo com o contrato, a aumento do depósito efetuado ou ao reembolso de um mútuo previamente contraído, consoante o caso, e as transferências ou saques do saldo dessa mesma conta correspondem ao aumento do mútuo previamente contraído ou ao levantamento de depósito anteriormente constituído, consoante o caso (cf. cláusula 4.1. do contrato constante do anexo V ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos), sendo que no ano de 2008 apenas se verificaram “depósitos” e “levantamentos” por parte da Impugnante (cf. relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
xiii) De acordo com o contrato, a entidade aderente envia à G………….. as previsões diárias e correspondentes atualizações no que respeita aos depósitos a efetuar e levantar e aos empréstimos a contrair e reembolsar junto da entidade centralizadora (cf. cláusula 2 do contrato constante do anexo I ao relatório de inspeção que integra o processo administrativo instrutor, a fls. 304 dos autos);
xiv) A G………..suportar integralmente e exclusivamente o risco de não pagamento dos empréstimos que concede às empresas do grupo em situação deficitária, não repercutindo tal risco para as demais entidades do grupo;
xv) Em 2008 e quando da falência da entidade do grupo S …………….. AB a irrecuperabilidade dos créditos concedidos a esta foi assumida pela G……… (cf. 1.º parágrafo da página 3 do relatório anual de atividade do exercício junto como doc. 4 da p.i.);
xvi) Os diversos investimentos efetuados pela G…………………… junto de entidades terceiras são efetuados em nome próprio e não em nome das entidades depositárias (cf. doc. n.º 5 da p.i.);
xvii) Os fundos depositados na G………….. excederam largamente os financiamentos concedidos às entidades do Grupo (cf. doc. n.º 6 da p.i.).
7.ª Acresce que, salvo o devido respeito, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de Direito pois os fundamentos em que a mesma se alicerça são improcedentes;
8.ª Entende a Recorrente que a sentença recorrida assenta em erro ao pugnar que as operações de transferência de saldos entre a Recorrente e a entidade centralizadora de tesouraria constituem operações de financiamento e que, por conseguinte, deveria ter sido liquidado IS pela aplicação da verba 17.1.4 da TGIS;
9.ª A verba 17.1 destina-se, em primeira linha, a tributar a “utilização de crédito” em virtude da “concessão de crédito a qualquer título”, i.e. apenas operações que impliquem a existência de um crédito, pelo que, facilmente se depreende que o mero fluxo financeiro entre a Recorrente e a G………… não está sujeito a IS porquanto não se enquadra na letra do 17.1 da TGIS (cf. artigos 1.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, alínea g) do Código do IS, verbas 17.1, 17.2 e 17.1.4 da TGIS);
10.ª Se bastasse a mera disponibilização de fundos para estarmos na presença de uma operação de crédito tributada, o legislador não teria tido o cuidado de precisar que no conceito de utilização de crédito se incluem as operações de tesouraria apenas e tão-só quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao devedor, assim como na anterior TGIS se referiam as “operações de tesouraria configurativas de empréstimos”;
11.ª O conceito de “utilização de crédito” é, de facto, mais restrito do que o conceito de “disponibilização de fundos” o que leva a concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro ao identificar como um “crédito” todo e qualquer montante colocado à disposição da entidade centralizadora de tesouraria;
12.ª Para que haja sujeição a IS, não basta estarmos perante a utilização de um crédito que tenha sido percebido através de operações de tesouraria, pois a lei faz depender a existência do facto tributário, nos casos de operações de tesouraria, de um “financiamento ao cessionário”, pelo que interessa, para o efeito, atentar nas características essenciais do contrato para dilucidar se as partes pretenderam acordar num financiamento (cf. TEIXEIRA DE ABREU, Centros de Gestão de Tesouraria - Questões legais e fiscais numa perspectiva portuguesa, in Revista da Banca, n.º 51, p. 30);
13.ª Confrontando as denominações empregues pelas partes no negócio por si celebrado somos levados a concluir que a aplicação dos excedentes de tesouraria junto da GMETC reveste a natureza de depósito e não de operação de crédito, pois o contrato de cash pooling celebrado entre a Recorrente e a G…………….. evidencia que a Recorrente não concede financiamento àquela;
14.ª Se estivesse em causa um crédito concedido à G……………., a Recorrente não manteria a disponibilidade imediata a todo o tempo sobre os montantes transferidos e, por outro lado, se se tratasse de um crédito, seria a G…………. a solicitar os montantes de que necessitasse e não a Recorrente a disponibilizar sponte propria os fundos perante uma sujeição da G………….. como mutuária;
15.ª O interesse que é tutelado pelo contrato nestas transações é o da Recorrente poder depositar os seus excedentes de tesouraria junto da G……………… por forma a beneficiar de uma maior rendibilidade do capital e bem assim, o facto de os juros que se vencem mensalmente permanecerem na conta do DBF e não serem transferidos para uma conta da Recorrente indicia que estamos perante um depósito remunerado e não perante uma operação de crédito;
16.ª Nem se invoque, em sentido oposto, o facto de a G…………… poder utilizar os fundos que lhe são disponibilizados para conceder empréstimos a empresas do grupo em situação deficitária pois tal faculdade não autoriza que se afirme que, a montante, também existiu um crédito, pois ninguém se atreveria a afirmar que um depositante, ao constituir um depósito, concede um crédito ao Banco, sujeito a IS, pese embora o Banco possa utilizar os fundos disponibilizados para a concessão de créditos aos seus clientes, porquanto sendo o dinheiro fungível, passa a integrar a propriedade do depositário e não se pode dizer que é ainda o dinheiro do depositante que está a ser usado para a concessão de crédito a um terceiro;
17.ª No limite, se nenhuma filial do Grupo estivesse em situação deficitária, as mesmas não deixariam de continuar a depositar os seus excedentes de tesouraria junto da GMETC para beneficiarem de maior rendibilidade do capital e, nesse caso, não há como afirmar que o que está em causa é um crédito;
18.ª No que à qualificação do contrato de cash pooling celebrado entre a Recorrente e a GMETC se refere, a lei sueca aplicável in casu qualifica-o como contrato de depósito (cf. artigo 11.º, n.º 1 da LGT, artigo 3.º, n.º 1 da Convenção de Roma e artigo 18.º do contrato de cash pooling);
19.ª A lei sueca, enquanto direito estrangeiro, é de conhecimento oficioso do tribunal, o que é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência (cf. artigo 348.º do Código Civil e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.04.2005, proc. n.º 3706/04);
20.ª Embora o contrato celebrado pela Recorrente seja um contrato regulado pela lei sueca, sempre deverá qualificar-se o tipo negocial em causa à luz dos conceitos do Direito português, mesmo porque se tem em vista a interpretação da norma de incidência tributária vertida na verba 17.1.4 da TGIS (cf. artigo 11.º, n.os 2 e 3 da LGT);
21.ª À luz da legislação portuguesa, o contrato sob referência em que se proporciona, a título oneroso, a disponibilidade de dinheiro com possibilidade de restituição da quantia à primeira solicitação, configuraria um depósito irregular, não se subsumindo ao conceito de “operação de crédito” (cf. artigos 1185.º, 1186.º, 1194.º e 1205.º do Código Civil e artigos 2.º e 3.º do Código Comercial);
22.ª Em antinomia com o contrato de depósito irregular surge o contrato de mútuo como figura negocial típica, no Direito português, subjacente a uma operação de crédito (cf. artigos 1142.º, 1144.º, 1147.º, 1148.º, n.º 2 do Código Civil e artigos 3.º, 394.º e 395.º do Código Comercial);
23.ª A doutrina estabelece a distinção entre o mútuo e o depósito irregular a partir do critério do fim principal do contrato, i.e., dos interesses prosseguidos pelas partes, logo se a entrega do objeto é efetuada no interesse do tradens, o contrato constituirá depósito irregular, se é realizada no interesse do accipiens o contrato será um mútuo (cf. PIRES DE LIMA, et. al., inCódigo Civil Anotado”, Vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1997, pp. 860-861 e CUNHA GONÇALVES, inTratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português”, Vol. VIII, Coimbra Editora, 1934, p. 121);
24.ª In casu, a iniciativa da disponibilização dos excedentes de tesouraria pertence à Recorrente que pode, a todo o momento, exigir as quantias entregues à GMETC, pelo que se conclui que o interesse predominante no negócio é o da primeira entidade e não o da utilização dos fundos por parte da entidade sueca;
25.ª A aplicação dos excedentes não depende, no presente caso, das necessidades de financiamento da G……………. nem da sua solicitação, mas do interesse de gestão de tesouraria da Recorrente com vista à rendibilidade do seu capital, razão pela qual as aplicações dos excedentes não configuram um mútuo ou qualquer outro contrato que consubstancie uma operação de crédito ou uma operação de financiamento, sujeita a IS, pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida;
26.ª Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao não constatar que a administração tributária incumpriu o ónus da prova que sobre si impendia de provar o facto tributário que invoca, qual seja, a concessão de crédito pela Recorrente à GMETC, pelo que deverá ser anulada a liquidação sub judice (cf. artigos 74.º da LGT e 100.º, n.º 1 do CPPT);
27.ª In casu, a administração tributária questionou a qualificação das operações de aplicação de excedentes de tesouraria como operações de depósito, sustentando que eram antes financiamentos ao devedor sob a forma de conta-corrente mas não demonstrou o alegado, pelo que as regras do ónus da prova funcionam contra si (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30.01.2013, proc. n.º 0105/12);
28.ª Sem prejuízo do exposto, o Tribunal a quo incorre igualmente em erro de julgamento de Direito ao considerar que a disponibilização de fundos da Recorrente para a G…………… cai no âmbito da verba 17.1.4 da TGIS na medida tal entendimento viola o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade (cf. artigos 2.º e 103.º, n.º 1 da CRP; SOUSA FRANCO, in Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, 4.ª Edição – 13.ª Reimpressão, Almedina, 2010, p. 169; CASALTA NABAIS, in O dever fundamental de pagar impostos, Coleção Teses, Almedina, 1998, p. 449);
29.ª O princípio da capacidade contributiva, entendido como a idoneidade para suportar o ónus do tributo (cf. DIOGO LEITE CAMPOS, et. al., inDireito Tributário”, 2ª Edição, Coimbra, 2000, p. 129), afigura-se como um critério básico da Constituição Fiscal, pelo qual devem orientar-se as normas tributárias e apesar de a Constituição não o consagrar expressamente, a sua dignidade constitucional tem sido, por diversas vezes, reconhecida pelo Tribunal Constitucional, que vê nele expressão do princípio da igualdade fiscal ou tributária, na sua vertente “uniformidade”, i.e., do dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério (cf. acórdão n.º 452/2003 do Tribunal Constitucional);
30.ª De acordo com o brocardo aristotélico referente ao princípio da justiça e ao princípio da igualdade, podemos reconduzir o princípio da capacidade contributiva à ideia de pagamento de igual imposto para quem disponha de igual capacidade e de diferente imposto para quem disponha de diferente capacidade contributiva, na medida e proporção dessa diferença (cf. JOSÉ CASALTA NABAIS, in Direito Fiscal, 2.ª Edição, 2012, Almedina, pp. 156 e 157 e in O dever fundamental de pagar impostos, Coleção Teses, Almedina, 1998, p. 483; JOSÉ CARDOSO DA COSTA, O princípio da capacidade contributiva no constitucionalismo português e na jurisprudência do Tribunal Constitucional, in “Boletim de Ciências Económicas – Homenagem ao Prof. Doutor António José Avelãs Nunes”, Vol. LVII, Tomo I, 2014, p. 1177 e 1178; acórdãos do Tribunal Constitucional, proc. n.º 348/97 e proc. .º142/2004);
31.ª Também o IS se rege pelo princípio da capacidade contributiva, pelo que apenas será legítima a tributação da operação financeira que, de algum modo, revele rendimento ou riqueza e tem-se entendido que esta incidência tributária apenas se salva da inconstitucionalidade se se entender que a tributação assenta num enriquecimento temporário virtual ou aparente, decorrente de um aumento de liquidez financeira do beneficiário em dado momento enquanto, por contraposição, a dívida se encontrará disseminada por um prazo médio a longo (cf. preâmbulo do Código do IS e CARLOS LOBO, inAs operações financeiras no Imposto do Selo: enquadramento constitucional e fiscal”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, p. 86);
32.ª Em face das cláusulas contratuais supra referidas constata-se que inexiste um qualquer enriquecimento da G……………, ainda que aparente, já que os excedentes de tesouraria da Recorrente são canalizados para a G………….. sem qualquer solicitação desta, ao contrário do que acontece num contrato de mútuo, no qual é o beneficiário dos fundos que os solicita e, por outro lado, tais excedentes são exigíveis pela Recorrente à G……….. em qualquer momento, sem penalização, o que evidencia que a entidade financeira depositária é efetivamente depositária, a qual, no limite, poderá ter de devolver os fundos no instante imediatamente após a sua receção, o que contrasta com a situação em que o beneficiário do crédito dispõe de um determinado prazo para proceder à liquidação da sua dívida;
33.ª Pelo que o normativo do artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS conjugadamente com os normativos constantes das verbas 17.1 e 17.1.4 da TGIS, quando interpretadas no sentido de incluírem no seu âmbito de incidência a transferência de excedentes de tesouraria da Recorrente para a G……………, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria, sujeitando tais valores a IS, como defendem os serviços de inspeção tributária e o Tribunal a quo, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva, previsto nos artigos 13.º e 104.º da CRP, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais;
34.ª Adicionalmente, se o facto tributário em análise é a “utilização de crédito” prevista nas verbas 17.1 e 17.1.4 da TGIS, resulta evidente que a administração tributária procedeu a uma liquidação relativamente à qual inexiste facto tributário, porquanto preveem, ambas as verbas, como facto tributário a “utilização do crédito” e não, contrariamente ao que se afirma na decisão recorrida, a “concessão de crédito”, pelo que ao ter aceitado o entendimento da administração tributária o Tribunal a quo incorreu também nesta sede em erro de julgamento de direito (cf. artigo 1.º, n.º 1 do Código do IS, verbas 17.1 e 17.1.4 da TGIS; acórdão Tribunal Central Administrativo Sul de 22.05.2012, proc. n.º 05232/11; Casalta Nabais, inDireito Fiscal”, 7.ª Edição, 2014, p. 580);
35.ª Consagrando as verbas da TGIS os factos tributários sujeitos a IS e sabendo que a «existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.», é flagrante a inexistência de facto tributário no caso sub judice, uma vez que diversamente do que sucedia na antiga TGIS, em que o facto tributário consistia na celebração do contrato de concessão de crédito, no atual Código do IS o facto tributário passou a ser a utilização do crédito (cf. artigo 1.º da TGIS, aprovada pelo Decreto n.º 21.916, de 28.11.32; artigo 54.º da TGIS, na redação da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro; preâmbulo do atual Código do IS, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro; “Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Ministério das Finanças, Lisboa, 2002, p. 681);
36.ª É notório o erro em que incorre o Tribunal a quo, ao seguir o entendimento dos serviços de inspeção tributária, que procede como se o facto tributário sujeito a IS continuasse a ser a obrigação de fornecer a outrem fundos e irrelevasse, por conseguinte, a utilização do crédito, pelo que, deverá a sentença recorrida ser revogada e, por conseguinte, a liquidação em apreço ser anulada por ilegal;
37.ª Sem prejuízo do exposto, ainda que se entenda que existe facto tributário, qual seja o da utilização do crédito, o que apenas se cogita por dever de prudente patrocínio, sempre se dirá que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de Direito ao considerar deverem ser estas operações sujeitas a IS em Portugal, porquanto não se verifica o preenchimento da norma de incidência territorial;
38.ª O facto tributário em análise é a utilização de crédito prevista na verba 17.1.4 da TGIS, não se aplicando, o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IS uma vez que a pretensa utilização de crédito por parte da G………….., entidade com sede na Suécia, não consubstancia um facto tributário ocorrido em território português;
39.ª Tampouco se aplica o artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Código do IS, pois sempre se trataria de uma operação de crédito realizada por uma entidade, sediada em território nacional a uma entidade que não é domiciliada em território português, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável, ou seja, mesmo que se considerasse aplicável a norma de incidência objetiva e se pudesse considerar que a atividade da G………… de gestão de tesouraria consubstancia uma utilização de crédito sujeita IS, ainda assim não se poderia considerar tal facto tributário verificado no território nacional uma vez que a GMETC não se pode considerar domiciliada em território português por aí não ter sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável;
40.ª Uma vez que o facto tributário é, ao invés, a utilização de crédito e esta última indubitavelmente ocorre no estrangeiro, não pode senão concluir-se que não tem aplicação o artigo 4.º, n.º 1, do Código do IS e também com este fundamento se deverá anular a sentença recorrida e, por conseguinte, a presente liquidação de imposto;
41.ª Em face do exposto conclui-se pela ilegalidade da correção em apreço, pelo que o presente recurso deverá ser julgado procedente, determinando-se a anulação do ato tributário sub judice com a consequente restituição à Recorrente do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios (cf. artigo 43.º da LGT).
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, nesta parte, determinando-se, em consequência, a anulação do ato tributário sub judice nos termos peticionados”.
Mais refere que, “[s]endo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”
X
Não houve contra-alegações
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. A Impugnante é uma sociedade com o objeto social de comércio de veículos automóveis (cf. facto não contestado).
2. A Impugnante celebrou o contrato de “centralização de tesouraria” denominado de “DEPOSIT/LOAN AGREEMET” com a G ……………………. AB (G…………), sociedade com sede na Suécia, constante de fls. 60 a fls. 68 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido, nos termos do qual os excedentes de tesouraria da impugnante são canalizados para a G………….
3. Nos termos do artigo 4.º do contrato denominado de “DEPOSIT/LOAN AGREEMET” com a G ……………………. (G………….) sempre que a Impugnante tem um excedente de tesouraria, deposita-o numa conta bancária de que é a única titular junto do D............ BANK Portugal designada por “overlay account” que depois é transferida para uma conta bancária do D............ BANK F........... designada por “REFERENCE ACCOUNT OF THE COUNTERPARTY” de que é titular a G…………...
4. Nos termos do contrato de centralização de tesouraria identificado no ponto 1 que antecede, celebrado entre a G …………. e as várias filiais do Grupo G............. M…………, a G…………. aceita os depósitos das filiais e investe os excedentes de tesouraria globais junto de terceiras entidades, podendo disponibilizar fundos às filiais do Grupo em situação deficitária em função das suas necessidades.
5. Nos termos do artigo 3.º do contrato identificado no ponto 1 que antecede, as aplicações dos excedentes de tesouraria junto da G………….. são remuneradas a uma taxa de juro diária calculada com base numa taxa de juro fixa (EURIBOR a 2 semanas) deduzida da percentagem pré-definida e são creditados na conta de referência D............ B........... F........... integrando o saldo da mesma e capitalizando nos meses seguintes.
6. Com base na Ordem de Serviço n.º OI201100595, emitida em 11/10/2011, a Direção de Serviços de inspeção tributária procedeu a uma inspeção interna à Impugnante, em sede de Imposto de Selo, relativa ao exercício de 2008, da qual resultou o relatório de inspeção e respetivos anexos, constantes de fls. 260 e seguintes do Processo Administrativo Tributário, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta em síntese o seguinte:
“ (…)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Na sequência da acção de inspecção, resultaram as seguintes correcções fiscais:

Imposto do Selo (IS) em falta - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente A) Acordo de cash pooling do Grupo GM

Da análise às contas do razão verificou-se a existência de uma conta na rubrica disponibilidades “1800000 - Outras Aplicações de tesouraria (Conta GM - S0140100000) com um saído devedor, em 31.12.2008, de € 126.138.301,23, o qual resulta do relacionamento com a empresa do grupo “G............. M………………………….” (G………….) entidade com sede na Suécia. Este relacionamento encontra-se contratualizado, {Anexo 1, folhas 1 a 9).

Em virtude deste contrato denominado por “Deposit/Loan Agreement", as entidades aderentes estabelecem um acordo de centralização de tesouraria, passando a cobrir as suas carências de tesouraria e efectuar as suas aplicações de excedentes de tesouraria-através da GMETC.

É um contrato mediante o qual a G………… é a entidade que aceita os depósitos por parte de todas as diversas filiais do Grupo GM e empresta fundos a outras filiais do mesmo Grupo.

Como ê referido no artigo 1,º do contrato, o acordo apresenta duas vertentes:

- Por um lado, a G………… aceita depósitos por parte das empresas aderentes as quais concedem um crédito correspondente;

- Por outro lado, a G…………. concede créditos às empresas aderentes que retiram os fundos correspondentes.

No artigo 3.º do contrato, são definidas as condições que regem os pagamentos/ recebimentos dos juros associados às referidas operações financeiras.

Relativamente aos depósitos (aplicações) efectuados pelas empresas aderentes, a GMETC compromete-se a pagar juros à taxa de mercado fixada (Fixed Rate), minorada de um número predefinido de pontos base, que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês (artigo 3.º do "Deposit/Loan Agreement').

Por sua vez, pelos montantes emprestados pela G………….. às empresas aderentes, são pagos juros à taxa de mercado fixada (Fixed Rate), majorada de um número predefinido de pontos base, que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês.

A denominada “Fixed Rate” é definida a 2-semanas E………., que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês.

No artigo 4.º, são acordadas as formas de movimentação dos fundos, onde se preconiza que sempre que, neste caso a GMP, tenha um excedente de tesouraria deposita-o numa conta sua, aberta no D............ B........... Portugal (“Overtay account"), que por sua vez a G……………., transferirá para a designada "Reference Account of the Counterparty”, ou seja para uma sub- conta do D............ B........... F..........., própria da GMETC, que será exclusivamente usada para as transferências verificadas entre as companhias do grupo aderentes e a GMETC.

Os movimentos entre estas duas contas são efectuados pela G……………. através de um sistema de pagamento electrónico do D............ B..........., designado por sistema automático “coshsweep”

Estamos assim em presença da modalidade de cash pooling designada por cash concentradorf, pois nesta modalidade, a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora constituída junto do banco, efectuam-se efectivas transferências de capital para a conta global, ou seja, os fundos são fisicamente direccionados para uma única conta bancária agregada.

O artigo 4.º do referido acordo, indica como são efectuados os pagamentos. No que respeita às transacções resultantes de um contrato de Cash Pooling, os pagamentos/recebimentos referentes às operações mencionadas na convenção serão feitos em Euros, a débito ou a crédito da conta que cada entidade possui junto da entidade bancária do país onde essas entidades têm a sua sede social, no caso da GMP é o D …… B........... Portugal.

O registo dos fluxos financeiros ocorridos entre a G…………… e as entidades aderentes, processa-se em contas específicas para cada empresa aderente, podendo as mesmas assumir a forma de conta corrente.

B) Reflexos do acordo de cash pooling na GMP

A G............. M…………. Portugal, Lda (GMP) celebrou um contrato com a G............. M …………………. AB (G………….), através do qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para a G…………., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo G............. M........... Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da G……………, no caso de necessitar dos mesmos.

No exercício objecto de análise, a relação entre a GMP e a G……… consistiu na cedência de excedentes de tesouraria da primeira à segunda entidade. Por sua vez, a G………. pôde utilizar estes montantes para satisfazer necessidades de financiamento de outras empresas do grupo GM aderentes ao referido contrato.

A G…….., no caso da GMP, transfere o excesso de liquidez ou o reembolso de um empréstimo da conta aberta no Deutsch B........... Portugal para a conta de referência Deutsch B........... F..........., conta própria da G…………, procedimento que só é possível se a entidade aderente autorizar a G……….. a aceder à sua conta bancária aberta no país onde reside, autorização concedida por "Procuração".

A G…………., pela utilização destes excedentes de tesouraria, paga mensalmente à GMP, juros nos termos estabelecidos no artigo 3.º; "Terms and Inferest of the Transaction” do "Deposit/Loan Agreement\ celebrado entre as partes, que se resume basicamente à utilização da taxa de mercado, definida (2-semanas EURIBOR), que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês.

No exercício de 2008, por apenas se terem verificado depósitos resultantes de excedentes de tesouraria, a G……………… pagou à GMP juros no montante de € 5.638.922,33, juros estes que aquando do recebimento são creditados (conta - 781500 - Juros Obtidos em Outras Aplicações Financeiras) por contrapartida da conta 18.

Quanto ao prazo de reembolso destes fundos, este não se encontra definido, uma vez que depende das necessidades de tesouraria da GMP, ou seja, o reembolso processa-se na data e pelo montante indicado no pedido de fundos que a GMP emite e envia à G……………..

As transacções financeiras ocorridas entre a GMP e a GMETC encontram-se registadas nas seguintes contas com base na documentação apresentada no Anexo 2, folhas 1 a 7:

(…)

C) Enquadramento da operação em sede de Imposto do Selo

O sistema de "Cash Pooling” consubstancia-se num serviço financeiro que poderá ser utilizado entre contas bancárias de uma só empresa, ou entre contas bancárias de várias empresas do mesmo grupo, tratando-se da gestão conjunta desses capitais na vertente da rendibilidade do capitai. Ou seja, mediante excedentes de tesouraria que existam de forma dispersa em várias contas, e/ou carências de tesouraria noutras contas, poderá proceder-se à sua gestão conjunta e possibilitar a concessão de créditos entre empresas do grupo.

Ora, as operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a imposto do Selo.

De facto, de acordo com o princípio da territorialidade estabelecido pelo n.º 1 do art.º 4.º do Código do Imposto do Selo (CIS) "o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional.

Por sua vez o nº 1 do artº 1.º do CIS (incidência objectiva) refere que ”0 imposto do seio incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral; incluindo as transmissões gratuitas de bens".

O Código do Imposto do Selo tributa a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor...", de acordo com as taxas referidas na verba 17.1 da Tabela Geral, anexa ao Código do Imposto do Selo "sobre o respetivo valor, em função do prazo”.

A taxa a aplicar é a referida na Tabela Geral do Imposto do Selo na verba 17.1.4 ou seja 0,04% "sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30".

Por força da amplitude da norma estarão assim necessariamente sujeitos a este imposto, quer os excedentes de fundos disponibilizados pela entidade centralizadora às aderentes, quando do seu saque por parte destas, quer em sentido inverso, os excedentes por estas colocados à disposição da entidade centralizadora de tesouraria, no momento em que sejam objecto de levantamento.

Refere-se que a transferência dos excedentes de tesouraria da conta da GMP (através do DBP) para a G…………….., corresponde a uma operação financeira de concessão de crédito (disponibilização de fundos) sob a forma de fundos, que ocorre em território nacional, dado que a GMP tem sede em Portugal (entidade mutuante) e a G………….. tem sede na Suécia (entidade mutuaria). As entidades responsáveis pela liquidação e entrega do imposto serão sempre, em qualquer dos casos, as entidades domiciliadas em território nacional.

Assim, a realização do crédito (sob a forma de conta corrente), é uma situação sujeita a Imposto do Selo de acordo com o n.º 1 do art.º 4.º do CIS e em que a obrigação do imposto se considera constituída no último dia de cada mês, de acordo com a alínea g) do art.º 5 do mesmo diploma.

No que respeita aos juros pagos pela G………….. à GMP, estes não estão sujeitos a Imposto do Selo, por não se enquadrarem na verba 17.2 da Tabela Geral do imposto do Selo '„Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras

O conceito de intermediação consagrado nesta disposição legal deve ser entendido na sua acepção material: só constituirá intermediação, para este efeito, a participação daquelas entidades no próprio negócio de concessão do crédito ou de financiamento. No caso em concreto, o banco limita-se a actuar como mero depositário, não se verificando, por isso, qualquer intermediação na acepção acima referida.

Embora pertencendo ao mesmo grupo empresarial, as operações financeiras entre elas (GMP e G……………) não beneficiam das isenções consagradas nas alíneas g) e h) do nº'1 do art.º 7.º do CIS, já que para tal deveriam:

> Ser operações financeiras com prazo não superior a um ano;

> Destinar-se exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria;

> Serem realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação não inferior a 10% e desde que tenha permanecido na sua titularidade por um período mínimo de um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada.

No caso em apreço não se verificam o segundo e terceiro pressupostos, pois, embora as operações tenham um prazo não superior a um ano, elas não se destinam exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria e a GMP não possui qualquer participação directa na G………………. As aplicações dos excedentes de tesouraria entre a GMP e a GMETC ocorrem independentemente desta última ter ou não carências de tesouraria. Conforme já mencionado, os fundos transferidos para a G…………… não se destinam à cobertura de carências de tesouraria da G …………., mas poderão vir a ser canalizados, por esta entidade, para eventuais necessidades de financiamento de empresas do grupo GM aderentes ao referido acordo.

Desta forma e uma vez que não são cumpridas cumulativamente as condições de isenção previstas nas alíneas g) e h) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS, as operações financeiras entre as duas entidades GMP/G……….. não poderão beneficiar dela.

Estando delimitada a incidência do imposto e não existindo qualquer isenção prevista para esta operação, procedeu-se ao seu respectivo cálculo, determinando o saldo médio mensal em dívida de cada mês e aplicando a taxa de 0,04%, para apurar o imposto em falta.

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do art. 2,º, e com os artigos 23.º e 41.º, todos do CIS, a liquidação deste imposto e a sua entrega nos cofres do Estado compete à entidade concedente do crédito, neste caso à GMP, pelo que esta entidade deveria ter pago o imposto até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária se tenha constituído (n.º 1 do art.º 44 do CIS).

Tendo em vista o descrito anteriormente, apurou-se, no Anexo 3, folhas 1 a 12, o valor de imposto do selo em falta, no montante de € 670.629,16, resultante da aplicação da verba 17.1.4 da tabela anexa ao Código do Imposto do Selo (TGIS), ao crédito concedido pela G............. M.......... Portuga! sobre a forma de conta corrente. Os cálculos efectuados encontram- se desenvolvidos no Anexo 3 ao presente documento, no entanto, no quadro abaixo, apresentam-se os mesmos de uma forma sintetizada: // (…)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

Na sequência do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária emitido com referência ao exercício de 2008 (Imposto do Seio) e de acordo com o previsto na alínea e) do nº 1 do art.0 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro e no art.0 60.º do Regime Complementar do Procedimento de inspecção Tributária (RCPIT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, foi a sociedade G............. M.......... Portugal, Lda, notificada em 2011-12-07, através do nosso ofício n.º 3793 de 2011-12-05, para no prazo de dez dias exercer o direito de audição.

O sujeito passivo informou por email datado de 2011-12-22 (com entrada registada com o n.º 4390, de 2011-12-22) que "Serve o presente para informar que não exercemos o direito de audição prévia pelo que se mantêm as correções constantes do Projeto de Correções. // (…)”
7. Em 22/12/2011, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de Imposto do Selo n.º ………………172, relativa ao exercício de 2008, no valor de EUR 670.629,16 e de juros compensatórios no valor de EUR 91.154,63, num valor total de EUR 761.783,79 com data limite de pagamento de 8/2/2012 (cf. demonstração da liquidação a fls. 89 dos autos).
8. Em 16/2/2012, a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto de Selo descrita no ponto que antecede (cf. documento constante de fls. 91 dos autos).
9. Em 19/4/2012, a presente impugnação foi apresentada no TAF de Sintra (cf. fls. 3 dos autos).”

X
“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.”
X
“Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa, atenta a causa de pedir.”
X
Na conclusão 6), a recorrente pretende o aditamento à matéria de facto de quesitos que identifica.
Apreciação. Analisados os elementos em apreço, verifica-se que os mesmos correspondem a quesitos que ou coincidem com quesitos já inscritos no probatório ou sobrepõem-se a elementos já constantes dos autos (v. pontos 2 a 6 do probatório). Os demais elementos não relevam na economia dos autos, tendo em conta as soluções possíveis do litígio sub judice. O aditamento requerido não é, pois, de deferir.
Termos em que se julga improcedente a presente imputação.
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Nulidade por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto [conclusões 1) a 3)]
ii) Erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [conclusões 4) a 6), apreciado supra].
iii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, porquanto o contrato em causa não configura um contrato de concessão de crédito, mas antes um contrato de depósito irregular e a impugnada não logrou demonstrar os pressupostos da tributação em causa [conclusões 7) a 27)].
iv) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, porquanto a tributação imposta pela liquidação contestada configura preterição do regime da territorialidade do imposto, não se provando a existência de facto tributário ocorrido em território nacional [conclusões 34) a 41)].
v) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, porquanto a tributação imposta pela liquidação em causa configura preterição do princípio da capacidade contributiva [conclusões 28) a 33)].
A sentença julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto de Selo de 2008. Considerou, em síntese:
«Conforme se retira dos pontos 2 a 5 dos factos provados, a Impugnante firmou e utilizou um contrato cash pooling na modalidade designada por cash concentration, pois, nesta modalidade, a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora, que no caso dos autos compete à G…………….. para tanto tendo aberto uma conta bancária no D............ B........... F..........., a qual é exclusivamente usada para as transferências verificadas entre as companhias aderentes do grupo, como é o caso a Impugnante, que no exercício de 2008 cedeu os excedentes de tesouraria à G……………. // As operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a Imposto do Selo, atento o disposto na verba 17, da Tabela Geral do Imposto de Selo. // Este imposto sobre a utilização de crédito previsto na referida verba 17.1. da T.G.I.S. incide sobre todas as operações de natureza financeira, realizadas por qualquer entidade, e a qualquer título, de que resulte a disponibilização de crédito sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, abrangendo na sua incidência, quer os atos de tomada de fundos disponibilizados em território nacional a entidades aqui não domiciliadas, quer as operações desta natureza realizadas a favor de entidades aqui domiciliadas, ainda que o facto tributário - o saque dos fundos - se deva considerar localizado fora do território nacional (…)».
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto.
Apreciação. A falta de exame crítico das provas constitui motivo de anulação da sentença (artigo 615.º/1/b), do CPC. A sentença contém a fundamentação da decisão da matéria de facto, para além de especificar em cada alínea o seu suporte probatório. A recorrente não indica quais as provas que não foram apreciadas ou consideradas. Não se apura, pois, a alegada falta de motivação ou a alegada falta de exame crítico das provas. Motivo porque se julga improcedente a presente imputação.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente alega que o contrato em exame não implica qualquer concessão de crédito, pelo que não estão preenchidos os pressupostos da norma de incidência.
Apreciação. A fundamentação da liquidação em exame consta do relatório inspectivo (v. ponto 4. do probatório).
«O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens» (artigo 1.º/1, do CIS). Nos termos do artigo 5.º/1/g), do CIS, «[a] obrigação tributária considera-se constituída: [n]as operações de crédito, no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês».
Da Tabela Geral Anexa ao CIS consta o seguinte: // 17.1. Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título excepto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo (…). // 17.1.4. Crédito utilizado sob a forma de conta-corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 – 0,04%.
O contrato de cash pooling consiste «[n]aquele pelo qual, no âmbito da gestão de tesouraria de grupos de sociedades, uma sociedade dominante ou outro veículo societário (dita pooler) centraliza, com base em contas correntes bancárias detidas pelas sociedades que integram o grupo (subordinadas), a gestão e alocação de liquidez de todas as intervenientes subordinadas, ora concedendo financiamento a cada uma das participantes (downstream ou sidestream loans, consoante seja sociedade dominante ou não), ora recorrendo a financiamento (upstream ou sidestream loans), consoante seja sociedade dominante, ou não), consoante a sua situação liquida, em determinado momento seja, respectivamente, superavitária (e a da contraparte seja deficitária) ou deficitária (e a da contraparte seja superavitária)» (1).
No caso em exame, para além do que consta do ponto III do Relatório Inspectivo (v. supra), verifica-se o seguinte:
«A G............. M……….., Lda (GMP) celebrou um contrato com a G............. M ……………… AB (G…………..), através do qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para a G……………, entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo G............. M........... Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da G………….., no caso de necessitar dos mesmos. // No exercício objecto de análise, a relação entre a GMP e a G……….. consistiu na cedência de excedentes de tesouraria da primeira à segunda entidade. Por sua vez, a G…………… pôde utilizar estes montantes para satisfazer necessidades de financiamento de outras empresas do grupo GM aderentes ao referido contrato. // A G……………., no caso da GMP, transfere o excesso de liquidez ou o reembolso de um empréstimo da conta aberta no Deutsch B........... Portugal para a conta de referência Deutsch B........... F..........., conta própria da G…………, procedimento que só é possível se a entidade aderente autorizar a GM………… a aceder à sua conta bancária aberta no país onde reside, autorização concedida por "Procuração". // A G………….., pela utilização destes excedentes de tesouraria, paga mensalmente à GMP, juros nos termos estabelecidos no artigo 3.º; "Terms and Inferest of the Transaction” do "Deposit/Loan Agreement\ celebrado entre as partes, que se resume basicamente à utilização da taxa de mercado, definida (2-semanas EURIBOR), que será fixada mensalmente, no primeiro dia útil de cada mês. // No exercício de 2008, por apenas se terem verificado depósitos resultantes de excedentes de tesouraria, a G……….. pagou à GMP juros no montante de € 5.638.922,33, juros estes que aquando do recebimento são creditados (conta - 781500 - Juros Obtidos em Outras Aplicações Financeiras) por contrapartida da conta 18. // Quanto ao prazo de reembolso destes fundos, este não se encontra definido, uma vez que depende das necessidades de tesouraria da GMP, ou seja, o reembolso processa-se na data e pelo montante indicado no pedido de fundos que a GMP emite e envia à G………... // As transacções financeiras ocorridas entre a GMP e a G…………encontram-se registadas nas seguintes contas com base na documentação apresentada no Anexo 2, folhas 1 a 7: (…)» (2).
Dos elementos coligidos nos autos, forçoso se torna concluir que o contrato em presença não se se reduz a mero contrato de depósito bancário irregular, implicando, ao invés, efetiva concessão e utilização de crédito, o que determina a sua tributação em sede de imposto de selo (artigo 5.º/1/g), do CIS e verba 17.1.4). «[O] cash pooling assenta […] num contrato plurilateral, na medida em que existem mais do que duas declarações de vontade, e, consequentemente, mais do que duas partes, sendo, necessariamente, as seguintes: uma instituição de crédito, a sociedade pooler (o mais das vezes sociedade dominante de determinado grupo) e as participantes (o mais das vezes sociedades dominadas de determinado grupo). (…) // Quanto ao seu objecto, o mesmo consist[e] na consolidação periódica de saldos e respectiva alocação às necessidades financeiras (das participantes) do grupo» (3). Seja a impugnante entidade concedente do crédito, seja a mesma a entidade beneficiária do crédito, há lugar à liquidação de Imposto de selo, nos termos legais (artigos 2.º/1/b), 3.º/3/f), 4.º/1/b), do CIS), porquanto existe a transferência bancária de fundos entre as entidades partes do contrato mencionado, tais fundos são objecto de cedência temporária, mediante o pagamento de juros, que constitui a contrapartida pela disponibilização do dinheiro.
Ao julgar no sentido referido a sentença sob recurso não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iii), a recorrente invoca a inexistência do facto tributário. Afirma que «o facto tributário em análise é a utilização de crédito prevista na verba 17.1.4 da TGIS, não se aplicando, o disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IS uma vez que a pretensa utilização de crédito por parte da GMETC, entidade com sede na Suécia, não consubstancia um facto tributário ocorrido em território português»; e que «[t]ampouco se aplica o artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Código do IS, pois sempre se trataria de uma operação de crédito realizada por uma entidade, sediada em território nacional a uma entidade que não é domiciliada em território português, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável, ou seja, mesmo que se considerasse aplicável a norma de incidência objetiva e se pudesse considerar que a atividade da G…………. de gestão de tesouraria consubstancia uma utilização de crédito sujeita IS, ainda assim não se poderia considerar tal facto tributário verificado no território nacional uma vez que a G………….não se pode considerar domiciliada em território português por aí não ter sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável».
Apreciação. Está em causa a aplicação do disposto no artigo 4.º do CIS (“Territorialidade”). Nos termos do n.º 1, «[s]em prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional».
Nos presentes autos, em face dos dados coligidos no probatório (4), estão em causa duas situações distintas.
Na primeira situação, a Empresa de Pooling, sueca, disponibiliza uma linha de crédito, a curto prazo, às empresas participantes, entre as quais, a G............. M…………Portugal Lda., empresa portuguesa. A G............. M……….. Portugal, Lda., sempre que necessita de fundos solicita-os à Empresa de Pooling, que os transfere, mensalmente ou num período de tempo mais reduzido - se assim for acordado -, através da Conta Central, GMETC, para uma conta, em Portugal pertencente à G............. M.......... Portugal, Lda. (5) V. Relatório Inspectivo.. Nos termos do artigo 4.º/2/a), do CIS, «[s]ão, ainda, sujeitos a imposto: // b) [a]s operações de crédito realizadas e as garantias prestadas por instituições de crédito, por sociedades financeiras ou por quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza, sediadas no estrangeiro, por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito, de sociedades financeiras, ou quaisquer outras entidades, sediadas em território nacional, a quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável» (sublinhado nosso). O facto da concessão de crédito por sociedade estrangeira a sociedade portuguesa mostra-se comprovado nos autos, bem como a sua subsunção à norma de incidência referida.
A outra situação descreve-se da forma seguinte: nos termos do estabelecido no Acordo de Cash Pooling, os excedentes de tesouraria da G............. M.......... Portugal Lda, quando os houver, serão transferidos para a Conta Central, gerida pela Empresa de Poolimg sueca, que, por sua vez, os utilizará para satisfazer as necessidades de outras empresas participantes. A realização do crédito (disponibilização) ocorre em território nacional (6). Trata-se de uma situação sujeita a imposto do selo, face ao princípio da territorialidade instituído pelo nº 1 do artigo 4o do Código do Imposto do Selo. Ou seja, existe concessão de crédito por sociedade portuguesa a sociedade estrangeira, sobre a qual incide IS, nos termos da verba 17.1.4. da Tabela Geral Anexa ao CIS e do artigo 4.º/1, do CIS.
Em face do exposto, a inexistência do facto tributário ou a falta de preenchimento do âmbito previsivo da norma incidência subjectiva e objectiva do imposto não se comprova nos autos. Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. No que respeita ao fundamento do recurso referido em iv), a recorrente afirma que as normas de incidência do Imposto de Selo em apreço violam o princípio da capacidade contributiva. Sustenta que não existe qualquer enriquecimento das entidades envolvidas no contrato sob escrutínio e que o entendimento de que as normas do Código do CIS, «interpretadas no sentido de incluírem no seu âmbito de incidência a transferência de excedentes de tesouraria da Recorrente para a GMETC, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria, sujeitando tais valores a IS, como defendem os serviços de inspeção tributária e o Tribunal a quo, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva, previsto nos artigos 13.º e 104.º da CRP».
Apreciação. «[A] capacidade contributiva constitui o pressuposto e o critério da tributação. (…) De um lado, constituindo a ratio ou a causa da tributação, este princípio afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que, na selecção e articulação dos factos tributários se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectácel de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja em presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (7). «A capacidade contributiva é a medida de igualdade económica que rege a tributação dos impostos. Por ser uma medida, a tributação da capacidade contributiva num Estado de Direito tem de aplicar-se ao universo de sujeitos que manifestam essa capacidade e não apenas a alguns, sob pena de se criarem privilegiados e discriminados» (8).
Relativamente à questão de saber se existe violação do princípio em referência por parte das normas de incidência do Imposto em exame, importa ter presente o seguinte:
i) O imposto de selo é um imposto sobre o consumo, o qual incide, no caso, na utilização do crédito. «O imposto de selo era um imposto sobre documentos, onde se apunha um selo, enquanto exteriorização de uma fé pública que emanava no documento em que era aposto. Com as sucessivas alterações legislativas, pretendeu-se que o imposto de selo se afirmasse como um imposto sobre operações, que independentemente da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza» (9).
ii) No que respeita à verba 17. da TGIS, o «objectivo da mesma é a tributar a concessão de crédito a qualquer título, independentemente da forma contratual que lhe está subjacente. As operações de cash pooling (mais concretamente, na vertente cash concentration) caem no âmbito deste normativo por ocorrerem efectivas transferências de saldos bancários entre as sociedades de um grupo para uma conta-mãe titulada por uma sociedade centralizadora, pelo que aplicador normativo considera que esta operação configura uma concessão de crédito» (10).
iii) A concessão e a utilização do crédito, através da alocação dos excessos de tesouraria, são critérios e medida da tributação, a qual não se antevê que ofenda o princípio da capacidade contributiva. Por um lado, porque o alongar do prazo da concessão de crédito, a par das alternativas de aplicação do mesmo, aumenta as possibilidades de realização do lucro por parte do beneficiário do crédito. Por outro lado, existe a norma de isenção do artigo 7.º/1/g) e h), do CIS, a qual, no caso, não foi preenchida. Tal depõe no sentido da correcção da tributação em causa. «[A]s operações financeiras entre a Impugnante e a GMETC não beneficiam da isenção subjetiva consagrada no artº.7, nº.1, als. g) e h), do C.I.S., já que para tal deveriam: // 1-Ser operações financeiras com prazo não superior a um ano; // 2-Destinar-se exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria; // 3-Serem realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação não inferior a 10% e desde que tenha permanecido na sua titularidade por um período mínimo de um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada. // No caso em apreço não se verificam o segundo e terceiro pressupostos acabados de mencionar, visto que, embora as operações tenham um prazo não superior a um ano, elas não se destinam exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria e a Impugnante não possui qualquer participação direta na GMETC (cf. nº.6 dos factos provados)» (11).
Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.6. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (12). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (13). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde €761.783.79.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. «Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o disposto no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)

(1) José Eduardo Oliveira, O contrato de cash Pooling, Almedina, 2023, p. 48.
(2) Alínea B), do Relatório Inspectivo.
(3) José Eduardo Oliveira, O contrato de cash Pooling… cit., p. 36.
(4) V. Relatório Inspectivo.
(5) V. Relatório Inspectivo.
(6) Relatório Inspectivo.
(7) José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2010, p. 151.
(8) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2018, p. 91.
(9) Cátia Lopes Cardoso, “Do cash pooling e do imposto de selo. Análise critica ao acórdão do CAAD no processo n.º 76/2013-T”, in Scientia Juridica, Tomo LXVI, n.º 343, Janeiro/Abril, 2017, pp. 19/40, máxime, p. 26.
(10) Cátia Lopes Cardoso, “Do cash pooling e do imposto de selo. Análise critica ao acórdão do CAAD no processo n.º 76/2013-T”, cit., p. 28.
(11) Sentença recorrida.
(12) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(13) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.